IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Maria Odília de Araújo Ponte, nasci no dia nove de fevereiro de 1932, em Aquiraz, Ceará. FAMÍLIA O meu pai chamava-se Zacharias Ferreira de Araújo e minha mãe Raimunda Vieira de Araújo. Meus avós paternos, João de Araújo e Teresa de Souza de Araújo, e os maternos, Maria de Souza e Guilhermino de Paiva, eu acho. Eram todos agricultores. Minha família é de origem portuguesa. A minha avó era mestiça, tinha sangue índio. Eu tenho 12 irmãos. INFÂNCIA / BRINCADEIRAS / EDUCAÇÃO A minha infância foi maravilhosa, porque fui criada no interior até os oito anos de idade. Morava na fazenda, livre, soltando pipa, jogando ximbra, jogando futebol, ia a praia correndo a cavalo, ia para a escola a cavalo. Eram 10 homens e só eu de mulher. Eu era a sétima filha. Eu tinha que brincar com os meninos. Era do time de futebol, era das brigas com os meninos. Depois é que nasceram as minhas irmãs. Eu já tinha 15 anos quando elas nasceram. Depois, aos oito anos, meu pai achou que eu já estava crescida e me colocou num colégio interno, um colégio de freiras, em Fortaleza. Fiquei no colégio de freira dois anos, depois meu pai resolveu ir para a capital, para Fortaleza, porque os meus irmãos mais velhos precisavam estudar também. Aí, eu saí do colégio de freiras e fui para outro colégio, o Sete de Setembro, que era protestante. LEMBRANÇAS A casa da fazenda era uma casa grande, mas bem simples, típica do interior do sertão, muito simples. Meu pai era muito enérgico, nos deu uma educação muito rígida. Mas, assim mesmo, nós éramos felizes, porque éramos soltos, brincávamos muito, iamos para a escola, voltávamos. A vida era muito livre. Morávamos apenas meus pais, meus irmãos e os empregados, alguns deles com seus filhos. Para mim, o que caracteriza mais o sertão eram as corridas de cavalo, eu pegava parelha com os meninos a cavalo. Isso tudo me marcou muito. Eu era muito...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Meu nome é Maria Odília de Araújo Ponte, nasci no dia nove de fevereiro de 1932, em Aquiraz, Ceará. FAMÍLIA O meu pai chamava-se Zacharias Ferreira de Araújo e minha mãe Raimunda Vieira de Araújo. Meus avós paternos, João de Araújo e Teresa de Souza de Araújo, e os maternos, Maria de Souza e Guilhermino de Paiva, eu acho. Eram todos agricultores. Minha família é de origem portuguesa. A minha avó era mestiça, tinha sangue índio. Eu tenho 12 irmãos. INFÂNCIA / BRINCADEIRAS / EDUCAÇÃO A minha infância foi maravilhosa, porque fui criada no interior até os oito anos de idade. Morava na fazenda, livre, soltando pipa, jogando ximbra, jogando futebol, ia a praia correndo a cavalo, ia para a escola a cavalo. Eram 10 homens e só eu de mulher. Eu era a sétima filha. Eu tinha que brincar com os meninos. Era do time de futebol, era das brigas com os meninos. Depois é que nasceram as minhas irmãs. Eu já tinha 15 anos quando elas nasceram. Depois, aos oito anos, meu pai achou que eu já estava crescida e me colocou num colégio interno, um colégio de freiras, em Fortaleza. Fiquei no colégio de freira dois anos, depois meu pai resolveu ir para a capital, para Fortaleza, porque os meus irmãos mais velhos precisavam estudar também. Aí, eu saí do colégio de freiras e fui para outro colégio, o Sete de Setembro, que era protestante. LEMBRANÇAS A casa da fazenda era uma casa grande, mas bem simples, típica do interior do sertão, muito simples. Meu pai era muito enérgico, nos deu uma educação muito rígida. Mas, assim mesmo, nós éramos felizes, porque éramos soltos, brincávamos muito, iamos para a escola, voltávamos. A vida era muito livre. Morávamos apenas meus pais, meus irmãos e os empregados, alguns deles com seus filhos. Para mim, o que caracteriza mais o sertão eram as corridas de cavalo, eu pegava parelha com os meninos a cavalo. Isso tudo me marcou muito. Eu era muito feliz. Nessa época, ainda estudávamos perto, na escolinha do lugar. Outra lembrança marcante era a época da moagem da cana, que durava seis meses, fazíamos rapadura, açúcar mascavo. Colhíamos caju, separávamos a castanha, quebrávamos a castanha e molhávamos a castanha no melado, ela já saia recheada. Era uma vida muito saudável, muito boa. Depois, nos outros seis meses, era a época de fazer farinha, meu pai fazia farinhada. Os mais velhos já ajudavam. Para fazer farinha, primeiro planta-se a mandioca. Quando ela cresce, um ano e meio, tira as raízes e as mulheres raspavam toda aquela mandioca, depois passavam num ralo. Dali, tirava aquela massa que ia para uma prensa grande, espremia. No outro dia, peneiravam e aquela massa fina ia para um forno, que o homem mexia, mexia e tirava a farinha. Da água que corria dali, aquela branquinha, já tirava o polvilho, a goma, e já fazia a tapioca, bijus. Nós éramos pequenos. Meus irmãos ajudavam mais a tocar cavalo, porque, naquela época, o engenho era a boi e a casa de farinha era a cavalo. Os meninos montavam no cavalo e ficavam rodando para puxar a casa de farinha. Tinha vizinho, mas as casas eram distantes, porque a terra do papai era grande. Mas tínhamos contato com os vizinhos, que trabalhavam para o meu pai. Tinha uma lagoa grande dentro da propriedade, em que era proibido pescar durante o ano. Tinha um dia no ano que ele convidava e todos os vizinhos vinham e pescavam muito peixe – era muito peixe – e dividiam, metade era do meu pai e a outra metade era deles. Ninguém pagava, mas podia levar peixe à vontade. Dava pescada, dava curimatã, dava o robalo – vocês chamam robalo, lá nós chamamos de camarim. Não brincávamos muito com os vizinhos, brincávamos entre nós. A não ser quando tinha jogo de futebol e vinha o time dos vizinhos, os meninos vinham para jogar conosco, porque lá em casa nós formávamos um time. Ainda hoje, eu tenho nó nas canelas de levar canelada dos meninos. E eu também brigava no caminho da escola com os vizinhos. Eles brigavam com meus irmãos e eu entrava na briga também, trocava soco, paulada. ENSINO FUNDAMENTAL Eu fui para a escola com cinco anos. Fiquei nessa escolinha no interior, não tinha nem nome. Eu lembro que a professora chamava-se Almerinda. A escola era bem simples, eram aquelas mesinhas de madeira e os bancos, as classes eram todas juntas. Era tudo junto, tanto que meus irmãos e eu tivemos que sair para estudar fora. Com oito anos é que eu fui fazer o segundo ano, porque lá só se estudava as quatro operações e a gente aprendia a escrever, só isso. Aí tinha que ir para outro colégio para poder tocar o resto, para tocar os estudos. Tenho lembranças boas, as brincadeiras quando a gente saía da escola e ia para casa. Todo dia a gente inventava de botar um dos meus irmãos com uma máscara no rosto. Tirava folhas e botava uma máscara e fingia que ele era o boi e a gente ia tocando atrás. Fiquei nessa escolinha até os oito anos, portanto foram três anos. Depois fui para o colégio de freira em Fortaleza. Lá eu era muito comportada, porque as freiras eram muito rígidas, qualquer brincadeira, elas já botavam as meninas na capela escura até a hora de rezar para dormir. Aí, eu tinha medo e não fazia danação nenhuma, era bem quietinha. O colégio era das Freiras da Nossa Senhora de Lourdes, um internato, só voltava para casa de seis em seis meses, nas férias. Senti muita falta dos irmãos, senti demais, mas eu estava lá para estudar. Os meus irmãos foram estudar, mas em regime externo, em Fortaleza, no Colégio Cearense. Era um colégio de padres também. Meus pais se mudaram para Fortaleza porque todos os outros vieram para estudar. LEMBRANÇAS As amigas em Fortaleza não me marcaram muito, porque, quando eu fui crescendo, meu pai era muito rígido e não me deixava ter amizade com ninguém. Ele não deixava eu ir aos aniversários, ao cinema, não deixava sair de casa, porque eu era a única mulher. Quando se tem irmã, as duas entram num acordo e fogem. Com meu pai, tinha que ser tudo fugido. Eu inventei de fazer datilografia para poder sair de casa e ir ao cinema. Depois da aula de datilografia, eu ia para o cinema. Dava uma escapada, ia com uma amiga. Depois, no tempo que eu namorei o Celso, nós dávamos uma escapada e íamos para o cinema. Depois eu deixei a datilografia e só fiquei estudando. Até que eu namorei o Celso e deixei de estudar para casar. Fiz outros cursos, por exemplo, de flores e outros assim. A gente fugia pra praia com as amigas, as vizinhas, quando meu pai ia trabalhar. Fortaleza era muito tranqüila, não tinha assaltante, não tinha perigo de coisa nenhuma. Era uma tranqüilidade. SÍTIO / MALÁRIA Meu pai comprou um sítio perto de Fortaleza, que era bem grande também, tinha cavalos, muitas frutas. Então, no fim de semana, a gente saía da cidade e ia para o sítio. Como meu pai não gostava muito de ficar preso na cidade, ele comprou um sítio perto. E o sítio era bom. Tinha um rio, a gente tomava muito banho lá. Peguei até malária, que é uma doença violenta. A gente tem um febrão todo dia, na mesma hora, treme, não tem como controlar a febre. Eu fiquei um mês tomando muito remédio. Eu fiquei muito magra, pálida. Depois, me levaram num centro de saúde e me deram quatro comprimidos de aralen, puro quinino, muito amargo. Esses comprimidos é que me curaram. Meu irmão também pegou, a malária era comum na época. Meu irmão teve primeiro. Depois, acho que o mosquito que mordeu. Foi muito ruim. Foi a única doença que eu tive na minha vida inteira. E ela deixa seqüela, me afeta o fígado até hoje. Depois cresci, Celso foi morar perto de mim, vizinho a mim. Teve flerte, começamos a namorar. NAMORO Com 18 anos, eu comecei a namorar o Celso. Eu faço aniversário em fevereiro, e só no ano seguinte meu pai consentiu que ele fosse lá em casa. Meu pai gostou dele. Mas, lá pelas tantas, apareceu um primo de minha mãe, que era rico, e naquela época o bem estar da filha era casar bem. E eles inventaram que eu tinha que acabar o namoro com o Celso e casar com o fulano lá, que era parente da minha mãe. Mas eu não gostava do fulano, eu o achava horroroso, eu não queria ele. O Celso era magrinho, mas eu gostava era do Celso mesmo. Então, o Celso chegou e me pediu em casamento. Papai permitiu e, no fim de um ano, em janeiro, ele chamou o Celso e disse que eu não podia mais casar, que estava desmanchado o casamento, que não ia ter mais casamento. Ele mesmo se encarregou de desfazer o noivado. Aí, o Celso foi lá: “Mas, Seu Zacharias, eu quero marcar a data do casamento. Já que o Senhor não quer que eu venha mais na sua casa, então, eu quero marcar a data do casamento.” Aí, ele: “Não tem mais casamento, já falei. Vai embora.” Botou o Celso para fora. Tudo por causa do primo. E o Celso era estudante ainda e trabalhava numa oficina. Ele ganhava pouco e papai achava que ele não podia me sustentar, por isso ele queria acabar o casamento. O Celso trabalhava num escritório de uma oficina e estava terminando o segundo grau. E meu pai achou que com aquele salário não dava para casar. Éramos muito moços, o Celso tinha 20 e eu 18 anos. Mas nós não terminamos de jeito nenhum. Meu pai me levou para o sítio, para me isolar do Celso, mas nós ficamos nos correspondendo. Meu pai tinha muitas casas em Fortaleza e eu era secretária dele. Eu recebia dinheiro, aluguéis, e tinham que me trazer a Fortaleza para receber os dinheiros todos. Quando eu vinha do sítio, eu já trazia a carta dentro da roupa escondida. Só que eu escrevia tudo em números, o “abc” todo em números, porque, se ele pegasse a carta, ele não sabia decifrar. Eu decorei o código e já escrevia rápido. Era de um a 25, eu já sabia os números. Aí, levava e passava para o empregado do vizinho. O empregado do vizinho levava para o Celso e o Celso mandava para mim também. E assim ficamos, até combinar de a gente fugir um dia. Aí, combinamos, um dia ele foi com o carro, mandou me chamar pela vizinha. Eu fui lá: “Vamos fugir hoje, vamos hoje.” Foi dia 10 de fevereiro. O meu aniversário tinha sido dia nove e no dia 10 ele foi me buscar. Disse: “Espera aí.” Voltei lá em casa, tirei umas roupas, passei para essa moça vizinha levar para ele, vesti mais de uma roupa e sai. Meu pai tinha viajado nesse dia, só estava meu irmão em casa. Eu saí de fininho, disse que ia na vizinha, apanhei o carro e fugimos. Tentei conversar com meu pai, mas não adiantou, porque ele já tinha ameaçado o Celso, disse que o Celso não ia mais lá. Botou para fora de casa e tudo. Eu já tinha ficado de castigo lá no sítio, para não ver o Celso. Não tinha mais como fazer. Não tinha acordo. A única pessoa que sabia que namorávamos escondidos era o o empregado do vizinho. Coitado, ele tremia para receber a carta e levar, era o único que sabia que eu estava me correspondendo, pois tinha que haver uma maneira de alguém entregar a carta. A gente dava um dinheirinho e ele levava e entregava as cartas para o Celso. CASAMENTO Fugimos e fomos para o interior, o Celso tinha um amigo em Pacuti, no Ceará, uma cidadezinha na serra. O Celso foi para a pensão, onde morava o amigo dele, e eu fiquei na casa do dono da pensão, depositada na casa do dono da pensão. Lá pelas tantas, no outro dia, Celso foi conversar com o juiz e com o padre para nos casar. O padre achou muito interessante: “eu caso vocês”, mas o juiz não, porque eu só tinha 19 anos e o Celso tinha 21 incompletos. Não podíamos casar porque éramos menores, precisava a licença de meu pai e do pai do Celso. Então, ele passou um telegrama para o meu pai. Aí, o dono da pensão, com medo – porque nós contamos que o papai era brabo –, aconselhou a gente a fugir de novo, agora do juiz. Compramos passagem às cinco horas da manhã, do primeiro ônibus do interior, e fugimos de novo. O juiz tumultuou a cabeça da gente. Nós ficamos com medo e fugimos, viemos para Fortaleza. E eu fiquei na casa do pai do Celso mesmo, fiquei lá. Seu Oséas tinha um primo que era padre e tinha um amigo juiz e providenciaram o casamento. Em uma semana, casamos. Nós casamos em Pacatuba, fora de Fortaleza, onde tinha o juiz amigo. Meu pai mandou um telegrama para o tal juiz, nós soubemos, depois da fuga, que ele autorizou o casamento, só que nós fugimos da cidadezinha. LEMBRANÇAS Começamos a vida de casados, difícil no começo. Voltamos para Fortaleza para começar a nova vida. Alugamos uma casa pequena, Celso já era gerente de oficina e tinha terminado o segundo grau. Ele tinha que trabalhar e estudar para fazer o vestibular. Mas demorou, porque eu engravidei logo. No primeiro ano de casada, já tive um filho e, no segundo, tive outro, tive outro, tive outro. Em 1955, eu já tinha quatro filhos. E Celso foi fazer o vestibular em 1954. Eu casei em 24 de fevereiro de 1951. Eu fiquei sem ver a minha família, porque meu pai queria que eu me ajoelhasse, pedisse perdão e não sei o que, e eu achava que ele não tinha razão, que ele tinha me obrigado a fazer aquilo, a fugir. Mas, depois, a minha mãe já ia lá em casa. Um dia, meu irmão pediu para o Celso fazer uma medição do sítio dele, exatamente para levar o Celso até lá para fazer as pazes. Ele foi certo de que ia fazer a medição do sítio, porque ele era topógrafo também. Nesse ínterim, os meninos levaram o carro até dentro de casa. Aí o Celso teve que falar com meu pai. Ficaram muito amigos, amissíssimos, amissíssimos. Tanto que, quando Celso se formou Engenheiro Agrônomo, meu pai deu o anel de formatura, um anel bonito de formatura. Depois, tudo do meu pai era com o Celso. Eles ficaram muito amigos, mas demorou quatro anos para ele perdoar, aceitar. FAMÍLIA / LEMBRANÇAS A gente tinha um padrão de vida e, depois do casamento, tivemos que cair nosso nível. O Celso trabalhava, tínhamos que morar numa casinha pequena. Ele mesmo fez os móveis, fez mesa, fez banco, fez a estante dele. Depois, ele foi trabalhar de topógrafo, deixou a oficina. Disse: “Não, em oficina, eu não posso fazer o vestibular.” O pai dele era topógrafo. Ele disse: “Então, tenho que trabalhar com o meu pai até conseguir fazer o vestibular.” Aí nós fomos para o interior, ficamos dois anos no interior, ele trabalhando e a gente juntando dinheiro, juntando dinheiro. Quando voltamos, alugamos uma outra casa e ele ficou desempregado, só estudando. Com todo o dinheiro que trouxemos, compramos mantimentos e deixamos tudo estocado. Nesse ínterim, ele estava só estudando para fazer o vestibular e procurando emprego de meio expediente, para poder estudar. Lá pelas tantas, ele conseguiu um emprego de um só expediente, num departamento de Porto, Rios e Canais, em Fortaleza mesmo. E era só um expediente, para desenhista. Ele: “Bem, eu não sou bom de desenho, sou topógrafo, mas vou lá que dá certo.” Aí foi e deu certo. FAMÍLIA Já tínhamos três filhos. Ele ficou trabalhando meio expediente, fez o vestibular e passou para Agronomia. Foi fazer a faculdade e continuou trabalhando. Aí melhorou. Nessa fase, meu irmão e o irmão dele ajudavam a gente. Ele era diarista no departamento e só recebia o salário em junho, por causa dessa tramitação de documentos do governo, os empregados só recebiam em junho. Eles passavam seis meses sem salário. Nesses seis meses, meu irmão era da Cooperativa do Exército, levava o pão, levava o leite e levava a carne. O outro irmão dele, do Exército também, sargento, levava o resto de todo o mantimento. E assim a gente ficava até receber o dinheiro. Quando recebia o dinheiro, a gente pagava o meu irmão e o meu cunhado. Teve uma época que o dinheiro não deu para pagar, nós demos até as alianças como pagamento das dívidas. Depois compramos outras, quando ele se formou. Ele se formou em 1958, ficou em primeiro lugar na universidade e ganhou um prêmio de 10 mil cruzeiros. Compramos novas alianças, arrumamos a casa toda, nova casa, compramos móveis. Ele foi logo chamado para ser professor adjunto da Universidade. Ficamos bem nessa época, tudo voltou ao normal. Mas ele não gostava da Universidade porque achava que era muito parado, apenas estudar. Nessa época, apareceu a Petrobras fazendo os testes, recolhendo o pessoal formado para dar curso de geologia, Ele fez o teste, passou e, em 1960, nós viemos para Salvador. LEMBRANÇAS O Celso, desde estudante, já defendia a Petrobras, defendia o petróleo, “o petróleo é nosso, a Petrobras é nossa”. Como estudante, ele já tomava parte em tudo quanto era movimento. Ele sempre lutou, sempre trabalhou pelas causas sociais. Ele achava que o Brasil, com as riquezas que tinha, devia ser melhor. A seca, ele discutia muito o problema, porque se sabia muito bem que a seca era um problema político, se os políticos quisessem resolver, resolviam. Mas, como tinha os senhores de engenhos, os donos de gado e gente de colégios eleitorais, eles não acabavam com o sistema. O melhor era ter todo mundo ali, os grandes estavam sempre por cima, com os votos dos pequenos, mas ajuda aos pequenos não davam. Cada seca horrível que acontecia. O ano que eu nasci foi seco, em 1932, contaram que foi uma seca horrível. Em 1958, tivemos uma seca tremenda, morreu muito gado, o pessoal fugiu todo para Fortaleza. O Estado teve que fazer abrigos enormes e dar comida para aquele pessoal. Mas era tanta gente que eles começavam de manhã a dar comida e à tarde ainda não tinham terminado. Os homens já tinham consciência, não queriam morrer no sertão. Muitos migravam logo para São Paulo, aqui para o Rio, vinham embora. Em 1958, a seca foi muito ruim para aquelas regiões do centro do Ceará. FAMÍLIA / INGRESSO NA PETROBRAS Em 1960, o Celso foi chamado pela Petrobras. Foi fazer o curso do Cenap, em Salvador, que era a complementação para sair formado em geologia. Não tinha universidade no Brasil de geologia, então tiveram que vir professores americanos para Salvador, para complementar esse curso. Foram dois anos de curso da Petrobras. O Celso, como sempre, era muito bom, cabeça boa, muito inteligente, tirou um dos primeiros lugares nesse curso e teve direito a escolher em qual Estado queria trabalhar. Ele escolheu Alagoas. Acho que ele gostava de tudo que era mais difícil, todo mundo disse: “Ah não, fica aqui na Bahia.” “ Vai para o Paraná.” Ele: “Não, quero ir para Alagoas.” Achou que necessitava mais, precisava mais, e ele escolheu. Aí fomos para Alagoas. FAMÍLIA / DEPARTAMENTO DE EXPLORAÇÃO Eu aceitava tudo o que ele queria fazer, concordava: “Tá melhor pra ti? Quer isto? Então, vamos.” Topava tudo. Já tinha os quatro filhos. Mas, nessas alturas, já tinham morrido dois. Eu estou só contando os vivos, que só tinha quatro. Ficamos esses dois anos em Salvador e fomos para Alagoas. Alagoas era um lugar ruim, danado, muito pobre. Ficamos em Maceió, ele foi para o campo. Ele formou-se Geólogo de Exploração, escolheu a exploração e tinha que ir para o campo, fazer levantamentos, essa coisa toda. Eu ficava em Maceió com as crianças. Ele passava 24 dias direto fora, trabalhando no Estado, fazendo mapeamento do Estado. Eu acho que a vontade de encontrar petróleo fez com que o Celso escolhesse trabalhar em exploração de petróleo. Foi uma fase muito difícil pra mim. Ele ficava 24 dias fora e vinha oito em casa. Eu ainda tive dois filhos em Alagoas. Eu ficava grávida, as meninas nasciam de sete meses e era uma confusão. Eu tive uma trabalheira danada. Eu não trabalhava fora, mas tinha um trabalho muito grande. Tinha uma empregada para me ajudar. Desde que ele foi para o campo, eu fiquei dona da conta bancária, dinheiro, tudo já era na minha mão. Eu que administrava tudo. Até mesmo quando ele ficou doente, eu tomava conta do dinheiro todo, porque ele achava que eu administrava melhor do que ele. Já cuidava de pagamentos para o pai. Ele me chamava de Tio Patinhas, porque diziam que eu era segura. Eu administrava tudo e assim ficamos esse tempo todo em Alagoas, até que ele veio para o escritório, quando teve uma transferência para Aracaju. Fomos para Aracaju, mas ficamos pouco tempo lá. Ficamos dois anos, um ano e meio. Não foram nem dois anos. Fomos transferidos de novo para Salvador. Aí, ele já estava trabalhando em escritório. IMAGEM DA PETROBRAS Eu sentia que meu marido estava trabalhando pelo Brasil, pelo petróleo, pela Petrobras, pela finalidade de encontrar petróleo. Nesses campos mesmo em que ele trabalhou, em todos eles encontraram muito petróleo, graças a eles, que foram os pioneiros. E a defesa do petróleo, o ensejo de ver o país crescer, de ter o nosso óleo, a nossa gasolina, o nosso gás. Eu concordava: “Tá certo, vamos embora.” COTIDIANO DE TRABALHO / TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Todas as vezes que o Celso ia para os campos, ele voltava animado. Ele chegava sempre animado, sempre cantando vitória, sempre achava as áreas onde tinha petróleo: “Aquela área ali é boa.” Então, demarcavam e ia o pessoal da geofísica ou encontravam óleo mesmo. Mesmo depois de aposentado, ele foi trabalhar para o Azevedo Travassos, uma companhia de São Paulo, que comprou uns blocos da Petrobras em Natal, Areia Branca. Como o Celso já estava aposentado, foi contratado como geólogo. Ele trabalhou para eles e deixou um campo de petróleo para eles em Areia Branca. Ainda hoje, a Petrobras tira óleo lá. Tudo apontado pelo Celso. Então, Alagoas, Sergipe, Bahia, em todas essas áreas ele trabalhou, inclusive no Maranhão, sempre fazendo trabalho de campo. Naquela época, as estradas eram horríveis. Logo que ele entrou - ele entrou como auxiliar -, rapidamente deram uma equipe para ele chefiar. LAZER / Mulheres Nós convivíamos muito com o pessoal da Petrobras, a turma toda era da Empresa. Nós éramos muito unidos em Maceió, tínhamos um clubezinho, fazíamos almoço. Nós, mulheres, que ficávamos sozinhas, reuníamos: “Quem sabe fazer alguma coisa? Então vamos dar o curso.” Aí, pronto, cada uma dava um curso: curso de bijuteria, curso de decapé, curso de confeitar bolo, curso de flores. Quem sabia, ia dar o curso, uma para as outras. Éramos aproximadamente 20 mulheres. E, no fim de semana, quando os maridos estavam em casa, aí nos reuníamos e tinha almoço, festas. As festas eram muito boas no fim de ano. A Petrobras patrocinava a festa, os brinquedos para os meninos eram ótimos, grandes, eram brinquedos caros. Em Maceió, em Salvador, em Aracaju, onde estivéssemos, os funcionários da Petrobras e suas esposas acabavam formando um grupo. Em Maceió, nós construímos uma casa na beira da praia, em Ponta Verde. Nos fins de semana, faziamos reuniões lá em casa que começavam no sábado. A turma toda se reunia e formava um time de futebol e ia jogar no sábado, tomando uma cervejinha. Os filhos dos nossos amigos ficavam lá em casa. Tinha dias que havia 20 crianças dormindo lá em casa. Domingo de manhã, chagavam os pais e aí era a hora do churrasco. Tirávamos coco dos coqueiros, bebiam água de coco, cerveja, era o dia todo. Era a maior farra do mundo, bem pertinho da praia. Era um paraíso, era muito bom. A minha filha mais velha pegava as crianças quando iam acordando – não me incomodava não, nem a mim nem ao Celso. A empregada botava a mesa, ia dando café a todo mundo, botava em fila e levava para jogar futebol, todo mundo jogava futebol. Depois, fila para ir para praia, tomar banho de mar. FAMÍLIA Nossos filhos estudavam, naquela época, mas sentiam falta do pai, saudade. Isso a gente sentia, e, às vezes, medo de ficar sozinha, porque o cachorro latia muito no quintal e todo mundo ficava apavorado, com medo, ia olhar o que era. Eu tinha até um revólver, com balas, e saía de janela em janela olhando. A casa tinha um quintal grande. O revólver era do Celso, mas ele deixava comigo para qualquer coisa. Se eu tivesse coragem de atirar, seria só para fazer medo, não ia matar ninguém. Dava o tiro para cima. Apesar do Celso viajar e os meninos sentirem saudade, tinha muita diversão, o quintal era grande e eles iam para o colégio também. Chegavam do colégio, todo mundo fazia o dever e depois iam para o quintal jogar bola, brincar. Quem sentia muita falta do Celso era eu. VIAGEM Todo mundo aceitava as mudanças de cidade tranqüilamente. Todos os nossos filhos se atrasaram um pouco no colégio por causa dessas mudanças, de cidade e de colégio. O lugar que ficamos mais tempo foi em Alagoas, ficamos oito anos. Em Aracaju, ficamos dois anos; viemos para Salvador, ficamos uns dois ou três anos também, foi muito rápido. Aí, o Celso foi transferido para o Rio. Aqui no Rio é que nós ficamos mais, ficamos nove anos. Quando nós viemos para o Rio de Janeiro, em 1972, fomos para Petrópolis, onde ficamos até 1980. O Celso ia e voltava todos os dias. Não tinha ônibus da Petrobras naquela época, mas ele reuniu os colegas, quando estavam dentro do ônibus: “Quem vai para a Petrobras?” Ele juntou os colegas e alugou um ônibus, da empresa Breda. Eu sei que, logo, o ônibus estava lotado. O ônibus trazia de Petrópolis para o centro do Rio, na Avenida Chile e, às cinco horas, pegava e levava todos para Petrópolis. Facilitou muito. Ficamos dois anos em Petrópolis e nos mudamos para Correias. Aí, acordavamos cinco horas da manhã, eu levava o Celso na Rodoviária e, de tarde, seis horas, apanhava ele. COTIDIANO DE TRABALHO Quando veio para o Rio de Janeiro, o Celso não fazia mais trabalho de campo, ele trabalhava no escritório e realizava trabalhos científicos. Ele sempre escreveu vários trabalhos para a SBG (Sociedade Brasileira de Geologia) e para revistas. Ele foi Presidente da SBG por duas vezes. Ele sempre publicou seus trabalhos. E, nessa época em Petrópolis, ele foi assessor do Carlos Walter, que era diretor. Depois, ele ficou esse tempo todo trabalhando em relatórios, fazendo trabalhos científicos, e aí surgiu a Bacia de Campos. BACIA DE CAMPOS / APOSENTADORIA O Celso trabalhou também na exploração da Bacia de Campos. Ele foi um dos que mapeou a Bacia. Ele era contra a venda dos blocos exploratórios, isso foi uma luta da vida dele. A Bacia de Campos é toda dividida em blocos: os blocos bons, onde tem mais petróleo, e onde tem menos petróleo. Então, ele era contra vender qualquer bloco, era contra a entrada de companhias estrangeiras em Campos, porque ele achava que ali é que estava o ouro. Ele queria manter a unidade da Bacia de Campos para a Petrobras, para nós brasileiros, todos os brasileiros. E foi uma luta muito grande de política, contra a quebra do monopólio estatal do petróleo. Ele achava que o petróleo era dos brasileiros, não era do japonês ou do americano, era nosso. Nós podíamos vender o óleo, não vender os blocos, dar os blocos, como fizeram: dividiram os blocos, deram os melhores blocos e deixaram os com menos óleo para a Petrobras. Os maiores blocos, hoje, são dos americanos, dos japoneses. Nós ficamos com os menores blocos. Então, daqui a alguns anos, nós estamos arriscados a ficar sem petróleo. O Celso lutou muito contra isso. Ele lutava muito contra a pobreza e a necessidade. Tanto que, quando ele ficou doente, aposentado, ele passou a trabalhar para o DNPM, Departamento Nacional de Produção Mineral, só que ele trabalhava de graça. Fazia relatórios, mapas, mapeamentos, ia lá para o Araripe e fazia cobertura de tudo aquilo, marcando os poços para águas subterrâneas. A Bacia do Araripe é no Ceará. Antes de morrer, ele ainda deixou cinco poços demarcados para o DNPM. Ele trabalhava voluntariamente, porque o DNPM é da Nação e ele estava se sentido feliz e satisfeito, estava fazendo um bem para a humanidade, para os brasileiros, principalmente para os mais carentes, porque foi o povo brasileiro que pagou a universidade dele. Ele cursou uma Universidade Federal, então, quem pagou a Universidade dele? O povo, com os impostos. Por isso, ele achava que tinha que retribuir e a maneira de retribuir foi marcando os poços, dando água ao povo pobre, mais necessitado, dos lugares secos do Nordeste. Ele deixou os poços e teve um que nós fomos à inauguração, que foi perfurado e deu muita água, na cidade de Bodocó, em Pernambuco. Hoje, essa água foi canalizada para a cidadezinha. Tem muita água e é mineralizada, é quente, tem uma temperatura de 40 graus, mais ou menos, morninha, é boa. Nós estivemos lá. Foi dos últimos trabalhos dele, esse serviço para o DNPM. Mas, no ínterim da vida dele, tem muito mais trabalho. O Celso também escreveu um livro sobre as Bacias Sedimentares do Brasil, ele escreveu para a Petrobra. A Empresa pediu para ele escrever e o livro é muito usado até hoje. Esse trabalho, que eles estão comemorando hoje, é um trabalho interessante, foi até publicado em revistas americanas. Estão fazendo uma revista sobre o Celso lá no Cenpes, vão fazer uma homenagem para ele. A vida do Celso era a profissão, por isso havia amor em tudo que ele fazia. Ele tanto gostava de Agronomia do solo, como da área da Geologia, do subsolo. Se ele não tivesse morrido, ele ainda estaria trabalhando até hoje. Ele faleceu em 1997, não viu a quebra do monopólio do petróleo, que, com certeza, deixaria ele muito decepcionado. FILHOS Tenho oito filhos e o adotivo que é o Huri. Eu considero o Huri o mais velho, porque, com 10 anos, ele ia lá pra casa estudar com o meu filho mais velho, o Oséas. Na casa dele, era muito tumultuado, ele gostava muito de ficar lá em casa, mesmo tendo mais crianças, ele começou a estudar com o Oséas para o exame de Admissão. E ficou um dia, depois voltava para casa. Depois, passou a ficar uma semana, dormia lá em casa e fim de semana ia pra casa. Depois, passou a ficar um mês. Depois ficou de vez. Quando a mãe foi buscar, ele não quis voltar para a casa dele. Nós fomos na casa dele: “Olha, se a Senhora quiser, a gente traz o Huri.” O pai dele perguntou: “Huri, você prefere morar aqui ou na casa do Doutor Celso?” Aí, ele: “Não, prefiro morar com o Doutor Celso.” Aí ficou morando lá em casa. Isso foi em Maceió. O Huri ficou e até hoje a gente considera ele como filho. Ele foi tratado, educado igual aos nossos. Igual, igual. Com 14 anos, o Celso já ensinava desenho para ele e, quando ele já era rapazinho, não terminou a faculdade, porque casou, não quis continuar. Mas fez o vestibular, passou para engenharia elétrica, que era o que ele gostava. E Celso sempre ensinando. O Huri fez concurso para a Petrobras de desenhista, passou e, até hoje, está na Petrobras, já tem uns 20 anos na Empresa, ele é muito bom, trabalha no Cenpes. Na casa do Huri eram 14 irmãos, todos tinham nome começando com a letra “h”. Ele é um cidadão de muito valor, de muito caráter, se casou muito bem em Petrópolis, nunca deu trabalho para nós. Meus outros filhos são: Oséas, Maria de Fátima – essa mora em Salvador -, Fábio, José Otávio, Celso – que é geólogo também -, Vera Lúcia, Aníbal e Célia. Célia é engenheira agrônoma. Eu tenho uma engenheira agrônoma e um geólogo. O José Otávio, o Fábio, o Huri e o meu genro lá em Salvador, o Roberto, trabalham na Petrobras. O Roberto é auditor, o Fábio é analista, o José Otávio é da Geodésia e o Huri é desenhista. NETOS Agora os netos que trabalham na Petrobras: um entrou nesse último concurso e é fiscal de plataforma, uma coisa assim, e a menina trabalha no escritório em Macaé. Meu neto chama-se Fábio Brás Ponte e a menina, Fernanda Brás Ponte. Tenho 18 netos. Os netos são todos grandes também. FILHOS A Fátima não trabalha. Tem a outra que é psicóloga aqui no Rio, a Vera Lúcia. Célia é Engenheira Agrônoma, trabalha na Universidade de Vitória da Conquista, professora e trabalha no Laboratório de Solos. O Oséas é professor, ele dá aulas para o pré-vestibular, mas ele já tem mestrado e está pleiteando uma vaga na Universidade para ensinar, ele é economista mineral. Depois ele fez mestrado em Economia Mineral, fez doutorado em Geologia Econômica. Mas só que ele não quis terminar o mestrado, não preparou as teses ainda. Ele podia estar no Cenpes, mas, como não casou e mora comigo em Petrópolis, ele diz que não gosta de subir e descer a serra todos os dias. O José Otávio mora em Petrópolis também, o Fábio mora em Icaraí, Niterói, e são da Petrobras. Todos os nossos filhos têm um amor danado pela Petrobras. O mesmo amor, com a mesma força que o Celso tinha, eles têm e já transmitiram para meus netos, que são nove homens e nove mulheres. APOSENTADORIA O Celso escreveu o livro para a Petrobras já aposentado e ele trabalhou para a Braspetro. Ele sempre estava escrevendo, sempre pediam trabalhos que tinham ligação com a Petrobras. Além do livro sobre as bacias sedimentares, tem outros, são vários, tanto no Brasil, quanto no exterior. LEMBRANÇAS O Celso contava muito caso, porque onde ele estava era muito interessante. Teve uma história engraçada que aconteceu com a gente numa das mudanças, de Maceió para Aracaju. Nós fizemos aquela mudança toda, eu mesma tinha alugado a casa, porque ele não podia sair do trabalho, virei Salvador inteira – primeiro, cheguei lá, era carnaval, não tinha onde dormir. Fui para a casa do meu irmão, meu irmão não estava, tinha ido para a ilha. Eu tive que alugar uma casa, era pequena, a gente teve que botar triliche na casa. E a mudança chegou. Eu embalava tudo separado, louças, livros, essa coisa. Ele tinha muito livro. O Celso tinha uma montoeira de livro, uns quatro mil volumes, por aí. E, quando eles trouxeram a mudança, eles jogaram tudo junto. Quando nós chegamos lá, a sala estava tomada de livros, com embalagens de louças, de tudo. Aquela mistura toda Meu Deus, primeiro deu para rir e depois para chorar Tivemos que botar todos os meninos para separar louça de livro. ENSINO SUPERIOR Eu fiz faculdade, depois que criei os meninos, já estava com 43 anos e voltei a estudar, em 1974. E, como os meus documentos ficaram todos no colégio em Fortaleza, desde 1958, eu decidi fazer um novo supletivo. Fiz supletivo primeiro grau, fiz supletivo segundo grau, fiz vestibular e passei para Estudos Sociais, em Petrópolis, na Universidade de Petrópolis. Fiz Estudos Sociais na UCP. Era uma trabalheira danada, porque eu tinha que trazer o Celso às cinco e meia da manhã, voltava, acordava os meninos, aprontava todo mundo, dava café, botava na Kombi, trazia para o colégio, voltava. Aí, providenciava, via se faltava alguma coisa em casa, estudava. Meio-dia, voltava, pegava os meninos todos no colégio, recolhia todo mundo – tinha Kombi para caber todo mundo –, levava. De tarde, apanhava o Celso, ficava na faculdade e, de noite, iam me buscar. O interessante em Petrópolis é que eu fazia esse transporte e, um dia, o guarda de trânsito queria me parar, me prender e multar, porque a Kombi tinha placa particular e eu utilizava fazendo transporte de crianças. A sorte é que o vizinho era amigo da gente e o guarda falou para ele, para o seu Henrique: “Vou prender aquela mulher, vou multar. Ela está fazendo transporte de crianças.” Aí o Senhor Henrique: “Não, aquilo tudo é filho dela, é a família dela.” Aí eu me livrei. Mas a luta era assim, até que me formei. LAZER Hoje eu dou caminhada, faço ponto de cruz, faço a minha hidroginástica e só. Jogo no computador, fico jogando. Eu também me inscrevi para fazer teatro. Mas, depois, eu pensei: “Pô, fazer teatro, eu vou ficar com obrigações de horário?” Eu gosto de ser livre: eu quero ir para Salvador, vou a Salvador, quero ir para Vitória, pego o carro e vou para Vitória. PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS Adorei participar do Projeto Memória. Gostei muito. Eu gosto de contar a minha história. FAZENDA NA BAHIA Ah, eu não falei da fazenda Nós tínhamos fazenda na Bahia. Quando o Celso se aposentou, nós vendemos a casa de Petrópolis, compramos uma fazenda no interior da Bahia. Foi em Umbaira. Fomos criadores de gado também. Ficamos dois anos morando lá. Depois, Celso achou que devia voltar a trabalhar, precisava ganhar mais dinheiro para manter os empregados, essa coisa toda, a aposentadoria não cobria todas as dívidas. Mas ficamos dois anos lá. Foi uma fase interessante. Eu gostei muito da fazenda, eu sou sertaneja também. Trabalhava a horta. Ele tem a história toda em cordel, ele escreveu toda a vida dele. Ali é um resumo, não é o total, toda não, mas tem um resumo. E ele adorava a fazenda. Fez inseminação artificial, deu curso para vaqueiros, tinha muito leite. Ele adorava a vida na roça, fomos a Viçosa, fizemos cursos, fiz curso de queijo, fazia queijo na fazenda, fazia doces. Ocupava o dia todo. Criava todo tipo de aves, galinha, peru, galinha d’angola. Tinha horta, pomar, frutas. Nós tínhamos tudo na fazenda. APOSENTADORIA O Celso se aposentou rápido da Petrobras, não por vontade própria. Foi por motivo político, ele debatia muito contra a quebra do monopólio e isso levou a diretoria da Petrobras a convidá-lo a se aposentar. Porque ele tinha dados e ele já escrevia, fazia documentos e passava para o Teotônio Vilela, para Brasília, para amortizar a notícia, para não acontecer. Ele estava sempre lutando. A luta dele era constante. Por incômodo, pediram para ele se aposentar. Aí, ele se aposentou. Fomos para a fazenda. Depois da fazenda, faltava dinheiro, deixamos os filhos tomando conta da fazenda e viemos aqui para o Rio. Ele concluiu esse livro para a Petrobras, depois ele foi convidado para Rio Claro, para ser orientador de mestrado na UNESP, em Rio Claro. Nós ficamos três anos. E tem uma imensidão de trabalhos que o Celso publicou. Daí foi que ele adoeceu e começaram as operações, nós viemos para Campinas, compramos uma chácara em Campinas, onde ele ficou até falecer. Ele faleceu em Campinas. Ainda tenho a nossa chácara lá. Eu queria vender, mas não consigo, está lá. Aluguei, está alugada. O Celso foi muito dinâmico em tudo. Eu o acompanhava mesmo, nunca o deixei um minuto, um momento. Foi ótimo estar com vocês, foi muito agradável. Eu gosto de contar as minhas histórias malucas de sertaneja cearense.
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