P - Bom dia, Aurilene Obrigado por ter nos recebido aqui na casa da sua avó para essa entrevista. Eu queria que você disesse, por favor, o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento. R - Meu nome é Maria Cândido da Silva, nasci no Sítio Jurema, Orós, em 20 de junho de 1979. P - Qual é o nome dos seus pais? R - Francisco Cândido da Silva e Marineide Venâncio da Silva. P - O que o seu pai fazia? R - Agricultor. P - O que ele plantava? R - Milho, feijão, arroz, na época que dava, mas, basicamente, milho e feijão. Algodão há alguns anos atrás E só. P - E a sua mãe? R - A minha mãe fabricava telão, rede de pesca aqui na região. Aliás, ela só consertava porque as pessoas compravam prontas e ela só consertava. P - Já havia o açude nessa época? R - Já, sim P - Você conheceu os seus avós? R - Todos os meus avós, sim P - Você podia dizer o nome deles? R - José Constantino, já faleceu. Gerônima, que é essa que mora aqui. Da parte do meu pai. E da minha mãe é Maria José, já faleceu há uns 20 anos e, Manuel Vanâncio, que ainda é vivo. P - Você sabe de onde vieram os seus avós, se eles são daqui da região mesmo? R - Chamava-se Conceição do Buraco, quando foi feito Orós, e aí, o Orós cobriu essa localidade e formou-se Jurema, que é, aqui, aonde a gente mora hoje. P - O local original chamava-se Conceição do Buraco? R - Conceição do Buraco. P - Aonde moravam os seus avós? R - Os meus avós, nasceram e se criaram lá. P - Você têm irmãos? R - Tenho cinco irmãos. P - Você pode dizer o nome deles? R - O mais velho é Zé Almir, depois, Nemésio, Valmir, João, aí, tem Regilene, que é mais nova que eu e eu. P - E você nasceu aqui mesmo, no Sítio de Jurema? R - Aqui, na Jurema. P - Como é que foi a sua infância, como que era para uma criança, para uma menininha, aqui, nesse local, o que você fazia, como é que você brincava? R - Ah, brincava com o que desse, não tem...
Continuar leituraP - Bom dia, Aurilene Obrigado por ter nos recebido aqui na casa da sua avó para essa entrevista. Eu queria que você disesse, por favor, o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento. R - Meu nome é Maria Cândido da Silva, nasci no Sítio Jurema, Orós, em 20 de junho de 1979. P - Qual é o nome dos seus pais? R - Francisco Cândido da Silva e Marineide Venâncio da Silva. P - O que o seu pai fazia? R - Agricultor. P - O que ele plantava? R - Milho, feijão, arroz, na época que dava, mas, basicamente, milho e feijão. Algodão há alguns anos atrás E só. P - E a sua mãe? R - A minha mãe fabricava telão, rede de pesca aqui na região. Aliás, ela só consertava porque as pessoas compravam prontas e ela só consertava. P - Já havia o açude nessa época? R - Já, sim P - Você conheceu os seus avós? R - Todos os meus avós, sim P - Você podia dizer o nome deles? R - José Constantino, já faleceu. Gerônima, que é essa que mora aqui. Da parte do meu pai. E da minha mãe é Maria José, já faleceu há uns 20 anos e, Manuel Vanâncio, que ainda é vivo. P - Você sabe de onde vieram os seus avós, se eles são daqui da região mesmo? R - Chamava-se Conceição do Buraco, quando foi feito Orós, e aí, o Orós cobriu essa localidade e formou-se Jurema, que é, aqui, aonde a gente mora hoje. P - O local original chamava-se Conceição do Buraco? R - Conceição do Buraco. P - Aonde moravam os seus avós? R - Os meus avós, nasceram e se criaram lá. P - Você têm irmãos? R - Tenho cinco irmãos. P - Você pode dizer o nome deles? R - O mais velho é Zé Almir, depois, Nemésio, Valmir, João, aí, tem Regilene, que é mais nova que eu e eu. P - E você nasceu aqui mesmo, no Sítio de Jurema? R - Aqui, na Jurema. P - Como é que foi a sua infância, como que era para uma criança, para uma menininha, aqui, nesse local, o que você fazia, como é que você brincava? R - Ah, brincava com o que desse, não tem coisa muito legal, mas aproveita o que tem da natureza mesmo, e de bem pequena já começa a trabalhar com os pais e daí vai P - Você falou que aproveitava coisas da natureza, como assim? R - As pedrinhas, pedaço de madeira, alguma coisa diferente que a gente achava, aproveitava pra fazer brinquedos, alguma coisa desse tipo. P - E o que eram esses brinquedos, o que você achava que eles eram? R - Oxê A gente pegava um pedacinho de pau e dizia: “Isso aqui é um cavalinho. Isso aqui é uma...”. E por aí vai. P - Quer dizer, a tua vida sempre determinada pelo açude aqui do lado, e você falou que ajudava no trabalho da casa, quais eram as suas obrigações? R - É só de casa mesmo, lavar prato, arrumar a casa, essas coisas. Como eu era mais nova, o meu irmão mais novo é cinco anos mais velho que eu, quer dizer, quando eu nasci ele já era bem grandinho, e a minha mãe achava que não ia ter nenhuma filha mulher, quando eu nasci foi uma surpresa pra família, e aí, depois, cinco anos nasceu a minha irmã, que também ela não esperava mais, e aí, quer dizer, por ser a mulher que eles tanto esperavam eu fui muito paparicada, uma coisa, assim, muito legal. P - Você podia descrever a sua casa de infância, como era a casa? R - É a mesma que eu vivo até hoje, só reformou um pouco. A gente morava tudo junto, os meus irmãos, o mais velho quando saiu de casa eu já estava bem grande, eu já, acho que quando ele casou, eu tinha uns 15, 16 anos, por aí. Aí, a gente morava todo mundo junto, assistia TV todo mundo junto, uma casa bem legal, bem alegre. P - E o cotidiano da casa, como era, vocês faziam refeições juntos? R - Essa parte de refeição a mãe é que fazia isso, até hoje. Os homens sempre iam mais pra roça, por serem mais velhos iam trabalhar na roça, e nós ficávamos em casa ajudando mãe. P - E levavam comida pros meninos? R - Sempre, a comida quem ia deixar era eu, a minha irmã por ser mais nova, ficava em casa, era eu e um dos mais novos que ia deixar na roça. P - E o que se comia mais na tua casa? R - Ah, peixe Eu acho que essa paixão de comer peixe é desde nascimento. No sítio você tem a criação de galinha, tem o porco, sempre é isso. E o que se produz aqui mesmo. P - É engraçado, porque você está no coração da caatinga, um lugar completamente diferente do ambiente da caatinga, não é? R - É, com certeza. P - Quando a gente fala em caatinga, o que você pensa, o que vem na sua cabeça? R - Há algum tempo atrás, eu poderia dizer que caatinga é um lugar bem escondido, uma coisa em que lá você não encontra nada. E hoje, a realidade é totalmente diferente. Num lugar desse você encontra coisas maravilhosas, projetos que mudam a história da caatinga. P - Quando você fala maravilhoso, também tem a ver alguma coisa com a paisagem? R - Sim P - Você pode descrever pra gente o que é essa mudança? R - Nessa época é um pouco difícil, mas na época do inverno aqui muda o clima, muda tudo, fica um lugar muito alegre, muito maravilhoso Muito gostoso de se viver. P - Quando muda o clima, muda a vegetação, como é? R - A vegetação muda tudo, no período de fevereiro a julho, até, mais ou menos, o dia 15 de agosto é bem verde, é bem fresco. Você vê que os animais são mais alegres, eles convivem num ambiente mais gostoso. E esse período de setembro a dezembro, janeiro, é um pouco mais quente, mas como a gente mora na margem do açude ainda ajuda a refrescar, mas para quem mora mais distante do açude é mais difícil, agora, aqui pra nós, é ótimo. P - Aurilene, e a sua primeira escola, qual foi? R - Foi aqui mesmo, na comunidade. P - Qual é o nome da escola? R - Manuel Cândido Martins. P - Seu parente? R - Manuel Cândido, eu acho que é o avô da minha avó, quer dizer, é o meu bisavô. P - E você estudava de manhã, de tarde, como era? R - Um período, eu estudei pela manhã, aí quando começou, já da quinta em diante eu estudava à tarde e, na igreja, porque a escola era pequena e não tinha espaço. Eu estudei quatro anos na igreja da comunidade. E aí, quando eu terminei o primeiro grau, aqui, eu fui estudar em Orós. Depois que eu terminei o segundo, eu ainda fiz um curso de pedagogia, só um curso mesmo. P - Você tem alguma professora que tenha te marcado nessa tua infância aqui? R - Tenho Ela é até a minha tia Josenir, porque como o lugar é pequeno, a comunidade é pequena, praticamente, um professor ensina a sua vida inteira. Você vai aumentando o ensino e ele vai, continua te acompanhando. E ela, eu acho que foi a professora que me ensinou por mais tempo. E também tem uma prima minha, que ela não é tão mais velha que eu, mas começou a ensinar aqui na comunidade com 16 anos, então, eu estudei muito tempo com ela. Essas duas professoras foram as que me marcaram. P - Como é o nome dessa sua prima? R - É Maria Venâncio. P - Essa ida pra Orós, você foi morar lá ou você ia e voltava todo dia? R - Um período, tinha um carro da comunidade vizinha que vinha pegar a gente aqui, levava até uma vilazinha que tem a oito quilômetros daqui e, lá, a gente ia de ônibus até Orós. Aconteceu muitas vezes do ônibus quebrar no caminho, e a gente chegar em casa duas, três da manhã, depende, até quatro da manhã aconteceu da gente chegar em casa, que o carro quebrava e não tinha outro, a gente tinha que vir a pé, senão ia ficar lá esperando quem? Sem saber o que vinha Pois é E tinha dia que eeese transporte vinha e que perdia muita aula, aí, o meu pai resolveu comprar um carro pra gente, pra ficar um pouco melhor pra gente estudar, porque, aí, foi na época também que a minha irmã já começou a estudar. E meus irmãos não se interessaram em levar o carro, e quem levava era eu, eu ia estudar, levava o carro e trazia. Ia até Palestina, que é uma comunidade vizinha, de lá pegava o ônibus e ia até Orós. P - Qual é a distância exata de Orós até aqui, Jurema? R - É 30 quilômetros. Só, que o percurso do ônibus é aproximadamente de 45. P - Você tinha quantos anos quando dirigia? R - Já tinha 18 Já era maior P - Nessa idade aí, de adolescente, jovem, como que eram as suas diversões, vocês tinham algum tipo de grupo de amigos, o que vocês faziam pra se divertir? R - Aqui na comunidade, é uma família. Pra onde você se virar tudo é primo, e aí, junta a família e se diverte aqui na comunidade mesmo, se tem alguma festa num lugar mais próximo você junta uma turma, arruma um carro e vai. É, dia de domingo, junta uma turma e vai pro açude tomar banho, leva peixe e faz a diversão lá, sempre faz isso P - Tem alguma festa tradicional aqui? R - Tem, a festa do padroeiro, O Coração de Jesus. É a festa do padroeiro e da comunidade. P - Quando é? R - Em junho. É bem tradicional, vêm muitas pessoas que moram aqui e de fora, vêm participar dessa festa. Aqui na região, no encerramento da festa, a gente faz uma procissão de barco, o cortejo passa aqui, pega o barco e rodeia pra pegar a estrada do outro lado, é muito legal, chama bem a atenção, muita gente vêm só pra ver porque acha que isso não existe. P - E durante a festa, quais são as atividades? R - Ah, além de missas, de novenas, tem reza mesmo, reza, reza, reza e reza Tem de madrugada, às quatro da manhã, e tem às sete da noite. E missa durante o dia. Lugar pequeno, é mais show católico, faz de tudo um pouco. P - Não tem, lá, umas barraquinhas? R - Sim, umas barraquinhas vendendo, mas isso tudo é pra arrecadar recursos pra igreja. Barraquinha vendendo salgados, refrigerantes, essas coisas. Na última noite de novena faz uma quermesse, que é muito participada, é muita gente. Esse ano mesmo, eu acho que bateu o recorde de participantes, a gente fez, até, na sede da associação, num espaço entre a associação e a igreja. Foi muito lindo P - E quantas pessoas costumam se reunir nessa festa, você tem idéia? R - Por ser um lugar pequeno, a gente acha que é muita gente, em torno de 200, 300 pessoas. P - Quantas pessoas vivem aqui, na comunidade? R - Aqui, na comunidade? Isso que eu estou falando, é esse pessoal de fora da comunidade. Aqui, hoje, na comunidade, é aproximadamente umas 300 pessoas, umas 50 famílias. P - Então, na verdade, a piscicultura sempre esteve presente, aqui, no cotidiano? R - A pesca artesanal P - Explica isso pra gente. R - A maioria dessas pessoas, que hoje estão na piscicultura são pescadores artesanais, passa a rede e fica esperando o peixe vir fisgar nela. E, hoje, não Hoje, a gente cria, tem uma coisa certa, não tem que estar esperando o peixe vir pra rede, ele está, ali, guardado dentro das gaiolas, na hora que você quiser vai lá e pega. Mudou muito a realidade da comunidade, mudou bastante P - No tempo em que vocês se dedicavam apenas à pesca tradicional tinha muito peixe por aí? R - Não, não O açude passou esteve numa época um pouco baixo, aí, não tinha peixe, não Praticamente, só dava mais pro consumo, não tinha como você estar vendendo pra estar adquirindo um pouco mais, uma renda extra, não tinha Porque era pouco peixe. P - Era que tipo de peixe? R - Era piranha, que só estraga a linha, era peixe sem valor comercial, peixe que você vendia a um real o quilo, a 50 centavos o quilo. E a tilapia, hoje, é um diferencial. P - Na verdade, essa pesca artesanal só servia pra subsistência? R - É, sim P - E não sobrava nada pra vender? R - Não, dificilmente sobrava um pouco, a não ser na época do inverno, que têm aqueles peixes que vão pro riacho e as pessoas iam pegar lá, aí, dava um pouco mais, mas não tinham valor, na época que dava muito peixe não tinha valor comercial, só tinha valor quando tinha pouco. P - E esses peixes que no inverno davam com mais abundância quais eram? R - É curimatã, que, até, é proibido, porque é a época da piracema, é a época que ele está produzindo, ne é, até, proibido pescar, mas como não tinha outra coisa tinha que pegar Tinha gente pra comprar, fazer o quê? P - E como é que se deu essa transposição da pesca artesanal pra piscicultura, aqui, na comunidade? R - Foi em outubro de 2004, com o projeto do Ministério da Integração, que ele vinha capacitar as pessoas e davam um incentivo, seriam 10 gaiolas e ração. E ela vinha pra 10 gaiolas para 26 pessoas no período de seis meses, isso, pra cada um tocar muito pouco. Foi um bom o incentivo. P - E como é que os pescadores reagiram a essa novidade? R - Alguns não acreditaram, acharam que isso era mais um projeto que vinha e não daria certo, como outros que já vieram aqui, e não deu. E alguns acreditaram, que era a única maneira pra realmente sobreviverem num lugar às margens do Orós, onde há alguma riqueza e as pessoas não tinham como explorar. Oh, muitos acreditaram, mas ainda tiveram pessoas que não acreditaram, só que depois, eles passaram a acreditar e, hoje, está todo mundo. P - Os projetos que deram errado, quais foram? R - Eles fazem um projeto, eu não sei lhe explicar bem o tipo de projeto, mas um projeto que eles convocariam os pescadores pra uma reunião, e lá, eles iam não davam nenhum tipo de capacitação, davam a rede, davam a canoa, davam balde pra armazenar o peixe, e aí, no dia seguinte, eles já estavam vendendo essas coisas, pronto, era desse tipo Aí, não tinha nenhuma capacitação, não tinha nenhuma maneira de conscientizar as pessoas a trabalhar, a sobreviver, não tinha isso. E esse projeto foi diferente P - O diferencial estava exatamente na capacitação? R - Exatamente Porque as pessoas foram primeiro capacitadas pra, depois, começarem a praticar. P - Em que consistia essa capacitação, o que se ensinava? R - Primeiro, era a teoria da organização, como as pessoas devem se organizar, depois, vem o associativismo, gerenciamento de projetos produtivos, depois, teve a capacitação de criação de peixe em tanque e rede e, depois, veio o processamento do pescado, que também a gente faz aqui na comunidade. P - E como é que você entrou nessa história? R - Na época, eu era presidente da associação - Associação Comunitária de Jurema. E a associação já existia, foi fundada em 1994, que meus pais faziam parte, o pessoal mais antigo da comunidade. E na época desse projeto, eu fui convidada pra entrar na associação, num período muito crítico, as pessoas não queriam, estava com muito pouca participação. E aí, foram formar a nova diretoria e não conseguiram, pelo número de pessoas, e aí, a minha mãe me convidou pra entrar e eu fiquei, assim, um pouco, eu digo: “Eu vou lá olhar, ver se realmente vale a pena”. Aí fui, participei da reunião, gostei e já entrei como tesoureira da associação, já entrei na diretoria, que nem podia, mas eu entrei, abriram uma excessão nesse caso, e aí, eu passei dois anos como tesoureira, em seguida, eu passei a ser presidente da associação, passei quatro anos. E no projeto, eu estava no terceiro ano e, no ano seguinte, eu comecei a incentivar as pessoas, a gente foi fazer as capacitações em Orós, a gente ia de barco, e uns acreditavam, outros não, e eu sempre dizia: “Gente, vamos que esse projeto é diferente, tem alguma coisa diferente, esse vai dar certo”. Por que eu vi que era diferente? Porque a gente começou logo a ser capacitado, pra depois começar a trabalhar. Quando você tem um conhecimento é um pouco diferente do que você começar a fazer uma coisa sem saber como é que vai fazer. E se tivesse baixa das pessoas, por eu ser presidente da associação, eu achava que era a minha obrigação fazer isso, pra fazer com que o projeto não fosse abaixo, que teria que dar certo. P - E você começou também a trabalhar nisso? R - Sim Eu era uma das cabeças, tinha que incentivar as pessoas. E eu, por ser mais nova, eu tinha uma visão um pouco diferente dos demais que achavam que isso. Eu não pensava em sair da comunidade, tinha que ter aquela coisa que desse certo para ficar aqui na comunidade. Eu nunca pensei em sair daqui, porque a maioria dos jovens quer sair pra São Paulo, ou sei lá, pra outros estados, buscar melhoras. E eu não pensava isso, eu nunca pensei em sair da comunidade, aí, isso me incentivou a incentivar os demais. P - Quando começou a aparecer os primeiros resultados? Assim, que as pessoas começaram a perceber: “Opa, esse negócio pode dar certo”. R - Seis meses depois, porque a criação de peixe é num período de seis meses. Na realidade, em dois meses a gente já viu os resultados. Ah, no açude a gente passa três, quatro anos pra poder pegar um peixe um pouco maior e, aqui, não, com dois meses você já via a diferença, você já tinha um peixe bem maior. Como a maioria das pessoas já eram pescadores, já começaram a se animar com a coisa. Em seis meses, que começou a venda, começou a ter um retorno. Aí, a gente passou um período de um ano só com essas 10 gaiolas, porque a gente não tinha a outorga, a autorização pra usar a água, esse foi um dos problemas que aconteceu, mas aí, quando saiu, já surgiu, isso foi o grupo um, e daí surgiu o grupo dois, logo em seguida surgiu o grupo três, o grupo quatro e, agora, está começando o cinco. P - São grupos de capacitação? R - Não, grupos de criação, grupos diferentes. Dentro da associação são cinco grupos, e tem mais o grupo de processamento. Os que acreditaram primeiro, estão no grupo um, os que vieram depois, formaram o grupo dois, o grupo três tem algumas pessoas que eram do grupo um, pessoas que desistiram e, depois, passaram a acreditar e o quarto. E agora, está surgindo o quinto. Eu acredito que depois do quinto não vai ter, a não ser que pessoas da comunidade que moram fora venham pra cá. Já têm pessoas, eu tenho primos que moram em São Paulo e, que já estão se organizando pra vir morar aqui, construir uma casinha, conseguir um transportezinho pra andar, uma moto e, começar a criar peixe. P - Como é que se resolveu esse problema da utilização da água? R - É, porque, realmente, o processo é demorado, não é fácil. É, mais ou menos, um ano depois foi que saiu a autorização da ANA, Agência Nacional das Águas, e o banco só liberava o recurso com autorização. Isso era uma coisa que tinha que acontecer, tinha que esperar isso. P - Aí, vocês puderam aumentar o número de gaiolas? R - Quando a gente começou, foram financiadas 10 gaiolas, cinco gaiolas por pessoa, mais duas doadas do projeto, do ministério e, depois, foram ampliadas pra 10 e, agora, pra 15 gaiolas por pessoa. P - Quantas gaiolas têm hoje? R - Aqui na Jurema, têm 850 gaiolas, começou com 10. É uma coisa que, às vezes, a gente nem dá pra acreditar, que começou com 10 e, num período muito curto, um pouco mais de dois anos, chegar a 800. Vai crescer mais, que o quinto grupo não colocou gaiola na água ainda, não E vão ser financiadas, talvez, 10 gaiolas por pessoa. P - Como é o processo, me conta desde o início, como é que era? Peguei uma gaiola aqui no seco e vou levar pra água, como é o processo até a coleta do peixe? R - É assim: primeiro, você recebe o alevino, ele vem com uma grama, não é produzido aqui, a gente compra de produtores, a gente tem dois fornecedores, um que é do estado do Ceará, mas são russos, fica a mais ou menos 250 quilômetros daqui e, o outro, é de São Bento, na Paraíba, que é a um pouco mais de 250 quilômetros, mas ele entrega aqui e, é um alevino de boa qualidade. Tem que procurar aqueles que têm uma boa qualidade, porque de péssima qualidade tem por aqui. P - Como é que identifica isso? R - Ah, no desenvolvimento dele é que vê, tem a questão da genética. Você compra uma vez, se ele não desenvolveu, a segunda vez, você vai lá ver se realmente é. A gente sempre faz isso, visita os produtores pra ver se realmente tem qualidade, se tem um desenvolvimento bom. E aí, quando ele chega, a gente coloca ele no berçário de cinco milímetros e coloca dentro da gaiola, com 21 dias a gente tira do berçário de cinco e passa pro berçário de 10 milímetros, e aí, com mais 30 dias a gente tira do berçário de 10 e passa pras gaiolas, aí ele está com aproximadamente 35 a 40 gramas ou até um pouco maior, dependendo do manejo. Das gaiolas ele passa, ele vai crescer entre 40 gramas a 120, 130 e, é um período que você dá uma selecionada nele, que já têm uns maiores e têm outros menores. A gente começa com 700 peixes. Quando a gente tira do berçário e coloca em cada gaiola, quando tira essa primeira seleção você já deixa 500, aí, quando ele está na média de 500 gramas você faz outra seleção, que vai ter aqueles de 700, de 800 e, têm aqueles de 500 e têm aqueles menores, de 400 gramas. Separando por tamanhos diferentes ele cresce mais rápido, tem um desenvolvimento melhor, porque existe a lei da sobrevivência. O maior sempre prejudica o menor, e ele estando separado, não, eles vão estar todos do mesmo tamanho. E aí, depois dessa última seleção, pronto Quando você seleciona, ele está com 500 gramas, aí completou uns cinco meses e meio já começa a vender, aquele maior você já está vendendo, depois, vem o menor, que, também, com seis meses você já está. Praticamente, com seis meses você já vendeu todo o lote. E aí, é assim, todo mês você recebe alevinos, e todo mês você tem peixe pra vender. P - E essa seleção que é feita, eles são colocados em gaiolas específicas pra cada pesagem? R - Exatamente, cada tamanho em sua gaiola. P - E como é que eles se alimentam? R - Ração. Têm as pessoas que vão, no caso, o grupo é de 12 pessoas, aí, eles dividem, cada um vai um dia raçoar. Cada um tem o seu dia e sabe o dia certo que é a ração dele. No dia que é pra fazer o manejo vai todo mundo trabalhar, mas a ração sempre é uma, duas pessoas. Ele já sabe o dia: “Tal dia vai ser o meu dia”. E pronto, não precisa nem falar. E aí, a ração é feita quando ele chega, o alevino, ele é raçoado de hora em hora, cada hora a pessoa está lá raçoando, depois passa a ser de duas em duas horas e, no final, a ração dele é três vezes por dia. P - Super alimentação? R - É. P - E do que é a ração? R - A ração é fabricada, é extrusada e peletizada A gente está comprando agora de uma fábrica de Fortaleza, também tem uma de Pernambuco. Porque a gente usa vários tipos de ração, por que vários fornecedores? Porque tem aquele que pode faltar, e aí, a gente não pode ficar sem ração, o peixe não pode ficar sem a ração, ele tem que ter ração todo dia, e aí, se em um faltar a gente já liga pro outro, pra que não aconteça de faltar, ele tem que ter ração todo dia. P - E vocês estocam? R - É, têm os armazéns, que a associação antes não tinha, a gente conseguiu depois. Então, têm três armazéns, porque a gente compra de carrada fechada, e aí, vai. P - Quer dizer, na verdade, toda essa organização gira em torno da associação? R - Da associação Quando o projeto surgiu, ele veio procurar a associação, porque já tinha a organização. Só, que algumas pessoas da comunidade não valorizavam a associação. No começo do projeto, a associação tinha 18 sócios, hoje, têm 80 sócios ou mais. As pessoas começaram a valorizar. E a questão da associação é fundamental, ela é que faz toda a organização, os grupos. Cada grupo tem o seu tesoureiro, o seu secretário, o seu coordenador, mas a associação se reúne mensalmente, os grupos se reúnem semanalmente, é ordinário. Os grupos se reúnem sempre na quarta e na quinta-feira de cada semana, essa é ordinária, e extraordinária é sempre que tem alguma novidade. Já aconteceram períodos aqui, da gente se reunir todo dia, todo dia ter reunião P - Por causa de algum problema? R - É, alguma coisa que vai surgindo, visita, essas coisas assim, aí, se reúne todo dia. P - E na continuidade do processo do peixe, como é a cadeia produtiva? P - Depois do peixe pescado, colhido? R - Quando ele está pronto, têm os comércios, os comerciantes que pegam aqui, os atravessadores, como a gente chama, que pega aqui e vai levar direto pro mercado, pro consumidor. Têm pessoas da própria comunidade, também, que levam pra esse mercado. E tem o processamento, porque a maioria desses peixes é processada, aquele menor, aquele que não se desenvolve bem, pra ter um melhor valor comercial é processado, dele é feito o filé, a bolinha, a linguiça, o risole, o hamburguer. Agora, surgiu a buchada, que é um produto muito bom e faz o maior sucesso P - Feito aqui? R - Feito aqui, na comunidade. P - Quantas pessoas estão envolvidas nesse beneficiamento? R - Nesse beneficiamento, em torno de 15 a 20 pessoas, que a maioria é da criação também, ele cria e processa. P - E é congelado, como que é? R - É congelado Ele é tirado da água, faz o choque térmico, resfria ele, aí leva pra processar, depois de processado, congela e, depois, vai pros supermercados. P - E os grandes? R - Os grandes são vendidos in natura mesmo, só é viscerado, gelado e leva pro mercado. P - Ah, vai frio apenas, não vai congelado? R - Não, congelado, não Porque aqui, na nossa região, não tem muito comércio de peixe congelado, porque a maioria dos consumidores não quer os peixes congelados, ele prefere resfriado, que quando chegar lá é que ele vai congelar, é pro consumo, porque ele vai bem resfriado. P - Quer dizer, a produção é dividida pelos grupos dentro do grupo, é isso? R - Dentro da associação. P - Quer dizer, eu tenho cinco caixas? R - É, se alguém do grupo não vai vender pra um comerciante de fora, pra alguém de fora da comunidade, ele já têm as suas caixas, tem o carro, tem tudo, ele só tira lá, viscerou, pesou, gelou e vai entregar no local. Se for alguém de fora, ele já vem preparado pra tudo isso. Mas os grupos têm caixa, tem todo o material que é necessário usar. P - Me diz uma coisa, quanto de produção tem hoje aqui, na comunidade? R - Em torno de 25 a 30 toneladas. P - Por mês? R - Por mês. P - Como é distribuída essa produção, é o comprador que vem buscar ou vocês que levam? Tem carro frigorífico? R - Têm as duas maneiras, tanto a gente leva, como ele vem buscar, mas a gente prefere que ele venha pegar aqui, pra gente é melhor Se a gente for levar, o lucro é um pouco menor, a maioria das pessoas tem que estar trabalhando nas suas atividades, fica difícil pra estar levando, a maioria vem pegar aqui. P - E pra onde vai mais, principalmente a produção? R - O maior consumidor hoje, é Juazeiro do Norte. Fortaleza é um comércio muito bom, mas pra nós está sendo melhor Juazeiro, porque é mais próximo. É o grande consumidor de peixe, e não dá, não dá O peixe que a gente produz aqui, não dá pra atender. P - Mas Juazeiro do Norte está na beira do rio R - Mas no peixe, a qualidade é que faz a diferença. É por ter qualidade E, também, têm duas pessoas que levam pra Teresina, no Piauí, então, saem duas carradas por semana daqui pra Teresina. P - Que tipo de carro, é um carro frigorífico? R - Não, é sempre de caminhonete, eles levam nos isopores. Tem caminhão frigorífico também, mas a maioria é em caminhonetes, porque ele vai só pegar aqui, chegar lá e entregar Não precisa ser realmente um frigorífico. P - E qual é o segredo dessa qualidade que você tanto se orgulha? R - É, porque esse peixe que eles trazem de outras localidades, é peixe criado em tanque escavado no chão. E a tilápia, é um peixe que se alimenta dos nutrientes da terra, e por ele se alimentar disso, fica com um sabor diferente, e das gaiolas, não, ele fica submerso, ele não chega a tocar na terra, e a qualidade é super diferente Não tem nem comparação com esses que são de tanque escavado no chão. P - O carro chefe daqui, então, é a tilápia? R - É a tilápia P - E ela chega a pesar quanto? R - A gente vende em média de 750, 800 gramas, a média dele, só, que tem aquele de um quilo e meio, mas a média mesmo é 800 gramas. É o comércio daqui que pede. Se chegar a um ponto que o comércio exige um peixe maior a gente vai ter que deixar crescer um pouco mais. P - E é possível isso? R - É possível P - Ela pode atingir até quanto? R - Ah, cinco quilos, seis quilos Isso depende. Só, que, aí, vai demorar mais tempo. Mas que chega a atingir, chega. P - Quais são as dimensões dessa caixa que é usada? R - Dois metros quadrados, e a altura dela é um e 20 metros, Numa gaiola de dois metros quadrados a gente coloca. A gente tem a capacidade de tirar 500 quilos de peixe. É, 500 peixes de quilo, tem capacidade pra isso e até mais. P - Eu tenho só mais uma curiosidade, que você falou que tinha começado em 2004, mas você se lembra da primeira vez que você teve o contato, quando você foi mexer, ali, na água, mexer com o peixe, você se lembra como foi isso? R - Vixi Eu não lembro, não Eu devia ser muito pequena, os meus irmãos eram pescadores, e sempre que eles chegavam às margens do açude nós estávamos, lá, mexendo no peixe, com três, quatro anos, cinco anos eu já estava lá. O forte daqui sempre foi o peixe, mesmo estando fraco, porque tinha a época que estava um pouco mais fraco, e tinha a outra que estava um pouco melhor, mas sempre foi peixe. P - E depois que o projeto começou, a primeira vez que você viu, que pensou: “Esse negócio vai dar certo”. R - É, com as capacitações, a gente já começou a acreditar, e quando chegaram aqui os alevinos, aquela coisinha pequenininha: “Gente, será que isso um dia vai crescer?”. E aí, um mês depois você já via e falava: “Nossa, o quanto cresceu isso”. É um incentivo muito grande E a gente também visitou outros projetos, pra que pudesse ver que era possível. P - Aonde eram esses outros projetos? R - Em Castanhão, que começou um pouco antes que a gente, a gente foi lá. P - Castanhão fica aonde? R - Castanhão fica em Jaguaribara, fica a uns 150 quilômetros daqui, talvez. Não, acho que menos, uns 100 quilômetros. P - Também no açude? R - É um outro açude, é o açude de Castanhão, que eles começaram antes. Eles começaram em 2004, mas foi bem no começo, a gente começou bem no final de 2004. P - Aurilene, e o seu dia-a-dia hoje, como que ele é, da hora que você acorda até a hora que vai dormir, como é o seu dia? R - Ah, quatro e meia da manhã, cinco horas é o horário de eu estar acordando, e de dormir é quando termina toda a atividade, a gente tem que estar cuidando. Eu sou coordenadora de um grupo e tenho que estar cuidando, estar vendo se as pessoas estão fazendo direitinho, se está pesando ração, se está pesando o peixe, saber se ele está crescendo. Também faço parte da diretoria da associação, tenho que estar fazendo todos os processos, as reuniões, fazendo com que as reuniões aconteçam, com que as visitas aconteçam, com que tudo dê certo, porque não é só a criação de peixe, têm uma série de coisas que envolvem o projeto. P - E o fato de você ser mulher, como é isso, porque têm um monte de homens aí, pescadores, como que é isso, essa autoridade toda como é que funciona? R - É interessante Quando a gente começou, a maioria no grupo era mulher, se não me engano, eram cinco homens e sete mulheres, o grupo um. E as pessoas deixavam. Quando vinha alguém de fora dizia assim: “E essas mulheres”. Chegou, até, a acontecer isso, pessoas que vinham dizer: “Gente, mulheres trabalhando aqui, vocês não acham um pouco estranho, não?”. Mas as mulheres realmente acreditaram, viram que era um serviço maneiro, que qualquer um pode fazer, não é só serviço de homens, porque as mulheres também podem estar fazendo isso, e as mulheres acreditaram, e eu acho que foi um incentivo muito grande. Às vezes, o homem não podia estar no projeto por algum motivo, e a mulher chegava lá e fazia o serviço bem direitinho. P - Então, Aurilene, conta mais dessa ascendência feminina sobre a comunidade aqui, com você como presidente da associação, líder de grupo, coordenadora, isso não causou nenhum tipo de constrangimento? R - Não, não Até, a gente dá incentivo a outras mulheres de outras comunidades de também estarem fazendo isso, teve também aqui no município, em outras localidades, que as mulheres acharam que isso não era coisa de mulher, que isso era coisa pra homem, pegar sol, pegar peixe, achava que era isso. E elas vieram aqui, ver se realmente aqui as mulheres trabalhavam. E têm pessoas que chegam e vêem as mulheres pegando no pesado e diz: “Nossa, gente, como é que vocês conseguem isso?”. Mas não é A pessoa que mora no interior, a mulher é capaz de fazer qualquer serviço. E quando a gente chega lá fora, que vê assim: “Nossa”. Que vê, a gente mostra o trabalho, as pessoas ficam encantadas das mulheres terem essa garra, ter essa força, ter essa força de vontade de estar trabalhando. Por ser a mulher um pouco mais organizada, aí, facilita, não é? P - O que significou esse projeto e essa nova atividade pra comunidade, como é que isso fez com que a comunidade melhorasse, ou não fez, o que significa isso pra Jurema? R - É, significou tudo pra comunidade, porque a comunidade não tinha praticamente nada, as pessoas viviam da pesca e agricultura, só, que era uma coisa só pra sobreviver. Hoje, você vê as pessoas realizando sonhos, pessoas que tinham o sonho de comprar um transporte, que não tinha condições e, hoje, já tem. Reformar as casinhas que estavam caindo. Hoje, já está todo mundo reformando, todo mundo já reformou, por melhor dizer Quer dizer, a gente vê a alegria das pessoas, vê que as pessoas melhoraram a sua vida social, cultural e tudo mais. É isso, pode-se dizer que a comunidade melhorou 100%, que antes a gente não tinha, e quando aparece a oportunidade a gente tem que pegar e aproveitar, porque dificilmente aparece outra oportunidade. P - E naquilo que não é visível, assim, na coesão social, no companheirismo, na solidariedade, como é isso? R - Mudou muito Quando as pessoas começam a conviver com outras pessoas, quando você começa a participar de reuniões com outras pessoas, a conhecer outras localidades, a visitar outros tipos de projetos, participar de feiras, isso muda, as pessoas mudam, o comportamento de vida muda pra melhor. Pra melhor Às vezes, as pessoas não tinham muito o costume de sair da comunidade, não conheciam as cidades mais distantes, a partir do momento que começa a sair, começa a ter uma visão totalmente diferente, começa a valorizar o que tem, começa a realmente mudar a cabeça das pessoas, muda bastante, mudou. P - E o fato, por exemplo, é o seu primo que está em São Paulo? R - Isso P - Ele está querendo voltar pra cá, ter uma relação dessa de valor com a região, como que é isso? R - Eles já viram que a comunidade mudou, eles já vieram passear aqui e viram que a comunidade mudou, e eles também querem participar desse processo, não sei como que viram passando imagem daqui desse projeto, acho que foi numa reportagem, e ficaram encantados: “Oh, esse, aí, é o meu lugar. Isso, aí, é onde eu moro. Esses, aí, são meus primos, meus pais”. E as pessoas diziam: “Não, você está brincando”. Porque eu acho que eles antes, tinham vergonha de falar do lugar deles, não tinha nada pra mostrar do lugar E quando passou isso, quando aconteceu isso, eles ficaram orgulhosos do lugar que eles nasceram e se criaram, de estar do jeito que está P - Quer dizer, além do resultado econômico, material, tem um pouco de auto-estima? R - Com certeza No ano passado, a gente foi participar de uma feira em São Paulo, a Biofar [Feira Internacional de Produtos Orgânicos], e aí a pessoa que foi daqui, da comunidade, foi eu, e quando cheguei lá, reuniu até um pessoal daqui que mora lá, a gente se reuniu, ficou todo mundo junto, e eles: “Como é que pode, jamais a gente ia imaginar, a gente saiu de lá e jamais ia imaginar que isso fosse acontecer”. E eles ficaram loucos pra voltar, porque eles têm, também, que resolver a questão deles lá. Fica todo mundo encantado com o que a gente tem. E pra gente que sai daqui e vai pra lá, a gente não tem noção de como é a coisa, quando chega aqui, até aquelas pessoas que não valorizavam a comunidade, passam a valorizar, passam a mudar a percepção a ser diferente A cabeça das pessoas muda demais P - Porque passam a ter a sua própria renda e garantem alguma qualidade de vida, não é? R - Com certeza E, voltando a questão das mulheres. As mulheres, antes dependiam do marido, dependiam do pai, alguma coisa assim, e passam a ser independentes Quando a pessoa é independente não vai depender de ninguém: “Eu tenho o meu trabalho, eu tenho a minha renda, eu não preciso disso. Eu só preciso de mim pra trabalhar e ser alguém”. P - E as crianças daqui, como elas vêem isso, as crianças da comunidade, elas também têm vontade de trabalhar com isso? R - Com certeza A maioria diz: “Eu só quero completar a minha maioridade pra começar a criar peixe”. A formar um grupo. E eles falam muito: “O próximo grupo vai ser nós”. E se reúnem, assim, as crianças brincando, aí, diz: “O próximo grupo vai ser nós, quando a gente tiver...”. Eles pensam nisso, a gente vê. E tem o incentivo também dos pais, os pais já incentivam isso. P - Essa escola que tem aqui, vai até que nível? R - Hoje, ela tem até o primeiro grau, têm poucos alunos, juntam três séries numa classe só, mas ainda é o primeiro grau. Antes, eles iam pra comunidade vizinha, só tinha de primeira a quarta aqui, e daí em diante eles iam pra Palestina, e hoje, não, é tudo aqui. R - E qual é a relação do Banco do Brasil com toda essa história, como é que o banco apareceu nessa história? P - É engraçado No começo do projeto, a gente não sabia se realmente. Eles diziam: “A gente vai tentar conseguir um financiamento, vai tentar conseguir o financiamento”. Mas a gente tinha aquela dúvida se realmente ia acontecer, aí, foi quando surgiu o DRS [Desenvolvimento Regional Sustentável], o projeto do banco que chegou, e a maioria das pessoam tinha aquele medo de estar fazendo financiamento, aquele medo de ficar devendo ao banco, mas o banco sempre procurou que as pessoas entendessem que você tem que ir atrás do banco mesmo, você tem que precisar do banco. E assim, foi uma parceria muito boa que deu continuidade ao incentivo dado pelo ministério, pelo governo federal, deu continuidade e realizou os sonhos das pessoas, porque tornou realidade esse sonho. R - E como é a relação da comunidade ou da associação com o banco? R - É uma relação muito transparente, muito boa. Sempre que a gente precisa de alguma coisa do banco, às vezes, a gente não precisa nem ir até lá, só liga e fala com alguém lá. É uma parceria que começou, a gente, até, tinha medo que não desse certo, mas é uma parceria muito boa, sempre que o banco precisa consultar alguma coisa, liga pra associação, pede informações. Sempre que surgem outros projetos em outras comunidades, em outros estados, eles trazem esse pessoal, essa equipe aqui, na comunidade, pra ver que aqui realmente deu certo. É uma relação muito transparente. P - Isso, do ponto de vista da relação institucional do banco com a associação, e a comunidade, como é que as pessoas vêem o banco? R - Antes, eu mesma, eu ia ao banco para pagar alguma coisa, fazer alguma coisa, não tinha muita intimidade com o banco, até, eu tive um susto de estar indo no banco, porque eu vou ver o que no banco, não é? E hoje, não, a gente chega lá e eles estão de portas abertas, todo mundo recebe a gente muito bem. Antes, há alguns anos atrás, aqui mesmo no município, quem conseguia fazer um financiamento eram pessoas ricas do município, e que conseguiam entrar num banco, um pobre, aqui, um pé de chinelo, como a gente fala, era barrado, ele não conseguia entrar, entrava, não “O que você quer aqui? Você não tem nada aqui”. Dizia logo isso. E hoje, não, essa relação mudou demais Mudou pra melhor, e quem ganha com isso somos nós. P - Mas também a comunidade como um todo, não é? R - Nós, a comunidade e a associação. P - Qual é a presença do banco hoje, agora? R - Aqui na comunidade eles sempre participam das reuniões, eles sempre participam das decisões da associação, dos compromissos, sempre. Também, a associação participa de reuniões do banco, de decisões, pra estar acompanhando de perto, realmente, todo o processo. P/1 – Mas existe algum programa de treinamento, cursos, esse tipo de coisa? R - Não, porque essa parte, ficou com uma outra entidade, que é o Centec/CVT/Senar. Existe a parceria dos dois juntos. P/1 – Você podia repetir, por favor, o nome das entidades? R - Centec e Senar. É que Centec [Instituto Centro de Ensino Tecnológico] aqui no município é CVT. P/1 – O que a sigla quer dizer? R - Centro Vocacional Tecnológico. P/1 – E o Senar [Serviço Nacional de Aprendizagem Rural]? R - Senar, é Sistema...eu não sei lhe dizer direito, não Mas são aquelas... P - Sistema S, lá, como Senai? R - É, Senai, é isso. P - Nesse processo todo, Aurilene, o que você acha que seria o fato mais marcante que ocorreu para a comunidade? R - Uma coisa que eu acho que foi mais marcante, foi a nossa relação com o banco, porque a gente jamais imaginava que pudesse fazer um financiamento com o banco pra ter não sei quantos anos pra começar a pagar, e a gente jamais ia imaginar disso acontecer, a gente sabia que o projeto poderia dar certo, mas se não fosse financiado pelo banco, teria que ser de uma outra, que fosse doado pelo governo, sei lá. Mas o diferencial, foi que as pessoas foram financiadas. Ele sabe que ele tem que pagar, sabe que ele está devendo ao banco. A partir do momento que ele quiser sair, o seu nome, pode ficar com débito. A pessoa está feliz, está alegre, está trabalhando, mas ele sabe que tem que trabalhar bem direitinho, pra pagar o financiamento. Só que a associação tem todo o controle, porque se sair um, o restante do grupo assume a dívida. Mas a gente nunca diz isso, que é pras pessoas ficarem atentas, pra não cometerem nenhum deslize. P - E as pessoas têm tido facilidade para pagar esses financiamentos? R - Com certeza Já foram pagas duas parcelas e, até hoje, não teve nenhuma inadimplência, não P - Não teve inadimplência? R - Não Na última reunião que teve aqui com o gerente, foi ele quem relatou pra gente que não tinha nenhuma inadimplência, a associação sempre tem esse controle pra que isso não aconteça. P - E tem algum caso interessante nessa história toda, nessa trajetória, alguma coisa que você se lembre e, que pudesse ser o grande exemplo de todo esse processo? R - É, aconteceu Agora, ultimamente Veio uma visita aqui e perguntou qual era o índice de analfabetismo na comunidade, e a gente falou que era zero. E teve uma pessoa, que foi ao banco tentar fazer parte desse novo grupo, e ele é analfabeto, mas ele não quer ser alfabetizado. Sabe, é uma opinião dele, ele não quer. E aí, eu fui falar com o gerente, saber o que que a gente poderia fazer nesse caso, ele disse: “Ele vai aprender e voltar aqui”. Quer dizer, isso é uma coisa que a gente dizia que não existia analfabeto, mas, realmente, existia um. E ele me disse: “Eu só volto aqui, quando eu assinar o meu nome bem direito”. E ele assina, mas tinha dito “Quando eu assinar o meu nome bem direitinho. Eu vou mostrar pra vocês, que eu vou aprender a ler e a escrever”. Não sei, isso foi interessante pra gente. P - Porque, na verdade, todo esse movimento e essa atividade acabam provocando a necessidade das pessoas melhorarem, não é? R - É, exatamente O que a gente conseguiu pra associação, depois desse projeto, conseguiu pra comunidade. A associação se reunia na escola, tinha dia que precisava de uma reunião extra, e a escola estava ocupada, e a gente, às vezes, fazia no alpendre de uma casa, mas não tinha um conforto. A gente conseguiu um depósito. Aí, a gente conseguiu fazer a sede da associação, vocês viram lá, tinha até uma reunião. E um depósito de ração, que antes não tinha aonde armazenar, armazenava na casa das pessoas mais próximas. Na minha casa mesmo, passou muito tempo armazenando ração lá em casa. E a gente, também, conseguiu aqui pra comunidade, que é um marco no município. A Inernet aqui pra comunidade, que a gente não tinha e nem pensava nisso de um dia acontecer, e hoje a gente tem. São conquistas, assim, pequenas, mas que fazem a diferença. P - Quer dizer, na verdade, a atividade começa a gerar outras atividades que não estavam previstas anteriormente. R - Sim, com certeza Sempre que a gente se reúne com o banco, eles querem ver os problemas da comunidade, e se têm problemas, e quais, pra tentarem resolver. Da mesma forma, se tem alguém da comunidade que está com algum problema com o banco, a gente tenta saber, pra tentar resolver, pra que essa relação que existe, até hoje, continue, que isso jamais vá acabar um dia. P - Pra que melhore cada vez mais. R - Com certeza P - Eu queria uma receita de peixe, qual é uma boa forma de fazer uma tilápia? R - A tilápia, de qualquer jeito é boa, de qualquer maneira, você tirou ela da água, limpou, ou fritou, ou coziu, de qualquer maneira, pra mim é excelente Mas existem várias... P - Tem uma, assim, que você faria? Assim, se você fosse fazer uma tilápia pra nós, como é que você faria? R - Deixa pra minha mãe, que ela é quem é responsável por isso aí. P - Por que, você não é muito de cozinha, não? R - Faço, eu faço Mas foi ela quem me ensinou. P - Qual é o futuro da associação, o que vem pela frente? R - A gente pensa, sonha em se tornar uma cooperativa. Que tem gente que diz assim: “É um sonho muito grande”. Mas há quatro anos atrás, a gente não tinha nada E só no período de quatro anos, a gente tem aí, mudou 100% E quem sabe, daqui há dois, três anos a gente não vá estar com uma cooperativa trabalhando e com as pessoas felizes. Esse é um sonho da associação, e a gente vai batalhar por isso. P - E já começaram as tratativas, estão conversando sobre isso, como que é? R - A gente está conversando, está conscientizando as pessoas sobre o que é uma cooperativa, pra saber se, realmente, as pessoas querem. Porque tem que partir daqui pra lá, não adianta vim de lá pra cá, que não vai dar certo, é igual ao projeto, se começar, vem lá do ministério um monte de gaiolas, um monte de coisas, as pessoas iam começar a vender, a desperdiçar, a pegar o dinheiro, que as pessoas pegaram aqui, gastaram ali, e desvia pra outras coisas. Se for de uma maneira diferente, as pessoas começam a entender como é a coisa, começam a valorizar pra, depois, terem nas suas mãos. P - Quer dizer, vem de baixo pra cima? R - De baixo pra cima. P - Você é casada, Aurilene? R - Solteira P - Não têm filhos? R - Não, não, não Ainda não. P - Outra pergunta óbvia, mas também me interessa muito que você relate pra nós, porque são muito ricas e importantes. Qual é o grande aprendizado que você teve nesse processo todo, nessa atividade comunitária, o que mudou em você? R - Pra mim, eu acho que aqui, na comunidade, quem mudou mais fui eu, assim, a minha cabeça mudou demais, eu tinha dificuldade de conversar com as pessoas, de me relacionar com as pessoas, eu era uma pessoa muito fechada, as pessoas chegavam pra mim e diziam: “Nossa, aquela ali”. Na realidade, quem não me conhece, quando me vê, diz assim: “Ela é uma pessoa totalmente fehada, muito chata”. E quando começa a conversar, diz: “Nossa, não foi a pessoa que eu vi”. E, realmente, nisso eu mudei bastante. Eu ter o conhecimento de chegar numa certa entidade, saber com quem conversar, saber como conversar, saber o que dizer, isso mudou. Hoje, eu posso sair daqui, me deu o endereço: “Você vai pra tal lugar do país ou do mundo”. Porque eu tenho coragem de ir, eu vou, e não tenho medo de nada, e antes, eu não tinha essa coragem. Já pensou, nasceu lá nas margens do Orós, e vai lá pra uma feira. Isso mudou demais, Mudou bastante P - E o que você considera como a maior realização da sua vida? R - Ver as pessoas da comunidade felizes, que não querem sair da comunidade, querem continuar aqui e, trazendo pessoas que são da comunidade e que foram morar fora voltarem pra comunidade, morar aqui todo mundo junto, tudo família, crescer junto Que é o diferencial desse projeto, que nenhum cresce mais do que o outro, todo mundo cresce junto, o diferencial é isso. Não tem isso, que o fulano ganhou mais do que eu, recebeu mais do que eu, não Não tem isso, é todo mundo igual. Trabalha todo mundo junto e ganha todo mundo. P - Daí, pra cooperativa é um passo? R - Um passo bem curtinho, nós vamos dar P - Como é que você avalia essa presença do banco em todo esse processo, quer dizer, é uma relação duradoura, uma relação pontual, o que você pensa sobre essa relação? R - Pontual e duradoura. Porque sempre que a gente precisa do banco ele está a nossa disposição. E duradoura, porque eu acho que vai durar pra sempre, a gente sempre vai estar precisando do banco, e sempre vai ter a oportunidade. Isso eu sei, isso é uma coisa que a gente tem certeza que vai acontecer, e sempre. P - Só mais uma coisinha com relação a esse local. A titulação dessas terras, como é o regime de propriedade dessas terras, vocês têm posse delas? R - Tem, sim As terras que ficam as margens do açude, são loteadas, é do Dnocs, que as pessoas pagam uma autorização pra usar. É dele Só, que assim, qualquer coisa pertence ao Dnocs, mas ele é quem manda, ele é quem faz tudo nela. E as que não ficam na costa do açude, cada um tem o seu pedaço, são de pessoas que chegaram primeiro aqui, que se apossaram e fizeram a documentação. Só, que as que ficam àss margens do açude pertencem ao Dnocs, mas as pessoas pagam o direito de usá-las. P - Que é Departamento Nacional de Obras Contra as Secas? R - Isso P - Muito bem, Aurilene. O que você acha do banco estar querendo contar a história dos seus 200 anos assim, contando essas histórias pequenas e ricas das pessoas que têm algum envolvimento com ele, como é que você avalia isso? R - Isso pra gente é muito bom, a gente jamais ia imaginar que o banco fosse comemorar os seus 200 anos, isso pra gente é um elogio. É um elogio muito grande estar, também, colaborando com a história do banco, e o banco colaborando com a nossa história. É uma parceria que é um pouco diferente, existe uma maneira melhor de explicar, mas é maravilhoso P - Tem alguma coisa que você gostaria de dizer e que a gente não tenha te perguntado, que não tenha te estimulado em dizer? R - Eu acho que fechou, foi bom, foi ótimo P - O que você achou de ter participado dessa entrevista, de ter dado esse depoimento pra gente, como é que você se sentiu? R - No decorrer do trabalho a gente acaba se conscientizando como é a coisa. Há quatro anos atrás, ia ser um pouco difícil, mas hoje, não Hoje, já é mais tranquilo. P - Muito obrigado, Aurilene Foi lindo, foi ótimo ouvir você R - Valeu, garoto
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