Projeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Maria Batista
Entrevistada por Estefani Fernandes dos Santos e Aparecida Silva
Serra Pelada, 14 de agosto de 2024
Código da entrevista: MSP_ HV007
Transcrito por Bruna Piera
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Dona Maria, qual o seu nome, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Maria Batista, nasci em Vitorino Freire, município de Maranhão, no dia 13/07/1953.
P/1 - Dona Maria, a senhora sabe a origem do seu nome?
R - Sim!
P/1 - A senhora poderia falar um pouquinho pra gente, como foi que os seus pais colocaram o seu nome?
R - Meus pais colocaram o meu nome Maria Batista, Maria Pereira Batista, mas aí, depois do meu casamento, aí foi tirado o Pereira e colocado o Silva. E já trazendo os nomes do meu pai e da minha mãe.
P/1 - Dona Maria, a sua mãe lhe contou como é que foi o seu nascimento? Como foi? Como foi o dia? Como é que foi?
R - Não, só história assim, que eu nasci no dia 13 de maio, no dia da libertação dos escravos. Isso ela gostava muito de dizer, mais meu pai
P/1 - Por que?
R - Porque ela achava muito importante.
P/1 - A senhora pode contar um pouquinho das histórias que ela contava para a senhora?
R - Não lembro mais não. Tanta história que a mamãe contava, o papai. E aí, a gente vai indo.
P/1 - Qual é o nome da sua mãe, do seu pai?
R - O nome da mamãe é Luzia Maria Batista e Raimundo Pereira Batista.
P/1 - A senhora sabe como foi que eles se conheceram?
R - Sei sim!
P/1 - A senhora conta pra gente como que foi?
R - É porque meu avô, naquele tempo, diz que é fazendeiro hoje, chama fazendeiro, né? Meu avô era fazendeiro e vendia gado, tocava gado no mundo aí, essas criações. Aí, passaram num lugar e viram a mamãe. Aí, papai andando mais o pai dele, que é meu avô. Aí, encostou lá nesse lugar pequeno lá, se arrancharam, e papai viu a mãe e gostou do jeito da mamãe. Aí, falou para o pai dele que queria casar com a mamãe. É muito engraçado....
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Entrevista de Maria Batista
Entrevistada por Estefani Fernandes dos Santos e Aparecida Silva
Serra Pelada, 14 de agosto de 2024
Código da entrevista: MSP_ HV007
Transcrito por Bruna Piera
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Dona Maria, qual o seu nome, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Maria Batista, nasci em Vitorino Freire, município de Maranhão, no dia 13/07/1953.
P/1 - Dona Maria, a senhora sabe a origem do seu nome?
R - Sim!
P/1 - A senhora poderia falar um pouquinho pra gente, como foi que os seus pais colocaram o seu nome?
R - Meus pais colocaram o meu nome Maria Batista, Maria Pereira Batista, mas aí, depois do meu casamento, aí foi tirado o Pereira e colocado o Silva. E já trazendo os nomes do meu pai e da minha mãe.
P/1 - Dona Maria, a sua mãe lhe contou como é que foi o seu nascimento? Como foi? Como foi o dia? Como é que foi?
R - Não, só história assim, que eu nasci no dia 13 de maio, no dia da libertação dos escravos. Isso ela gostava muito de dizer, mais meu pai
P/1 - Por que?
R - Porque ela achava muito importante.
P/1 - A senhora pode contar um pouquinho das histórias que ela contava para a senhora?
R - Não lembro mais não. Tanta história que a mamãe contava, o papai. E aí, a gente vai indo.
P/1 - Qual é o nome da sua mãe, do seu pai?
R - O nome da mamãe é Luzia Maria Batista e Raimundo Pereira Batista.
P/1 - A senhora sabe como foi que eles se conheceram?
R - Sei sim!
P/1 - A senhora conta pra gente como que foi?
R - É porque meu avô, naquele tempo, diz que é fazendeiro hoje, chama fazendeiro, né? Meu avô era fazendeiro e vendia gado, tocava gado no mundo aí, essas criações. Aí, passaram num lugar e viram a mamãe. Aí, papai andando mais o pai dele, que é meu avô. Aí, encostou lá nesse lugar pequeno lá, se arrancharam, e papai viu a mãe e gostou do jeito da mamãe. Aí, falou para o pai dele que queria casar com a mamãe. É muito engraçado. Aí, ele falou para o pai dele que queria casar com a mamãe. Aí o Ioiô, foi e disse assim:... Nós chamava o vovô Ioiô. Aí, o Ioiô foi e disse assim: “Mas meu filho, casar agora?”. Ele disse: “Não, pai, você ajeita meu casamento, depois nós vem e faz o casamento”. Aí, ele foi e conversou com o pai da mãe, o vovô Miguel, e aí foi combinado casamento. Em tal tempo o pai ia ir lá junto com o pai dele, realizar o casamento. E foi assim! Não teve negócio de namoro, de abraço, aquelas coisas, não! E quando eles voltaram, que casou. Aí, o Ioiô já levou a mamãe para morar mais o papai.
P/1 - E o que seus pais faziam?
R - Lavrador, trabalhar assim. Minha mãe doméstica mesmo de casa, cuidar só de nós mesmo.
P/1 - E a senhora tem quantos irmãos?
R - Nós somos 7 irmãos.
P/1 - Todos moram lá onde a senhora nasceu?
R - Não, nós viemos para Imperatriz, já terminamos… Eu mesmo já terminei de me criar em Imperatriz, mais os outros irmãos mais novos. Aí, os meus irmãos hoje já morreram. Aí, nós somos sete irmãos, mas só tem três vivos. Tem as três mulheres. Eu a mais velha e a outra segunda, a caçula, e a do meio.
P/2 - Dona Maria, como era a convivência dos seus pais?
R - Como assim?
P/2 - Casal, convivência familiar mesmo?
R - Ah, maravilhosa! Eu nunca vi o papai discutindo mais a mãe, e nem a mamãe discutindo mais o pai. Porque tinha vez que a mãe brigava assim, reclamava com nós: “Tem que fazer isso, quando o pai de vocês chegar e vou dizer pra ele.” Sempre a mulher, né! Ela faz mais aquela zoada com os filhos, pega, bate. Aí, o pai diz: “É, tu não ensina seus filhos!” Aí, fica o dia lutando com eles. Era assim! Mas o papai brigar com mamãe, fica com baixaria igual a gente vê hoje, nós nunca vimos. Nós temos uma boa lembrança dos bons tempos do meu pai e mãe.
P/1 - E como era a convivência com os seus irmãos?
R - Bom! Bom, tem hora que menino é teimoso mesmo, um queria regular o outro, mas foi boa a nossa convivência. Muito bom!
P/1 - Vocês moravam perto de tios, avós?
R - Oxi! Moramos.
P/1 - Como era a convivência com os seus avós?
R - Nosso avós? Era boa! Não era mau, não. Minhas tias tudo gostava de nós. Assim. Nós sempre obedecia o pai, se você tinha uma coisa para resolver. “Tenho que falar para o meu mano, para poder resolver. Meu mano que vai decidir. O papai, chamava meu mano.
P/1 - Eles costumavam contar histórias para vocês quando vocês eram crianças?
R - Contava, mas aí, eu não me lembro de todas histórias.
P/1 - Dona Maria, a senhora lembra assim, de algum costume que vocês tinham em família? Assim, alguma comida? Algum lazer, que era assim, o costume de você fazer.
R - O que nós fazíamos, que sempre tinha costume, era no tempo da semana santa, que chamava jejum. Aí, a mãe fazia aqueles bolos, tudo, tinha aquelas pessoas que vinham pra casa, para jejuar tudo junto. Ficar ali. Nossa hora de lazer era essa. E quando o papai trabalhava na olaria, quando chegava em casa de tardezinha, depois da janta e a lua clara, nós íamos brincar de roda. Nós crianças com os vizinhos, fazer aquela roda, brincar.
P/1 - E qual era a comida que a senhora mais gostava que a sua mãe fazia?
R - Era muito bom! Toda comida da minha mãe era gostosa. Toda comida da mamãe foi gostosa.
P/1 - Mas não tem nenhuma assim que até hoje quando a senhora come a senhora lembra?
R - Mana, se eu te falar, que eu acho que não tem um dia que eu não me lembro de minha mãe. Minha mãe morreu em 2003. Ontem mesmo, eu fiz uma galinha caipira aqui, eu digo: “Eita, mas eu tô lembrando da comidinha da minha mãe”. Que é gostosa. E é assim. Aquele miúdo de porco, como é que chama? Que faz picadinho. Aquilo é muito gostoso. Ela gostava de fazer aquilo ali. Toda comida a mamãe gostava. Nós achava bom.
P/1 - Quais eram as brincadeiras que vocês brincavam quando criança? A senhora, seus irmãos, que vocês estavam acostumados brincar?
R - Tinha vez que nós brincava dizendo… Nós vestia um dos meninos, um dos vizinhos, vestia dizendo que era o padre, e aí nós brincávamos de casamento, de noivado. Era divertido demais. Eu gostava de brincar com aquela bolinha de palha de milho. Meu pai fazia muita bolinha de palha de milho pra nós jogar. Era assim. Muitas lembranças. Eu estava com 12, 13 anos.
P/1 - A senhora lembra como era a casa que a senhora passou a sua infância com a sua família?
R - Quando nós moramos lá embaixo no Pindaré, nossa casa era de tijolo. Papai era oleiro, aí construiu nossa casa, rebocou, e ali nós morávamos, naquela casa. Mas também moramos em uma inferiorzinha, mas inferior, que era tampada de barro. Aí, depois que ele trabalhando lá. Ele era oleiro.
P/1 - Tem alguma história que marcou a senhora, que seus avós ou os seus pais contavam quando vocês eram pequenos?
R - O que eu lembro mais da minha avó era quando ela ficava fazendo renda na almofada, que aí eu mexia lá e queria aprender a fazer renda, aí ela deixava, eu bagunçava a almofada dela. Fazer renda, eu era convencida. Aí, a mãe dizia: “Tu vai bagunçar a almofada da tua avó. Ela vai te bater!” “Eu não! Não bato em minha fia!”
P/1 - Mas por que que você era…
R - Era porque eu queria aprender. Eu aprendi fiar no fuso, grozar assim na perna, igual a minha mãe fiava. Eu descaroçava algodão, aprendi a bater algodão. Fazia aquela meada de algodão, o cesto ficava desse tanto assim de algodão, pra mãe fiar. E aí, eu aprendi também, criança. Eu mais o meu irmão descaroçava no descaroçador. Era muito importante. A vida de primeiro a gente era tão feliz e não sabia, né! Achava que estava faltando alguma coisa mais. E hoje as coisas estão assim, mais fácil, mas tão difícil, né!
P/1 - E o que a senhora gostava mais de fazer quando a senhora era pequena? Era brincar?
R - Não, nós não brincava em casa, nós trabalhava. Nós só fazia as coisas de casa, só final de semana que eu ia lavar a roupa, sempre gostei de lavar roupa, já mocinha eu gostava de lavar roupa. Mas no meio da semana nós ia para a olaria com o meu pai, nós criança. Estudar, não estudei. Nunca sentei num banco de colégio na época de eu criança, de 10 anos, 11 anos, 12 anos, nesse tempo, nunca!
P/1 - Mas por que a senhora não estudou?
R - Porque não tinha tempo, o pai não deixava nós mulheres estudar. Agora as duas meninas mais novas já estudou. Mas naquele tempo nosso, as meninas mulheres não estudava não. Nós ia para a olaria com ele, juntar tijolo, juntar terra, para encher o forno. Ele ficava na beira do forno e nós trazendo para a boca do forno. E tinha muita telha estendida no terreio, lá que chama terreiro. Nós juntava tudinho e colocava dentro da casa, antes de chover, para não estragar. A vida foi essa. Sempre trabalhei.
P/1 - A senhora lembra quando a senhora começou a sair de casa sem que seu pais brigassem?
R - Lá não tinha isso, pra sair assim. Lá não tinha isso, lá não saia de casa, nós ficava em casa. Fui sair já estava com 14 anos. A nossa saída, que eu quero dizer pra vocês, é quando nós ia para a missa no final de semana. Que nós morava num lugar e tinha missa em outro lugar, aí era nossa saída, para a missa. Aí, quando eu já estava mocinha, os meninos, rapazinhos, os meninos jogavam bola, aí juntava aquela caravana de moças, nós ia para o campo, final de semana. Podia ser sábado à tarde, ou domingo à tarde. Nós saia era isso! Aí, nós ia ficar torcendo, aquela torcida para quem ia ganhar. Aí, quando os nossos irmãos ganhavam, aí era uma festa, só alegria, nós gritando lá no campo.
P/1 - Qual a lembrança mais marcante que a senhora tem durante a adolescência da senhora?
R - Que me deixa triste ou que me deixa alegre?
P/1 - Pode ser as duas.
R - Porque muitas vezes acontecem coisas na vida da gente, que a gente não espera, e deixa a gente muito triste, aí eu não gosto de lembrar.
P/1 - Uma coisa que deixa a senhora bem feliz na adolescência da senhora?
R - Só isso mesmo! Essas coisas assim que me deixou feliz, porque a minha adolescência, quando nós ia pegar água assim, distante, pra trazer. Eu não gosto de lembrar dessa cena. Aí, quando eu venho com a cabeça de água… Ainda bem que eu tava perto ainda da casa do meu padrinho, que a gente saiu do terreiro, que é aqui nós chama terreiro, né? Mas lá é quintal. Saía assim do quintal e pegava a rua para ir para casa, era uma distância boa, mas aquela caravana de mulheres, de mulher mãe de filho, tá entendendo? Aí, quando… Eu sei que eu fui caminhando mais devagar, aí quando penso que não, um moreno apareceu lá no meio da estrada e me pegou. Aí, eu me assustei, gritei, ele querendo me embrenhar. E aí, o padrinho escutou, foi que veio e me tomou da mão dele. Aí, eu não gosto de lembrar. Isso foi muito triste na minha vida, muito triste. Mas graças a Deus. Eu casei também… Quando eu me casei com 16 anos, foi meu tio que já trouxe um rapaz de outro lugar, dizendo que ia levar para casar comigo, porque eu já estava ficando mocinha, tinha que casar. Então, meu casamento também, meu primeiro casamento, foi feito assim. É uma coisa que a gente fica assim, mas depois, a gente adulto, que a gente hoje sabe o que é um casamento, a gente pensa tanto que de primeiro nossos pais eram, não sei! A gente fica de um jeito que não tem nem palavras para explicar, porque aí eles obedeciam os outros. O mano dele trouxe esse rapaz, aí como o mano trouxe o rapaz, aí o papai aceitou. “Você vai fazer o casamento da Maria com ele” Tá entendendo?
P/1 - E a senhora teve filhos com ele?
R - Graças a Deus não! Graças a Deus não, minha fia! Morei 14 anos de casamento, mas nunca tive nenhum aborto.
P/1 - E quando foi que a senhora resolveu vir para Serra Pelada?
R - Vim para Serra Pelada por causa do pai dos meus filhos. Que a família do pai dos meus filhos, me conhecia desde o tempo em que eu nasci. E aí, eu nunca mais tinha visto esse homem. Ele disse que me viu ainda com oito anos de idade, e ficou. Em 1980, ele veio trabalhar aqui no garimpos, eu já estava separada do meu primeiro casamento, tinha terminado meu primeiro casamento, foi por causa de uma cirurgia, que foi complicada, meu marido pediu a separação, o de 14 anos. E aí, o compadre Manoel, levando, o Boi na Brasa, levando esse amigo, que eu nem lembrava quem era, e hoje é o pai dos meus filhos. Aí, nós nos conhecemos em Imperatriz, aí eu já vim para Serra Pelada por causa dele. Que nós casamos em Imperatriz, aí viemos.
P/1 - Quanto tempo vocês ficaram em Imperatriz?
R - Eu morei muitos anos em Imperatriz. Ele não, ele ia lá e voltava para a Serra, em 1985. Em 1986 eu já ganhei a Thalita.
P/1 - A senhora trabalhava em Imperatriz?
R - Trabalhei. Trabalhei mais de 10 anos, auxiliando a saúde, auxiliar de enfermagem, uns dez anos lá.
P/1 - A senhora gostava do seu trabalho?
R - Eu amava meu trabalho. Comecei a trabalhar na limpeza, e depois fui para a enfermagem. E amava minha profissão. Eu amo! Sempre eu digo para as meninas ali, quando tem oportunidade de conversar comigo, eu digo pra elas assim: “Ama a profissão de vocês, porque se você tiver amor a sua profissão, você vai tratar os paciente bem, vai dar carinho para os pacientes, vai falar com os paciente com aquela palavra de amor. Se não tem, vai ser um pouco difícil.” “É mesmo, né Dona Maria?” “É!” Porque o paciente já é paciente, aí eu vou ser dura, falar assim, como quem está falando com burro lá no campo? Não! Tem que ser tolerante, paciente.
P/2 - O que levou a senhora a optar a trabalhar na saúde?
R - Quer saber o que foi? É porque tava precisando lá em casa. Aí, meu marido não tinha serviço, aí nesse dia: “Eu vou procurar um serviço, nem que seja para limpar o chão, mas eu vou ajudar.” Aí fui. Fui direto no hospital, a minha cegueira foi o hospital, o meu ponto certo foi o hospital. Quando eu cheguei lá… Aí, no outro dia tinha saído uma moça, que trabalhava na limpeza. Aí, eu falei até para a menina, para a enfermeira de plantão. Eu digo: “Mulher, pois eu quero!” “A senhora quer, Senhora?” Eu era bem fininha, parecia uma menina veia, ninguém nem pensava que eu era casada, nem nada. Aí, eu digo: “Eu quero! Eu quero é trabalhar! Que a gente está precisando em casa”. Aí, comecei a trabalhar. Comecei a trabalhar, o dono do hospital chegou, ela me apresentou a ele. Ele teve palavras duras comigo. Porque a outra menina que trabalhava, ela saiu roubando, tinha acontecido um roubo do dinheiro lá, porque hospital particular é aquilo, ali o médico tá consultando, tá entrando aquele dinheiro, e já joga lá na gaveta do consultório dele. De tarde que ele vai juntar e ver quantas consultas, e quanto que tem. Quantos internamentos, quantos receberam alta, quanto faturou naquele dia. Tá tudo lá dentro daquela gaveta. Aí, quando ele foi somar não bateu. Aí, ele despediu na mesma da hora. Aí, eu não sabia de nada, eu não entendia, não estava sabendo o que tinha acontecido. Porque a gente quando vai quer arrumar o serviço. Aí, ele foi e me perguntou se eu não roubava. Rapaz, quando ele me perguntou se eu não roubava, aí faltou areia nos meus pés. Aí, eu disse assim: “Doutor, com todo o respeito, eu peço desculpas pro senhor, se eu roubasse eu não estava pedindo emprego, não. Eu não estaria pedindo emprego aqui para o senhor” Aí, ele ficou assim, abaixou a cabeça, olhou assim, ficou passando a mão no birô lá. Ele disse: “Muito bem! Eu gostei da sua resposta. Você vai trabalhar comigo” Aí, a menina me fichou, fiquei trabalhando lá.
P/1 - A senhora trabalhou lá por quanto tempo?
R - Trabalhei mais de 10 anos. Aí, quando foi um dia, aí eles estão lutando lá para pegar a veia de um paciente, de uma criança recém-nascida. Aí, fura, fura, fura… Nessa ocasião, eu já tinha trabalhado em uma farmácia no interior. Porque a dona da farmácia, o dono da farmácia, ele não tinha coragem de fazer um curativo, não sabia fazer curativo, e não sabia aplicar uma injeção. E Deus me deu aquele dom, que eu aprendi aplicar injeção em mim mesma, lá na roça, aqui no meu braço. Aí lá, não sei quem falou para o irmão Pedro. “A irmã Maria aplica, que ela já aplicou em nós” Aí, o irmão Pedro, mas a irmã Maria me chamou para a farmácia. Aí, eu trabalhava das 9:00 até às 2:00 da tarde com eles, fazendo curativo, tudo. Aplicando um soro. Aí, nesse dia lá no hospital, foi onde eu mudei de profissão. Foi quando estavam pelejando para aplicar um soro em um neném, recém-nascido, e a enfermeira furava, Terezinha furava, outra furava, e aí ficou desinquieto, aí o médico olhava para um lado e outro. “Me dá aí, deixa eu aplicar!” Ele foi aplicar o soro, não acertou. Aí, quando ele não acertou. Aí, eu disse: “Doutor, se o senhor me der a permissão, der licença, eu aplico o soro no neném” Ele disse: “O que Dona Maria?” Ele só me chamava de Dona Maria. “O que Dona Maria?” “Aplico Doutor, o senhor pode ter certeza que eu aplico” Aí, a Terezinha disse: “Deixa Doutor, que ela aplica. Ela aplica sim!” “Auxilia a Dona Maria agora, vocês. Pode segurar o neném aí” Aí, eu cuidei igual eu cuidava lá na farmácia, fiz tudo direitinho, parecia que eu estava de plantão naquela hora. E só dei uma furadinha na mão do neném, peguei, fia! Quando eu dei aquela furadinha, que eu peguei a veia, passei esparadrapo, arrumei direitinho, botei aqui na talinha que eu preparei, do jeitinho que eu preparava lá na farmácia. Aí preparei. “Pegue mamãe, cuide do seu filho, tá! Cuida do bebê” Aí quando eu falei isso pra ela, o Doutor olhou assim pra mim. “Dona Maria eu posso lhe dar um abraço?” Eu digo: “Pode!” Aí, ele me deu um abraço. Aí, ele disse: “Você não é mais zeladora, você é enfermeira, não tem negócio de auxiliar de enfermagem não, é enfermeira, pra mim a senhora é uma enfermeira”. Aí ele ficou me considerando uma das ajudantes. É isso! Peguei quase todo batente do hospital, foi aí. Quando eu vim aqui para Serra Pelada. Eu vim para passar uns três dias. “Mãe, fique com o meu filho!” Que eu tinha o meu filho adotivo, que até ele morreu agora, tem oito meses, lá do Peba. “Fica com meu filho, mãe, que eu vou saber o que que o Renato está fazendo, que tem três meses que não vem em casa, eu vou lá!” Aí, eu vim! Meu marido. Não sabia para onde era Serra Pelada. Compadre Manoel chegou. “Ele mandou dinheiro para a senhora” Eu digo: esse dinheiro é para a minha passagem. Aí eu vim para a Serra, sem saber, só assim, é rua fulano, rua sicrano. E aí, a gente chega assim, num lugar tão diferente, né? Aqueles caminhões velhos, como é que chama? A guarita lá em cima, no 11 tinha uma guarita, chegando bem aqui, outra guarita. Aí, um policial revistando a minha bolsa. “A senhora não tem mais outra bolsa não?” Eu digo: “Moço, tá aí!” Quando ele abriu a bolsa tinha até uma fraldinha cagada do neném. Aí, ele ficou assim: “Desculpa senhora, desculpa!” Aí, foi bom! Tá entendendo? Aí, quando eu chegar aqui o táxi que tinha era aquelas caminhonete. Aí, peguei um táxi. Compadre Manoel: “Você pega um táxi, vai para a Rua Goiás, lá pergunta quem é Reinaldo” Aí, quando eu peguei aquela do Sereno, o moto táxi disse assim: “Essa aqui é a rua principal.” “Tá!” Aí, eu vi os meus dois irmãos ali na rua, antes de chegar no garimpo, tava jogando água na rua. Aí, eu disse assim: “Ó, mototáxi, motorista, me deixa aqui que eu tô em casa.” “Em casa?” “Tô, esses dois homens aí são meus irmãos.” Aí, eles já me receberam. Meu marido tava para o garimpo, ele tava lá para a cava. Aí, quando ele chegou todo lameado, sete horas da noite, eu tava lá na casa do meu irmão. Terminaram de aprontar a janta, aí de banho na neném, arrumei a neném, me arrumei, coloquei a neném em cima da cama da minha cunhada. Aí, ficamos, quando ele chegou, só tinha de branco só os dentes, minha irmã! Só o “melechete”, naqueles calçõezinhos que tem uma cuequinha por dentro. Você viu aqueles calções? Aí, meu irmão. “E rapaz, encosta aqui! Tem uma carta pra ti lá em cima da cama lá, vai pegar! Eu não vou pegar carta pra ninguém não” Minhas cunhadas tudo calada e eu de trás da porta. Aí, ele foi, quando ele entrou e viu a neném. “Que carta, cadê a mãe dessa menina?” Aí, foi assim! Uma história muito importante de como eu entrei na Serra Pelada, com a minha nenenzinha molinha. Mas o meu marido já estava aqui desde 1980.
P/1 - Dona Maria, a senhora lembra quando foi?
R - Foi em 1987. No dia 08/01/1987, dia oito, cinco horas da tarde cheguei em Serra Pelada.
P/1 - Dona Maria, explica pra gente o que é guarita?
R - A guarita é onde ficava os policiais, os seguranças para revistar o que você vinha bem aqui, na entradinha da Serra Pelada. Ali tinha um largão assim, era um melechete que só, a gente até passava por cima de umas pontezinhas.
P/1 - O que é melechete?
R - É barro, que eles chamam melechete. Aquele barro velho ligado. É assim!
P/1 - Dona Maria, qual foi a impressão que a senhora teve quando chegou em Serra Pelada?
R - Um pouco difícil, porque quando você chega num lugar, aí só tem aquelas barraquinhas, e vê aquele multidão de homem, cinco horas da tarde, vindo do garimpo, só o melechete, só escorrendo aquele lameiro da cabeça até os pés, todo lameado, que tava lá dentro daquela cava. A gente fica assim, pensando, “meu Deus, que absurdo, que coisa!” Aí, eu fiquei nessa, depois de amanhã eu vou embora, amanhã eu vou me embora, eu quero logo o dinheiro para eu ir embora. Aí ele disse: “Você não vai não, agora você vai ficar aqui! Você vai lá só buscar o outro menino e vim pra casa.” Aí, arrumou o barraquinho. Com três dias que a gente estava aqui, compramos esse chão. Esse daqui! E aí, ficamos nesse barraquinho, o primo dele deu um barraquinho lá para nós ficar, enquanto fazia a nossa casa. Hoje que estamos… Já reformei ela. Que quando em vim pra cá, seus meninos, não foi aterro não, eu mudei para esse barraco aqui foi rapado enxada, foi rapando de enxada, porque não tinha dinheiro pra comprar o cimento pra colocar o piso. Nem paredinha pintadinha não. Essas tábuas dessas portas, ainda carreguei nas costas, lá do cemitério veio para cá. E com os meus meninos pequenininhos. Uma amiga minha viu na hora que eu passei, ela disse: “Eí, não vai buscar tábua mais não, você vai encostar lá em casa, que eu tenho um presente para ti. Aí, ela foi falou com o marido dela, chamou o carroceiro, aí já estava lá o carroceiro me esperando, para buscar as outras tábuas. Mas a primeira viagem foi tudo nas minhas costas. Hoje é muito dificil a gente vê… Não é querer desfazer das mulheres de hoje, né minha filha, mas de primeiro, acho que a mulher sofria, e sei lá, tinha medo de viver só. Eu acho que tinha era medo de viver… Eu não gosto. Eu acho que tinha medo de viver só, queria saber que tinha um companheiro, que tinha um marido, para não viver só. Que acho que com o marido, as pessoas olham assim e tem mais aquele respeito. E aí, a gente morando numa área de garimpo dessas, sem marido, é triste, é muito triste! Porque qualquer pessoa vem com adiantação para o rumo da gente, querer conquistar a gente. Que a gente está vendo que aquela pessoa não é daquele nível ali e que… Eu tiro um exemplo da minha vida. Por que? Porque muitas pessoas me veem sozinha. “Ah, Dona Maria é assim…” Negativo, você está muito por fora. Você olhe bem dentro do meu olho e me dê um pouco de respeito, porque eu estou te respeitando. Não tô lhe dando cabimento.” Então, eu sou assim! “Que isso Dona Maria?” Mas eu sou assim, é meu jeito de ser.
P/1 - Dona Maria, quando a senhora chegou em Serra Pelada o que a senhora fazia? Com o que a senhora trabalhava aqui?
R - Cheguei aqui fiquei parada poucos dias, porque o garimpo foi fracassando. Eu ganhei o Jhone em novembro, no dia 12 de novembro, aí no dia 12 de dezembro ele fez um mês, no dia 18 eu entrei para a Santa Casa trabalhando, porque estavam precisando de pessoas que tivessem um pouco de experiência na saúde, enfermeira, auxiliar. Aí, eu fui lá justamente mais a minha amiga, a Lucia Maria, mulher do seu Luiz Barbeiro. Aí eu digo: “Vamos lá para eu ver se eu arrumo essa vaga lá para mim”. Aí fui! Trabalhei 15 anos, fia! Mas primeiro… Eu não trouxe uma cartinha de recomendação, não trouxe nada que eu ia voltar logo, né! E aí, ele perguntou se eu tinha alguma carta. Eu digo: “Não, só se o senhor me der oportunidade pra mim trabalhar pelo menos dois dias para saber se eu sei trabalhar. Essa é minha carta. Porque eu vim para mim ir embora com uns oito dias, máximo oito dias, ai eu não trouxe carta. Posso trabalhar uns 7 dias, 5 dias”. Ele disse: “Trabalhe os 5 dias”. Mas só que no primeiro dia eu já fui batizada como técnica de enfermagem. No primeiro dia, não perdi nem o meu primeiro dia de estágio pra ele, que ele queria, de experiência, que ele pediu 5 dias de experiência. “Cindo dias, sete dias, tá bom Dona Maria?” Eu digo: “Só os cinco! Se eu passar você deixa eu ser funcionária da casa, trabalhar? Que eu tô precisando, tenho dois nenens molinhos.” Aí ele disse: “Deixo sim! A senhora não perde, não!” Aí, cinco horas da tarde eu fui lá, falei com o diretor e o médico do plantão, e o enfermeiro que estava mais ele, que era o Odilon. Aí, eu digo: “Odilon eu vou pra casa” “Tu vai lá no consultório, que eles vão querer conversar contigo”. Aí, eu fui lá! Cheguei lá o médico brincou comigo: “Infelizmente a Dona Maria não vai poder trabalhar, mas ia gostar que a senhora ficasse trabalhando, que nós estamos precisando, mas não dá, né, Dona Maria?” “Não deu não, doutor?”. Ele disse: “Não!”. Eu digo: “Não, mas não tem problema, não. Mas me dê cinco dias, homem de Deus. Cinco dias para mim que o senhor tinha me dado”. Ele disse: “Não!”. Aí eu fiquei assim, cruzei meus braços. Digo: “Ih, meu Deus! Tenho dois meninos pequenos, meu marido tava quase sem trabalhar”. Aí, eu fiquei sem silêncio assim, ele olhou pra mim: “A senhora não vai perder nenhum dia”. Aí, os meninos ficaram lá batendo palma pra mim. “Vai em casa tomar o seu banho, dar de mamar a seu filho e volte para tirar o plantão de 24 horas”. Eu já comecei a trabalhar 24 horas, tinha entrado 7 horas da manhã, saí 5 só para mim em casa dar de mamar para o neném, tomar um banho e vim.
P/2 - Quais os casos de saúde que a senhora mais atendia naquela época?
R - Os casos de saúde aqui? Febre, apareceu assim, umas febres, umas diarreias assustadas, bastante, que eu ficava encabulada com aquilo, o médico. Isso apareceu muito. Não era malária. Deu a hepatite também, teve muito caso de hepatite no início, em 1987 a 1989. Deu aquele caso de hanseníase, em 1989, foi muito caso. No tempo que a pedreira funcionou ali, logo estourou uma hanseníase dentro da Serra Pelada, foi muito perigoso. E depois outros casos foram vindo, as pessoas iam trocar tapa, começaram a beber, que foi liberado cachaça, essas coisas, aí vinha pessoas esfaqueadas, sutura. E ali a gente foi vendo várias casos, que chegava terminando de morrer, esfaqueado, e você vê um ser humano ali derramando sangue até a última hora ali, que não dá tempo mais… Que no 30 não ficava, quando nós mandava paciente daqui, ou vai direto para Marabá, ou já ia direto para Parauapebas. Passava no 30 mesmo só pro médico olhar assim: “Não, leva para Parauapebas, Marabá”. Aí, ele já assinava lá na ficha e já mandar pra frente. Porque naquele tempo não tinha condição de nada lá no 30. Hoje não, hoje nós temos hospital bom, hoje nós temos…
P/1 - Trinta era o que Dona Maria?
R - O Curionópolis. Porque diz que de dia chamava 30, de noite 38.
P/1 - Por que chamava assim?
R - Porque diz que era muito violento lá no 30, matava muita gente. Muita gente saia daqui para ir brincar lá fora e só ia morrer.
P/2 - Dona Maria, a senhora atendeu muitas famílias em casa? Mulheres, às vezes, com algum problema de saúde?
R - Não! Nunca gostei de atender em casa, é mais fácil pegar um paciente e levar para o hospital. Deu muito parto em 1987, 1988, 1989, muito caso de parto, muito parto em Serra Pelada.
P/2 - A senhora chegou a fazer algum trabalho de parto, de parteira em residências no período do garimpo?
R - Fiz! Fiz dois, primeiro parto que eu fiz dentro de Serra Pelada foi na casa, que eu vinha passando e a mulher não quis ir para o hospital, eu não tinha nem conhecimento com ela, mas aí o marido dela conhecia meu irmão. Aí, meu irmão disse: “Minha irmã é parteira, ela tá com 8 meses de gravidez”. Tava com uma pança que só! Mas é ruim! Aí, fiz o parto dessa menina, ela tem a idade do Jhone, ela é mais velhinha que o Jhone só um mês. E depois fiz da mulher do Compadre Camilo, eu fiz. Que é a Camilinha ali, é nora do Ulpiano, eu peguei ela em casa, a Camilinha. Aí o Compadre Piano me chamava de comadre e ela comadre, a mulher dele, mãe da Camila. Mas o resto eu fazia tudo no hospital. Aí, o que eu não dava conta, Carlinhos, minha fia. O que eu não dava conta o médico, eu podia estar trabalhando com o médico, eu chamava ele, dizia: “Não, o que a senhora não der conta manda para o 30, manda para Marabá, manda para Parauapebas. Manda para o 30, lá eles se viram”. Ele fazia desse jeito. “Manda pro 30, lá eles se viram. O que a senhora vê que não é um parto normal, que é um parto cesária…” Porque eu sabia, eu comecei a pegar neném muito cedinho, e quando eu entrei pro hospital lá em Imperatriz, quando o médico viu essa cena, ah minha filha, foi a base dele logo, me botar para fazer parto. No início ele acompanhava, mas do meio do fim, hum! Quando ele viu uns três partos, que eu fiz, quatro, cinco, ele disse: “Não, fique aí Dona Maria, eu vou fazer uma cirurgia agora, a senhora pode fazer, qualquer eu assino no papel embaixo” “Tá bom!” E ali aprendi, fazer parto normal, parto com epis, só não faço cesárea. Não faço! Mas se disser: “Faça um parto!” Eu faço! Fazia tranquilo. E acho que hoje, caso precisasse, for o jeito, eu faço, porque ainda sei.
P/1 - Dona Maria, nesse tempo que a senhora trabalhou como enfermeira, tem alguma cena que ficou marcada na sua memória até hoje?
R - É muito difícil a gente esquecer das cenas. Eu tenho a irmã… A irmã Raimunda hoje já morreu, a mulher do… a mãe do Mudo, os meninos conhecem o Mudo, aqui do Sereno, não conhece? O Mudo aqui do Sereno. A mãe do Mudo. A mãe do Mudo já aconteceu uns três partos assim, que eu digo: “Senhor, se tu me deu esse dom, é porque vai receber aqui mais eu” Que nem a irmã Raimunda. A irmã Raimunda ali, ela chegou com o menino sentado, menino grande, o menino deu 5 kg. E Deus fez a benção na minha mão. E ali manejei aquele menino, aquela barriga dela, manejando, tirei um braço, tirei uma perna, tirei a outra, aí depois veio o corpo do neném. Agora, para tirar a cabeça, a ombreira. Que é perigoso a mulher ganhar neném de pé, muito perigoso, muito perigoso, todo médico sabe disso, que hoje no tempo que nós estamos, se isso apresentar é uma cesárea. E da irmã Raimunda não tinha mais condições de ir para fora, de jeito nenhum, não tinha carro, era um momento difícil, nós não tínhamos ambulância, e as outras enfermeiras que trabalhavam comigo. Que eu sou só técnica de enfermagem, enfermeira formada só na prática, tá! E elas, foi final de semana, elas estavam para as quebradas lá, as folias, e eu aguentando o plantão. Aí, mandei chamar o diretor do hospital, para ele providenciar um carro para tirar ela. Só que quando ele providenciou o carro, eu já tinha feito o parto. Tirei o neném, tá aí: Daniel. E ali, na hora que aconteceu, que eu orei, orei antes e orei depois, dando graça a meu Deus. Deus superou, aquela benção. Aí, a irmã Raimunda disse: “Irmã Maria, eu tenho uma surpresa para nós duas. Eu digo: “Que foi irmã Raimunda?” Ela não era crente. Ela disse: “Eu vou ser crente. Eu sou crente irmã Maria, a partir de agora eu sou crente de Jesus Cristo.” Eu digo: “Deus te abençoe!” E aí, a irmã Raimunda foi ser crente, e morreu sendo crente. E no dia eu tava para o Parauapebas, antes dela ir para Marabá, eu cheguei, quando eu cheguei aqui em casa ela soube que eu estava aqui, ela veio bater aqui em casa, conversar comigo, me dá um abraço e dizer que ia para Marabá. Foi a última vez que eu vi minha irmã. Mas os filhos já tudo criado. Mas ela tinha muito respeito por mim. Na hora que soube que eu tinha chegado do Peba, ela veio bater aqui em casa. Aí, coei café, nós duas tomamos. Ela disse: “O irmã Maria, eu vou para Marabá. Minha filha quer que eu vá embora para lá, já arrumou casa, aí eu vou para lá”. Aí, a irmã Raimunda morreu em Marabá, não vieram. Eu estava em Parauapebas, tinha ido lá onde minha neta, quando eu vi no celular, foto da irmã Raimunda, que a irmã Raimunda tinha morrido. Aí, eu só fiz chorar mesmo. E assim! Assim já aconteceu vários partos desse jeito aí. Mas o menino graúdo, mais graúdo, foi só o Daniel. Mas ela pensava que não ia ficar viva. “Vai irmã, não pense não, não pense não, não pense negativo não”. Eu tirei o Daniel. Foi uma benção maravilhosa. Aí, a gente não esquece. Essas coisas a gente não esquece, não é coisa pra mim ficar comentando, estou comentando pra vocês, porque isso é segredo. Quando a gente vai trabalhar, que tem a profissão da gente, a gente tem os nossos segredos hospitalares, isso é segredo hospitalar. Eu estou explicando pra vocês porque ela perguntou esse ponto bem aí. Então, é um pouco difícil e fica marcando dentro da gente. Só Deus! E outra vez também foi o Loro. Pergunta ao Loro ali. O Loro pegou um corte de vidro de garrafa, bebendo cachaça, foi cortado essa veiona aqui. Foi difícil escapar. O Loro chegou lá no hospital, o canal de sangue vinha assim: thumm. Na hora que os meninos pegaram ele, que eu fui pegar assim para por na maca, o sangue veio aqui. O meu jaleco branco ficou vermelho, aquela tira de sangue. Aí, eu digo: “É Loro, você confia no senhor Jesus? Tenho que estancar a veia”. Aí, Deus me deu o poder ali, eu estanquei a veia dele. Eu mandei para Curionópolis só pro médico terminar de fazer a sutura para ele ver, porque eu que tinha costurado a veia dele. Essa veiona aqui. Essa veiona aqui é difícil da pessoa contar história, minha fia! Se bater na mãozinha de uma mais brava, não conta a história, não. Não conta não! Não volta vivo não. Derrama até a última gota. Então, ali foi um milagre de Jesus. Ele chegou lá onde o Doutor José, ele disse: “É, só podia ser a Batista mesmo. O que a Batista fizer eu não vou fazer aqui, pensar de fazer aqui em Curionópolis que eu não faço.”
P/1 - Dona Maria, quantos filhos a senhora tem?
R - Só tenho dois. Eu criei cinco filhos adotivos, morreu três, tem dois vivo. Depois que eu criei quatro adotivos, foi que eu vim ter a minha primeira menina, que é a Thalita, em 1986, dia 2 de agosto de 1986. Aí, o segundo parto foi o Jhone que já foi em 1987. Criei a Andrea, que adotiva também, essa tá lá em Bacabal, não, no Largo da Pedra, que ela está morando. Bem legalzinha minha filha. E a outra tá aí no mundão, que eu não sei por onde ela tá. Mas os meu dois filhos legítimos tá aqui perto de mim, graças a Deus! Meus dois filhos legítimos, é a Thalita, que é a Regina e o Jhone, que é o Jhone Cowboy.
P/1 - O que você mais gosta de fazer juntos?
R - Só mesmo conversar. Tem hora que a gente faz um almoço, almoça juntos, aí fica conversando, lembrando dos pais, ela fica lembrando da vó, eu lembro da minha vó. Que ela era apegada com a mamãe também. Papai ela não conheceu, papai tinha vontade de conhecer um filho meu, não conheceu. Que ele morreu mais novo, ele morreu primeiro de que a mamãe, papai morreu em 1981 e mamãe morreu em 2003.
P/1 - Dona Maria, e o que a senhora faz hoje?
R - Ah, minha filha, o que eu faço hoje é muito importante pra minha idade. Que eu estava pensando assim, eu tenho que ocupar minha mente, porque hoje, aqui em Serra Pelada a gente fica muito preocupada com as coisas, né? Muito preocupada, aí não tem… Para sair lá fora tem que ter dinheiro, para ir visitar as famílias, as irmãs. Mas todo dia eu converso com a minha irmã. Aí, tem que ter dinheiro. Aí, como não, eu estou no curso de bordado, apareceu o bordado. Aí, eu estava ali na associação quando as meninas chegaram lá, tudo, aí querendo… “Nós procuramos a associação, porque disseram que ficou uma turma de mulheres aqui, a gente vem com o curso de bordados, tal, tal…” Foi explicando, né! Eu digo: “Muito bom, minhas amigas!” Nesse tempo eu estava sozinha ainda. Aí, quando foi mais tarde eu falei, em nome da Francisca. E falei para a Francisca que elas iam lá. Aí, a Francisca veio para a reunião, aí elas chegaram à tarde. Aí a gente aceitou. Elas disseram: “Nós vamos conversar com o chefão para saber o que que vai acontecer. O chefão que eu falo é a Lali, a chefe da turma. Aí, elas foram conversar lá, e foi apoiado o curso de bordado, aí marcaram a data certa para fazer o curso, para dar o curso para nós. E aí, nós estamos aí, aprendendo a bordar. Ih, mas eu tenho um pano bonito aí, eu vou mostrar para vocês. Eu nem lembrei, era pra eu ter botado aqui logo. E aí, é muito bom! Aí, vem um curso de corte e costura, aí eu também fiz. Mas aí, cadê a condição para comprar uma máquina? Aí, eu fiquei paradinha. Meu Deus do céu, mas eu vou conseguir, eu vou conseguir. Aí, quando foi no dia do meu décimo terceiro, eu comprei essa maquinazinha pequena, comprei a vista, foi R$ 1.000,00. A menina estava oferecendo num grupo, aí eu fui e respondi pra ela que eu ficaria com a máquina, ela disse: “Dona Maria, a senhora… eu queria vender a vista” Eu digo: “Traz mulher, que eu tenho o dinheiro aqui, vem buscar!” Tu sabe da história, hein? “Eu tenho o dinheiro aqui!” Aí quando dei fé elas duas chegaram aqui com a moto aí com a máquina na mão. Aí comprei! Ano passado, com o décimo terceiro. Aí, depois, agora, fiz negócio nessas duas máquinas. Mas Deus vai me dar como pagar, não vai? Vai! Aí é assim! Peguei conhecimento lá com o gerente. Aí eu digo: “Não gerente, mas não vou levar não!” “Leva a que a senhora precisar, aí a senhora vai pagando.” E assim eu estou fazendo. Fez tabeladinho lá pra mim. Eu digo: “No dia que eu não puder dar uma prestação, não é para ficar na minha cola não.” Ele disse: “Não, a senhora vai pagar, é meia prestação, é do jeito que a senhora quiser pagar.” Eu digo: “Pois, então eu vou levar!” Aí, eu trouxe. Aí, na hora que aparecer umas camisetas pra gente fazer, já tem aí o começo, né! Eu quero juntar mais uma amiga que tem bem prática na costura, para nós dois encarar aí, quando aparecer as coisas. Não dá para ficar parada não, se eu ficar parada eu vou chorar, eu vou lembrar que eu perdi mãe, perdi pai, já perdi meus irmãos. Aí, tô aqui distante da minha família, lá de onde é a minha família. E minha valência é que eu estou mais os meu filhos aqui. E eu gosto muito do povo. Embora aqui tenha gente… É assim, eu gosto, tu gosta, mas nem todos gostam da gente, não é isso? Mas com isso eu ergo minha cabeça, minha mente. Eu tô aí! Flutuando como Deus quer, com aquela coragem e pensando positivo, que tudo vai dar certo. Aí, tem vez que minha menina diz: “O mãe, mas a senhora é muito importante, para a senhora tudo é bem facinho, né?”. Eu digo: “Não minha filha, é porque a gente tem que ter fé. Tenha fé, que você vai conseguir. Tu vai conseguir! Não tá conseguindo?” Ela disse: “Tô mãe!” “Pois é, bote a fé na frente, confia em Deus e tenha aquela fé que você vai conseguir”
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P/1 - Depois de atuar tantos anos na área da saúde, a senhora se reinventou?
R - Para não ficar quieta. Para não ficar sem estar pensando numa coisa. Aí, eu digo: “Eu não, não vou ficar quieta não”. Fui para a associação, arrumei mais amizade, tudo, as meninas queriam que eu fosse presidente da associação. “Negativo!”. Que na hora que eu quiser estar lá na minha casa eu vou, não quero ser presidente de nada, só da minha casa, na hora que eu quiser ir lá pra casa. “Meninas, já vou indo, tá?” “Tá bom!” Não é para vocês dizerem nada. Mas no que eu puder ajudar, eu ajudo.
P/1 - Por que a senhora não quis ser presidente?
R - Eu não gosto!
P/1 - Dona Maria, hoje o que é a coisa mais importante para a senhora?
R - O que é mais importante materialmente falando é os meu filhos. Deus em primeiro lugar e os meus filhos. Muito importante na minha vida. Meus netos, meus bisnetos, eu já tenho bisnetos. Tenho netos e bisnetos. A menina mais velha da Thalita já me deu um bisneto, já é mãe. Ela chama é bisa, é minha bisa, na hora que ela me vê: “É minha bisa, eu tava com saudade da minha bisa” É assim! E os filhos que eu peguei aqui, eu peguei mais de mil crianças. E tem muitos deles que chega pra mim e me dá benção. “Bença mãe!”. Tem é muitos!
P/1 - Que dizer que a senhora já pegou mais de mil crianças.
R - Eu já peguei mais de mil crianças em Serra Pelada, de 1987, até o tempo que eu saí do hospital.
P/1 - Como a senhora se sente?
R - Eu me sinto feliz! Olha, se vocês soubessem, se vocês sentissem assim, dentro de vocês… Se eu tivesse assim, uma condição pra mim formar uma festa assim, um evento pra eu juntar aqueles meninos tudinho, ficar perto de mim pra tirar uma foto, eu bem miudinha. Porque a gente vai ficando com idade, parece que vai diminuindo. Diz que vai diminuindo. Tu tá entendendo? Tudinho perto de mim. Agora na cavalgada o Jhone falou: “Mãe, conforme as coisas, eu vou juntar aí uns meninos, pelo menos 50 dá para juntar” “Moço do céu, basta você falar. Você vai jantar aí 50 jovens, casados, com os filhos do lado, no braço. Mas ele no corre, corre. Que era para ter botado alguém para organizar isso aí, né? Tirar uma foto. Agora estaria mostrando para vocês.
P/1 - Dona Maria, explica pra gente como era a Santa Casa quando a senhora entrou?
R - Quando eu entrei na Santa Casa, era uma casinha tampada de tábua, onde era a antiga coordenação. Aí botaram lá, “Santa Casa de Misericórdia”, pintaram ela, reformaram lá. Mas era tampadinha de madeira, tábua. E os pés das tábuas… Lá, realmente na farmácia, farmácia grande, tinha muita medicação, Santa Casa era farta de remédio, olha! Eu cansei muitas vezes de botar uma caixa de AS infantil aqui do meu lado, lá na emergência, AS, ampicilina, azitromicina, e vários tipos de medicação que o médico ia precisar ali no correr do dia. Trazia duas caixas e botava de cada remédio e botava ali, pro dia. E atendia muita gente, quando dava de tarde não tinha mais daquela medicação que nós trouxemos de manhã. E eu sempre trabalho mais o negão Odilon. Negão Odilon hoje… Ele naquele tempo era estagiante, que aprendeu a trabalhar ali, na Santa Casa mesmo. Hoje ele é médico lá em Marabá. Mas a gente entrava para a farmácia, as tábuas, tudo estrago, lá embaixo. Coisa que eu me admirei, porque quando eu trabalhei em Imperatriz, no hospital chique, bom, construído, parede no azulejo, na cerâmica que chama, e bem arrumado. Aí, quando eu cheguei que eu fui pro hospital, eu falei: “Não, não, não!” “Negão, se a fiscalização da saúde bater aqui essa Santa Casa vai ser fechada. Ele disse: “O que Maria?” “Vai! Porque lá fora é diferente.” Mas assim mesmo a gente ganhou um bocado de tempo, na Santa Casa, muito remédio, ali fazia parto, ali eu fazia sutura, chamava o médico do plantão. Sempre tinha médico. Porque quando eu cheguei, quem pagava nós, quem arrecadava dinheiro para fazer nosso pagamento, era a polícia federal que arrecadava para fazer o rancho para nós se alimentar na Santa Casa, e os pacientes também. Muito bom! Quando eles iam trocar de plantão, ele trazia aquela outra turma e apresentava para nós, apresentava para nós: “Comadre, olha aqui quem vai ficar no plantão, e qualquer coisa vocês podem chamar, pode ser só a senhora só que estiver aqui, se estiver precisando pode chamar, qualquer um pode chamar. O menino que está no comando aqui que vem resolver as coisas”. Então, nós tinha segurança total ali na Santa Casa. Não tinha segurança assim, só do prédio, que era fraco. Aí, foi o tempo do pleito do Salatiel, nós passamos na Santa Casa, que o Salatiel ganhou para prefeito. Aí, nós ficamos na Santa Casa, mais quatro anos. Aí, depois veio a eleição de novo, aí quem ganhou foi Xamã, pai do Xamãzinho, aí nós viemos aqui para o ______, foi a hora que o pessoal do ______ saiu, fecharam a porta aí, aí foram, limparam o prédio, eles ficaram trabalhando só assim, vinha, arrecadava o sangue das pessoas, ia para Marabá e voltava. Ficava nisso, que isso aqui de primeiro pertencia a Marabá. E foi desse jeito. Santa Casa de Misericórdia foi assim, nós voltando pra cá, foi pintada, aí ficamos funcionando aí. Aí um tempo tem médico, um tempo não tem médico, tempo tem médico, tempo não tem médico. Nós atravessamos um momento difícil, depois o Xamã organizou que não deixou mais faltar médico. No tempo do Omar Ribeira, faltou médico também. Que o Omar Ribeiro foi prefeito. Faltou médico. Aí, depois que veio de novo, o médico veio, a ambulância faltava, Xamãzinho arrumava ambulância. Eu mesmo, quando eu fui, por intermédio da associação, nós fomos fazer lá em Belém. “Vamos arrecadar alguma coisa para Associação”, juntamos um grupo de mulheres, nós fomos, fomos em seis mulheres, nós fomos em Belém. Aí levei um ofício para a Tetê, nesse tempo ela era deputada. Levei um ofício para Tete e levei um outro oficio para me dar para alguém lá. Não sabia para quem eu ia dar. Aí eu fui lá, aí as meninas saíram tudo. “Não, nós vamos para acolá, nós vamos para acolá. Não, nós vamos atravessar o rio, Maria, tu vai?” “Eu não vou! Eu vou ficar aqui” Aí, nós estávamos hospedadas lá no prédio do sindicato, aí eu conversando com uma senhora, digo: “Rapaz, eu tenho que ir ver alguém aí. Com quem eu posso falar pra mim entregar esse ofício?”. Ela disse: “Só se tu ir ali na Secretaria da CUT, tem um rapaz lá, não falta”. Aí, ela me ensinou a ir, eu fui! Eu fui sozinha nessa hora. Aí, quando cheguei lá que dei bom dia para ele, me apresentei, falei onde eu morava, dei explicação pra ele. Aí, que nós tava ali, aí minha outra amiga tinha saído, mas ela tava, até ela chegar: “Eu tenho um oficio pra entregar para você. E tô aqui pedindo”. Aí, foi quando eu pedi uma ambulância, e eu pedi as máquinas de costura, que realmente essas máquinas, são aquelas que estão na Associação. Fiz o ofício das máquinas e da ambulância, que a Santa Casa não tinha ambulância. Mas a nossa Associação não estava registrada ainda, não tinha CNPJ. Aí, o rapaz me explicou lá. A Tetê pegou e leu. “Maria, no que eu puder ajudar, eu vou ajudar”. Ela ficou. Aí ele foi e falou, disse: “Dona Maria, tinha que estar registrada a Associação, mas a gente está acreditando na senhora, que a senhora fala assim tão firme, eu estou acreditando na senhora, no que a senhora está pedindo”. Eu digo: “Muito bem Doutor…” Tô acostumada a chamar de Doutor, que na minha juventude foi tudo assim, andando com médico. Aí eu digo: “Tudo bem, Doutor!” Aí, eu mostrei pra ele, ele leu direitinho. “Agorinha mesmo a gente não pode dar decisão nenhuma, porque eu tenho que conversar com fulano de tal, com outro ciclano, eu tenho que fazer uma reunião, e vocês já estão quase voltando. Mas um dia eu vou lhe dar essa resposta.” Eu digo: “Um dia vale. Um dia vai valer essa resposta, não vai?” Ele disse: “Vai!” Então, tá bom! Aí, nós tivemos ali conversando assim, aquilo ali já foi uma conversa assim, do tipo que a gente já tinha um conhecimento, né! E a primeira vez que eu vi aquele homem. Aí ficou, ficou aqueles papeis pra lá. Tudo bem! Aí, quando foi um dia aqui na Cooperativa, que a Colossus entrou para a Serra Pelada, não foi? Doutor Heleno, esse pessoal. Doutor Heleno já tinha visto falando do meu nome, que eu não sei nem quem foi que levou meu nome para Doutor Heleno. No tempo do Valdete. Aí, me apresentaram para o Doutor Heleno, aí vieram aqui em casa. “Dona Maria, vai para uma reunião duas horas lá na cooperativa, que vem gente de Belém.” Meu Deus do céu! Aí, eu fui! Aí, quando eu cheguei lá, eu fiquei lá fora, o bracinho cruzada, humilde, fiquei lá. Aí, quando foi na hora da reunião, aí o vigia veio lá e me chamou, o Valdete tinha mandado me chamar, que era pra mim entrar. Aí, quando eu entrei, seus meninos, foi incrível! Pensa quem estava na reunião, o Secretário da CUT, o mesmo que eu falei com ele lá em Belém. Ele estava com a requisição das máquinas e da ambulância. Aí, eu cheguei, bati na porta e entrei. Quando eu entrei eu dei boa tarde para todos. Aí, o Doutor Heleno levantou, veio falar comigo, ele levantou lá do canto. “Não, meu Deus, Deus é maravilhoso”. Aí, eu fiquei assim. Ele levantou lá e já veio na minha direção. Aí o Doutor Heleno aqui abraçado comigo. Aí disse: “Você conhece essa mulher?”. Ele disse: “Eu conheço, eu conheço ela lá de Belém, ela teve lá no meu gabinete, lá em Belém.” Ele disse: “Muito bem!” Aí o Doutor Heleno folgou aqui, ele me abraçou. “Ó, Dona Maria, eu tenho uma coisa a dizer para a senhora, aquelas máquinas que a senhora pediu naquele dia, e aquela ambulância, ela vai vim agora. Vai vim as máquinas e vai vim a ambulância. Vai vim as máquinas para a Associação e a ambulância para a Santa Casa de Misericórdia”. E veio, seus meninos! Tem uma ambulância grande, boa! E veio as máquinas. Só que essas máquinas ficaram vários tempos trancadas ali sem ninguém movimentar com elas. Tu tá entendendo? Aí, depois que a gente pegou movimento aí nessa Associação. Aí, o Doutor Heleno ficou muito surpreso, o Valder, e outros cidadãos lá, aquele professor. “Meu Deus do céu, parabéns para a senhora, Dona Maria. Parabéns! Todo mundo lhe conhece. Parabéns! Assim que acontece as coisas. A maravilha de Deus. A minha paixão era a saúde, quando eu comecei a trabalhar, fiquei apaixonada pela saúde, quando eu entrei dentro do hospital.
P/1 - Sente vontade de voltar para a área da saúde?
R - Não, fia, agora já estou com a mente mais cansada. Mas se eu tivesse lá dentro, eu não queria sair, não. Mas muito bom! A saúde para quem sabe lutar com o paciente é bom demais.
P/2 - Se fosse para viver tudo novamente, que a senhora viveu na área da saúde, a senhora faria tudo de novo?
R - Tudo de novo!
P/2 - Por que?
R - Porque a gente tem aquele amor dentro da gente… Ou então, o que a gente aprendeu nunca esquece. O que eu aprendi trabalhar na saúde, nunca ninguém vai tirar de mim. Aí, eu tenho um exemplo, me tiraram do hospital. Me tiraram do hospital, mas não tiraram minha profissão. Viu! O que eu aprendi, a bênção que Deus me deu, o dom que Deus me deu, ninguém tira! É igual você estudar, fazer um vestibular e tudo, se formar tudinho, direitinho, ninguém tira, quando você vai embora ele vai junto contigo, né? É isso!
P/1 - Dona Maria, qual é o seu sonho agora para o futuro? O que a senhora planeja? A senhora, uma mulher tão aguerrida e se transformou junto com a vida. O que a senhora planeja para os próximos anos?
R - Tu pegou fundo, menino! Eu queria tudo de bom para a comunidade, para essa juventude, que nem esses meninos que estão jovens aqui, estão com tudo na mão, né! Que eu desejo pra vocês, que vocês sejam guerreiros, sempre procurar aprender mais, e mais, e mais. Se eu tivesse condições, eu tinha minha clínica particular. Se eu tivesse condição. Eu comprei um lote ali, eu estava pensando assim. Eu digo: “Meu Deus, se de momento eu acertasse na Tele Sena hoje, eu ia mandar fazer uma clínica particular, bem ali, surpresa, só segredo meu e do pedreiro”. Desse jeito! Aí, eu ia mandar fazer uma clínica bem bonita, bem boa, bem confortável, para internar o pessoal, cuidar da saúde. “Isso aqui foi a Maria Batista que fez, Deus deu a permissão para ela fazer, onde pode acolher os idosos, os jovens crianças, chegar doente ter aquele internamento bem tranquilo, aquele conforto melhor”. E dar um conforto, se Deus me der essa condição amanhã, em nome de Jesus, eu faço isso. Do jeito que eu tenho minha área aqui, tem lugar suficiente para fazer, aquilo e ali embaixo. Eu tenho essa fé! É um dom que eu tenho dentro de mim, aí eu queria dividir com a comunidade, mas eu não tenho esse poder assim, o capital. Deus abençoe, né! Que Deus sabe dentro de mim, que eu sinto, que eu fico alegre quando eu cuido da saúde. É assim!
P/1 - Dona Maria, a senhora gostaria de acrescentar algo, ou contar mais alguma história que a senhora não falou durante a entrevista?
R - Como assim?
P/1 - Se a senhora quer contar algo que a gente não perguntou durante a entrevista, se a gente passou batido por alguma história que a senhora queria contar nessa entrevista e acabou não tendo oportunidade.
R - O que eu passei de momento mais difícil aqui, foi quando aconteceu a separação do meu marido comigo, o pai dos meus filhos. Eu fiquei com o caçula com 4 anos, e a mais velhinha com cinco. Aí, atravessei um momento difícil, foi difícil pra mim criar meus filhos, e pra mim arrumar alguém para ficar com os meus filhos e pra mim tirar o meu plantão. E eu não podia perder o meu trabalho. Aí, nós mudamos para esse hospital aqui. Aí, tinha vezes, que quando fazia a medicação dos pacientes e estava tudo ok, eu vinha aqui ligeirinho olhar os meus filhos, pra ver como é que tava, porque eu levava a chave. Até eu arrumar uma pessoa de responsabilidade para ficar com os meus filhos. Aí, eu chegava, eu via minha filha atravessada na cama, quase caindo, o menino enganchado no berço. Aí, eu puxei o berço, botei perto da cama, agasalhava, embrulhava eles, saia devagarinho, eles não acordava, até de manhã cedo, a menina chegar. Aí, eu já entregava o plantão 7 horas da manhã, pra mim chegar mais cedo em casa. Para eu dizer: “Meus filhos, se vocês acordarem e eu não tiver em casa, vocês não abrem a porta pra ninguém, tá bom? Que a mãe vai trabalhar para arrumar o pão pra vocês, pra nós ter o que comer em casa”. Então, isso aí foi muito marcante de sofrimento na minha vida, muito mesmo. Aí, depois que eu arrumei a tia Ceteca, que é uma senhora bem de idade, eu acostumei chamar ela de tia, que eu ensinei os meus meninos chamar ela tia, e eu fiquei chamando tia também. Aí, a tia morou mais eu seis anos, aí foi quando eu respirei melhor. Mas eu estava sofrendo, sofrendo muito aqui. De algo acontecer aí, que nem aconteceu, estupraram um menino, o menino morreu, acharam morto, né? E aí, tudo aquilo ficava na minha cabeça. “Meu Deus, toma conta dos meus filhos, não deixa nada acontecer com os meus filhos, e me dá força para mim trabalhar”. Então, aquilo que chegava um paciente, para mim era um divertimento, eu já cuidava, quando eu pensava que não o dia amanhecia. Fazia dois, três partos à noite, e de manhã, cansei de fazer oito parto, até 7 horas da noite, parto normal e parto com epis. Então, aquilo ali…. Eu já chorei muito, seus meninos. Já sofri em Serra Pelada, não foi fácil o que eu já passei aqui. E como na fazenda, vinha aquelas senhora grávidas e eu fazia o parto, aí elas se juntavam e faziam rancho pra mim, quando eu pensava que não, chegava em casa tinha meu rancho em casa. Elas passavam lá no hospital: “Dona Maria, nós deixamos lá uma lembrancinha para a senhora”. Aí, o Seu Cardoso vinha deixar, que era o que fazia as compras lá da fazenda. O seu João, comprava o arroz, aí fazia o rancho, botava dentro do carro pequeno, né! Aí quando ele passava: “Dona Maria, deixei uma lembrancinha pra senhora lá. As meninas mandaram para a senhora” “Tá!” Aí, quando eu chegava encontrava, carne de primeira, costela, pedaço de fígado, de tudo ali, de carne ali, tudo dividido, as menina dividia. “Dona Maria não vai ter tempo, Dona Maria corre demais”. Elas tudo separava aquilo ali, sabe! Deixava no ponto de eu dizer: vou tirar esses saquinhos aqui que já é para o almoço e janta de hoje. Aí, encontrava a farinha, o arroz, o óleo, o sabão. Elas faziam rancho pra mim. Botava aquilo ali, quando dava aquele mês que as meninas faziam aquilo ali pra mim, o meu pagamento já servia pra mim comprar os tênis para os meus filhos ir para o colégio, a roupa deles ir para o colégio, a fardinha deles ir para o colégio. E Deus me deu força que sempre meus filhos andavam arrumados, tudo arrumadinho. Todo final de semana, arrumado eu saía. Eu saía com eles e nós tomava um refrigerante. Quando eu estava de folga. Aí, nós íamos passeava com meus filhos. E agradeço a Deus, porque eu eu clamava muito, “Meu Deus, não deixa nada acontecer com os meus filhos. E peço! Peço muito isso a meu Deus. Que Deus cuide de mim, que eu fiquei longe da família por causa de marido, porque a mulher, quando ela tem aquela convicção para morar com o marido, ela vai, vai logo pra longe, deixa a família para trás, vai lá só para passear. Todo ano eu ia visitar minha mãe. Já sabia, na minha folga, eu já ia visitar minha mãe, levando meus filhos. Fazia minha folga certinha com a folga do colégio, as férias do colégio. Aí passava lá. Meu irmão vinha de São Paulo, ele ligava pra mim. “Vai! Não te preocupa com dinheiro não, vou fazer umas compras para os meninos”. Aí, me ajudava assim. Aí, a gente fica contente, né! Quando eu chegava aqui. Pois é, Cardosinho ali cansou, os meninos aqui do Miranda, o Osvaldo. Eu peguei, conheci esse pessoal, chegar no hospital e fazer uma sutura, trabalhador lá se machucava, fazer o curativo e tudo. Aí, os meninos sempre me davam uma gorjeta assim, o Novo, que levava lá. Seu Pedro, seu Pedro Miranda, Seu Pedro, o Velho Pedro, pai do Osvaldo, pai dos meninos. Aí ele. “Pega! Esse aqu é do seu café”. Enfiava dentro do bolso do meu jaleco. Quando eu ia olhar era R$200,00, era R$100,00. Era assim! Aquilo ali eu juntava e fazia compra pra mim e para os meus filhos, pra não deixar faltar. Mas assim mesmo, ainda passei três dia sem comer, mas não deixei os meus filhos com fome. A gente fica em momento difícil, minha fia! Precisa muita força, muita coragem, para você trabalhar e ter aquela responsabilidade, aquele caráter, responsabilidade. Eu gosto muito da minha vida, eu amo minha vida, amo meus filhos. E amo todos que habitam ao redor de mim, eu amo! É um momento feliz na minha vida. Cada dia que eu acordo eu agradeço ao meu Deus pelo plano de vida que ele me dá.
P/1 - Dona Maria, como foi pra senhora compartilhar a história da senhora com a gente?
R - Como foi?
P/1 - Contar sua história.
R - É um pouco difícil, a gente chora, né! Dá aquela ansiedade de choro, mas eu fico contente de vocês quererem saber da minha história, o que que eu já passei. Eu contei pra vocês que eu entrei aqui em 1987, né? Contei, não contei? E aí, é assim! Entrei em 1987, criei os meus filhos aqui dentro, entre tombos e barrancos. Tá tudo criado aí! Hoje se eles errar… É abençoado, que eu abençoei, Deus abençoou, mas tá tudo… Se fizer alguma coisa errada daqui para frente, mas foram tudo criado de cabeça erguida. Já sabe o que é o bom, ou o que é ruim, não é isso Carlinhos? E a vida é assim. E sempre quando é no dia que eu completo o meu aniversário, que eu estou com 71 anos, completos. Aí, eles falam, que a mamãe foi tudo na vida deles. A Thalita gosta de falar mais o Jhone. Foi a mãe, foi o pai presente. Eu sou esse pai e essa mãe. Estamos aqui na luta. Esperando viver muito tempo ainda.
P/1 - Dona Maria, muito obrigada por ter compartilhado sua história com a gente. Eu sou tão emotiva. Gostei muito da sua história. Obrigada por ter aberto a porta da sua casa para nos receber, eu tenho um carinho muito grande pela senhora. E a sua história vai ficar guardada para as futuras gerações.
R - Deus abençoe!
P/1 - O Museu da Pessoa lhe agradece por ter contado essa linda história pra gente.
R - Obrigada, minha fia! Eu que fico agradecida de vocês… Do Carlinhos ter trazido vocês até a minha casa. Tenho muito respeito, tenho amor por vocês. É uma benção. Eu queria que uma hora dessas tivesse pelo menos cinco dos meninos que eu peguei aqui, para a gente tirar uma foto, fica tudo juntinho. Mas não é possível. Na hora só pega de surpresa, que nem o Carlinhos falou hoje. Mas é assim! É a vida! Eu fico muito agradecida!
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