Entrevista de Maria Aparecida da Silva (Cida)
Entrevistada por Jeanne Cunha Ramos e Gildeon Santos de Barros (Zazo)
Maceió, 2 de agosto de 2025
Projeto Memórias que não afundam
NOS_HV007
00:19 P/1 - Muito obrigada Cida, por você ter aceitado o nosso convite para a entrevista.
R - Um prazer.
00:28 P/1 - Então, Cida, primeiro eu gostaria que você me falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Eu me chamo Maria Aparecida da Silva, eu nasci no dia 15 de julho de 1959, em Santana do Ipanema.
00:47 P/1 - Quais os nomes dos seus pais?
R - Carlos Gabriel da Silva e Maria Joaquina de Lima e Silva. Já são falecidos, os dois.
P/1 - E os seus pais, eles trabalhavam com o quê?
R - Meu pai, ele trabalhou de sapateiro, pedreiro e depois ele entrou no ramo de comércio. Até se aposentar.
01:13 P/1 - E sua mãe?
R - Minha mãe costureira.
01:16 P/1 - Como você descreveria o seu pai e a sua mãe?
R - Meu pai foi um homem muito... apesar dele não ter estudo, mas ele era um homem muito inteligente, ele gostava muito de ler, muito comunicativo. E era uma pessoa que gostava muito de festas. Lá em Santana, ele era um dos organizadores de festas de São Pedro, onde nós morávamos. Essa última morada era a Rua São Pedro, onde eu vim morar em Maceió. E ele foi um dos organizadores da festa de São Pedro. Tinha a procissão, tudo. E ele era muito ligado à questão religiosa, porque ele era muito católico. E também teve uma igreja que chamava, um povoado chamado Tocaia, que ele também foi um dos que reconstruiu essa igreja, que até hoje está lá essa igreja. E ele era muito ligado à questão da religiosidade. E era uma pessoa muito comunicativa, ele gostava muito de se comunicar. Na questão dos negócios, no comércio que ele tinha, a gente chama, no interior chama venda, que era uma pequena venda, a mercearia. Então, ele era uma pessoa muito assim, eu ficava observando o jeito de ser dele, de lidar com as pessoas. Então, isso fez com que ele se tornasse uma pessoa muito carismática, tá entendendo? E assim, as pessoas gostavam muito dele, do meu pai. E minha mãe, ela foi também, foi uma pessoa que começou a costurar com 12 anos de idade. Ela me contava que naquela época não tinha negócio de escola de costura. Um senhor chegou um dia na casa dela, ela garota, “Ei, queria mandar fazer uma camisa.” Aí, ela tinha máquina de costura. Ela chegou e disse: “Eu faço!” Aí, o pai dela disse: “Como é que você vai fazer se você nunca costurou?” “Mas eu faço!” E ela fez. Daí, por diante, ela se tornou uma costureira profissional. E ela morreu com 91 anos. Ainda costurou uma roupinha para a bisneta, antes de falecer.
03:14 P/1 - E como eles se conheceram?
R - Bem, eles falavam assim… Meu pai ainda morou em São Paulo, antes de casar com minha mãe, ele foi para São Paulo na década de 50, e lá ele trabalhou numa construtora chamada Mauá, e ficou. Aí, depois ele retornou a Santana e conheceu a minha mãe. Aí, ficou assim, disse que iam casar, ele falou pra casar com ela, só que teria que retornar para São Paulo. Aí, a mãe dela ainda era viva, só que ela vivia muito doente, aí ela disse: Olha, eu vou ser sincera com você, casar eu caso, agora para morar em São Paulo, minha mãe tá muito doente, eu não vou deixar minha mãe aqui. Aí, ele resolveu ficar em Santana. E aí, foi quando começou a negociar.
04:01 P/1 - E você, tem irmãos?
R - Eu sou a filha mais velha. Depois de mim, minha mãe teve mais dois filhos homens, só que o caçula morreu com quatro meses de idade.
04:12 P/1 - E qual é a sua relação com seus pais e irmãos?
R - A minha relação com meus pais era uma relação muito boa. Meu pai era um pouco rígido, naquela época, ele não gostava que eu saísse, essas coisas. Eu fui um pouquinho rebelde. Eu queria sair, se divertir. Então, isso criou um conflito entre a gente. Mas, no fim das contas… Eu vim morar primeiro em Maceió e eles vieram morar depois, e eu cuidei deles até os últimos dias, adoeceram, tomei conta deles dois, aí eu passei a ser a mãe deles. Se for contar a história deles, assim...
04:53 P/1 – E você sabe a origem da sua família? Digo, assim, o sobrenome dos seus avós. Conhece alguma história dos seus avós?
R - Minha mãe que sabia mais, porque ela era uma pessoa que tinha uma memória muito boa, ela contava mais, conhecia um pouco dos irmãos dos meus pais. O meu pai teve muitos irmãos, ele teve mais irmãos, teve um até com problemas mentais, que até morreu no Portugal Ramalho. Eu não conheci, não. Meu pai também foi um homem que morou... Acho que ele foi para Aracaju. Ele gostava muito de andar. Acho que eu puxei um pouquinho a ele. Como ele foi para São Paulo, ele disse que quase ia para a Amazônia também para trabalhar, na época, mas não foi. Eu tenho uma história assim, levemente, da vida dele. Mas, às vezes, ele falava assim, que gostava muito de viajar, de sair, de ir para um lugar e para outro. A gente foi morar em Feira de Santana em 1975, ele inventou de ir para Feira de Santana, lá de Santana do Ipanema para Feira de Santana, só que nós moramos só 11 meses, aí retornamos para Santana.
06:01 P/1 - E vocês tinham algum costume, algo que era só de vocês, da família, você, seus irmãos?
R - Olha, meu pai, ele tinha assim… Voltando para essa questão de festas religiosas, ele gostava muito assim, na época de São João, ele fazia quentão, aí chamava os amigos, aí ele ligava o som lá na minha casa, aí tinha dança, essas coisas assim, ele gostava muito dessas coisas, sabe? De reunir assim, né? Ele tinha essa coisa. Sim, outra coisa que ele fazia muito era, na Semana Santa, era pau de sebo, casa de urtiga com prêmio. Botava prêmio no pau de sebo com o menino subir, lá em Santana do Ipanema. Ele gostava muito dessas coisas. Então, todo ano ele fazia isso. Aí, lá em Santana, muita gente conhece o meu pai assim, por esse lado dele. Ele gostava muito dessas coisas. E a turma lá, os meninos, todos gostavam, chegava esse período, aí ele montava lá, botava um pau de sebo. Menina, era uma festa lá na rua, os pivetes para subir, ele botava dinheiro, além de prêmio, ainda botava dinheiro. Aí, quando os meninos viam o dinheiro lá em cima pendurado, aquelas cédulas penduradas, aí queria ir lá para pegar. Então, ele tinha esse lado dele, sabe? Ele era muito assim, gostava muito dessas coisas. Aí, eu puxei muito esse lado dele assim, de querer também, de festa, de... Está entendendo?
07:20 P/1 - Cida, seus pais contaram como foi o seu nascimento e por que o seu nome?
R - Sim, o meu nome é porque meu pai era muito devoto de Nossa Senhora Aparecida, e ele escolheu o meu nome, Maria Aparecida, porque como ele era devoto de Nossa Senhora Aparecida, aí ele escolheu esse nome, que até eu não gostava muito no começo não, eu queria que tivesse sido outro nome. Mas hoje eu me tornei devota de Nossa Senhora Aparecida e gamo no meu nome.
07:49 P/1 - E sobre a sua infância, você lembra a casa, você falou que vocês moraram em Santana do Ipanema.
R – Foi, nasci lá.
P1 - Nasceu lá e ficou até que idade?
R - Olha, eu nasci em Santana, tive uma infância muito boa, que meu pai, como ele era pedreiro, então ele sempre construiu casas. Por isso que eu tenho essa coisa com casas, é tão interessante. Até sonhar, ainda sonho com as casas. Então meu pai, ele chegou a construir acho que umas três casas, lá em Santana, que a gente morou. E sempre casas enormes, com quatro quartos, quintal, com plantas. Outra coisa que ele gostava era de plantas. Então, ele passou muito isso pra gente. Animais, plantas. Tudo isso eu aprendi com meu pai, em questão de respeito à natureza. Tudo foi dele. Ele ensinou isso sem dizer assim pra gente, ó, você tem que respeitar... Não, era com o exemplo dele. Ele nunca chegou pra mim, pra meu irmão, pra dizer, você tem que respeitar a natureza, você tem que respeitar os bichos. Não, era com o exemplo dele, que a gente via. Então, tudo que ele plantava, menino, dava. É que nem diz o pessoal do interior. Então, toda planta frutífera, essas coisas que ele plantava, crescia e dava fruto. E uma coisa que eu admirava no meu pai, ele sempre distribuía esses frutos para os vizinhos. Ele nunca fazia questão de dizer assim, não, é só para a gente. Chegava uma pessoa, pronto, seriguela, eu me lembro que enchia de balde. Aí, os vizinhos chegavam: “Seu Carlos, a gente pode pegar isso?” “Pode!” Ele enchia de balde assim, e dava para os vizinhos. Meu pai era desse jeito, sabe? Ele era uma pessoa que gostava muito de doar as coisas. Eu acho que todo esse meu lado assim, eu puxei muito para ele, sabe? De se doar, de ajudar. Ele era muito assim, sabe? Tanto ele como minha mãe. Então, assim, essa coisa assim veio dele. Com relação à natureza, os animais. Ele sempre teve essa coisa de preservar a natureza, respeitar, plantar, os bichinhos, animais. Eu gosto de animais. Tudo veio dele.
09:50 P/1 - Então, você ficou a infância toda lá em…
R - Eu saí de Santana a primeira vez com 20 anos, fui morar em São Paulo, passei só três meses, aí vim embora. Aí, depois fui morar em Mata de São João, na Bahia, fui com um tio meu, passei um ano. Aí, voltei para Santana de novo. Aí, vim para Maceió e pronto, não voltei mais. Aí, eles ficaram lá em Santana, meus pais, e depois vieram morar comigo, até morrerem.
10:17 P/1 - Então, voltando para a questão da infância, que você passou lá em Santana... Como eram as suas brincadeiras?
R - Eu era moleque mesmo, a moleca, que nem diz os outros. Eu brincava… Eu não tive irmã, tive um irmão. Mas eu brincava assim, tinha minhas primas. Aí, em casa eu brincava sozinha, com boneca, essas coisas. E uma coisa também que eu aprendi com minha mãe, como minha mãe era costureira, eu ficava observando minha mãe costurar, aí eu chegava, os retalhos que sobravam, eu ia lá e pegava. Aí, eu ficava observando a minha mãe cortar camisa, vestido, aí eu tentar fazer para as minhas bonecas. Era assim, desse jeito. Então, eu tenho esse lado também da minha mãe, que eu aprendi. Não sei costurar como ela, faço alguma besteirinha assim. Aí, eu fazia. Tinha minhas primas que iam lá para casa, que eu amava, como eu não tinha irmã. Aí, quando elas passavam uma semana lá em casa, eu amava. Quando elas iam embora, eu ficava tão triste. Mas, assim, eu brincava na rua com os meninos, com as meninas, porque no interior tem essa coisa de muita liberdade, naquela época, década de 60, 70. Brincava de bola com os meninos. Era aquela misturada. Eu fui muito assim, livre, subia em árvores. Então, não tenho o que reclamar. Foi uma vida muito assim, graças a Deus, muito livre. Assim, de muita liberdade, nesse sentido de brincar, de correr.
11:37 P/1 – E, para você, o que você mais gostava de fazer, realmente, quando era criança? Eram tantas brincadeiras…
R - Eram tantas. O que eu gostava mais era quando era assim, por exemplo, brincar de panelada, quando a gente fazia panelada com as crianças. Panelada é assim, tinha umas panelinhas de barro, no interior tem muito, né? Aí se juntava com minhas primas e a gente dizia, dia domingo, vamos fazer panelada. Aí, a gente pegava feijão, arroz, era mesmo para cozinhar, dizer que era panelada para as bonecas, né? Então aquele momento era um momento bem interessante, cada um que queria fazer alguma coisa, sabe? A gente fazia isso, eu, minhas primas, outras amigas. Então, esse momento era bem interessante. Cada uma que queria fazer alguma coisa, né, para cozinhar, para fazer para as bonecas, aí chamava panelada.
12:24 P/1 - E sobre a sua escola, onde foi que você estudou?
R - Olha, eu comecei a estudar, tinha uma senhora lá que ensinava, aí meus pais botaram a gente pequenininho para aprender, né? Para poder ir para a escola. Aí, a gente foi estudar numa escola que chamava Instituto Batista, lá em Santana do Ipanema. Era uma escola evangélica. Aí, a gente foi estudar lá, no primeiro ano. Eu fui, eu e meu irmão. Depois fomos estudar o segundo ano, que chamava segundo ano primário, num colégio que chamava Sagrada Família, que tinha até umas freiras holandesas, que chegaram lá em Santana de Ipanema. Eu amei estudar nessa escola. Por que eu amei? As freiras eram muito boas. A irmã Letícia, que vivia mais lá na escola... E uma coisa que eu gostei muito, porque ela distribuiu na Semana da Criança, um livro de história, livrinho de história. Então, a partir dali… Como eu via em casa, meu pai gostava muito de comprar jornal, na época tinha revista Manchete, Cruzeiro, meu pai comprava sempre essas revistas, era Cruzeiro, Manchete, era a Gazeta, o jornal, essas coisas. Então, isso fez com que eu criasse o hábito de leitura, tanto eu como meu irmão. Então, assim, foi desenvolvendo o hábito de leitura, e eu gostava, amava demais essa escola.
13:49 P/1 - E você já sabia o que você queria ser quando crescesse? Tinha alguns sonhos para o futuro?
R - Não, interessante, porque eu não tinha isso formado dentro da minha cabeça. Aí, quando terminei a oitava série, lá no Colégio Estadual, em Santana do Ipanema, eu disse que queria fazer científico. Aí, minha mãe chegou e disse: mas, minha filha, fazer científico aqui em Santana do Ipanema, o que você vai fazer com científico? Aí, no colégio estadual tinha o curso de pedagogia, chamado Pedagógico antigamente. Aí, eu não queria muito não, não vou mentir não, ensinar. Aí, ela disse, mas você não tem outra opção, vá fazer, não sei o que, é uma profissão. Aí, eu fui fazer. E hoje eu agradeço muito à minha mãe, por ter seguido esse caminho. Eu fui gostando, trabalhei. Aí, depois fui fazer faculdade de pedagogia, depois fiz especialização, aí me aposentei.
14:48 P/1 - Você falou da freira, da escola que foi marcante.
R - Sim, foi uma parte dos meus estudos.
P/1 - Mas tinha também outras pessoas marcantes na escola? Você tem alguma história que você lembra até hoje que se passou na época, no período escolar?
R - Bem, não só nesse período, mas mais à frente. Por exemplo, no curso de pedagogia, eu tive uma professora de português que marcou muito. Por quê? Ela trabalhava muito essa questão de a gente se interessar pela leitura. E você ler, procurar ler mais a questão da literatura brasileira, que a gente não tinha esse costume lá atrás. Então, a professora Salete incentivou muito a gente a ter esse conhecimento da nossa literatura brasileira. E isso também foi muito importante para a nossa formação. E até hoje, como eu falei para você, que hoje eu sou uma pessoa que eu gosto muito de ler, eu gosto de ler tudo, de tudo um pouco. Você tem que ler, você se inteirar das coisas que acontecem, política mesmo, eu gosto de estar lendo, estar por dentro das coisas, porque eu acho que é muito importante a questão da formação, da leitura. E eu, quando eu estava na sala de aula, como professora, eu falava muito para os meus alunos sobre essa questão da leitura, do interesse pela leitura, que isso que faz a gente se tornar consciente de lutar pelos nossos direitos. Quando você passa a ter conhecimento, você luta pelas coisas. Então, assim, isso marcou muito nesse período de estudante.
16:20 P1 - E você sentiu algum preconceito?
R - Com relação à minha cor?
P1 - Não, a qualquer coisa. Ou então você também viu?
R - Olha, graça a Deus, eu nunca percebi não. Se alguém teve assim, eu nunca cheguei a perceber não, a questão do preconceito. Porque eu tive uma formação dentro da minha casa, assim, meu pai era um homem negro, minha mãe não era branca também, era uma pessoa morena, mas eu sempre me coloquei assim, como uma pessoa nem melhor, nem pior do que o outro, sabe? Eu sempre me coloquei como uma pessoa dentro da sociedade, como um ser humano, que eu tenho meus direitos, tenho meus deveres como cidadã e jamais me coloquei assim, baixar a cabeça diante de qualquer pessoa. Por mais a função que ela exerça, eu respeito todo mundo e exijo que seja respeitada, tá entendendo? E eu nunca me senti inferior por causa da minha cor, gosto da minha cor. Você falando da minha cor, agora me vê um detalhe. Uma vez a minha avó, que é a mãe do meu pai, ela era branca. Depois vou mostrar uma foto, ela tem um cabelo bem liso, liso. Aí, foi um dia lá em casa, lá em Santana, ela olhando bem assim para mim, né? Aí, eu disse: “o que foi, vó, que a senhora está olhando tanto para mim?” Ela disse: “Oh, minha filha, se queixe de você ter saído dessa cor”. Eu disse: “por que a senhora está falando isso?” “Porque eu casei com um homem bem pretinho”. Eu disse: “de jeito nenhum, eu amo minha cor”. Ela disse, bem assim, né. Aí, ela foi contar a história, que naquela época… Eu digo, a senhora era bem danadinha. Ela disse: “eu fugi, porque a minha família não queria, que seu avô era bem preto”. Que eu não conheci não, o pai do meu pai, ele se suicidou. Aí, eu disse: “era?” Ela: “foi, ele era bem pretinho, mas pensa em um homem bom, não sei o quê…” Bem assim. Eu disse: “foi vovó?” Para você ver como era. Aí, ela ficou olhando para mim dizendo isso, achando que eu ficava com raiva. “Ah, então a senhora foi casar com um negro…” De jeito nenhum. “Eu amo a minha cor, vó.” Ela começou a rir. Mas vai para você ver que… Você falando na questão do preconceito, mas, graças a Deus, nunca me senti não. E se eu, por acaso, passasse por uma situação dessa, eu ia tentar buscar, entendeu? Eu não ia deixar barato. Eu ia buscar meus direitos lá, ia procurar, está entendendo?
18:35 P/1 - E a sua juventude? Essa foi a infância, né? De colégio você falou também que estudou, também terminou tudo lá no...
R - Foi, eu fiz o ensino médio lá em Santana. Quando eu saí de lá, foi com o concurso de Pedagógico, com a profissão de professor. Já comecei a trabalhar como professor em Santana do Ipanema. No mesmo colégio que eu estudei quarta série, Padre Francisco Corrêa. Ainda ensinei um ano lá, nessa escola, aí depois pedi transferência para cá, que eu queria fazer faculdade. Aí, depois que eu vim me formar aqui em Maceió.
19:12 P/1 - E a Cida moça?
R - Fui um pouquinho danadinha, gostava de sair, dançar. Aí, disso, como eu falei, meu pai era muito rígido, aquelas coisas, aí vim embora para cá. Aí, esse tempo que eu passei sem ele, aproveitei bastante, namorei, dançava, ia para aquele Buganvília lá, que todo mundo aqui conhece. E assim, me diverti bastante, com as amigas, com os amigos, saia, gostava de tomar uma cervejinha. Hoje eu não bebo mais, só tomo cerveja sem álcool agora.
19:50 P/1 - E as suas relações amorosas ainda eram também lá no...
R - Lá em Santana não tive, não, só paquera mesmo, que meu pai era bem... Não cheguei a ter namorado, namorado, não. Só coisa de adolescente, um namorico rápido.
20:06 P/1 - Você falou que foi para outras cidades. São Paulo.
R – São Paulo, mas só passei três meses em São Paulo.
P/1 - E por que voltou?
R - Quando você vai morar na casa dos outros, não é coisa boa não. Aí, assim, não deu certo, eu vim embora.
P/1 - E na Bahia?
R - Na Bahia foi um ano. Aí, eu fiz um teste para trabalhar num supermercado lá, chamava Cesta do Povo. Passei no teste, nunca me chamaram. Eu disse: “vou embora”. Porque eu estava um ano na casa do meu tio. Aí eu disse: não, já está com um ano que eu estou aqui sem trabalhar, não dá certo, não. Aí meu tio, não, ninguém queria. Eu disse: “não, vou embora, não vou ficar aqui o tempo todo sem trabalhar”.
20:44 P/2 - O que você encontrou em Maceió que não encontrou nem em São Paulo, nem na Bahia?
R - O que eu encontrei aqui? Ah, muito divertimento, muita… [risos] Eu gostei muito de Maceió. Gostei não, eu gosto. Eu acho Maceió, eu digo, a minha cidade. Já moro aqui há 40 anos, moro em Maceió. São 40 anos. E amei Maceió. Encontrei muita gente bacana, conheci muita gente legal. E assim, as amizades que eu tenho hoje, graças a Deus. Amo demais Maceió. É a cidade que eu amo.
21:19 P/1 - E quando você chegou em Maceió, você foi morar aonde?
R - Morei sempre no Farol. Sempre no Farol. Eu morei na Rua Santa Rita, naquela rua de lá, não tem a rua que a gente morou ali na Rua Antônio, naquela outra rua da frente lá. Aí eu morei sempre ali, na Rua Santa Rita. É porque você não conheceu a Niege. Tinha uma boutique ali naquela rua, descendo. Pronto, quando vai descendo para a ladeira do Bom Parto, não tem aquela ruazinha de cima, eu morei ali, chama Rua Santa Rita. Aí morei ali, muito tempo ali, na Rua Santa Rita. Depois vim morar na Rua Portugal Ramalho, com meus pais, quando eles vieram de Santana. Aí, fomos morar ali na Rua Almirante Barroso.
22:02 P/1 - E como foi a chegada deles? Eles resolveram...
R - Minha filha, meus pais chegaram em Maceió em 1998. Aí, eu disse à mamãe, “minha gente, vamos morar em Maceió”. Porque eles dois ficaram lá em Santana, sozinhos, num casarão imenso. Eu disse: “olha, já está na hora de vocês morarem comigo, vocês já estão idosos”. Aí, meu pai alugou a casa lá, não vendeu, alugou a casa, e eu aluguei aquela casa lá em Maceió, aí eles vieram morar comigo ali. Aí, ficamos ali, aí meu pai fez uma proposta pro dono daquela casa, aí ele vendeu aquela casa. Aí, ele comprou a casa. Vendeu a de lá e comprou aquela.
22:43 P/1 - Cida, pra você vir morar aqui em Maceió, como foi? Os seus pais aceitaram sua vinda pra cá? Você se programou, como foi?
R - Foi assim, eu já trabalhava em Santana como professora, aí quando foi no final de 1983, eu falei para eles que queria fazer faculdade. Aí, foi quando eu pedi transferência e vim para Maceió. Eu cheguei aqui em 1984. Aí, foi quando eu fui trabalhar no CEPA [Centro Educacional de Pesquisa Aplicada], na escola Dom Pedro II. Fui transferida aqui para Maceió e comecei. Aí, vim morar com um tio, irmão da minha mãe, que já morava aqui em Maceió. Aí, fiquei morando com eles até 1995, eu morei com eles. Aí, quando foi em 1995, eu saí da casa do meu tio, e fui morar sozinha. Aluguei uma casa na Rua Santa Rita, aí morei sozinho um ano nessa casa. Depois, da casa do meu tio, aí eu fui morar na casa do meu primo, foi em 1997. Eu morei no final de 1995 e 1996 sozinha, aí em 1997, morei na casa de um primo. Aí quando foi em 1998, meus pais vieram morar em Maceió.
24:11 P/1 - Com seu irmão também?
R - Foi. Não, meu irmão já estava aqui, meu irmão. E meu irmão veio também morar em Maceió, em 1997, meu irmão veio.
P/1 – Aí, ele não veio morar com você, ele já...
R - Não, ele... Quando meus pais vieram, aí fomos morar todo mundo junto. Meu irmão, a esposa e a filha. Só tinha uma filha. Aí nós moramos todo mundo junto na Rua Portugal Ramalho. Aí, depois, meu irmão alugou uma casa. E eu aluguei aquela casa na rua Almirante Barroso e fui morar, eu e meus pais.
24:48 P/1 - E como foi, você fez a faculdade?
R - Sim, aí o que aconteceu, eu trabalhando no CEPA, eu disse, meu Deus, eu tenho que fazer minha faculdade, que eu não vou me aposentar com um nível médio. Aí, foi quando eu fui fazer. Antes disso, ocorreu uma situação de doença na minha vida. Quando foi em 2001, eu descobri um câncer de mama, na mama direita, eu descobri um câncer. Eu trabalhava também num povoado de Marechal de Deodoro, que eu fiz concurso em 1998 para a prefeitura de Marechal. Aí, eu trabalhava num povoado, já estava com dois anos, ou era três que eu trabalhava nesse povoado. E trabalhava no CEPA à noite. Aí, eu descobri um câncer em 2001, aí comecei a fazer tratamento quimio, rádio, aí tive que me afastar das duas escolas para fazer tratamento. O ano de 2001 todinho eu fui fazer tratamento contra o câncer. Aí, quando eu terminei o tratamento, eu voltei para a escola, para o CEPA, e foi o que eu fiz, fiquei de licença lá de Marechal. Aí, eu repensei muito, sabe? Pelas condições de trabalho lá, era péssima para mim, eu caminhava sozinha numa estrada de barro, 30 minutos a pé para ir para essa escola. Aí, eu pensei, pensei, eu disse, eu não vou mais ficar ali. Aí, eu pedi exoneração, lá de Marechal, pelas condições de trabalho péssimas, o local de trabalho era ruim, a escola, não tinha condições físicas, muito ruins. Eu não me alimentava direito. Eu disse, meu Deus, já passei por isso e vou voltar ter aquela vida que eu tinha antes, sem se alimentar direito. Tudo assim, não me dava... A secretaria, eu fui reclamar, não me dava nenhum retorno positivo para ter condições de trabalho melhores. Cheguei a sair. Digo, não, vou pensar na minha saúde daqui para a frente. Aí, eu deixei lá, Marechal. Quando foi em 2002, eu entrei na faculdade, fui fazer pedagogia no CESMAC [Centro de Estudos Superiores de Maceió]. Aí, fiz a faculdade.
26:56 P/1 - Para você, os momentos marcantes nesse período?
R - Foi esse câncer. Mas quando eu tive esse problema, eu disse, meu Deus, mas assim, foi uma coisa muito assim, que mexeu muito comigo, mas ao mesmo tempo, assim, eu disse, meu Deus, eu vou vencer. Quando eu descobri. E quando eu fiquei boa, que passou o tratamento, eu vou fazer uma faculdade. Ainda teve gente, uma colega, que dizia assim, eu fiquei sabendo. “Mas a Cida vai fazer faculdade?” Como diz assim, ela teve um câncer… Achando que eu ia morrer. Eu digo, não, eu estou boa, agora vou fazer, porque eu vou me aposentar, porque eu me aposentei em 2011. Aí o que aconteceu? Quando eu tive esse câncer, em 2001, aí eu fiz faculdade, aí quando foi em 2005, não, quando foi em 2010, foi minha mãe que teve um câncer. Aí, minha mãe chegou para mim e disse: “Cida, eu estou com um nódulo na mama.” Eu ia pra rua resolver não sei o quê. Aí, ela chegou pra mim e disse: “Olha, minha filha, eu descobri, eu tô sentindo um caroço aqui na mama.” Eu disse, eita, meu pai. Eu disse: “Olha, eu vou no Comércio resolver essas coisas, quando eu voltar a gente conversa.” Aí, quando eu voltei, eu já liguei pro meu médico, que me operou, Doutor João, aí levei ela. Só que o dela, minha filha, foi um caminho muito longo percorrido. Ele não operou ela por causa da pressão. Aí, ela não queria mais. Foi uma luta muito grande, minha mãe, em 2005. Aí, quem operou ela já foi o Doutor Pedro Henrique, aí tirou o nódulo, em 2005, da minha mãe. Quando foi em 2010, outro câncer na minha mãe, na outra mama, apareceu na outra mama. Aí, foi outro médico que operou ela, aí tirou a mama dela por completo. Aí, nesse mesmo 2010, meu pai aparece com câncer na próstata. Aí lá vai eu cuidar do meu pai. Foi um ano e tanto, ele, só que ele morreu do câncer de próstata. Então, esses anos todinhos, de 2005 a 2010, foi eu lutando com eles dois. Teve um ano que eu estava com os dois, era na quimioterapia com os dois, eu levava os dois para fazer quimioterapia. E trabalhando, ainda trabalhando. E dava conta. Então, tudo isso eu passei. Por isso que eu digo, aí foi quando eu cuidei deles até... Meu pai ficou de um jeito, que ele para andar, quase não andava mais. Ele ficou assim, parecia que ele não estava mais tendo noção das coisas. E tudo assim era eu quem fazia. Ainda bem que tinha uma empregada lá em casa que me ajudava. Eu dava banho nele, eu trocava ele, eu fazia tudo por ele, pelo meu pai. Por isso que eu digo, eu cuidei do meu pai, de filha, eu passei a ser mãe dele. Da minha mãe também. Só que a minha mãe não morreu de câncer, minha mãe morreu com 91 anos de problemas cardíacos. Meu pai morreu com 88 de câncer de próstata. Então, tudo isso eu vivi lá dentro da minha casa. Aí, um dia, eu estava deitada assim, pensando. Eu disse, meu Deus, eu tive tudo isso, eu tive um câncer, mas Deus me salvou, porque sabia que lá na frente eu tinha eles dois para cuidar. Toda vez eu sonho com eles dois. Eu sonho tanto com meu pai e minha mãe.
30:21 P/1 - E normalmente como é o sonho?
R - Assim, sempre ele rindo, conversando, ele novo, minha mãe. Mas é.
30:31 P/1 - E você disse que estava trabalhando também, né?
R - E trabalhava. Eu chegava na escola, eu me lembro que um dia minha colega me disse assim: “Eu fico olhando pra você, menina, não sei como é que você… Você é muito forte, viu? Você chega aqui, eu não vejo você abalada, nem você…” Eu disse: “Mas minha filha, olha, se eu for me entregar, quem é que vai tomar conta daquelas duas criaturas que eu tenho lá em casa, daquelas dois bebês que eu tenho lá em casa?” Eu dizia bem assim. Mas é verdade. Então, assim, hoje eu sou uma pessoa que agradeço tanto a Deus por tudo que eu já vivi, e agradeço muito por aqueles dois que me criaram. Eu tenho um amor muito grande por eles dois, até hoje, e até o fim.
31:17 P/2 - Como é que foi essa parte do tratamento, da questão financeira? Que a gente sabe que isso tem um alto custo, e a saúde em Alagoas, em um modo geral, é muito precária, né? Como é que foi enfrentar esse desafio?
R - Deles dois, do câncer?
P/2 - O tratamento ou a questão de saúde pública?
R - Olha, eu vou dizer uma coisa, com a minha mãe, eu vou dizer uma coisa, minha gente, é muito sério, viu? E com o meu pai, viu? Olha, teve vezes que eu levei meu pai para aquele HGE [Hospital Geral do Estado], minha gente, eu vou dizer uma coisa, olha, no dia que ele piorou, eu fui com ele, levei ele para o HGE. Porque ele não tinha plano de saúde, eu não tinha condições de pagar. Tá entendendo? Olha, minha gente, eu nunca vi uma coisa daquela, não. Eu fui na Santa Casa, que meu pai fazia tratamento, radioterapia na Santa Casa e a químio. Aí, o que aconteceu? No dia que meu pai piorou, que eu levei para o HGE, aí eu fui na Santa Casa, cheguei lá, falei com um assistente social da Santa Casa. Aí contei, meu pai, Carlos Gabriel… Disse tudo! Ele faz tratamento aqui. Meu pai tá lá no corredor do HGE, ele tem 88 anos, ele tá com câncer terminal, não dá para transferir meu pai para cá? Sabe o que ela disse? “Não tem vaga não, minha filha”. Eu disse: “Minha filha, meu pai é paciente daqui.” “Ah, mas não tem vaga não.” Fui falar com o doutor Divaldo, médico dele, oncologista, não fez nada. Eu rodei de cinco da manhã, já era quase cinco da tarde, e nada. Fui bater até no ____, no Ministério Público, Defensoria Pública, nada, nada. Aí, quando foi já de tardezinha, eu estava com o meu primo, Maival, isso rodando com o Maival. Aí, já tinha falado com um rapaz lá dentro da Santa Casa, que é amigo da gente, que é não sei o quê lá na Santa Casa, não conseguia. Por último, aí chegou aquela médica, pneumologista, que eu não tenho nem amizade com ela, é de Santana do Ipanema, doutora Fátima... O nome dela é Fátima, não, Lessa, sei lá, parece que é, uma baixinha. Aí, ele disse assim: “Fala com essa médica aí.” Eu fiquei olhando e pensei, meu Deus, a médica nem me conhece, mas vou falar assim mesmo. Ela vinha, “Doutora, por gentileza, a senhora pode me ouvir?” “O que foi, minha filha?” Aí, eu contei a situação. “Como é a história?” “Doutora, meu pai faz tratamento aqui há um ano, ele está lá no corredor com 88 anos.” Aí eu contei. Ela disse: “Vamos aqui comigo.” Aí, foi lá falar com o assistente social que eu tinha falado de manhã. Não deu cinco minutos, ela saiu com um papel bem assim. “Vai lá buscar seu pai.” Tá vendo? Aí eu fui buscar, quando eu cheguei na Santa Casa já era de noite, sete horas da noite, com ele. De cinco da manhã, eu rodando o dia todo, com fome, sem almoçar, sem nada. Aí, eu botei ele lá na sala, numa enfermaria, aí eu disse, eu vou dar uma voltinha aqui. Minha gente, sem brincadeira, quando eu passei num quarto, tinha seis leitos vagos, numa enfermaria, seis leitos desocupados. Eu ainda pensei em fazer uma zoada, mas se eu fizer isso, não vão deixar ficar com ele. Aí eu disse, vou deixar pra lá. Eu já estava morta de cansada, a cabeça doendo, com fome. Tinha seis leitos. Eu perguntei para a enfermeira. “Não está desocupado esses leitos. Não tem ninguém, não. Você está vendo aí, desocupado.” E disseram que não tinha um leito lá. Está vendo como é o tratamento. Mas é verdade.
34:42 P/1 - E com a tua mãe também foi assim?
R - A minha mãe foi pra HGE também. Aí, já sabe como é também ali no HGE. Só que no dia que ela morreu, que ela passou mal em casa, eu liguei para a médica, aquela doutora Flávia, que é a médica do PSF [Programa de Saúde da Família]. Quando ela chegou, ela disse assim, minha filha, leve ela agora para o HGE. Aí, eu passei o dia com ela lá também. Aí botaram ela lá numa sala. Aí eu ficava assim, em frente à porta, aí, não queria que eu entrasse. “Não, mas ela é idosa, eu tenho que estar aqui do lado dela, perto dela.” Eu sei que ela teve parada cardíaca de tardezinha, aí uma moça me chamou, a enfermeira, ou era uma médica, pra dizer que ela teve uma parada cardíaca. E eu lá, só… Daqui a pouco veio uma assistente social. “Me acompanhe.” Aí, já era pra dizer que ela tinha morrido. Aí, ela foi no mesmo dia.
35:35 P/1 - E no seu tratamento?
R – Ah, comigo foi diferente porque o meu era plano de saúde. Fui para Santa Casa, a cirurgia foi na Santa Casa. Fiz tratamento na Clion. Só que a Clion não é como hoje não, hospital, na época. Era mais simples, mas era uma clínica que dava um atendimento pelo plano. Aí já foi diferente. Como eu não podia pagar um plano para minha mãe e meu pai, por causa da idade deles, eu não tinha condições financeiras de pagar, infelizmente. Mas, pelo menos assim, sabe, minha gente, tudo que o médico passava de exame, eu não esperava não pelo SUS [Sistema Único de Saúde], eu pagava. Eu não esperava não, porque se fosse para fazer cada exame que o doutor Divaldo pedisse, minha nossa senhora, ia demorar muito. Aí, quando ele passava exame, qualquer coisa, a gente já fazia particular, era. Porque não dava para esperar, do jeito que ele estava, as condições que o meu pai estava. Aí, os custos a gente teve que tirar do bolso. Infelizmente, todos nós sabemos a nossa situação de saúde no nosso Brasil.
36:44 P/1 - Voltando na questão do período que você ensinava, você encontrou também desafios como professora?
R – Enfrentei.
P/1 - Além da saúde também na educação?
R – Sim, sim.
P/1 - Pode falar alguma coisa?
R - Posso. Assim, com relação a aluno, comportamento de aluno. Eu tive alunos, quando eu trabalhei com jovens e adultos, que estavam armados dentro da sala de aula, com um punhal na cintura, tudo isso assim. Teve uma época, teve uma vez, eu estava dando aula, um aluno… Jovens e adultos, porque eu trabalhei com jovens e adultos também, aí, eu cheguei, a turma de cinquenta e tantos alunos, era assim a turma, cinquenta e dois alunos. Aí, eu cheguei, dei boa noite, como sempre, cumprimentava os alunos, falava alguma coisa antes. Aí, tinha um aluno conversando assim, e a menina começou a... estava conversando com o outro, e a menina deu uma gargalhada. Aí, um aluno que estava próximo… Ainda bem que eu estava próximo, aí eu vi quando ele partiu para a menina, para a garota que estava rindo. Aí, eu vi que ele ia dar nela. Aí, eu me coloquei no meio deles dois. Eu fui bem rápida, porque eu estava próximo. Eu disse, “o que é isso?” Aí ele disse: “Eu vou dar nela porque ela está rindo de mim.” Eu disse: “Não. Eu vi, ela não estava rindo de você, não. Ela não olhou para você.” Aí, ele insistiu, dizendo que ela estava rindo dele, não sei o quê. A menina ficou tão assim, “Professora, o que foi?” Eu disse: “O menino aqui quer dar em você, disse que você está rindo dele.” Ela disse: “Professora, a menina me contou uma história aqui, eu não estou nem olhando para ele.” Menina, ele ficou, ele olhou para mim assim, eu disse, pronto, ele agora vai dar um soco na minha cara. Aí, eu chamei ele para conversar lá fora. “Amigo, dê um tempinho aqui.” O nome dele era Jorge, nunca esqueci o nome. “Vamos conversar lá fora”. Aí, lá a gente conversou, tudo. Depois ele contou a vida dele, terminou ele contando a vida dele, como é que era, essas coisas. E no fim o Jorge terminou meu amigo. Eu conversei com ele. Aí, sabe qual foi o meu argumento, sabe qual foi a conversa que eu tive com ele? Eu cheguei bem calma, eu disse: “Olha, Jorge, você disse que ia dar naquela moça. Você já imaginou, você pensa que aquela moça tem irmãos, tem pai? Amanhã, se chegasse o pai dela e os irmãos aqui, você acha que tu ia entrar aqui na escola? Você não ia ter condições nem de entrar aqui. Se é que tu ia entrar ou voltar para casa. Pensa no que você ia fazer. Não se bate em mulher nem em ninguém, viu, Jorge? E eu vi, ela não estava olhando nem para você, quando ela deu a gargalhada.” Aí, ele ficou todo assim. “Rapaz, não faça isso não.” Eu sei que eu conversei com ele, sabe? Aí ele... Aí terminou ele levando até CD do Legião Urbana para eu ouvir. Mas é assim, você tem que ter argumento de conversar. E assim, eu fui uma professora que eu tinha o maior respeito pelos meus alunos, a maneira de falar, de conversar. Porque você sabe, esses alunos de escola, hoje, são alunos que vêm de todas as situações dentro de casa, problemas. A gente vê hoje. Ontem mesmo eu vi um noticiário de um aluno que deu na professora, empurrou a professora, passou até no jornal. Então, assim, eu ficava observando o comportamento dos alunos, a forma deles falarem, o jeito deles. Aluno que usava droga. Já naquela época, viu? Que está com quantos anos que eu me aposentei? Em 2011. E já havia isso. E hoje é que está. Então, você tem os desafios dentro da sala de aula, como também a questão do aprendizado, alunos com dificuldade de aprendizagem também, são crianças problemáticas. Hoje o que a gente mais vê nas escolas são crianças autistas. E muitas vezes o professor não está preparado para lidar com esse problema. Quando eu me formei no magistério, que hoje chama magistério, a gente não tinha essa formação, essa preparação de lidar com crianças com problemas. Que a gente sabe que hoje tem muitas crianças com problemas, autista, TDAH [Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade]. E o professor tem que estar preparado, a escola tem que estar preparada para lidar com essas crianças. Aí, fala muito na questão da inclusão. E como é feita essa inclusão dentro das escolas? Então, tem que ver muito essa questão. Então, são muitos desafios que o professor enfrenta na sala de aula. Hoje mesmo, acho que está mais ainda, a questão da violência, está muito grande a questão da violência. Aluno que não respeita o professor, bate no professor, se você vai, às vezes, falar alguma coisa que o aluno faz… Nesse caso dessa professora, que eu estou falando, foi porque o aluno se levantou para sair, sem pedir, a professora foi falar, ele voltou, aí deu… sei que a professora caiu. Ele empurrou a professora. Então, são muitos desafios que o professor enfrenta na sala de aula.
41:47 P/2 - Quais são os aspectos positivos durante essa sua jornada ensinando?
R - Os aspectos positivos é quando você vê a criança, no caso, quando você está trabalhando com a criança, você vê aquela criança, no caso da questão da aprendizagem, você vê aquela criança que chegou sem ler, e, de repente, você vê aquela criança lendo. Minha gente, é um presente muito grande, é uma satisfação, é uma coisa maravilhosa. Você ver aquela criança lendo. Poxa, você pegou aquela criança que chegou sem saber ler quase nada, aí quando você olha aquela criança já está lendo. É uma satisfação muito grande para o professor, você ver isso, a criança se desenvolvendo. Então, isso é um dos grandes prazeres do professor. É isso.
42:34 P/2 - Certamente deve ter também outros alunos que prosseguiram com os estudos e hoje são profissionais.
R - Sim, sim, também. Eu já encontrei tanto com aluno economista, advogado. É muito bom. Isso é ótimo. Você fica… Dá uma felicidade tão grande. Você dizer, poxa vida, que semente, uma semente que eu plantei. Várias sementes que você vê aí. Aluno que chega assim e diz, olha professora, muito obrigada pelo que a senhora fez. Está vendo? Isso é bom demais.
43:04 P/1 - Cida, e na sua questão amorosa, como foi pra você aqui em Maceió, o início dos seus relacionamentos, você chegou a casar, a ter filhos? Conta um pouco sobre essa parte.
R - Não, não casei, não. Tive muitos namorados, mas não casei, não. É até engraçado essa pergunta, porque uma vez um primo meu disse assim, “você é muito exigente, por isso que você não casou” [risos]. Não, mas não foi isso, não, questão de exigência, porque acho que não apareceu mesmo a pessoa. Não é que eu idealizasse, porque às vezes tem aquela questão das pessoas, ah, você idealiza tanto o homem, não sei o quê, que é uma pessoa perfeita. Não, não era disso. É porque realmente não apareceu mesmo, essa pessoa. E eu não casei. Também não tive filho, tive a oportunidade de ter, mas evitei. Porque eu digo assim, você ter um filho solteira… Não tenho nada contra quem tem, pelo amor de Deus. Mas assim, tive chance de ter, mas eu preferi não ter. Aí, eu continuei só mesmo, com meus pais, como eu falei. E estou até hoje. Mas também não fechei o coração não, está aqui, aberto [risos]. Quando aparecer alguém interessante e que eu gostar, não fechei as portas não do coração.
44:32 P/1 - Toda essa passagem que você teve quando veio para Maceió, seus pais também vieram, nesse momento você estava morando aonde? Onde era a sua residência?
R - Quando meus pais...
P/1 - É, quando você ficou o tempo todo que eles adoeceram...
R – Foi lá na Almirante Barroso, na rua Almirante Barroso. Foi ali…
P/1 - No bairro?
R - No bairro do Farol. Foi quando eles vieram, como eu falei, em 1998, e a gente comprou a casa. E eles ficaram morando comigo, até quando eles faleceram.
45:11 P/1 - E ali, naquele bairro, seus vizinhos, como era a convivência?
R - Olha, quando a gente chegou ali… Eu não, eu já morava em outro lugar. Mas quando eles chegaram ali, meus pais logo fizeram amizade, tudo, minha mãe passou a fazer parte de um grupo de oração, que ela é muito religiosa. Então, ela fez logo amizade. Até uma senhora passou a ser filha dela, irmã Lourdes, que hoje eu chamo essa senhora de irmã Lourdes, que morava lá também na Almirante Barroso. E meu pai fez amizade com aqueles vizinhos e jogava dominó ali à tarde na calçada. Ele, como eu falei, por ele ser uma pessoa muito comunicativa, ele fez logo amizade também e passou a jogar dominó. E os vizinhos, até hoje, tem uns conhecidos que diz que gostavam muito dele, por aquele jeito dele alegre. Eu sei que, quando ele estava jogando dominó, era melancia, era suco, jarra de suco para o pessoal que jogava. E assim foi, ele foi se adaptando. Eu fiquei preocupada, assim no começo, por ele morar numa casa grande, ele vir morar naquela casa… De qualquer maneira, diante das casas que a gente morou antes, era uma casa pequena, não tinha quintal. Então, como ele gostava de mexer nas plantas dele, tudo, a casa lá se tornou pequena. Mas ele foi se adaptando. Ele gostava de estar lá sentado na porta, jogar o dominó dele com os amigos, ele ia para o mercado sozinho, quando ele tinha condições de andar, ele ia para o comércio. E assim, eles se adaptaram. E eu fui gostando também da vizinhança, fui fazendo amizade também com os vizinhos. Também passei a fazer amizade com você, com a dona Rosa, com aquelas vizinhas todas ali. Então, foi criando um ciclo de amizade muito bom naquele trecho daquela rua. E foi criando não só amizade, foi como se fosse uma família. Ali, é Almirante Barroso, com a rua Antônio de Oliveira, Tenente Antônio de Oliveira, foi se tornando quase uma família, todo mundo ali. Eu passava ali e falava com todo mundo. “Bom dia, boa tarde, boa noite”, que esse é o meu jeito de ser. Todo mundo ali era conhecido. Então, foi criando esse círculo de amizade. Uma família, pode-se dizer.
47:36 P/1 - Então, assim, existiam festividades lá, se participava? Lá na sua rua acontecia momentos de festas, de tradições?
R - Olha, ali na Almirante Barroso, eu estive só ali com a Alba, aquela que tinha um mercadinho, às vezes, ela fazia alguma coisa ali na Almirante e ela me chamava. Teve umas vezes que eu fui lá participar de festinha, ali na Almirante. Agora, na Antônia, eu nunca participei, não. Não cheguei a participar, não.
48:14 P/1 - E pra você então, que você teve essa vivência lá no bairro, como foi pra você descobrir que estava acontecendo a questão do afundamento?
R - Eu me lembro que teve um domingo que eu estava na porta, aí tem um rapaz, até esqueci o nome dele, que fazia parte lá da comunidade, e a noite saiu anunciando, parece que foi até numa Kombi, dizendo que aquela rua também estava… Menina, naquele domingo, pode crer, aquilo mexeu tanto comigo no mundo. Que meus pais já não estavam mais aqui, meus pais já tinham falecido, então eu já estava sozinha na casa. Então, para mim, foi um choque muito grande. Por quê? Primeiro porque, quando eu fiquei naquela casa, em que meus pais faleceram, eu estava com uns projetos de reformar a casa, eu já tinha trocado o telhado da casa, já tinha trocado a parte elétrica. Aí, ia fazer o quê? Ia mudar o piso, ia mudar aquela frente da calçada, deixar toda plana aquela calçada. Que dizer, já tinha um bocado de projeto em mente que eu ia fazer, de planos. Já estava tudo certo, Já ia começar a comprar materiais e essas coisas para fazer isso. Aí, quando veio essa notícia, minha gente, foi um choque muito grande. E a questão da casa em si, que era uma lembrança muito forte dos meus pais. E eu gostava, como falei para vocês, daquele ambiente, daquele pedaço, daquela rua em si, como falei. Então, comecei a pensar, meu Deus, e agora? Quando tiver que sair daqui, vou para onde? E o dinheiro? Será que vai dar pra eu comprar outra casa? Aí, começou a vir essas coisas na minha cabeça, sabe? Então, isso começou a mexer. Tinha noite que eu não dormia direito. Só que eu não comentava com ninguém, nem com meu irmão, pra ele não ficar preocupado. E eu comecei a sentir isso, sabe? Muitas noites eu não dormia. Aí, eu já vinha de uma depressão, já tava com um começo de depressão, e eu fui notando que eu fui ficando pior, essa depressão. Tinha noite que eu acordava assim, meu coração acelerando. Teve noite que eu me sentei na cama assim, meu coração começou a disparar, ansiedade. Aí, eu disse, eita, meu pai, e agora? Aí, foi ficando difícil, sabe? E eu que moro sozinha, né? Aí, começou, as pessoas começaram a sair, quando começou aquele período, as pessoas foram saindo, saindo. Aí, teve um dia que eu cheguei para o meu irmão e disse: “Olha, não está dando mais para eu ficar aqui.” Foi quando eu pedi para sair. Mas foi terrível, sabe? Pra mim que estava sozinha na casa, que meus pais não estavam mais lá. E essas coisas me perturbaram muito. Aí, eu tive que voltar pra médico novamente, tiveram que aumentar a dosagem da medicação. E até hoje eu estou fazendo terapia, ainda tomo medicamento pra depressão, essas coisas. Eu tive que voltar para o médico, para o psiquiatra, aí ele perguntou o que estava acontecendo. Aí, eu falei, que estava acontecendo isso, que a Braskem, sobre a questão da Braskem. Ele disse: “É mesmo?” “É que eu moro lá no Farol.” Aí, eu fui contar toda a história para ele. Aí, ele disse: “Eita, Cida, mas não fica assim não, não sei o quê.” “Mas está difícil, porque eu não sei nem como é que vai ser daqui para frente, ainda ninguém sabe a questão da indenização.” Porque a gente estava tudo naquele processo, no início. A gente não sabia como é que ia ser tudo, naquela luta toda que a gente estava. Aí, ele disse: “Não, mas não fica assim não, você está sozinha, mas não fique sozinha não.” Aí, o meu médico ficou até preocupado, porque eu morando sozinha nessa situação. Aí ele disse: “Mas você não tem ninguém?” “Não, tem o meu irmão.” “Mas não fica assim não, de noite, se você não estiver conseguindo dormir, vá dormir na casa do seu irmão, mas não fique em casa não.” Foi o que o meu médico disse. A minha psicóloga também. E ficou todo mundo preocupado, que eu estava até... Aí veio essa pancada. Aí, ficaram todos preocupados comigo nessa situação. Foi difícil. Como foi difícil para todo mundo.
52:25 P/1 - E para você ver os seus vizinhos indo embora, como foi?
R - Foi horrível. Quando saiu a Ana, depois saiu a Aparecida. Eu me lembro que teve uma tarde, quando eu vim lá do Beto, do mercadinho, que eu fui comprar, parece que foi pão. Menina, quando eu voltei, já eram umas cinco e meia, que eu olhei assim, misericórdia, menina. Era muito triste, viu, minha gente? Horrível! Uma sensação horrível de você dizer assim, meu Deus. Uma coisa que você não pediu, você ter que sair dali, você vendo seus vizinhos, todo mundo indo embora, e você ficando só. Era uma sensação de medo. Sim, comecei a ter medo de ficar lá sozinha na casa. Porque eu dormia sozinha. Até um dia eu pedi ao vizinho, menino Samuel. “Olha, Samuel, qualquer coisa, eu posso chamar, ligar pra você?” Aí, foi quando eu disse para o meu irmão, “Eu não quero mais dormir aqui não, sozinha.”
53:17 P/1 - Qual era o seu medo?
R - Era um medo de entrar alguém lá, porque todo mundo sabia que eu vivia ali só. E eu com medo de que entrasse alguém lá naquela casa. Primeiro, era uma casa de telha, e tinha aqueles degraus ali que quem subisse já estava em cima da cozinha, do telhado, aquele andar de cima. Quem subisse já estava no telhado da cozinha. Então, assim, se eu ouvisse qualquer barulho, eu me assustava de noite. Qualquer coisinha que eu ouvisse, eu me acordava. Aí, às vezes, eu nem dormia mais. Era. Eu estava desse jeito. É porque eu não comentava assim. Eu dizia, não vou estar comentando nem com a Dona Rosa, nem com você, porque todo mundo já está com seus problemas. Mas eu estava vivendo assim à noite, lá naquela casa, morrendo de medo, que alguém entrasse lá. Aí, como é que ia ser de mim, se entrasse uma pessoa ali, um ladrão, uma coisa, como é que ia ser de mim? E aí, foi quando eu disse para o meu irmão, eu não vou ficar mais aqui, não, eu vou sair, vou pedir pra sair. Aí, foi quando eu tive que comunicar a Braskem. Aí, foi quando eu comecei, quando eu vim morar no Rui Palmeira, que era apartamento, aí eu comecei a ter mais uma… Relaxar um pouquinho. Mas foram uns dias bem difíceis, viu?
54:28 P/1 - Quando houve o tremor, você sabe onde você estava? Você lembra? Porque não foi no Farol, né? Tinha sido nos outros bairros. Então, como foi você saber? Você tinha ideia? Você sabia onde você estava?
R - Não, eu não me lembro de onde eu estava quando houve aquele tremor. Não, eu estava em casa, era em casa. Mas, na minha cabeça, quando eu fiquei sabendo desse tremor, o que vinha na minha mente era o seguinte... Meu Deus, qualquer hora… Se isso aqui afundar tudo e sair levando todo mundo? Meu pensamento era esse. E quando chovia, principalmente, quando começou vim as chuvas… Eu ia dormir, quando estava chovendo, menina, você não queira saber, era um medo tão grande no mundo. Eu digo, meu Deus, se essa coisa aqui de repente descer tudo aqui? Que a gente não sabia a dimensão. A gente não sabe o que pode acontecer, quando acontece um problema assim, você não sabe quando é que vai acontecer, de que forma vai ser, qual a dimensão que vai ser. A gente não tem essa certeza. Então, era um medo terrível, sem brincadeira. Foi muito difícil.
55:38 P/1 - E o processo da mudança?
R - A mudança, o processo, assim... Quando eu saí de lá, sabe? Eu diria assim, entre aspas, foi um alívio, nesse sentido, com relação a esse medo. Eu senti assim, como se eu estivesse me desligando, me desprendendo daquela situação, sabe? Mas também assim, eu estava indo para um lugar diferente, vindo para aqui. Também era uma situação nova, que eu ia vir. É como diz também… Aí, eu disse, meu Deus, eu vou para lá para a Serraria, morar lá. Que eu vim morar aqui sozinha também. É uma coisa nova, todo mundo diferente. Aí, eu disse, não, mas eu vou enfrentar, pelo menos eu estou saindo dali, daquela situação de medo. Foi um alívio, mas, ao mesmo tempo, eu estava enfrentando uma situação nova. E quando eu cheguei aqui, uma coisa que me deixou um pouquinho mais aliviada foi a forma como eu fui recebida aí, no Rui Palmeira, pela síndica, a Rose. Uma pessoa maravilhosa. Isso me deu um alívio, a forma como eu fui bem recebida no condomínio. Criou-se uma amizade entre a gente. A mãe dela é uma idosa, mora ela, a mãe e uma tia. E assim, fui muito bem recebida. Aí, comecei a fazer amizade com as outras pessoas. Trouxe o meu gato, o Bobô [risos]. Todo mundo gosta de Bobô, e terminou o Bobô ficando com a dona Rita lá no condomínio, porque ele não se adaptou aqui. Então, assim, como eu tenho essa facilidade de comunicação, de conviver com as pessoas bem. Eu sou uma pessoa que sei conviver bem com todo mundo. E eu fui bem acolhida lá no Rui Palmeira, aí aquilo me deu uma aliviada. Aí, eu comecei a dormir melhor, um pouco melhor. Aí, quando eu voltava para o meu psiquiatra, que eu vou uma vez por mês, aí ele dizia: “E aí, como é que você está?” “Olha Doutor, eu agora estou morando no Rui Palmeira, aí eu tô um pouquinho... Deu uma aliviada.” “Graças a Deus, né?” “Apesar Doutor, que eu moro só, mas lá eu fui bem acolhida.” “Que bom, Cida, graças a Deus que você tá...” Foi, mas foi mesmo, viu, minha gente. Graças a Deus! Aí, me deu essa aliviada, quando eu cheguei no Rui Palmeira. O acolhimento, tudo. Mas se não fosse isso, eu não sei não, viu?
58:03 P/1 - E você tem contato com os seus antigos vizinhos?
R – Tenho, tenho. Aí, eu vou lá, vejo o Bobô, meu gatinho [risos]. Eu fiquei com uma pena tão grande dele, minha filha, porque eu me separei dele. Porque… Mulher, lá era térreo, ele saía pela janela, tudo. Pense como ele, o Bobô, ele saia, voltava. E aqui não, o bichinho, primeiro andar.
58:25 P/1 - E os seus vizinhos lá do farol?
R - Eu tenho contato pelo grupo agora, estou fazendo parte. Sim, a Elian entrou, pegou meu contato, a gente está se comunicando. Elian, né? A Valbete, o nome dela, ela me chama assim. Aí, eu estou entrando mais em contato com as meninas agora, pelo grupo.
58:47 P/1 - Então, só queria que você me contasse mais ou menos a saga de todo o processo, de quando você pediu pra sair, foi rápido, você teve algum problema?
R – Olha, não demorou muito não. Até que foi rápido.
P/1 - E para encontrar uma casa, para encontrar…
R - Sim, para encontrar apartamento, demorou um pouquinho, foi, eu já estava preocupada. Digo, eita meu Deus, vai chegar o prazo e não encontro. Aí, quando eu consegui, foi também… A gente foi passando uma tarde aí no Rio Palmeira, aí eu vi a placa, “Aluga-se.” Estava eu, meu irmão, minha cunhada. Eu disse: “Eita, Gil, tem um apartamento.” A gente já ligou, o dono já veio, já acertou logo, o aluguel.
59:31 P/1 - E você voltou para a sua rua?
R - Sim, aí, voltei agora, há poucos dias, fui com o meu irmão lá.
P/1 - E como foi para você?
R - Olha, quando eu cheguei lá, que eu vi, eu disse, meu Jesus Cristo, parece que você… Assim, quando eu vi aquela rua, aquela casa, parece que você está voltando para um país que houve uma guerra, não é? Aquela sensação assim, misericórdia, meu Deus. Agora, é interessante, que eu não fiquei triste, sabe? Porque eu aprendi uma coisa, que a gente tem que olhar para frente. E eu já superei isso. Eu superei essa questão da Braskem. Como eu falei, teve todo esse processo, graças a Deus eu superei. Agradeço a Deus, quando eu cheguei nesse apartamento aqui que eu comprei, minha gente, antes a casa lá, como diz, a casa era minha, mas não era só minha, era minha e do meu irmão. Hoje aqui é meu. É só meu isso aqui. Meu irmão tem a casa dele e eu tenho meu apartamento. Então, eu agradeço muito a Deus por ter meu canto pra morar. Hoje eu tenho esse canto, tenho aqui os amigos, já fiz novas amizades, porque eu sou uma pessoa que tem muita facilidade. Então assim, eu olho assim pra frente, sabe? Porque a gente não pode ficar amarrado numa coisa lá atrás, que isso não é bom também para a nossa saúde, para o nosso crescimento, para a nossa evolução. Então, eu aprendi isso. Lógico que teve todo um processo, isso não é da noite para o dia, tudo na nossa vida é assim, é um processo. Então, eu superei isso, agradeço, hoje eu estou no meu canto. Mas foi um processo.
1:01:21 P/1 - E você acha que houve justiça nesse processo?
R - Não. Eu acho assim, que a gente foi... Assim, quando houve essa questão daquele negócio, como é que chama? Teve o pagamento e o... qual é o nome? Aquele que a gente falava? Indenização é? Não, indenização e aquele outro, como é o nome que a gente falava? Que foi incluído. Que a gente foi lá, foi tudo...
P/2 - Danos morais?
R - Danos morais. Esses danos morais pra mim, minha filha, foi muito injusto.
1:01:51 P/2 - Eu tenho uma pergunta nesse sentido aí. Eu queria saber se para você a compensação financeira imposta, porque muitas vezes não foi discutida com os moradores, pela Braskem, ela sanou os danos emocionais, materiais?
R – Emocionais eu acho que não sanou não, porque, de qualquer maneira, é uma coisa muito forte. Quando se fala da questão da emoção, não tem dinheiro que pague, porque já estava dizendo, emoções, sentimentos, é uma história de vida que cada um escreveu, foi crescendo, isso não se fala, não paga. Como você falou aí? Morais?
P/2 – Materiais?
R – Materiais, né? Materiais, teve pessoas que disseram que foi para... Como é o nome? Como que chama? Pelo imóvel, pelo que possuía, disse que teve gente que foi bom. Que se fosse para vender, sem ser numa situação dessas, não venderia pelo preço que recebeu. Para ser sincera, se eu fosse vender aquela minha casa, não venderia por quatrocentos mil. A minha casa eu não venderia por quatrocentos mil, se eu fosse vender numa situação normal, vamos dizer. Ah, sim, eu não esperava que fosse esse dinheiro, sabe? Quatrocentos. Vou ser sincera. Porque, primeiro, a minha casa, se for olhar assim, ela não era forrada, tinha muita coisa para fazer ali. Mas, nesse sentido, eu acho que foi, sabe? Para mim, foi.
1:03:29 P/1 - E para você, o que falta ser reparado?
R - O que falta?
P/1 - O que falta hoje para ser reparado?
R - Rapaz, olha... Está falando em relação à minha pessoa ou para todos nós? Para todos nós, né? Eu acho que mais valores mesmo. É. Deveria a gente ter direito a receber mais, Jeanne, sabia. Eu acho. Porque diante da dimensão, se você for olhar direitinho, o que isso causou, minha gente, não é fácil, não. Se você olhar assim, direitinho, você passando ali, quem passa e vê… E tudo que a gente viveu, minha gente, todo mundo viveu, quem mora ali, o que vivenciou. Eu acho que não tem dinheiro no mundo que pague, sabia? Se você for olhar direitinho, não é? Não tem dinheiro que pague não, minha gente. Porque uma história de vida, é tudo, se você for olhar direitinho. A gente fala assim, valores, valores, mas não vai pagar não, não tem dinheiro não que pague, tudo que a gente vivenciou.
1:04:31 P/2 - Cida, eu queria que você conversasse conosco aqui, sobre essa coisa da sua relação com o meio ambiente. Lá era uma região próxima da Lagoa Mundaú, aquela paisagem belíssima que a gente conhece muito bem. Se você sente saudade, se aquilo faz alguma falta em você atualmente?
R - Sim, faz, porque lá da minha casa, como eu tinha um primeiro andar, em cima da minha casa, e lá tinha uma visão muito bonita da lagoa. E até daquela sala mesmo, que dava para a porta, o Mirante Barroso, dava para ver a lagoa. Uma vez eu teria até uma foto à tarde. Era uma visão muito bonita, viu, minha gente? Então, tudo isso, você vê o quanto esse acidente, essa tragédia provocou, tirando essa coisa bonita, essa coisa bela que nós moradores ali tinha o prazer de ver lá da Almirante Barroso. Então, para ver o quanto isso é triste, essa questão dessa tragédia. Não só com os imóveis, a gente sabe que essa tragédia que a Braskem provocou, também com o meio ambiente, que ela também provocou tudo isso. Com os mangues, com a lagoa, com tudo que envolve o meio ambiente, ela também provocou isso. Então, como a gente estava falando anteriormente, não há dinheiro não, minha gente, que vá pagar tudo isso não. Isso vai ficar para sempre na história do nosso estado, essa tragédia.
1:06:12 P/2 - Sobre os animais, você…
R - Sim, tem a questão também dos animais. Eu tinha um gato, como também vários moradores tinham seus animais. E meu gato, eu tive que me desfazer do meu gato, porque lá onde eu morava ele era livre, como todo mundo que criava seus animais ali, gato, cachorro. Então, até isso, os animais também sofreram as consequências desse desastre. Muitos animais morreram também, foram abandonados também. E isso, gente, é horrível, tudo isso é triste, a gente vê o quanto tudo isso foi provocado, essa tragédia provocou, trazendo toda essa tristeza para os moradores daquela região que foram atingidos.
1:07:09 P/1 - E para o seu gato?
R - O meu gato, eu vim morar aqui na Serraria. Primeiro fui morar no Rui Palmeira, aí eu trouxe ele, como eu morava num apartamento térreo, era aluguel social, aí ele se adaptou, ficou lá morando. Quando eu vim para esse apartamento aqui, Residencial Serraria, como eu moro agora no primeiro andar, ele não conseguiu se adaptar. Aí, eu tive que dar meu gato, deixar o meu gatinho lá com a moradora do Rui Palmeira. Ele já foi se acostumando, então até isso eu tive que perder, até o meu animal que eu gosto tanto. Como eu gosto muito de animais, então o meu gato eu tive que deixar lá.
1:07:55 P/1 - Então, pra você, hoje, o que você gostaria que as pessoas soubessem dessa experiência traumática que você vivenciou? O que você gostaria de passar pras pessoas?
R - Eu queria dizer, minha gente, que infelizmente nós sabemos que o mundo, existe o desenvolvimento, nós sabemos, nós não somos contra a questão do planeta se desenvolver, de tudo isso. Mas nós sabemos que nós pagamos um preço muito alto. Nós vivemos hoje num planeta onde existe a questão do… Isso é a Braskem, os minérios. A gente vê aí na televisão tudo que o homem... Como é que eu diria? A palavra, meu Deus… Termina interferindo na natureza, essas coisas todas que o homem vai buscando. O progresso, aliás, o progresso seria a palavra. Então, o progresso, como eu sempre digo para os meus amigos, quando a gente está conversando. Olha, gente, nós pagamos um preço muito alto, muitas vezes. E a Braskem, ela chegou aqui no nosso estado faz muitos anos, não sei mais ou menos a data exata. São muitos anos que chegou aqui como sal-gema, e foi acolhida, foi aprovada. E hoje nós estamos sofrendo. E hoje já está aí o resultado dessa empresa, dessa grande empresa aqui no nosso estado, o que ela causou para todos nós, o sofrimento que foi. E outra coisa, muitas pessoas morreram. Muitas pessoas estão doentes, pessoas com depressão, outras suicidaram-se. Então, a coisa foi muito séria, gente. Então, eu quero dizer para as pessoas que venham assistir isso, ver o quanto isso foi terrível para muita gente. Muita gente mesmo morreu, adoeceu, ainda continuam doentes, fazendo tratamento. Porque foi muito sério, gente. Foram cinco bairros que foram atingidos. E as consequências foram horríveis, muito horríveis mesmo.
1:10:11 P/1 - Cida, a gente já está nos momentos finais, então eu gostaria de saber se você gostaria de acrescentar algo mais, contar alguma história que você não contou, que você pode contar agora. O que você pode dizer agora para as próximas gerações em relação a tragédia também, né? O que você passou.
R - Olha, minha gente, eu sempre costumo dizer, eu não tenho filho, eu tenho dois sobrinhos. E eu costumo dizer o seguinte, eu me preocupo com o futuro da geração de hoje, das crianças de hoje. O que vai ser? É uma coisa que eu me preocupo. O que vai ser dessa geração? Daqui para frente, daqui sei lá, 30 anos, 40 anos. Porque a gente sabe que tudo isso que a gente vivenciou… Isso aqui não vai parar com isso aqui. A gente não sabe daqui para frente o que virá, o que vai acontecer daqui para frente. E essa geração que está vindo, meu Deus, espero que elas tenham um pensamento diferente, né gente? Que passe a olhar o mundo, a natureza, com mais cuidado. Que esses jovens, que estão aí estudando, que muitos vão ser, sei lá, pesquisadores, cientistas, sei lá o que for, que eles procurem, minha gente, ter mais cuidado com o nosso planeta. Eu acho assim, que o ser humano precisa olhar o planeta com outro olhar. Talvez vou usar uma palavra até meio ingênua, com mais humanidade. Acho que a gente está precisando muito disso. O planeta está sendo muito destruído de todas as formas. De todas as formas o nosso planeta vem sendo destruído. E isso é muito ruim para a nova geração que está aí, para essas crianças que estão aí. Que planeta essas crianças vão encontrar lá na frente? Porque é muito sério o que a gente vê. É destruição de todas as formas, a gente vê. De todas as formas, é queimada, é derrubada de árvore, é o minério que a gente vê aí. É tanta coisa no mundo, tudo que é despejado nos rios, matas, mortalidade de peixes, tudo que você imaginar de destruição da natureza. Então, a gente paga um preço muito caro por isso. E as consequências são horríveis, a gente sabe disso. Hoje nós estamos sofrendo as consequências. É o efeito estufa, é tudo que a gente imaginar. Então, a gente está pagando um preço muito alto. E essas crianças, que preço vai pagar? Então, eu diria assim, que essa juventude de hoje começe a rever tudo isso, para que tenha um futuro lá na frente que seja melhor, tenha um planeta melhor e cuide mais desse planeta. Tudo bem, o progresso não pode parar, mas que esse progresso comece a rever o futuro desse mundo.
1:13:16 P/1 - Cida, o que mudou para sempre?
R - Como eu falei, mudou a minha forma de ver a vida. Eu procuro ver hoje assim, viver da melhor forma possível. Procuro viver bem comigo mesmo, primeiramente, e com as demais pessoas. E ter um olhar para a vida de ver a beleza da vida, as coisas boas também. Porque, às vezes, diante de tantas coisas que acontecem, às vezes a gente perde um pouco do brilho, de ver o brilho que essa vida tem. Então, a gente não pode perder isso nunca. Por mais que você tenha vivenciado certas coisas, a gente não pode deixar de ver esse brilho, de sonhar também. E eu tenho isso dentro de mim, sabe? Eu sou uma pessoa que eu sonho, que eu gosto de sonhar, de planejar, tá entendendo? E eu acho que a gente tem que ter isso. Porque se você deixar de sonhar, você acabou. Sonhar. Continuar sonhando.
P/1 - Sempre, né?
R – Sempre.
1:14:24 P/1 - Obrigada, viu.
R – De nada. Espero que eu tenha atendido aí a…
P/1 - Com certeza. Estou aqui emocionada, amei.
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