P/1 – Luiz, eu gostaria que você falasse o seu nome completo, local e a data de nascimento.R – Tá. O meu nome é Luiz Almeida dos Reis, sou de Jaguapitã, estado do Paraná. Nasci em primeiro de setembro de 1968.P/1 – E o nome dos seus pais?R – João ngelo dos Reis e Francisca dos Santos Reis. P/1 – Qual a atividade dos pais?R – São agricultores.P/1 – E os avós, você lembra?R – Também todos...P/1 – Todos agricultores.R – ... uma geração de agricultores. P/2 – Eles plantavam o quê? Você sabe?R – Quem os...?P/2 – Os avós, os pais?R – Não, eram todos agricultores familiares, trabalhavam com criação de animais, pequenos animais. No Nordeste, no caso da parte do meu pai, né, faziam farinha, aquele estilo tradicional de vida do nordestino, né, isso da parte do meu pai. Já da parte da minha mãe, né, meu avô já é mineiro e também aquele estilo de vida de pequenos agricultores, que no começo não tinha terra, ficava de um lado pra outro, né, tanto que a minha mãe é paulista, tem avó baiana, avô mineiro, quer dizer, aquela mistura toda, mas todos agricultores.P/1 – Você tem irmãos?R – Tenho cinco, são três irmãos e duas irmãs.P/2 – Você pode falar o nome, assim, uma listinha do maior pro menor?R – Do mais velho, o maior é o João [risos]. O mais velho é o Carlos, né, eu sou o segundo, aí o José é o terceiro, o João é o quarto, aí vem a ngela e a Marli que é a sexta, a última.P/2 – O que eles fazem?R – O Carlos também mora em Caroebe, agricultor, né? Hoje [pausa]. O Carlos é agricultor, hoje ele também trabalha na cooperativa lá em Caroebe. O José mora em Rondônia, em Vilhena, ele é pedreiro, pintor, faz um pouco de cada coisa. E a Marli, minha irmã mais nova, mora em Rondônia também, em Cerejeiras, é funcionária pública municipal. E ngela que é a outra irmã, está morando atualmente em...
Continuar leituraP/1 – Luiz, eu gostaria que você falasse o seu nome completo, local e a data de nascimento.R – Tá. O meu nome é Luiz Almeida dos Reis, sou de Jaguapitã, estado do Paraná. Nasci em primeiro de setembro de 1968.P/1 – E o nome dos seus pais?R – João ngelo dos Reis e Francisca dos Santos Reis. P/1 – Qual a atividade dos pais?R – São agricultores.P/1 – E os avós, você lembra?R – Também todos...P/1 – Todos agricultores.R – ... uma geração de agricultores. P/2 – Eles plantavam o quê? Você sabe?R – Quem os...?P/2 – Os avós, os pais?R – Não, eram todos agricultores familiares, trabalhavam com criação de animais, pequenos animais. No Nordeste, no caso da parte do meu pai, né, faziam farinha, aquele estilo tradicional de vida do nordestino, né, isso da parte do meu pai. Já da parte da minha mãe, né, meu avô já é mineiro e também aquele estilo de vida de pequenos agricultores, que no começo não tinha terra, ficava de um lado pra outro, né, tanto que a minha mãe é paulista, tem avó baiana, avô mineiro, quer dizer, aquela mistura toda, mas todos agricultores.P/1 – Você tem irmãos?R – Tenho cinco, são três irmãos e duas irmãs.P/2 – Você pode falar o nome, assim, uma listinha do maior pro menor?R – Do mais velho, o maior é o João [risos]. O mais velho é o Carlos, né, eu sou o segundo, aí o José é o terceiro, o João é o quarto, aí vem a ngela e a Marli que é a sexta, a última.P/2 – O que eles fazem?R – O Carlos também mora em Caroebe, agricultor, né? Hoje [pausa]. O Carlos é agricultor, hoje ele também trabalha na cooperativa lá em Caroebe. O José mora em Rondônia, em Vilhena, ele é pedreiro, pintor, faz um pouco de cada coisa. E a Marli, minha irmã mais nova, mora em Rondônia também, em Cerejeiras, é funcionária pública municipal. E ngela que é a outra irmã, está morando atualmente em Campinas, São Paulo, só cuida da família, porque eu tenho um sobrinho que tem um problema de saúde e ela tem que ficar acompanhando o tratamento dele. P/1 – Luiz, eu queria que você me falasse um pouquinho sobre a tua infância. Onde você morava?R – Olha, eu fui, tipo assim, um migrante, né, eu andei muito nesse Brasil. Eu nasci no Paraná, né, que eu já falei, com seis meses de idade a gente foi pra Sergipe, Nordeste. Aí com um ano voltamos pro Paraná novamente, aí do Paraná ficou mudando de vários em vários municípios do Estado, o último município do Paraná que eu morei foi onde eu nasci que foi Jaguapitã, né, numa fazenda de café. Aí com aquela geada de 1975 aí nós fomos pra Campinas, São Paulo, porque os cafezais se acabaram, né, e aí o único meio que o meu pai achou, como não era dono de terra, era simplesmente um trabalhador de fazendo, aí nós fomos pra Campinas, lá moramos nove, quase dez anos em Campinas e ali eu estudei até a quinta, sexta série, até a quinta série na realidade. Aos 11 anos comecei a trabalhar como guarda mirim, né, numa entidade que tinha lá, trabalhei na própria entidade, trabalhei no cartório e trabalhei numa indústria de beneficiamento de legumes. Seria uma empresa que trabalhava em fazer nhoque, batata frita, essas coisas assim. P/1 – Como que era o trabalho de guarda mirim?R – Era mais um tipo de Office-boy, né, a função dele era serviço de banco, né, fazer entrega de documentos, né, pagamentos, coisas assim mais serviço de Office-boy. P/2 – Mas nessa infância aí você lembra das brincadeiras assim como é que era?R – A gente brincava um pouco eu gostava, sempre gostei muito de jogar bola, né, gostava demais. Quando tinha tempo, né, com 11 anos eu comecei a trabalhar, fui guarda mirim, comecei tinha três na entidade, até tinha um treinamento, entrei em 1979. Em 1980 eu peguei a farda que tinha uns três meses de treinamento pra depois você pegar a farda e começar a trabalhar. Mas na realidade na época eu era tão pequeno que a entidade não acreditou, falou: “Tu vai trabalhar aqui dentro num período pra depois ver se você realmente tem condições de trabalhar pra fora”. Mas aí eu me saí melhor do que muitos outros, aí com quase um ano eu entrei num cartório, comecei a trabalhar num cartório, também fazendo papel de Office-boy.P/2 – É nessa época que você começou a estudar?R – Não, nessa época na realidade aconteceu um problema sério: eu estudava quando entrei na guarda mirim. Eu já tinha a quarta série e estava começando a quinta, né, na época. E aí, devido a essa questão mesmo de dificuldade financeira da família eu comecei a trabalhar e nesse por trabalhar eu tive que até parar de estudar, porque naquela época não tinha essa de criança na escola, não tinha muito disso não, né? Aí eu e o meu irmão mais velho trabalhávamos justamente para ajudar na despesa da casa. P/2 – Mas da época da escola que você fala, você lembra da escola?R – Eu lembro, eu estudava, gostava muito de estudar, né, era… sempre gostava de... nunca tive dificuldade de estudar na realidade.P/2 – Tinha uma professora preferida?P/1 – Ou uma matéria?R – Eu tinha... na realidade, eu tive um professor que eu gostava demais dele que foi o professor da minha segunda série. Era um advogado na época e ele tinha, assim, algumas características muito interessantes: ele gostava… ele lecionava geralmente para a turma mais adulta, ele gostava de pegar uma turma, assim, de criança para lecionar para, segundo ele, distrair, né? E nessa brincadeira eu achei interessante que ele tinha uma metodologia e uma forma de dizer que era o seguinte: ninguém com ele reprovava e não porque ele passava por passar, porque ele fazia a pessoa estudar, né? Aí até me lembro de um episódio, ele tinha aquele negócio de antigamente de se cobrar tabuada, né? Aí chegou um dia, ele brincava muito com a gente, aqueles momentos... momentos de brincadeiras, vamos brincar, vamos descontrair. E também tinha aqueles períodos de tomada de tabuada, aí tinha um dia lá: “O Almeidinha”. Ele colocava apelido em todo mundo: “Almeidinha, vamos pra tabuada meu amigo, vamos lá! A do dois, a do três...”, quando chegou a do sete eu errei, aí ele: ”Meu amigo, é o seguinte: Almeidinha, amanhã, sete vezes a tabuada do sete, se errar vai ser 70 vezes a tabuado do sete”. Aí eu fui pra casa e no outro dia o meu irmão, que a gente estudava junto, voltamos... e já no caminho da escola: “Sete vezes tanto é tanto, sete vezes tanto é tanto”. Vixi! Cheguei lá na hora: “Tabuada, Almeidinha, tá afiado?”. “Não, agora eu acerto”. Aí começou de novo do dois até a do dez, aí acertei tudo, tranquilo. Isso foi um… achei uma coisa interessante. E outra, na realidade, com ele ninguém reprovava, aí no final do ano todo mundo passou, mas porque aprendiam, né? Era interessante, eu gostava demais, isso aí me marcou muito. Depois de alguns anos eu encontrei com ele na cidade, eu já era guarda mirim, né, encontrei com esse doutor que já era um senhor de idade, Doutor Ubirajara, esse era figura.P/2 – Mas assim, depois você voltou a estudar quando, daí?R – Não, aí eu fiz a segunda, terceira série, né, primário, a quarta. Aí quando eu fiz a quarta série já foi num outro colégio, né, não perdemos essa, como se fala? Esse instinto de migrante, dentro da própria cidade a gente mudava de um lugar pra outro, né, e eu me lembro que nós mudamos para três locais em nove anos. Aí quando nós conseguimos a nossa casa própria, né, um conjunto habitacional na época era Cohab [Companhia de Habitação], se não me engano.P/2 – Isso em Campinas mesmo?R – Em Campinas, aí foi onde nós ficamos um pouco mais de tempo. Só que nesse período eu comecei a trabalhar, então, não tinha muito de estudar mais, não dava tempo, né? E era muito forçado porque não tinha os privilégios que tem hoje. Se você fosse trabalhar teria que ser em período integral, se quisesse estudar teria que ser a noite e eu morava num bairro muito afastado, recém-formado, então, era muito perigoso e aí pra gente ficar estudando a noite, chegar de madrugada em casa era meio complicado. Aí a gente ficou, eu fiquei de 1980 até 1985 sem estudar, aí eu fui pra Rondônia. Fui pra Rondônia já adolescente, com 16, 17 anos.P/2 – Você já conhecia Rondônia?R – Não, aí...P/2 – E como é que foi a impressão?P/1 – É, a mudança. R – A mudança foi aquela questão: pai agricultor, foi pra cidade porque foi o único meio que achou para continuar mantendo a família, né? Aí chega na cidade na década de 1970, emprego ainda farto, né, depois, na década de 1980 a coisa já começou a mudar, uma maior dificuldade de emprego, ele não tinha escolaridade, mal sabia assinar e ler alguma coisa e como ele trabalhava em uma empresa que tinha um salário até razoável, na época, foi demitido. Aí não tinha e não conseguia mais arrumar emprego porque, segundo eles, não rebaixavam a carteira. Aí o meu pai falou: “Olha, eu vou voltar pro sítio”. Aí tentamos ir pro Paraná novamente, mas não deu certo, não foi possível. Tentamos ir para o Mato Grosso, também não conseguiu. Aí tinha um amigo em Rondônia: “Vamos pra Rondônia”. Aí ele veio, ficou nove meses em Rondônia, a gente adquiriu um pedaço de terra e ele veio na frente, ficou nove meses trabalhando, fez derrubada, plantou tudo, deixou tudo prontinho. Aí foi buscar a família e nós viemos. Quando morávamos no Paraná eu quase não conhecia, eu não tinha muito contato com a lavoura porque eu era muito pequeno, quatro, cinco anos de idade. Aí quando fomos pra Rondônia eu não conhecia nem o que era um pé de arroz, um pé de milho, um pé de feijão, mas chegamos já trabalhando. Imagina você: eu não conhecia nada disso, ter que aprender a fazer, né, aprender a capinar, a plantar, quebrar e a dobrar milho, plantar arroz, feijão. Foi interessante, foi uma... como se fala? Um aprendizado muito interessante na minha vida, até a fazer derrubada, né, o pessoal geralmente derruba de moto-serra, o meu pai não sabia derrubar de motor, sabia derrubar de machado, então ensinou a gente a derrubar de machado. É outra coisa. P/2 – E como que é isso?R – Derrubada de machado é um serviço muito penoso, só que antigamente era... Antigamente nas décadas de 1960, 1970 isso era prática comum em todo o país, né, derrubar com o machado. É você. Você é uma ferramenta com um cabo de madeira, geralmente, em torno aí de um quilo e meio, de um quilo a dois quilos mais ou menos. E no começo é tudo bom, mas depois que começava a trabalhar você sentia: a mão travava, os braços travavam, até você se acostumar. Depois que acostuma também... P/1 – Mas se demora muito pra derrubar uma árvore pelo machado?R – Olha, depende da grossura da madeira, depende também do tipo da madeira, se for madeira de cedro duro, demora, se for madeira macia é bem mais rápido. Mas aí foi eu, meu irmão, meu pai, mais um outro irmão, em quatro nós derrubamos em um ano quatro alqueires de mata pra plantar. P/1 – E como é que foi essa fase? Você já era adolescente?R – Eu já era adolescente, quer dizer, pra mim tudo era novo, tava aprendendo a fazer coisas, quer dizer, eu era agricultor, filho de agricultor, né, mas a maior parte da minha vida na cidade, aí aprendi a lidar com o campo com essa idade. Aí foi onde que nós plantamos uma lavoura de café, né, começamos uma pequena criação de animais. Só que eu, sei lá, nunca... isso em 1985, foi em 1987 pra 1988. Aí pintou um emprego em um sítio mesmo, na área da saúde, aí eu fui atuar como auxiliar de serviços de saúde num postinho, depois que construíram o centro de saúde na área.P/2 – Péra, eu não ouvi, você foi ser auxiliar de saúde?R – É, auxiliar de serviços de saúde, quer dizer, isso de 1987 até 1999, morando no sítio, mas também trabalhando no sítio. P/1 – E como que era esse trabalho que você fazia?R – Era ligado a área da saúde, tipo um agente de saúde que fazia a triagem, media a pressão, a temperatura, fazia curativo, aplicava injeção, distribuía medicamentos, na época era uma coisa comum. Como tinha malária em Rondônia também, a gente fazia coleta de lâmina pra malária, isso era o papel do agente. P/2 – Mas vocês iam de casa em casa?R – Não, geralmente o meu caso não era fazer um programa de casa em casa, eu ficava na unidade, seria no centro de saúde e ali as pessoas que estavam com problemas de saúde iam no postinho. Aí eu fazia... se os sintomas eram de malária, nós colhíamos a lâmina, né, que se diziam na época, passava a medicação para a febre ir controlando e enviávamos lâmina pro... na época era Sucam [Superintendência de Campanhas de Saúde Pública], para fazer a análise. Depois, se vinha o resultado positivo a gente já passava medicação pra pessoa. P/2 – Você lembra de algum caso?P/1 – Alguma história dessa época?R – Não, vários casos... são vários casos. Até pessoas que você muitas vezes, tinha que andar aí dez, 15 quilômetros para tratá-las. A Pessoa precisava fazer o tratamento só que ele, na maioria das vezes, não tinha vontade. Ficava tão desanimado porque o estágio de malária já estava tão avançado que não tinha vontade de fazer nada, você tinha que ir lá e aplicar injeção na veia e preparar o medicamento mesmo, né? Aí teve até casos de pessoas que me agradeciam muito porque eu ia lá fazer isso, né? Depois a pessoa se recuperava: “Graças a teu cuidado que eu estou aqui hoje”. Era interessante. P/1 – E o Luiz jovem? O que é que ele gostava de fazer, de passear... os amigos... como era?R – O Luiz jovem, eu sei lá, eu tive assim uma juventude muito atrelada às pessoas, eu sempre fui dessa forma. Mexia muito com igreja, né, gostava de...P/1 – Qual que é a sua religião?R – É católica, né?P/1 – Católica.R – Aí eu era catequista, participava do... Era coordenador do grupo de jovens, né, trabalhava, gostava sempre de organizar as pessoas em associações e tal. Eu sempre fui mais, assim, voltado para as pessoas, não a...P/2 – Não tinha festa?R – Festas só que eu era _________ pelo seguinte: eu era, como é que se diz? Eu promovia mais do que participava da festa mesmo, de ir curtir uma festa.P/1 – Você lembra de alguma boa festa que você tenha promovido nessa época aí?R – Não, tem várias festas, né, vários problemas também porque inclusive esse jeito assim um pouco diferente a gente... como é que se fala? Adquiria certos inimigos também, né, teve muito disso. Pessoas que, muitas vezes, utilizavam da estrutura das festas pra se auto beneficiar. Andei, como é que se fala? Tirando essas pessoas do meio, né? E festas eu me lembro de uma que eu fiz que o pessoal ficou, assim, admirado da forma como conseguimos realizá-la. Tipo assim, por exemplo, esse hábito que o pessoal tinha de fazer festa... a pessoa não tinha, às vezes, controle de despesa, não tinha controle de receita de nada e isso facilitava aqueles espertinhos que vinham comer, beber e não pagar nada, de forma intencional. Aí, nós fizemos uma festa que deu sabe aquele furo danado no caixa, aí eu fui fazer um levantamento, né, aí achei. Fiz o levantamento do valor das bebidas. Da cerveja? Tanto. Quantos pedidos de refrigerante? Tanto. A conta tá que preço? Tal preço. Churrasco? É tanto. Quer dizer, fez-se um resumo só do que sobrou de dinheiro. Na época, tinha um tipo de trabalho que chamava, As Rainhas da Festa, então essas pessoas eram meninas que saíam fazendo as coletas antes da festa, no período da festa, e o dinheiro que elas arrecadavam era renda pra festa. P/2 – É que nem uma quermesse?R – Exatamente, parecido. Aí o que aconteceu? O dinheiro que sobrou de toda a festa foi só esse dinheiro, o restante sumiu.P/1 – Nossa!P/2 – Mas não tinha assim a festa de São João?. R – Não, exatamente. Nesse período de festa, são esses períodos, né? Aí a gente conseguiu detectar quem é que tinha dado fim nesse dinheiro e foi um problema sério, essa pessoa saiu do meio que foi descoberto. Aí nós montamos uma festa e eu falei para o pessoal: “Vamos montar uma festa e mostrar como é que se faz pra isso não acontecer”. Só que eu tive que pegar o quê? Já conhecia as pessoas que tinham esse hábito, né, de fazer esse tipo de brincadeira, de jogada, aí eu não coloquei essas pessoas na festa, peguei pessoas de outras localidades e fiz, assim tipo, uma coisa organizada, de turno. No turno, quando trocava, era todo mundo, então desde os caixas até quem estava servindo, todo mundo. E aí, nesse período de trocar os caixas era feita toda a contabilidade: o que vendeu, o que foi, o que entrou de receita, o que entrou de tudo. Sei que no final não sumiu nenhum centavo, né, aí o pessoal: “Pô, conseguiu fazer?”. “Conseguir é simples, é só organizar o negócio direitinho que...”.P/1 – Você gostava de administrar mesmo?R – Eu gostava de fazer isso tipo de coisa. E é o que eu digo: essa questão de me preocupar com as pessoas, com a vida, né, com o sofrimento das pessoas, de organizar, tentar organizar as pessoas. Já fiz muito esse tipo de coisa. Por exemplo, teve um período que nós conseguimos trazer para a área rural uma extensão do segundo grau. P/2 – Uma extensão?R – Uma extensão do segundo grau, do ensino médio.P/1 – Isso foi quando?R – Isso foi em 1980, acho 1993, 1992, 1993 por aí. Nesse período mais ou menos. P/2 – Em Rondônia?R – Em Rondônia, porque nós tínhamos um colégio grande na área rural e era só de quinta a oitava, e aí foi até que eu consegui concluir o meu ensino fundamental lá. Aí tava no final, oitava série, aí: “Pô, nós queríamos estudar, fazer o ensino médio”, aí o pessoal: “Não, tem que ir pra cidade” e eram 18 quilômetros, eu falei: “Pô, não dá certo ir pra cidade, porque é um problema sério”. Aí a secretária de educação, na época, queria levar o pessoal pra cidade de ônibus, só que eu já tinha visto uma experiência de um outro colégio rural que não tava dando certo, tipo assim, os ônibus levam os alunos pra cidade, mas se o ônibus quebrar vai ficar dez, 15 dias sem o pessoal frequentar as aulas, eu falei: “Isso tá errado, isso não funciona”. Aí nós chamamos a secretária para uma reunião e a secretaria de educação do município e mais a responsável do Estado, porque quem fornecia o ensino médio era o Estado e não o município. Aí a senhora que representava a Seduc [Secretaria Municipal de Educação] do município foi convidada para a reunião mais a secretária, os pais, os alunos, todos os interessados, né? Na época, o conselho, o pessoal, como que chama aquele... associação de pais.P/2 – APM [Associação de Pais e Mestres].R – É, APM, e eu na época era o líder da rapaziada na escola, aí chamamos a secretária e falamos pra ela que nós não queríamos ir pra cidade e sim estudar no sítio. Aí ela: “Isso não é possível”. Eu falei: “Por que não é possível?” “Porque...” . E aí começou a jogar mil e um obstáculos, eu falei: “Não, olha...”, aí que nós convencemos ela, falei: “Não, peraí não dá certo é ir pra cidade porque...” aí nós começamos o seguinte: é muito mais fácil se vocês trazerem o professor aqui ao invés de levarem os alunos até a cidade. “Mas como?”. Eu falei: “Assim, quando...” eu falei o exemplo claro: “O colégio de campo, que tem esse sistema que vocês estão querendo implantar aqui, isso nós sabemos de fonte segura que quando o ônibus quebra ficam 10, 15 dias sem aula. É muito mais fácil vocês trazerem três, quatro professores para lecionarem aqui do que um carro particular, um táxi levar 40, 50 alunos pra cidade. Então, por exemplo, se tem o meio de transporte da prefeitura, da secretaria, que são aquelas Peruas Kombi, tudo bem. Se quebrou, vocês pagam o táxi e traz o professor. Agora, e os alunos? Isso é o exemplo que está acontecendo lá, não ia acontecer com a gente depois?” Quer dizer, aí o papo foi saindo: “Ah, mas é difícil porque depende de uma liberação do Estado para trazer uma extensão pra cá”. Aí eu falei com o representante do Estado: “E aí, isso é impossível?” Falou: “Não, você pode falar com a secretária, quem sabe?”. Outra coisa interessante que aconteceu na região nossa foi o presidente da Assembléia Legislativa na época, que por coincidência era irmão da secretária de Estado de educação. Aí eu falei com ele na época, né, não me lembro o nome dele, só sei que eu procurei: “Teria como a gente falar com a secretária de Estado de educação a respeito disso, disso e disso?” ele respondeu: “Não, me procure, me procure lá em Porto Velho”. A gente morava a 700 quilômetros, eu falei: “Como é que eu vou em Porto Velho?”. Aí o que que eu fiz: reunimos com um representante dos pais, representante dos alunos, representante do conselho e o representante do poder público municipal do legislativo, peguei dois vereadores, né, mais a secretária de educação do município e fomos pra Porto Velho numa Perua Kombi, era pra ir também a representante do Estado, mas ela não foi. Nós fomos lá em Porto Velho, conseguimos uma audiência com o Silvio Hernani Santos, se eu não me engano, era o nome do representante da Assembléia Legislativa na época. Aí era uma audiência na parte da manhã, conseguimos falar com ele as seis horas da tarde, mas ele já encaminhou a gente pra irmã dele, aí ela falou: “Vem amanhã cedo que a gente resolve isso”. No outro dia de manhã chegamos lá, explicamos a situação, ela falou: “Não, tranquilo ____________ tá feito”. Aí no ano seguinte nós começamos a lecionar, fazer o ensino médio...P/2 – Como é que era a escolinha lá?R – Era uma escola tranquila. P/2 – Pequena?R – Não, era uma escola acho que com umas seis, oito salas, mais ou menos, não era tão pequena não, ela abrangia uma área bem grande de... P/2 – Como era o nome da região mesmo ali de Rondônia que vocês?R – Era Cerejeiras, em Rondônia. P/2 – Cerejeiras. R – Cerejeiras, divisa com a Bolívia. P/2 – Divisa com...R – Bolívia. E isso foi uma das coisas e fora as conquistas que tivemos. A última que eu fiz foi convencer o prefeito a não acabar com o centro de saúde que eu tinha trabalhado na época, né, foi a última coisa que eu fiz lá, depois de lá eu vim pra Roraima. Nós sempre fomos voltados a defender o interesse das pessoas que mais necessitadas. P/2 – Mas você conseguiu acabar a escola então?R – Não, a escola a gente conseguiu trazer o ensino médio pra lá. P/2 – Você terminou então o estudo?R – Não, não terminei porque aconteceu um outro fato, aquela questão que eu sempre comento com o pessoal, é fácil você ganhar, conquistar alguma coisa, difícil é você manter, né? Muitas vezes não é difícil você ganhar a guerra, difícil é você se manter no poder. Não foi difícil a gente trazer o ensino médio pra lá, foi difícil se manter, porque houve um jogo por parte da secretaria que eles não queriam mesmo, né, o que que eles fizeram? A cada ano aumentavam um turno, foi no primeiro ano, depois no ano seguinte seria o primeiro e o segundo ano, e no outro ano consecutivamente o primeiro, segundo e terceiro ano. Aí pra não haver uma outra turma, que seria o primeiro ano, o que que eles fizeram? Eles fizeram uma política de pagar uma escola particular para as pessoas que realizaram o ensino fundamental, a oitava série, né, pra estudarem na cidade, aí tinha que ter o número mínimo de alunos, né, qual que era o número mínimo? Seria acho que 20, 25 alunos. Aí eles pegaram bem uns dez desses 30 alunos que poderiam ser o grupo do primeiro ano, né, e pagaram a escola particular pra eles. Eu falei: “Gente, vocês vão nessa? Bom, tá escrito o que vai acontecer, acabar com essa turma e acabando com a turma, com certeza, vocês não vão ter mais onde estudar”. “Não, isso não acontece, eles vão pagar para nós os três anos”. Foi dito e feito: pagaram o primeiro ano, o segundo ano neguinho teve, se quisesse ou estudar lá na escola pública na cidade, ou ficar sem estudar ou voltar pro sítio e estudar de dia, porque o que eles fizeram? Quem era aluno do turno da noite passou a estudar na parte da manhã. P/1 – Mas, aí acabou?R – Aí o que aconteceu? A primeira turma, que foi a minha turma o pessoal se formou, mas eu fiquei chateado e abandonei, né? Aí fiz o primeiro e segundo ano, aí o terceiro ano eu não fiz. Agora eu tô fazendo, em Roraima, fazendo aquele provão, né? Já tô quase, creio praticamente já ter concluído o ensino médio, mas não mais estudante de sala de aula. P/2 – Mas como é que foi então essa, você tava em Rondônia, como é que você veio parar aqui?R – Eu vim parar em razão daquela questão, a primeira, o local que eu mais morei foi em Rondônia, 17 anos, né? Mas já não estava querendo mais ficar em Rondônia, porque é aquela questão, chega um momento que você: “Pô, aqui já não dá mais!”. E vontade de sair, né, porque você... eu percebi o quê? As pessoas não queriam mudar, queriam continuar naquela mesmice de sempre, a gente falava as coisas e o pessoal não acreditava, somente depois que acontecia: “Rapaz, bem que você falou”. Falei: “Não adianta! Eu falei porque eu sabia que isso ia acontecer, né?”. Então deu aquela vontade de sair, de ir para um local diferente, daí começaram também a entrar na região, o plantio mecanizado, veio muita máquina, muito veneno, muita coisa que foi me desestimulando mais ainda. Aí o meu cunhado tinha uns parentes que moravam em Caroebe, em Roraima e veio pra Roraima, achou bacana o local, ligou pra gente e a minha irmã falou: “Não, um lugarzinho tranquilo aqui, tal, a terra aqui é fácil de adquirir”. Meu pai se interessou também. Aí o meu irmão, nesse caso o mais velho e solteiro até hoje, falou: “Vou lá ver como que é esse negócio”. Aí veio também, achou interessante, falou: “Olha, é um lugarzinho tranquilo, diferente, completamente diferente de Rondônia, né, o estilo de vida é outro e tal mas...P/2 – É diferente como? A paisagem também era outra?R – É um pouco, exato, um pouco diferente, o estilo de vida do pessoal é um pouco diferente, né?P/2 – Como que era a paisagem?R – Lá a paisagem é a terra... uma cor diferente, você vê muita pedra nas áreas e em Rondônia é pouca pedra, né? Os rios são perenes em Rondônia, em Roraima, geralmente, são semi-perenes, né? A cultura também é um pouco diferente, porque a cultura do pessoal do Norte é diferente do pessoal do Sul, Sudeste. E como vivemos muito tempo no Sul, no Sudeste, o próprio sul de Rondônia também é uma cultura muito voltada pro sul, né, já de Porto Velho pra cá, tem uma característica diferente. P/2 – Você pode dar um exemplo dessa diferença?P/1 – As diferenças culturais assim?R – As músicas, por exemplo, as músicas são diferentes, né? O pessoal...P/1 – Qual que é o tipo de música que toca?R – Essas músicas mais, como se diz... do Norte mesmo, do Carimbó, não mais essas tipo... não conheço e nem sei dizer, porque eu procuro me isolar dessas questões. Mas assim, essas músicas mais de Calypso, diferentes das músicas sertanejas de Leandro & Leonardo. As músicas do Sul mesmo, são bem poucas.P/1 – E o jeito das pessoas é diferente também?R – O jeito também, a maneira de se comportar é um pouco diferente. P/2 – Como que é o comportamento?R – Não, são muitas vezes, assim, um pouco mais fechados, né, não são assim tão... em partes são mais fechados, em partes não, mas são um pouco diferentes nesse sentido. A forma, a alimentação é diferente também. P/2 – Como é a comida?P/1 – É, como que é?R – Eles gostam mais, assim, de farinha. Como também é um local meio de interior, o pessoal gosta muito de caçar, né, essas coisas um pouco diferente que para mim não é não. O tempero também é diferente na alimentação. P/1 – Que tipo de comida que você gosta?R – Eu sou mais aquele arroz e feijão comum mesmo ou o feijão do Sul, né, que é o carioca, que na região aqui o pessoal já trabalha com outro tipo de feijão, que pra mim não tem, assim, aquele sabor, não tem nada. Então, eu prefiro comer o do Sul. A culinária tem um pouco de diferença, a maneira das pessoas se comportarem também. Nós somos um pouco diferente, né? P/1 – Eu queria que o senhor falasse pra gente um pouco a questão da paisagem, da selva, do contato, como que foi, né? Você viu grandes diferenças da paisagem aqui?R – Não, a questão de matas não, é o mesmo, inclusive Rondônia e Roraima possuem mais ou menos a mesma vegetação, não tem todos os tipos de árvores e tal, a diferença era mais o tipo de terra, né, e o terreno aqui é um pouco mais acidentado do que lá, não são aquelas serras enormes, são pequenas ondulações, mas são diferentes. P/2 – É que na verdade você está falando de Roraima, né? R – É.P/2 – Mas assim, você tinha conhecido aqui, por exemplo, Manaus? Quando você foi pra Roraima você depois veio pra cá?R – É o seguinte, para ir em Roraima tem que passar por aqui. Então, quer dizer, não tem...P/2 – E aí? Você via essa diferença entre Manaus e Roraima?R – Não, Manaus não. Por exemplo, Manaus, pra ser franco com vocês eu não conheço, né, o que eu conheço é só essa parte urbana de Manaus e eu sou bem rural, como diz o pessoal. Quando eu venho pra cidade, eu gosto de voltar logo em seguida, né? Não me acostumo com esse movimento danado, esse barulho todo, isso pra mim é...P/1 – Você mencionou as árvores. Quais árvores? Porque tem algumas frutas que não conhecemos muito, eu queria que você falasse um pouco. R – Rondônia, por exemplo, tinha muita cerejeira, muito cedro, muito mogno, muita peroba. E aqui em Roraima já tem mais a castanheira, né, a castanha do Brasil que o pessoal fala que tem muito em Caroebe, os cedros são poucos, andiroba tem um pouco, né? Então, até as madeiras são um pouco diferentes, mas os portes também são imensos, são altos, os portes são os mesmos, não tem essa.P/2 – E aí como é que foi, você foi tocando a vida lá então? Você chegou lá e aí?R – Só voltando essa questão da vinda. O meu cunhado veio pra cá, encontrou as terras e achamos interessante vir também. Aí vendemos o lote em Rondônia, o mesmo do meu pai e viemos de barco. Aí foram três... acho que três dias. Saímos na terça-feira de Porto Velho, num barco e chegamos em Manaus na sexta-feira.P/1 – Qual rio que vocês pegam?R – A gente pega o Rio Madeira, né, em Porto Velho desce o Rio Madeira, depois chega em uma certa altura, aí entra no Solimões, no Rio Amazonas e sobe o rio.P/2 – E como é essa viagem? O que você vê?R – É uma viagem... olha, é uma viagem um pouco assim perigosa, não é assim, tão tranquila não, é um pouco arriscada. Vocês de vez em quando veem falar na notícia: “Um barco afundou, um barco virou”, é porque muitas vezes a falta de cuidado das pessoas, né, dos tripulantes, das pessoas que tomam conta desses barcos, colocam excesso de peso e muitas vezes desafiam a natureza, né, se você está dentro de um rio grande com uma tempestade, o risco de afundar é grande, ainda mais se você estiver com excesso de peso.P/1 – Vocês pegaram chuva nessa viagem?R – Pegamos, mas o capitão do barco era uma pessoa muito, muito prudente, responsável, né? Aí o barco também não veio com excesso de peso, mas quando começou uma tempestade, ele percebeu que seria meio pesada. Ele encostou o barco na beira do rio e deixou passar a tempestade, depois nós… foi uma viagem tranquila, foi gostosa.P/2 – Quanto tempo de viagem mesmo?R – Eu acho que uns três dias. Saímos terça-feira à noite de Porto Velho, chegamos aqui sexta-feira de manhã.P/2 – E por onde que passa assim... os caminhos?R – Aí vem pelo Rio Madeira, né, desce o Rio Madeira, chega aqui embaixo, vem pro rio, entra no rio...P/1 – Solimões.R – É, o Solimões, o Rio Amazonas, né, aí sobe o rio e vem, chega em Manaus. P/2 – Mas passa por cidadezinhas? Ele vai parando? Porque três dias vai direto ou passa...R – Passa, passa pra... como é a primeira cidade, eu sei que passamos em Santo Antônio de Borba. P/1 – Vocês dormiram na cidade, como que é? Vocês dormiam no barco mesmo?R – Não, dorme no barco. Na época, nós alugamos uns camarotes, né, que segundo o pessoal é mais perigoso do que você ir de rede.P/1 – Ah é? Por quê?R – Porque, na realidade, a gente constatou que é perigoso se chegar, o barco virar e você tiver dentro do camarote... porque a porta abre pra fora e se o barco vira do lado da água você não abre a porta, né? Se ele abrisse pra dentro você sairia, mas como ela é pra fora. P/1 – Aí você fica preso.R – Fica preso, quando o barco vira, geralmente, as pessoas que estão dentro do camarote correm risco maior de morrer. P/2 – Mas conte desses três dias, pára em Santo Antônio?R – Eu me lembro, são... eu até tenho foto desses locais. A primeira cidade é próxima de Porto Velho, já no Amazonas, esqueci o nome dela, nós paramos lá, tiramos foto, eu acho que umas quatro cidades mais ou menos. P/1 – Só uma curiosidade, você falou que tem camarote e rede. Como é que é a distribuição dentro desse barco? É um barco bem grande? Descreve pra gente. R – É um barco bem grande, não é tão pequeno não, só que é de madeira, né? E aí você tem as redes, é assim: as pessoas compram a passagem, aí cada um com a sua rede, aí você vê aquele tanto de gente. Se vocês forem, verão isso, se forem lá no porto vocês vão ver, aquela imensa fila de rede, pessoal dormindo nas redes. Os camarotes já são menores, os cômodos são pequenos, com duas camas, é mais tranquilo. P/2 – Vocês comem lá mesmo? R – Exatamente. E aí a refeição também é por conta da empresa.P/1 – Tá, então conta como foi a sua chegada. E aí? Como é que você foi?R – E aí que nós fomos pra... chegamos aqui, compramos passagem, chegamos de manhã e já deu certo, tinha ônibus dez horas da manhã que descia pra Roraima, né? E aí pegamos esse ônibus e quando chegamos em Novo Paraíso, que é conhecido como 500, que dá 500 quilômetros daqui, nesse local, aí a gente tem que pegar um ônibus que vem de Boa Vista pra Caroebe. Aí demos uma vacilada nesse dia, porque nós não sabíamos do horário desse ônibus, né, e que dava certinho: esse saía de Manaus pra Boa Vista, às dez da manhã, chegava umas cinco e meia, seis horas da tarde nesse ponto, Novo Paraíso, e o outro saía duas e meia da tarde de Boa vista e chegava também no mesmo horário. Aí o que acontece? Quando nós chegamos no 500 esse ônibus estava encostado, só que eu não vi, estava preocupado em descarregar as bagagens tudo, tava acabando de descarregar a bagagem esse outro ônibus saiu. O ônibus saiu, aí eu fui procurar lá pelo rapaz o guichê: “Meu amigo, quando é que, que horas tem ônibus aí pra Caroebe?”. “Rapaz, acabou de sair um ônibus” [risos]. “Aí, quando é que tem agora? Tem outro mais tarde?”. “Não, só amanhã agora”. Eu falei: “Vixi, estamos enrolado”. Eu falei: “Ei Pai, o negócio complicou pro nosso lado aqui” - “Que foi?”. “O ônibus acabou de sair, o rapaz acabou de dizer aqui”. Aí eu falei: “Tem alguém aqui que freta algum carro” que fica 100 quilômetros desse local até Caroebe, “Tem alguém que freta algum carro aqui?”. “Não, tem um senhor ali que tem um restaurante ali que tem uma Veraneio”. Um carro velho danado, eu falei: “Ah”. Aí fomos com ele lá, “Não, dá um jeito sim, é tanto”, eu falei “Vambora!”. Aí jantamos lá no restaurante dele. Chegamos quase juntos com o ônibus na cidadezinha. O meu irmão já estava lá e fomos para a casa de um amigo. Aí, ficamos um mês dentro da cidade e procurando uma área pra comprar, né? Só que ali em Caroebe tem um problema muito sério que é a questão fundiária, porque as terras são da União e o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] que é o órgão responsável por distribuir e organizar essas terras tem muita burocracia, então o que acontece? O produtor não consegue regularizar as terras dele, ele trabalha dois, três, dez anos na área, não regulariza e aí vende aquele posse e vai para uma outra área, isso tem muito, tem muito disso ainda em Roraima, Caroebe. E aí nós fomos comprar, aí tinha uma área longe e a esposa: “A essa não dá que é complicado”. Aí vimos uma área próxima mesmo da cidade, nove quilômetros, dentro da BR um local bem movimentado, carro toda hora. Aí fomos ver o documento do rapaz: “Não, eu tenho uma área de 150 hectares muito boa e tal, documentadinha, escritura pública e tudo”, que a coisa mais rara que tem é você conseguir isso lá em Caroebe, né? Aí eu fui ver o documento, de fato tinha a escritura pública, tinha título tudo bonitinho, só que de uma parte da área a outra não tinha, quer dizer, de 150 hectares ele tinha só a metade documentada porque lá o módulo fiscal é 100 hectares. Até 100 hectares, então, você não pode ter mais que isso documentado, né? Aí fui no Incra, né, dar uma olhada lá, aí o rapaz falou: “É o seguinte, você pode”. Aí o que nós fizemos? O meu pai comprou a área documentada, né, que ele estava prestes a aposentar e precisava de toda a documentação. Ele comprou a área documentada e eu comprei a possa que era a outra área para regularizar em meu nome. Aí nós compramos essa área lá e começamos a trabalhar. Só que aí é o que eu digo: é uma terra bem diferente, não é tão fértil como as terras de Rondônia, né? Em Rondônia, você planta até! Eu trouxe uma foto de um arrozal, de um café que quando você planta a coisa sai linda mesmo e aqui não, você planta e as coisas não são iguais, então quer dizer, você precisa utilizar da tecnologia pra produzir. P/1 – E o que vocês cultivaram? [pausa]R – É o que eu digo: Nós fomos tentar primeiro, nós fomos ver qual era a atividade principal em Caroebe e percebemos que é bananicultura, né? Só que de uma forma, assim, bem rudimentar.P/1 – Qual o nome?R – Bananicultura, que é o cultivo da banana, né? Só que assim, mais de forma extrativista do que de forma tecnificada, né?P/2 – Já tinha banana lá, então?R – Não, já. O município de Caroebe é que mais produz bananas no Estado de Roraima. P/1 – É uma tradição. R – É uma tradição, acho que já de mais de 20 anos, né? Então, só que eu cheguei lá e percebi, o quê? Se produzia, mas de forma desorganizada, existiam só os atravessadores que são pessoas que usam mais a chamada, especulação. Eles não estão preocupados com quem produz e sim preocupados em ganhar dinheiro, principalmente ganhar dinheiro. Como é que se fala? Com a miséria do outro, né? Esse que é o grande problema. Quanto mais tem produto, menos eles pagam e mais eles ganham, então essa que era. A gente percebia isso, aí eu fui na época, né, procurei na Secretaria de Agricultura do município porque essa forma de trabalho com bananas aqui, lá pra fora ninguém mais trabalhava assim, né, o transporte de banana em cacho, com caixa mais, com nada, né?. “Por quê?”. “Não, isso sempre foi assim e tal”.P/1 – Como é que era o transporte, não era com caixa?R – Não, vocês vão ver se vocês forem na feira aqui, na feira da banana vocês não vão ver bananas em caixas e sim em cacho, chega dez, 12, 15 caminhões vão tudo banana em cacho, um empilhado em cima do outro.P/1 – Isso é ruim por quê? Perde o produto?R – Isso é ruim porque você judia demais do produto, ele fica muito danificado, você perde muito, né? E também pro próprio... pela forma de organização da produção o produtor perdia muito, chegou o período que o pessoal vendeu um cacho de banana a R$1,50, né? É que nem essa questão, aí fomos tentar produzir banana, só que tentar em área degradada, se não, não adianta você plantar em área já de derrubada que não funciona, só produzir banana se você entrar na mata, roçar, derrubar, queimar e plantar e se a terra for boa, se não ainda não dá coisa que preste. A gente percebeu o quê? Que não era tão simples produzir banana, não era uma coisa tão fácil, né, mas era fácil pra quem tem uma área boa, uma terra fértil, e que não é o caso de todo mundo, né? Então tem bananais lá que tem uma duração dez anos, tem bananal que tem duração de dois, três anos, então isso. Aí percebeu o quê? Que poderíamos trabalhar de forma diferente. Aí comecei a questionar isso com algumas pessoas, aí plantamos essa banana e não deu certo, tentamos algumas outras coisas, arroz também não é que nem Rondônia, milho não é que nem Rondônia, é bem diferente. Eu falei: “Aqui, não é tão simples sobreviver não, né? Que nem lá pra fora não. Aqui a coisa é um pouco mais complicada. Então a gente vai ter que aprender a trabalhar aqui”. Aí o que eu procurei fazer? As economias que eu tinha já tinham se esgotado e o que eu fui obrigado a voltar pro serviço público, pintou um concurso público na prefeitura, fiz o concurso, passei, aí fui ser auxiliar de serviço, auxiliar de agente administrativo, mas morando no sítio [risos], não queria sair do sítio. Vinha todo dia até de bicicleta, né, do sítio pra cidade, trabalhava e a tardezinha ia pro sítio de novo. P/1 – Você não gostava muito, né?R – Eu não gosto, eu não sou fã de morar em cidade, eu sei lá, peguei um trauma de cidade muito muito grande quando moravam em Campinas, São Paulo. Aí fazia esse trajeto todo dia. Aí me convidaram... mas antes disso, antes de começar a trabalhar me convidaram pra fazer parte de um APL, um arranjo produtivo local. O Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas] chegou...P/2 – Uma o quê?R – Uma APL: Arranjo Produtivo Local. P/2 – O que significa APL?R – Arranjo Produtivo Local, né? Geralmente é uma metodologia que trabalha pelo Sebrae, que vai no local onde identifica um potencial, né, de produção e ali tentar organizar. Aí o que ele faz? Ele busca uns parceiros, aí onde é que chama pra dentro de bancos, entidades para a capacitação como o Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial], Sesport [Secretaria de Esportes e Lazer], Secretaria de Agricultura, Prefeitura, quer dizer, faz aquela parceria para tentar dar um rumo diferente nas coisas, né? E nessa brincadeira que o Banco veio também e montou o DRS [Desenvolvimento Regional Sustentável] junto e deu, fez uma coisa diferente, né? Aí chegamos onde nós estamos, com esse trabalho, essa parceiragem toda, né? Que nem estava dizendo, foi um desafio dentro do Sebrae que tudo que eles tentavam fazer no município, ali nunca dava certo, estávamos até desanimados, eu estava brincando com o Rodrigo, esse que veio aí. Falei: “Rapaz, vocês pensaram que ia ser mais uma canoa que vocês estavam entrando”, ele disse: “Pois é, a gente pensava que ia ser mais uma”. Aí me convidaram pra fazer parte desse APL, me chamaram por acaso, tipo assim, um dos últimos, né, [risos] a fazer parte da APL que ninguém quase me conhecia ali, eu tinha recém chegado, tinha um ano que morava ali, até meu pai já tinha falecido nesse período. Aí eu cheguei, fui conhecer um pouco, comecei as capacitações e tal, aí eu vi que estava… a coisa estava começando a ir pro caminho certo, né? Aí começamos as capacitações, já começou a abrir a mente das pessoas e tal, e eu já tinha mais ou menos a noção porque eu já vivi muito isso aí fora, né? Foi até fácil pra eu começar a trabalhar, as pessoas com maior facilidade, já estavam recebendo as capacitações, aí surgiu a necessidade de fundar uma cooperativa, fomos então mexer com a cooperativa. P/2 – Mas péraí, a cooperativa vai surgir depois que a banana já tinha aparecido?R – Não, porque a banana já existia há 20 anos, né?P/2 – Então, mas antes, o terreno não era ruim? Não tinha que arranjar um terreno bom…?R – Eu sei, mas não, mas aí o que acontece eu...P/1 – Mas já tinha a cultura, né?R - Eu não fui produzir, eu me tornei funcionário público. Aí eu comecei a trabalhar lá na prefeitura, mas fazendo parte desse APL, desse arranjo produtivo, né? Aí nesse intermeio o pessoal achou interessante. O primeiro passo foi assim: tem um momento interessante, em 2003, final de 2003, o bananal… o preço da banana chegou tão baixo, chegou a R$1,50 o cacho, nunca tinha chegado esse valor naquela época, né? O pessoal ficou: “Pô, o que nós vamos fazer e tal? O negócio tá complicado, né?”. Aí o pessoal: “Vamos fazer uma greve, vamos parar isso aqui que resolve”, eu falei: “Olha, gente, pode até ser que resolva, mas não é bem a greve que resolve, né? Porque eu posso fazer greve hoje, amanhã volta tudo de novo. Agora, se a gente se organizar o negócio aqui é diferente.” Mas aquele negócio, eu falei: “Vamos fazer o seguinte: vamos chamar o produtor não pra fazer greve, mas pra eles fazerem uma paralisação espontânea”, quer dizer, não é fazer aquele movimento doido não, é tentar conscientizar as pessoas a valorizarem o produto dele, tipo assim: “Eu não vou cortar o meu produto se vocês não melhorarem o preço”. Aí o quê que nós fizemos? Juntamos a Secretaria de Agricultura, uns amigos e fomos fazer reunião nas ________, eu gostava muito de fazer esse tipo de coisa. Vamos fazer __________, fazer reunião, né? Aí, falei: “Gente, vamos fazer isso, isso e isso” e o pessoal: “Não, todo mundo tranquilo”. Aí marcamos um dia pra fazer esse desfecho todo, né, definir: “Vamos parar ou não vamos e quando vamos parar, até quando?”. Aí fizemos um evento bom lá… até acho que eu não trouxe foto disso, deixei lá. Fizemos um evento bom e conseguimos bem, quase mil pessoas dentro do ginásio, né, com presença de autoridades do Estado e tudo. Aí definimos e nesse intermeio o Sebrae tinha pagado um consultor para fazer essa mobilização, foi até uma idéia do consultor de Manaus de fazer essa greve, fazer a paralisação. Só que eu falei pra ele: “Vem cá, é interessante essa greve, mas o problema é que a cooperativa não está construída ainda e quem é que vai dar suporte?”. Eu até falei: “Não é o momento!”. Aí a idéia que eu sugeri é que fosse feito só uma reunião e uma paralisação espontânea, mas aí o que é que acontece? Tem aqueles camaradas que não tem jeito mesmo, né? Aí foi determinada paralisação espontânea, os atravessadores ficaram bravos com a gente e tal e falaram: “Isso não vai dar certo!”. Aí tipo assim, desafiou o produtor. E tem alguns produtores que não aguentam desaforo mesmo, né, aí começaram... continuaram a pegar banana, né, alguns produtores cortaram banana ajudando o atravessador. Aí o pessoal se sentiu humilhado e falou: “Não, vamos parar é tudo mesmo”. E lá era fácil fazer isso porque só tem uma via de acesso, só tem uma estrada, entrou ali só saiu por aquele mesmo lugar, não tem por onde sair mais. Aí o que o pessoal fez? Fizeram primeiro um bloqueio em uns sinais anteriores e não estava dando certo, veio pra espinha dorsal ali que era na entrada no município, fizemos uma barreira ali, aí começou a encrenca. Foram 15 dias e não passava nada, banana de espécie nenhuma, produtor que tinha cortado banana perdeu banana, o atravessador tinha comprado banana perdeu banana, né? Aí com 15 dias eles pediram, né, vamos parar com essa greve aí porque vamos melhorar um pouquinho o preço. Melhoraram o preço, só que infelizmente aquilo que eu tinha dito pro pessoal: “Vai melhorar o preço mas vai voltar tudo de novo”. Aí no ano seguinte, veio a R$ 2, né, ficou praticamente a mesma coisa. Eu falei: “Olha, gente, aí não é a saída”. Aí em 2004, nós fundamos a cooperativa e começamos a tentar, né, a trabalhar também com banana no cacho, mas não deu certo porque o atravessador aqui humilha demais, quer dizer, ele trabalha assim: ele ganha e a gente perde. E aí não estava dando certo. Eu falei: “Bom gente”, aí eu vim aqui falar pro pessoal: “Por que não vamos trabalhar com banana caixa?”. Porque eu via como é que funcionava o negócio, que eu vim várias vezes e funcionava assim: eles compravam a banana lá no cacho, né, trazem pra cá...P/2 – Os atravessadores. R – Trazem pra cá. Chega aqui eles pegam a banana melhor espalmam e entregam para o Carrefour, entregam para o DB Supermercado, entrega para os pequenos mercados também, né? Quer dizer, despalmar aqui. Eu falei: “Por que não despalmar lá, né?”. Aí surgiu essa idéia: vamos tentar despalmar lá e trazer pra cá. Aí tentamos fazer isso, não deu certo. P/1 – Por quê?R – Porque a falta de pessoas especializadas aqui pra questão de venda, isso que era o problema, nós precisávamos mais era de quem vendia o nosso produto. Aí nós conseguimos, o Banco do Brasil falou: “Vamos trabalhar no DRS aqui, né, e vamos tentar um recurso via Banco do Brasil pra gente montar uma estrutura pra vocês poderem transportar essa banana de forma adequada”. Opa! Agora a coisa tá melhorando. E conseguimos. Até o gerente da agência na época _________________ era o Júlio, uma pessoa muito eficiente, né? Aí ele chegou e falou: “Vamos montar esse DRS, a gente vai conseguir pegar um recurso”. Aí montamos um DRS e esse recurso pela Fundação foi de R$ 344 mil, aí deu pra gente montar essas câmaras, né, uma dessa aqui, tem outra também similar a essa lá em Caroebe, aí o caminhão baú... o baú pro caminhão grande que nós tínhamos também um convênio com a prefeitura, né? Aí entrou a prefeitura com o recurso e a Fundação com o outro recurso. Aí nós conseguimos arrumar três quartos também com baú, e 3 mil caixas plásticas, uma moto. Então foi a estrutura que nós conseguimos com o recurso do DRS, via Fundação do Banco do Brasil. E aí, tá, conseguimos o recurso e como é que vamos fazer daqui pra frente? Quer dizer, o problema tá sendo vender, quem vende. Aí conseguimos algumas pessoas para trabalhar nas vendas e não conseguimos, eu consegui, tipo assim… inclusive, esse nosso gerente de vendas é meu irmão também, é o caçula, é o João, e ele tinha experiência com vendas, né? Ele foi vendedor da Pemaza, uma autopeças muito forte na região aqui de Rondônia. Pra cá é uma empresa muito grande e ele adquiriu muita experiência, pois começou a trabalhar novo lá e chegou até a gerenciar algumas lojas, ele tinha esse dom para vendas, né? Aí ele caiu de paraquedas, ele estava morando em Cárceres, lá no Mato Grosso e apareceu em Roraima por acaso. Ele me viu num sufoco danado, na época, porque tínhamos toda a estrutura, mas não tínhamos o pessoal qualificado e as ferramentas certas para trabalhar na comercialização. Aí ele apareceu e nós conseguimos. Ele topou o desafio. Meu irmão veio pra cá e o negócio está aí como vocês estão vendo [risos]. (troca de fita)P/2 – Você abordou uma coisa legal que a gente até ia falar posteriormente, maravilha! Eu só vou querer saber um pouco sobre a banana mesmo em si, que tipo de banana que é...P/1 – Cultivada.P/2 – Isso.R – Que é cultivada lá? A variedade é chamada pratona, né, não é a prata não é a pratona, é uma variedade mais conhecida aqui na região Norte, porque no Centro Oeste que eu vi, no Nordeste...P/1 – É parecida com a prata?R – Sim, é parecida com a prata, só que a prata é um pouco mais curta, a outra é um pouco maior, mais comprida, né, tem um palmo maior. Então, esta variedade é muito aceita aqui.P/2 – O sabor é parecido?R – É, o sabor é muito bom. Mas, aquele negócio, a questão do produto quem determina se é bom ou se é ruim é o consumidor, esse é o interessante do negócio. Aconteceu um fato também interessante que foi o seguinte: essa variedade de prata aqui no Amazonas, no estado do Amazonas, foi dizimada por uma doença chamada Sigatoka negra, e a tendência é que em Roraima ela também seria extinta. P/1 – Como é o nome da doença?R – Sigatoka negra, é um fungo que acomete a folha e está praticamente, acho, em todo o Brasil, né? Ele derruba a produção, acaba com a planta. E aí nós, a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], lançamos algumas variedades, as chamadas: resistentes, né? Como já estava escrito, a banana prata iria sair do mercado, aí lançou essas novas variedades. Aqui no Amazonas, investiram muito nessa variedade, em Roraima também tentaram, investiram um pouco também, o governo do Estado lá, porém com um diferencial: a região nossa é diferente, a prata conseguiu conviver com a doença, então, ela não dizimou por lá, mesmo com a Sigatoka-negra, a banana produz, dá bons cachos, entendeu? Então, a variedade é o consumidor que aceita. O que aconteceu? Nós preferimos continuar com ela, ao invés de plantar uma variedade, pois nós iríamos sair em desvantagem com o Amazonas, se nós tivéssemos caído também na idéia de trabalhar com as variedades existentes. P/1 – E tem período de safra? Como é que é a banana?R – Tem período de safra e período de entressafra, né?P/1 – Conta pra gente como é que é.R – O período de safra ele se estende do mês de julho, agosto, mais ou menos, até dezembro, que é período chamado de pico de produção, você tem mais produtos. Aí você tem o período de janeiro até junho. Em julho, que é o período de entressafra, é um intervalo onde você tem uma banana de uma qualidade inferior, é temporada de verão, denominado por eles lá, o período de estiagem, aqui é diferente de quase todo o Brasil. Aqui tá começando as águas, né, as chuvas, a fase das chuvas, tanto aqui como também no Sul, Sudeste, toda a região, quase todo o restante do Brasil. Mas em Roraima, como é o Hemisfério Norte, então lá é o período que começa a estiagem. P/1 – Tá. É o contrário.R – É o contrário. P/2 – Uma curiosidade, como é que planta, assim, a banana?R – A banana? O pessoal... que nem eu digo, na realidade, essa gente... o produtor, não tem o hábito de cultivar a banana, ele é tipo um extrativista de banana, né, simplesmente. Até a forma de plantar, o processo todo é mais ou menos assim: a pessoa chega, né, roça o mato, derruba, queima, aí vai e eles não fazem linha, não fazem nada, eles plantam aleatoriamente, de qualquer maneira, né?P/2 – É uma sementinha, uma mudinha?R – Não, é tipo, por exemplo, a bananeira ela dá, né, o caule, o tronco dela, né, aí embaixo tem um pseudocaule onde...P/2 – Tem o quê?R – Pseudocaule. P/1 – Pseudocaule. R – Onde sai, onde nasce os filhos, os filhotes. Aí o tronco geralmente sai um, dois, três, quatro filhos ali em volta, e são aqueles filhotes que são chamados: tem os chifrinhos, chifre e chifrão de acordo com o tamanho. Então aqueles filhotes é que são retirados e replantados para a terra, aí planta. P/2 – Assim, um pé de banana ele dá quantas vezes?R – Um pé é um cacho só, mas ele é uma touceira, né, ele produz os filhos em volta, então quando ele morre, tem um filho que já está grande.P/1 – E leva quanto tempo para crescer?R – Um ano. P/1 - ... até colher.R – Um ano. 13 meses no máximo. Aqui, inclusive, poderia ter uma incidência maior de sol, nessa região, mas o tempo aqui é mais curto em relação ao restante do Brasil, do país. P/1 – E os cuidados com a bananeira para dar uma boa banana?R – Então, aqui não tem. O que eu digo pra vocês, qual o processo que eles trabalham? Aqui é assim: o pessoal roça, derruba, queima, planta, aí roça uma vez ou duas e aí, geralmente, a bananeira fecha, o bananal cresce, fecha novamente, aí já o mato é pouco. Aí ele vai lá todo mês só colher.P/1 – Você estava falando da questão da fertilidade da terra, né, que ela vai exaurindo. Como é que feito isso, você sabe quanto tempo?R – Isso varia muito de solo para solo assim. Se tiver um solo, por exemplo, que é de beira de rio, né, ou tem alguma área alta, eles falam terra preta, tem um tipo de terra lá que eu não sei se é onde morou índios que é uma terra diferente, é uma terra preta, escura e ela tem um fertilidade muito grande, e também ___________ de uma fertilidade muito boa. Agora tem áreas, essas geralmente da beira de rio, essas terras mais férteis você tem uma produção boa de três, quatro, cinco anos, tem até de dez anos, tem bananal que tem 20 anos, né? Mas as terras normais lá é em torno de dois, três anos no máximo já exaure. P/1 – E o que que acontece depois que a terra exaure, você tem que fechar?R – Mas aí que é o problema, o que é que o produtor está fazendo? Isso é um problema sério que nós estamos tendo lá agora com o meio ambiente, é a questão ambiental, por isso é a nossa preocupação na cooperativa é justamente isso: é tentar convencer o produtor a mudar a forma de trabalhar para poder continuar vivendo da bananicultura, que é uma fonte de renda muito boa, não é ruim. Eu até brinco com o pessoal: “Gente, vamos fazer da bananicultura uma alternativa, uma... como é que se fala? Uma cultura permanente e não uma cultura de ciclo que nem já acontecia com a castanha lá em Caroebe. Aconteceu com o arroz, né, e que hoje ninguém trabalha mais porque não se adequaram às tecnologias” a realidade é essa. E a banana é a mesma coisa, porque a banana tem um poder de devastação da natureza muito grande, porque que nem eu tô falando: a maioria das terras você trabalha por dois, três anos nela e já tem que passar para uma outra área, e aí geralmente o camarada derruba dois, três alqueires, quatro alqueires, cinco alqueires, né? Então quer dizer, com três anos já está derrubando mais dois, três. Então com seis anos, dez anos, você já derrubou toda a área?P/2 – Qual seria a fórmula?R – Então a fórmula seria o quê? Seria mudar, quer dizer, passar borracha em tudo em que já se trabalhou até agora e trazer a chamada tecnificação da produção para dentro das áreas. O que quer dizer isso? O produtor vai ter que... não é mais ir lá só colher o cacho, ele vai ter que fazer todo um processo, ele vai ter que tratar das mudas de forma diferente, né, pra plantar, ele vai ter que cultivar, vai ter que adubar, vai ter que provavelmente irrigar, né, vai ter que fazer o chamado traços culturais, que é desbaste, desfolha, né, condução do cacho, controle. Então tudo isso são coisas que precisa trabalhar se você quiser continuar na atividade.P/1 – E a cooperativa tá promovendo alguma coisa nesse sentido?R – Nós estamos até com o apoio de alguns parceiros como o Senac, o Sebrae, nós estamos conseguindo, já estamos com dois agrônomos na cooperativa prestando assistência técnica pro produtor, né? Só que aquele negócio, tipo assim, você viveu a vida toda sendo extrativista, pra você passar a ser produtor, e uma outra coisa também, o produtor, assim, por mais que a bananicultura dê uma renda boa pra ele, ele não retorna nada pra ele, ele investe em outra área, investe, por exemplo, em compra de mais lote, investe em gado, em cerca, em pastagem, né, que na realidade não vai dar a estabilidade que a banana dá. Quer dizer, pra você ver, tem produtor lá que tira em torno de três, quatro, R$ 5 mil por mês, entendeu? Dessa forma. P/2 – Eu queria que você falasse da Fundação, desse entreposto. E assim, quem são os clientes?[pausa]P/2 – A criação dos entrepostos, quem são os clientes, como é a distribuição?R – A criação do entreposto: _________________. Nós conseguimos com a vinda do João, nós conseguimos essa, resolver esse gargalo que nós achávamos que era o maior gargalo da cooperativa, a comercialização, né? O que nós fizemos? Aí nós com esse recurso do Banco do Brasil, né, que saiu em 2005 nós fizemos a primeira parte lá em Caroebe e a outra parte como é que vinha fazer aqui, que não estava comercializando e tava difícil. Aí o João veio pra cá, de início, o entreposto não era aqui, nós conseguimos um espaço numa feira, chamada feira de Santo Antônio, que fica há uns 15 quilômetros daqui, próximo ao rio, e lá que a gente fazia, chegava com os produtos nossos e encostava lá, e de lá a gente fazia a distribuição para os clientes, né, que nós tínhamos a estrutura que era o caminhãozinho, então fazia esse trabalho. E a idéia nossa era o quê? Era conseguir um local, porque lá ficava... você ficava muito exposto, era um local aberto, sumia muita caixa, né, tinha problema com algumas pessoas da própria feira que não queriam a cooperativa ali, que segundo eles atrapalhavam eles, né? E aí nós... e aqui é um local difícil de você conseguir um terreno, não é tão simples, nós ficávamos por várias vezes procurando um local e outro e não conseguíamos. Aí vimos esse local aqui, aí eu falei com o João: “Vamos aqui é um local ideal, embora não é tão em relação aos outros, é um local muito bom, o acesso aqui é muito bom que não tem dificuldade”, que a maioria dos locais aqui é o acesso que é o problema, né, quando você acha um barracão muito bom, mas o acesso é uma serra, uma subida muito íngreme, são umas ruas muito estreitas, a fiação baixa, e aqui não, você tem todas as avenidas largas, se você vem nesse sentido aqui, né, porque a BR pra ir pra Roraima vem nesse sentido, aí você já entra numa avenida larga, chega aqui já é tranquilo, quer dizer, o local mais complicado é só a chegada, mas o restante é tranquilo. Só que isso foi, assim, depois de anos que nós estávamos aqui, já começando a comercializar em novembro de 2006, trabalhamos nesse local até fevereiro de 2008, aí nós conseguimos inaugurar isso aqui. Nós adquirimos em forma de aluguel, em 2007, foi setembro de 2007 se eu não me engano, mas só conseguimos montar essa estrutura aqui em 2008. P/2 – Como é que ele funciona? Por que tem uns dias que chega banana?R – Exatamente.P/2 – Como é que é isso?P/1 – A rotina, né?R – Funciona assim, a rotina nossa é assim: nós temos três cargas por semana, né, ela sai de lá de Caroebe às segundas e terças-feiras, né, e chega aqui às terças e quartas. Então, nós temos o caminhão da cooperativa que é um caminhão baú fechado e alugamos um caminhão uma vez por semana, que é o que faz a carga de terça-feira, então nosso caminhão faz a carga de segunda, sai lá segunda e quinta, e chega aqui terça e sexta, hoje de madrugada estava descarregando, né? E aí o outro caminhão sai de lá às terças-feiras e chega aqui na quarta-feira. É um caminhão aberto que faz o mesmo trabalho. E aí chegando aqui ele vai para... o produto muitas vezes, quando vem no caminhão fechado no baú, chega abafada, porque não está vendo necessidade de refrigerar porque é, tipo assim, já está praticamente vendido todos os produtos, então chega e o cliente já está esperando aqui, chega de madrugada tem muito cliente esperando, outros, a gente já coloca na caminhonete e vai fazer a entrega. Geralmente, o período de mais trabalho aqui são as terças, quartas e sextas-feiras, né?P/2 – Quanto que traz de banana?R – O caminhão tem capacidade, em torno de 14 toneladas, mais ou menos, até mais um pouquinho porque esse nosso caminhão ele é um pouquinho maior ele traz 761 caixas, né?P/1 – Só uma curiosidade, você falou que naquela época lá, o preço da banana era R$ 1,50, né, o cacho é isso?R – Exato. P/1 – Hoje quanto que o produtor tá recebendo?R – Pra tu ver o que é uma organização, né, ou quais os benefícios que ela traz. Inclusive essa cooperativa trouxe benefícios pra região, não foi só para os cooperados. É que nem eu tava dizendo, chegou o preço praticado lá em Caroebe, quando eu cheguei em 2002, até o início da construção da cooperativa que foi em novembro de 2006, o preço praticado lá girava... no período da safra, chegava a R$ 1,50, R$ 2 o cacho classificado, não é o cacho unidade, é o classificado, tem essa questão também.P/1 – Qual é a diferença?R – É o seguinte: cacho classificado é assim, por exemplo, se o cacho for grande e bonito ele é um cacho, se ele for grande e fino ele vai ser dois para ser um, pra valer por um, se ele for menor ainda é três, quatro, cinco, seis pra ser um cacho, essa que funciona o processo, entendeu?P/1 – Quantos cachos dá uma bananeira?R – Um tronco dá uma só. Agora, por exemplo, como é uma touceira, por exemplo, muitas vezes o cara colhe duas, três cachos em uma touceira, né? Mas, o pé de bananeira é um cacho só, ele só produz um cacho e morre, aí os filhos dele é que vão produzir outros cachos. P/2 – Uma outra curiosidade...P/1 – Ele acabou não falando do valor, péra aí.R – Então o valor. Então eu tava dizendo, nesse período até 2006, anterior geralmente era assim: nunca ultrapassava de R$ 3,50, um período muito pequeno do ano, né? Mas a média girava em torno de R$ 2,50, R$ 3, o cacho. Vamos trazer uma média de R$ 2,50. Seria a média anual que o produtor teria de renda por cacho classificado. E aí com a vinda da cooperativa nós conseguimos praticamente dobrar, até triplicar o valor. Então hoje, por exemplo, um cacho de banana... aí onde entra a qualidade que antes ninguém se importava em ter qualidade, então hoje quanto mais qualidade você coloca no seu produto mais ele vai valer, nós produtores já chegamos a vender um cacho de banana por R$ 8,50, R$ 9, R$ 7,50, né? Então quer dizer, quanto mais qualidade tem um produto mais ele vai valer. Então hoje, uma caixa de banana de primeira para o produtor, sai a R$ 8,50.P/1 – Uma caixa é mais ou menos equivalente a um cacho? Como que é?R – Olha, se você trabalhar, organizar a produção, tecnificar direitinho um cacho dá mais que uma caixa. Mas, a realidade hoje nossa é um cacho e meio classificado para uma caixa, tá baixa, precisa melhorar, né?P/2 – O pessoal vem comprar aqui? Como é a distribuição do produto?R – Não, é o seguinte: uma parte dos clientes vem aqui, até nós fizemos, jogamos dessa forma com o cliente: o cliente que pega é um preço, o cliente que a gente vai entregar pra ele é outro, né? Então tem, se o cliente pega muito tem um preço, se pega menos tem um outro, então é uma coisa mais ou menos dessa forma. P/2 – E quem são esses clientes? São daqui mesmo, são de alguns lugares?R – Geralmente, nós trabalhamos com clientes, são pequenos mercados, não trabalhamos com grandes mercados, até por uma opção nossa de início, por quê? Devido a forma que os grandes mercados trabalham, e também é garantido o fornecimento que ainda nós não temos, que na realidade, devido a essa forma extrativista de trabalhar você não tem, não pode garantir uma entrega, fazer contratos porque há uma diferença muito grande entre o pico de produção entre a safra e entressafra, tem um período que você tem aí tipo 30, 40 caminhões de banana saindo do município por semana, e tem período que você tem dez, né? Então voltando a questão do preço, houve uma diferença muito grande de R$ 2,50 até de R$8, né, só que isso era o preço da cooperativa, só que o atravessador se obrigou agora a pagar um pouquinho melhor. Então, chegou o atravessador e foi obrigado a pagar, anualmente, até R$ 6 um cacho, coisa que ele nunca tinha feito na vida, né? Então, isso foi um avanço pra todo mundo. Atualmente, tem pessoas que não acham, por exemplo, vantagem nem de vir pra cooperativa, porque ele entregando pro atravessador também ele tá ganhando dinheiro. P/1 – Melhorou pra todo mundo. R – Melhorou pra todo mundo, né? Inclusive, eles ficam até muito chateados, os atravessadores, por causa disso, porque foram obrigados e hoje estão ganhando menos, porque se a cooperativa não tivesse atuando, o cacho estaria a R$ 2, eles estariam vendendo o mesmo preço para o cliente, pro consumidor final, né, mas o produtor estaria entregando o cacho dele R$ 2. E hoje os produtores estão pagando lá a R$ 3, né? Então houve. P/2 – Só uma coisinha, por que a escolha do entreposto foi em Manaus? Tem uma lógica, uma logística?R – Porque Manaus, ou melhor, a produção da Caroebe é voltada, praticamente toda pra Manaus, 95%, quase 100% vem pra Manaus, né? Porque o nosso maior município de Roraima é a capital, acho que com um pouco mais de 2 mil habitantes, se não me engano, então não consome quase nada e por ter produtores também que forneçam já o mercado interno, quer dizer, o mercado de Boa Vista, então toda a produção do Sul do Estado, que nós estamos no Sul do Estado, vem pra cá, o destino é aqui. P/1 – Luiz, nesse tempo todo aí, nessa trajetória na cooperativa, você tem caso, uma história interessante que você queira contar pra gente?P/2 – Com as bananas aconteceu alguma coisa?P/1 – Uma coisa engraçada que tenha acontecido, não sei?R – Aconteceram muitos problemas [risos].P/1 – Ou problemas, quem sabe?R – É, quer dizer, uma coisa interessante foi a gente conseguir essa vinda do João pra cá pra dar essa mão pra gente que era o grande gargalo nosso, né? Que nem eu tava dizendo: a gente tinha como gargalo seria comercializar, e hoje nós já percebemos que o grande gargalo nosso não é produzir, não é comercializar, é produzir, é organizar a produção pra garantir a comercialização. P/1 – Houve uma mudança então.R – Houve uma mudança no quadro, isso é uma outra realidade.P/2 – Nesse negócio assim de carregar banana de um lado pro outro já aconteceu assim de, sei lá, o pessoal: “Quero banana!” no meio do caminho?R – Já aconteceu da gente perder banana no início da nossa comercialização aqui nós perdemos praticamente toda uma carga de banana. P/1 – Como foi isso?R – Foi assim, né, todo começo você paga o seu preço, né, e com a gente não foi diferente. Aí o João veio pra cá, né, tipo assim, eu falei ele aceitou aquele desafio de vir pra cá e falou: “Luiz, eu vou lá, né?” E ainda fizemos isso: a cooperativa não tinha dinheiro na época, nós estávamos com um débito de quase uns R$ 30 mil, é porque você tinha a estrutura, tinha que manter essa estrutura, né, e não tinha de onde tirar, tinha que pegar dinheiro emprestado de um e de outro, né? E com essa brincadeira a gente tava com um débito já de uns R$ 30 mil. E aí nós fizemos uma arrecadação lá com os sócios: “Gente é o seguinte: vamos fazer aqui um fundo pra início de comercialização porque nós temos o produto, temos toda a estrutura, né, temos quem está disposto a vender, então agora quem é que se arrisca a jogar o produto dele na nossa mão pra gente entrar e começar a comercialização?” Aí tem sempre aqueles doidos, né, no meio: “Vamos, vou arriscar aí!” A sorte nossa é isso: tem aqueles que fazem a frente, né, aí “Vamos arriscar”. Aí o que nós fizemos? Aí o João veio pra Manaus, arrecadamos mais uns R$ 2 mil, desses R$ 2 mil eu passei pra ele mil e R$ 300, disse: “João, tá aqui, dá pra você se virar?” Falou: “Vou me virar”, né? E ele saiu lá de Caroebe mais gordo do que ele tá hoje, bem forte, né? Aí ele chegou aqui, andava Manaus, disse que andou essas feiras, todas as feiras que tem em Manaus ele andou em todas elas, né, andava a pé, anda de ônibus, né? Alugou um localzinho bem simples aí pra morar, um cômodo, trouxe um colchão de lá, comprou um ventilador e mais nada, e é só. Quer dizer, o cara fez um negócio que é raro de se fazer, aí conseguiu fazer. Ele que fez esse trabalho todo, aí com um mês mais ou menos que ele tava aqui ele falou: “Luiz, manda o caminhão”. Aí nós estávamos com a Caminhonete, R$ 4 mil lá, né, e o baú. Ele falou: “Manda a caminhonete pra mim, depois manda em seguida o baú”. Aí esse que foi o grande problema nosso, por quê? Nós não tínhamos experiência em trabalhar com banana espalmada, ninguém sabia trabalhar, né, tinha tido assim eu fui fazer visita técnica na Bahia e lá nós conseguimos ter uma idéia das ferramentas e fizemos umas parecidas aqui em Roraima, só que ninguém tinha a habilidade pra trabalhar e demorou-se muito pra conseguir fazer as bananas, né, despalmar essas bananas. E foi dois problemas: um foi esse...P/1 – Tem uma técnica especial pra fazer isso?R – Tem sim. É uma faca até esquisita que você trabalha com ela.P/2 – Tem um nome essa faca?R – Não, é faca pra despalma, não tem outra, o nome que a gente coloca é esse. Aí nós demoramos muito pra fazer, mandando a primeira caixa aí deu dois problemas: dificuldade lá de fazer a banana, quando chegou o produto aqui, o pessoal... aquele negócio, ele fez o levantamento do pessoal “Não, pode mandar trazer que eu compro”, quando chegou na hora ninguém queria. Esse foi o grande desafio nosso. Aí chegou com aquelas pessoas: “Aí fulano, ó chegou o produto”. “Ah, não quero não”. Aquela jogada, tipo assim, né, eu vou pegar o cara enforcado, né, ele vai, a banana vai ou ele vende pra mim ou estraga aí eu vou pegar baratinho. Quer dizer, a jogada infelizmente existe. Muito isso dentro do... como é que se fala? Do processo de comercialização, há muita especulação, muita malandragem, né, e a gente não escapou dessa não. P/1 – Luiz, você é casado?R – Sou. P/1 – Qual o nome da sua esposa?R – Beatriz. P/1 – Você tem filhos?R – Tenho um filho.P/1 – Qual que é a atividade da sua esposa?R – Ela também está até ajudando a gente na cooperativa, mas ela vai voltar pra cuidar da casa. P/2 – Conheceu ela onde, exatamente? Ela é de onde?R – Em Rondônia. Ela é paranaense também, né? Por acaso, nós nos encontramos em Rondônia, nos casamos lá e viemos pra cá.P/1 – Assim, eu queria que você avaliasse quais foram os maiores aprendizados que você teve com a sua atividade, aprendizados de vida mesmo?R – Aprendizado, foram vários, foram muitos, né? Acho que um dos grandes foi uma coisa que eu sempre tinha comigo que era o seguinte: tudo é possível de ser feito, desde que a gente realmente se prontifique, se determine a fazer, né, eu sempre acreditei que é possível ser feito, embora aqui não é fácil e muita gente diz assim: “Rapaz, você é doido, você”. Aí quando começamos a cooperativa até o pessoal dizia: “Poxa, isso nunca funcionou aqui e não vai ser essa que vai funcionar”, falei: “Não, funciona sim!”. Estamos mostrando pro pessoal que tem como levar a sério, a coisa funciona. Então o que eu sempre vejo é isso aí: a gente tem que ter determinação e acreditar naquilo que está fazendo.P/1 – Vou perguntar, mas eu acho que você vai responder a mesma coisa: qual foi a maior realização da sua vida?R – Foram várias. Acho que uma das maiores está sendo essa, né?P/1 – Tem outras que você queira destacar?R – Eu sempre tive aquilo que eu falei antes, né, eu sempre fui uma pessoa que voltava muito preocupada com as pessoas, né, com o sofrimento das pessoas, de tentar ajudar, e nesse ponto eu sempre batalhei, mas a conquista maior está sendo essa, está sendo uma chamada: realização. Mas, está ainda em processo de construção, quer dizer, não está uma coisa consolidada, mas já teve muito mais difícil, né, hoje tá bem mais fácil. P/1 – E o que você acha do Banco do Brasil estar resgatando aí essa história através da memória de vocês?R – Eu acho interessante, eu acho muito interessante isso daí que é uma coisa que inclusive... até quando nós iniciamos o DRS eles vieram fazer uma matéria, né, lá em Caroebe, foram em Caroebe fazer uma matéria, né? Quer dizer, eu não me lembro o nome que foi lá, aí mostramos a realidade, a realidade atual da época, né, qual que é a realidade da época, né, e até eles disseram: “Nós viremos em um outro período ver o que é que mudou” . Eu não sei se esse é o momento, assim, saber esse momento o que já mudou, que na realidade mudou muita coisa em relação ao que era antes, mas é preciso mudar muito ainda, que nem eu tô dizendo, o produtor tem muita resistência para mudanças, isso está no ser humano, né? E a gente está aos pouquinhos modificando isso, porque é mudar por necessidade, não simplesmente porque é bonito mudar, mas por necessidade em todos os sentidos, pra você manter a atividade, né, de bananicultura e, também, para que a pessoa continue sendo produtor. P/1 – E qual é a perspectiva de futuro que você tem para esse trabalho?R – Seria fazer essa cooperativa crescer o máximo que ela puder, né? Não só trabalhar a bananicultura, mas trabalhar a diversificação, porque a gente sabe, se nós somos conhecedores, qualquer atividade... a monocultura é muito perigosa, né, a bananicultura hoje é uma atividade rentável, mas de uma hora pra outra pode dar um problema. Aí ela pode cair por terra, se você não tiver uma outra atividade que também gere renda dentro da tua propriedade você corre o risco de passar maus bocados no período. P/2 – A idéia é colocar uma outra cultura junto?R – A idéia é trabalhar com outras culturas, trabalhar com outros produtos como já tá. Vocês estão vendo, já chegou aí o limãozinho, né, tem os citros... P/1 – Vocês já tem uma idéia com o quê trabalhar?R – Os citros é uma, é algo que nós estamos querendo trabalhar, né, a castanha também é um potencial lá que a gente poderia começar a explorar também, que sai muita castanha em determinadas épocas, em determinados anos. E também tem a fruticultura, né, a horticultura é uma outra coisa interessante também. Então são várias coisas. Aquela questão é a seguinte: definirmos. Nós estamos tentando fazer isso agora, definir quais serão as culturas que nós poderíamos estar introduzindo, né, incentivando o pessoal a trabalhar. P/1 – Tá [pausa]. Eu queria.. o que você achou de participar dessa entrevista?R – Eu achei interessante, né? Embora, como eu digo pra vocês... eu não tenho essa, eu sou meio tímido nessa questão de fotos e tudo, mas tranquilo. P/2 – Mas, o que você achou também do Banco do Brasil que fez esse projeto?P/1 – Eu já fiz. Deixa eu perguntar só mais uma coisa: tem uma coisa que a gente não tenha abordado que você queira falar, assim, pra fechar, que você lembre, ou uma mensagem, eu não sei, qualquer coisa que você queira dizer que não tenha sido abordado na entrevista?R – Não, olha, eu acho falamos um pouco de cada coisa, né? Eu acho que já foi bem contemplado, fiquei satisfeito. P/1 – Tá bom. Então a gente agradece muito a sua entrevista.R – Eu que agradeço vocês.P/2 – Muito obrigada. P/1 – Obrigada.
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