Projeto Conte Sua História
Depoimento de Norma Lúcia de Moura
PCSH_HV867
Norma, a gente sempre começa perguntando o seu nome completo, a data e o local de nascimento. Certo. Meu nome é Norma Lúcia de Moura. Eu nasci em Afogados da Engazeira, Pernambuco, no dia 16 de março de 1955. E quais os nomes dos seus pais? O nome do meu pai é Luiz Xavier de Moura. E a minha mãe, Romana Honorato de Moura. E o que eles fazem ou faziam? Eu já começo falando de uma história bem complicada, bem triste, porque o meu pai eu acho que era o melhor pai do mundo. Só que quando eu tinha quatro anos de idade, ele foi para São Paulo e até hoje que não voltou. Eu já estive até em São Paulo procurando por ele, mas simplesmente um parente disse que ele tinha morrido e não sei o quê e ficou por isso mesmo. Então, por conta disso, a minha vida foi muito sofrida no interior de Pernambuco, numa cidadezinha pequena, as coisas muito difíceis, e eu tive que trabalhar aos seis anos de idade, eu comecei trabalhando, eu e meu irmão. Por incrível que pareça, nós trabalhávamos numa fábrica de calçado que tinha sido nossa, mas Minha mãe recebeu uma carta do meu pai dizendo que vendesse tudo que tinha, mas não deixasse os filhos dele passarem necessidade, que ele voltava pra pegar a gente. Logicamente, minha mãe acreditou cegamente, porque as mulheres acreditam nos homens, infelizmente. E isso, ele não voltou mais. Então, ela vendeu a fábrica de calçados, ela vendeu uma casa que nós tínhamos e um carro, um Ford. Um Ford 24, não é do seu tempo não. Nem sei se dos seus pais. Então, o que acontece? Nós tivemos que trabalhar nessa fábrica de calçados que foi nossa. E eu e meu irmão, eu tinha 6 anos e meu irmão 7, a gente trabalhava exatamente passando cola, cola de sapateiro, nossos dedinhos, para fazer a peça de cima dos calçados, que era o serviço mais fácil de fazer. Então, foi uma vida muito sofrida, porque de manhã a gente ia para a escola, e quando nós voltávamos da escola, passávamos direto para essa fábrica de calçados. E ficávamos lá até tarde da noite e tal E às vezes minha mãe ainda trazia coisas pra gente fazer em casa E não tínhamos energia elétrica, era luz de candeeiro Então aquela fumaça nos olhos, tal, tal Então foi uma vida assim muito, muito, muito sofrida Tanto a minha quanto a do meu irmão Meu irmão era uma pessoa super calmo, eu não sei como uma pessoa pode ter aquela dignidade, sabe? Um ser humano, eu vou dizer assim, lógico que entre aspas, mas um ser humano perfeito. Não reclamava de nada, tudo pra ele estava dando certo. E assim, a minha vida foi... De perdas, né? Comecei muito cedo. Depois morreu meu avô, que eu amava muitíssimo. Meu irmão demorou um pouco mais, mas morreu aos 50 anos, que também pra mim foi uma perda sem reparar. Eu não tenho... Não tenho como esquecer, porque era uma pessoa fantástica. Você conversava com ele, você adoraria conversar com ele. Uma pessoa simples, mega doce, eu nunca vi igual. Mas, aos 50 anos, ele foi dormir e não acordou mais. Pra ele foi bom, porque é uma morte bem tranquila, mas pra quem fica é muito difícil. Então, eu me criei nessa cidade. Lógico, a gente não tinha a menor condição de pensar em... Nenhuma outra coisa. Eu e meu irmão éramos dois artistas quando a gente era pequenininho. A gente fazia uns bichinhos de barro, uns bichinhos de cera, que chamava a atenção da cidade inteira. Ficava assim, maravilhado com o que a gente fazia. Então, eu e minha irmã, a gente foi criado super juntos, né? O tempo que a gente tinha pra brincar, estávamos os dois juntos. Então, a gente jogava bolinha de gude, que a gente chamava shimba, a gente fazia esses vestidos de barro, que não existia brinquedo na época. E a gente construiu uma cidadezinha. A gente pegava as caixas de fósforo, fazia barro, putava dentro da caixa de fósforo, deixava secar e fazia uns tijolinhos. E depois a gente construía umas casinhas. Aí tem a igreja, um caso de casinha. Coisa mais linda do mundo. Isso a gente fazia no dia de domingo, quando a gente não trabalhava, até no domingo. No dia de domingo a gente, quando, podia fazer isso. Então, a gente foi construir uma cidade, coisa mais linda. Mas, infelizmente, a gente não tem nenhuma foto dessas coisinhas que a gente fazia. Nada, porque a pobreza é grande e não existiam fotógrafos naquela época, nem nada. A civilização era, só com palavras, inchada. Então, o que acontece? Não tem nenhuma amostra que eu possa dizer, só tenho as lembranças. E nenhuma coisa para provar, isso aqui fui eu que fiz. Até porque, não sei, os adultos não valorizavam tanto, quer dizer, valorizavam, né? A minha professora queria trazer a gente aqui para Recife, aquela cidade maior, para mostrar o nosso trabalho. Mas... Foi falado, mas não foi feito nada. Então, continuamos nessa cidadezinha. Lá eu fiz até um curso de contabilidade, o segundo grau. Só que quando eu completei 12 anos, 12, 13 anos, e fui uma mocinha, minha mãe começou a ficar super ciúmenta, sabe? Porque no interior é o seguinte, se uma moça beijar um rapaz, ela está perdida para sempre. Na época era assim, funcionava. O valor da mulher era menos que um ovo de galinha, com certeza. Hoje eu acho que a gente está revendo tudo isso, revendo essa história, tentando limpar isso. É uma das coisas que eu tento contar, É uma história muito triste, mas com certeza ela vai servir de auxílio para alguém, para alguma garota, alguém que consiga ler. Entender o que é a natureza humana e o que é a natureza da mulher é uma coisa bem diferente da natureza do homem. São dois distintos. Existem homens bons? Existem. até um certo limite, porque ele só é bom enquanto tudo estiver bom pra ele. Na hora que ele achar que deve mudar, acabou-se. Ele não é mais aquela criatura que você pensa que conheceu, não existe. Mulher nenhuma conhece um homem. Então, Eu gosto muito de ler, eu leio muito Freud, eu leio muitos russos, eu amo a literatura russa. Eu acho que eles têm uma profundidade maior do que talvez nós. Eu não sei se hoje a gente esteja despertando, mas existe uma profundidade maior na alma humana, no que é o ser humano, do que o ser humano é capaz. Quando você lê um grande, eu estou lendo Dostoiévski, que eu amo. Então você vê assim, ele desnuda realmente a natureza humana. E eu sempre fui uma pessoa muito calada, muito de observar, mas Eu também tenho meus sentimentos, eu tenho uma alma, eu tenho um corpo e uma alma e eu sofri muito porque como eu te falei, de uma cidadezinha pequenininha do interior, onde as senhoras casadas, velhas, ficavam na janela, tinha uma praça bem grande na cidade, a igreja na cidadezinha do interior, tem uma igreja e uma praça na frente e as casas de um lado e de outro. Então, as velhinhas ficavam nas janelas ou sentavam na calçada para observar se alguma moça Estava namorando sentada no banco de praça. Não era o rapaz, só era a moça. Se uma moça sentasse no banco de praça com um rapaz, pode ter certeza que ela ficaria falada. Falada significa uma mulher que não vale nada. É tipo uma prostituta. E isso desde eu pequena, lógico, eu com 12, 13 anos, eu comecei a enxergar isso e eu via por outro ângulo. Eu digo, poxa, por que que tá sentado um rapaz e uma moça se beijando? Aí a moça fica perdida e o rapaz não fica. Por quê? Agora, o pior que eu achava é que as próprias mulheres Mulheres casadas, velha, mãe de filhos, é quem fazia esse tipo de observação. Então, eu comecei a morrer muito cedo. Então, minha mãe, nessa fase da minha vida, eu fui ficando mocinha, ela ficou super cuidadosa, um cuidado excessivo, e fugia ao meu raciocínio, porque até então ela era uma mãe normal, Aliás, eu não saía da barradeira, como eu te falei, a gente trabalhava com ela todos os santos dias. A única saída que eu podia fazer era ir para a igreja. Ela era muito católica, então eu me tornei católica, praticante, e eu vivia nos pés do padre. Eu vivia rezando, vamos dizer, e me confessando, e comungando, e assistindo missas. Então, como eu era muito católica, e minha mãe também, e minha mãe, logicamente, por ser tão católica e tão conhecida na cidade, que ela era uma pessoa que todo mundo conhecia, e que todo mundo falava assim, por conta da história dela, que foi uma coisa bem trágica, bem difícil, uma pessoa que era uma das pessoas mais ricas da cidade, de repente, chegamos, não passamos fome, fome mesmo, mas chegamos um nível bem difícil de vida. E também a questão, a gente fala, hoje em dia, se as crianças começarem a trabalhar, não pode porque a criança tem que brincar, é lógico, a criança tem que brincar. Mas eu, particularmente, considero que talvez seja melhor a criança se ocupar de alguma coisa, é lógico, se ela puder se ocupar de brincar, maravilha. Mas se ela se ocupar, tipo eu, que cumpri horário, todo santo dia, eu e meu irmão, desde os seis anos de idade, meu irmão com sete, ele é um ano mais velho do que eu. E eu acho que não trouxe prejuízo, essa parte não trouxe nenhum prejuízo pra nós enquanto seres humanos. porque a gente aproveitava, tipo, um domingo que a gente não ia pra roça catar feijão, essas coisas, a gente ficava brincando. E até quando a gente tava catando feijão, a gente considerava aquilo uma alegria. Quer dizer, o trabalho em si, o trabalho forçado é errado, principalmente porque a criança trabalha, mas não ganha nada, né? Não há remuneração. Mas eu acho menos é complicado do que você não ter atividade nenhuma para uma criança. Essa forma é que eu acho bem difícil, de você construir um ser humano dentro dos padrões que a sociedade não é que exige, é que seja bom para a sociedade e para ele mesmo, enquanto pessoa, o trabalho não atrapalha. Isso aí eu tenho certeza porque eu passei por isso. Lógico, Cada pessoa tem um modo diferente de ver as coisas. Mas eu acho que a ociosidade é que é o grande mal. Então, essa minha vida, como eu te falei, eu começo a ficar um pouco dolorida. Me desculpe, mas é sério. Eu começo a ter a fraqueza um pouco, porque é bem complicado. Então, como minha mãe ficou assim muito severa, ela não deixava eu sair de casa para nada, absolutamente nada, só para a missa. E às vezes uma mocinha que não quer andar mais com a mãe, é natural, né? Chega na adolescência, quer andar com as mocinhas da sua idade, eu tinha algumas primas, e às vezes eu ia para a missa com minhas primas, aí estou eu na frente caminhando com as minhas primas e minha mãe atrás, Eu já conheci os passos dela. Ela me seguia em tudo que eu fazia na vida. Só que eu era uma menina muito bonitinha. Muito bonitinha mesmo. Eu não tinha, nessa época ainda, nenhum interesse por sexo oposto, nem pela questão de sexualidade, nem de nada. O que eu queria mesmo, o que eu gostava de fazer, era estudar. Isso eu gostava. Eu amava estudar e amava trabalhar também. Eu trabalhava com uma madrinha que eu tinha, fazendo acabamento em roupas. Aí ela fazia das sobras dos tecidos que ela usava. Ela fazia minhas roupinhas. Era muito legal. Eu adorava fazer aquilo. Aprendi a fazer procé, bordar. Ela me ensinou a bordar, costurar. Foi ótimo. Então, aí minha mãe começou a me prender mais e mais e às vezes até a ser grosseira mesmo. Teve um dia que eu fui comprar uma caneta Bic. Eu sou louca por caneta. Na minha época de estudante, caneta Bic era um luxo, porque não existia caneta e eu sempre odiei escrever com lápis. Lápis comum. Nunca gostei. Lápis grafite. Quando eu comprei a primeira caneta Bic, eu não sei como eu não tive um infarto de alegria. Aí na época só tinha azul, né? Só tinha azul. Aí depois surgiram vermelha e preta. E pra comprar uma caneta Bic, eu tinha que suar muito, porque eu não tinha dinheiro. Então, a minha mãe não soltava muito dinheiro, não soltava nada Lógico, a gente tinha que trabalhar pra sustentar a casa Então, um dia ela me deu um dinheiro pra comprar uma caneta Bic E eu saí, fui comprar essa caneta Bic, eu tava com 12 anos E a loja era bem pertinho da minha casa, inclusive Eu saí, comprei a caneta Bic e voltei pra casa Eu juro que eu passava, todo mundo me achava antipática, mas não era. Eu era tímida. Eu era calada. Talvez eu me sentisse, sei lá, talvez inferior. Algum tipo de respeitar demais as outras pessoas, principalmente as pessoas mais velhas. Eu sentia isso. Minha mãe obrigava a gente a respeitar os outros, obrigava a não ensiná-la. Quando eu cheguei em casa com essa tandeira, eu tava quase chorando de alegria. E minha mãe me esperou na porta de casa e me deu uma cacetada. E eu sem saber por quê. Porque ela achou que eu tinha ido passear. Eu não demorei meia hora, não demorei porque não dava... Não tinha nem como eu demorar meia hora, era bem pertinho da loja. Então assim, era uma eterna prisão, sabe? Ela não era uma pessoa má, mas eu acho que ela estava perdida, ela estava com medo. Porque, como eu digo, essa questão de a filha de fulana, aquilo é uma perdida. Eu acho que ela tinha esse medo, já que ela era sozinha, né? Porque se ela tivesse um marido, tinha quem ajudasse. E ela sozinha era a responsável. Então eu não posso nem assim condená-la. Eu não entendia, eu não entendia na época, porque eu era uma criança de 12 anos, numa cidade de interior, não existia televisão, não existia informação nenhuma. Revista era a coisa mais difícil de você ver uma revista, tudo era muito difícil. Então, aí teve um dia que eu não sei porquê, não sei se é coisa do destino, coisa do diabo, eu não sei, eu não sei de quem. Mas estava tendo uma festa, porque todo ano, no final do ano, tinha a festa, o mês todinho de dezembro. Aí tinha rodas gigantes, parque de diversões, difusora. Cidade do Intério era difusora. Aí eu lembro que ainda tinha aquelas pessoas que diziam, ah, é, Boa noite, aqui é a fulana de tal, ela tá mandando essa canção para o seu marido, fulano de tal. Sabe, esse tipo de coisa assim, bem... Membreguinha mesmo. Mas era o que tinha de diversão. E minha mãe não deixava eu ir nem pra ir pra canela. Se eu tomar um golinho, não dá. Mas... Não sei se eu acredito em destino, mas... Aconteceu comigo uma coisa muito esquisita, porque teve um dia que minha mãe deixou eu sair com minhas primas e ir para o parque de diversão. Nós fomos. Quando a gente chegou lá, minhas primas saíam, conheciam muita gente, eu não conhecia ninguém. Eu só conhecia minhas primas, minha família. Mas aí apareceu um rapaz, um rapaz outro. Eu tinha 12 anos, ele tinha 14, na realidade. E começou a conversar com uma prima minha e tal, aí disse, quem é essa menina tão bonita, não sei o quê e tal. E começou a fazer elogios e eu fechei a cara e me afastei um pouco. Aí ele foi, ele disse que vocês querem andar na roda gigante e a gente não tinha dinheiro, nem eu nem minhas primas. Aí a gente disse que não, a gente não ia, não podia não. Aí ele disse, não, eu pago. Aí pagou pra todo mundo, só que ele foi numa cadeira com três pessoas. Ele no meio, eu de um lado e minha prima do outro. E outras duas primas, que essa minha prima tinha muitas irmãs, então eram quatro primas e eu. E as outras duas primas foram na outra cadeira. Chegou lá em cima, ele disse, vou beijar essa menina. Aí eu disse, não se atreva, porque eu pulo daqui embaixo. Aí ele ficou na dele, não, mas eu vou beijar, não sei o que. Eu disse, vai não. Vai não. Ou eu pulo ou eu lhe empurro lá embaixo. Bem, aí ele não... Não aconteceu nada, né? Quando nós descemos, aí ele ficou conversando, não sei o que, aí deu uma de santinho, de bonzinho. E ele conversava com a minha amiga e minha amiga me dizia o que ele tava dizendo Aquela coisa meio... tinha muito isso no interior Eu digo uma coisa a você e você passa pra outra Então a minha prima disse assim, ele tá afim de namorar contigo Vai menina, aproveita, ele é um rapaz bom, não sei o que e tal, e tal Aí eu pensei, na hora Sim, aí ela disse e ele vai estudar... Ele vinha pra Nazaré da Mata, vinha estudar no colégio interno. Ele vai estudar no colégio interno, Nazaré da Mata. Para o ano, não sei o quê. Como era dezembro, ele gostou, uma boa ideia eu namorar com ele, porque se você tem um namorado, você tem um compromisso e ninguém te olha mais. Ninguém mais. Você tá dentro de uma cúpula. Era assim. E funcionava. Então eu disse, eu acho que seria uma boa ideia, porque eu namoro com ele, minha mãe sabe que eu tenho um namorado, então ela vai me deixar livre. Foi isso que eu pensei. E como ele vai estudar fora, eu vou poder sair de casa, ver. Tinha muito show lá, quem ia muito na minha cidade era Luiz Gonzaga. Ele ia muito, ele é de Exu, né, ali pertinho. E ele tem... São cidades pequenininhas, tudo próximas. Então ele ia muito pra Afogados. Eu adorava o choro dele. Mas minha mãe não deixava eu ir. Quer dizer, tudo que existia que você podia... Sei lá... Se divertir um pouquinho. Porque não existia diversão, né? Mas eu era tolhida. Aí eu pensei nisso, eu... Muito, no centro. 12 anos, 12 anos, não tinha nada na minha cabeça. Só sentimentos pesados, realmente. Então, eu disse, tá certo. Aí ele disse, a minha prima, a minha prima me disse, eu disse, tá certo. Eu aceito, mas primeiro ele tem que ir na minha casa e conversar com a minha mãe. Não sou eu, vou dizer quem que é ele, o namorado com ele. Quem vai saber é a minha mãe. Eu já conheci a minha mãe, né? Então, nessa mesma noite, ele foi na minha casa, conversou com a minha mãe, e ele tinha e tem um bom papo. Ele é uma pessoa bem diferente de mim, porque eu não sou uma pessoa aberta, que conversa muito. Não sou. Sou uma pessoa mais fechada, mais calada, mais na minha. Consumo muito espremer, mas não de... Assim, não de falar... bobagens, vamos dizer assim, coisas supérfluas. Eu falo mais coisas quando existe necessidade. Mas ele não. Ele tinha uma boa oratória e um bom papo. Menino, não. Ele falou com a minha mãe. A minha mãe permitiu logo, né? Porque também pra ela seria ideal. A filha dela já tinha um compromisso e, afinal de contas, eu usei um anel de compromisso. Ele teve que comprar um anel de compromisso. Pra você ver que tempo ridículo. Mas foi assim que eu vivi, minha amiga. Então... Ele ficou, né? Ele vinha pra estudar aqui na Serra da Mata e eu fiquei lá no interior. Dois anos de namoro, ele me comprou uma aliança de noivado. E com dois anos de namoro, eu nunca tinha nem beijado ele. Nem beijado. Eu não tinha, porque eu sabia que se eu beijasse eu seria uma mulher perdida. Isso eu tinha consciência, né? Diante do sistema, da sociedade, o que a sociedade pregava. Então eu dizia não, porque o noivado pode acabar, ele pode não casar comigo e eu vou ficar uma mulher perdida. Quantos anos você tinha quando você começou a namorar? 12 anos. E ele 14. Então... Quando eu completei 14, eu fiquei noiva de aliança no dedo, aliança de ouro. E ele também, né? E com 16 anos eu me casei. Aí com 16 anos realmente a gente já tinha se beijado, talvez se agarrado um pouco, mas a gente nunca fez sexo. Nunca. Eu casei virgem. Mas o que acontece? Eu não conhecia muito bem a família dele. E talvez por eu ser muito pobre, a família dele não teve o menor interesse em me conhecer. E ele tinha uma irmã que já tinha, na época, 25 anos. Ela é 9 anos mais velha do que eu. E 25 anos lá nessa cidade que eu tô lhe falando, era uma moça velha do Caritório, não casava mais. Chamavam de Titia. Era assim que funcionava a sociedade. Só que ela tinha um primo que morava em São Paulo e que eles namoravam, por correspondência. E ele mandou uma carta dizendo que vinha casar em julho de 1971. Eu tinha 16 anos na época. E Então eles marcaram a data, ele mandou eu uma carta dizendo que vinha casar em julho de 1971. nem sabia, fiquei sabendo tudo depois. Ele marcou, meu marido marcou uma data, meu ex-marido, ex-marido, meu ex-marido, marcou uma data 27 de julho e ela 28 de julho. Ele foi na minha casa, disse à minha mãe que tinha feito um teste, tinha pegado o meu xixi, Tinha colocado em cima de um sapo e eu estava grávida. E eu tinha que casar. Eu estava grávida, né? Lógico. Isso foi um soco muito grande pra mim. Quando minha mãe me perguntou como é que eu tinha feito o sexo, onde eu tinha feito o sexo, eu fiquei... Como? Onde? Eu não fiz nada. Mas ele disse à minha mãe que eu estava grávida e que a gente tinha que casar. Então a gente casou no dia 27 de julho de 1971, que na realidade fui eu e ele pra igreja e ninguém da nossa família, nem da minha família nem da dele. Pra você ver que desastre, né? Duas crianças se casando, eu não tinha nenhuma consciência pra vida, eu não tinha... Hoje uma menina de 16 anos, Sabe muito. Por quê? Porque existe informação, a informação é muito clara, é muito... Chega pra você. Mas naquela época, você não tem informação nenhuma. Eu pensava que se a moça desse um beijo no rapaz, ela ficava grávida. Eu não tive nenhuma educação sexual. Nada. Então... É, vou me casar. Só que eu achei que ele tava brincando, né? Mas ele disse, não, tem que ir pra igreja, não sei o que. Eu disse, eu não vou, não. Vamos pra igreja, vamos fazer. Você tá brincando, né?" Ele disse, não, não, não, a gente vai casar. Bem, a gente foi pra igreja e casou. Tinha quatro anos de relacionamento, né, entre namoro e noivado. Ele parecia gostar muito de mim. Era o que todo mundo pensava e eu também pensava. Beleza. Nós fomos pra igreja, casamos os dois. E eu ainda estava incrédula. A irmã dele casou no dia seguinte. Aí até perguntaram pra ela por que não casaram os dois irmãos, não é, irmã dela? Não, porque eu não vou me casar com moça perdida, junto com uma moça perdida. Eu só fazia dizer assim, eu vou botar no meu baú, sabe? Eu tenho o meu baú, tem muita coisa. Aí tudo bem. Quando foi no dia seguinte, fizeram uma festa imensa pra ela, porque no meu casamento foi só choro, né? A mãe dele chorava, a minha mãe chorava, meu irmão chorava, foi um desastre. E no dia do casamento dela, foi uma festa, porque uma moça de 25 anos casar, Mas é melhor do que arrumar um tesouro para os pais. Dizem, cadê uma filha? Que coisa! Então, aí foi a maior festa. A casa cheia de gente. E, de repente, ele começou a falar. A falar não, a gritar, porque a família dele tem umas empolgações. De repente, eles dão uns gritos ali de casa. E eu nunca fui acostumada com isso, porque na minha casa era tudo mais calminho. Então eu lembro que ele, assim na mesa, botou o braço em cima da irmã dele e disse, se eu não disse... O nome dela é Terezinha e ele chamava ela de Coló Aí ele disse, se eu não disse Coló, que eu casava primeiro que você Aí me deu, sabe? Apesar de eu ter 16 anos e não ter muita experiência, nada, mas aí me deu Sabe, uma vontade de sair dali correndo. Aí eu disse, eu vou me embora. E fui me embora. Só que eu fui direto na casa do padre. E eu contei isso ao padre e eu pedi que, pelo amor de Deus, ele cancelasse esse casamento. Anulasse esse casamento. Eu não me considerava casada. Aí o padre me disse, minha filha, uma pessoa se casa, Em nome de Deus. Deus foi quem uniu. Só Deus pode separar. Veja bem, se você sair, se separar agora, você vai ficar uma mulher sem valor nenhum. Você não vai ter valor mais pra nada na vida. Mulher salvada, você fica um marido. Aí eu disse, meu Deus, isso tem que mudar de alguma forma. Mas tudo bem. Então, o padre era meu amigo, era amigo da minha mãe, porque a minha mãe era muito católica. E foi o que ele me disse. Você não pode fazer isso, porque você vai ficar uma mulher falada. Você não vai ter mais valor nenhum. Essas palavras, com essas palavras. Você não vai ter mais valor nenhum. Se você fizer isso. Se você deixar ele, se separar. Tá bom. No... Aí fui-me embora, né? Chorei muito, me apanhei e tal, mas ficamos. Eu não tinha onde morar, ele dormia na minha cama comigo, uma cama de solteirão. Que eu tinha e ele ia dormir lá em casa, nessa cama. Desastre total. Desastre total. Do começo ao fim. Então... Aí... Eu... Tinha que continuar casada pra não ser uma mulher perdida, falada e sem valor nenhum. Eu não queria ser uma pessoa sem valor. Eu acho que ninguém consegue viver nesses termos. Aí eu fui e fiquei sabendo das fofocas da irmã dele, as coisas que me magoaram muito, tipo essa, né? Tipo, quase como se eu fosse uma puta. Eu casei com o irmão dele porque eu tava grave, porque eu era uma puta. Isso me machucou e eu acho que me machuca ainda, porque eu não merecia. Eu não merecia. E quando eu saía assim na rua, na cidade, tipo, saía da minha casa para a casa dele, que eu vou caminhando, as pessoas saíam. Ei, vem ver! Vem ver! A menina de Romana! A menina de Romana! Sabe? Aquele alvoroço. A menina de Romana. Olha a minha barriga. Deus sempre foi muito bom comigo e eu só fui e parei com dois anos de casada. Então eu tapei a língua de muita gente. Eu ainda engravidei, mas abortei. Eu era muito novinha. Eu não tinha ainda nem as regras certinhas, todo mês e tal. Eu não tinha. Eu era bem mais menina do que mulher. No terceiro dia de casamento, Nessa época eu trabalhava com um tio meu num escritório de contabilidade. No terceiro dia de casamento, uma colega, uma vizinha, morava vizinha da minha mãe, foi no escritório onde eu trabalhava e disse, eita, mas menina, ela sabia que eu namorava com esse cara, esse é o nome dele, essas coisas gravadas, Se forem utilizados, não será com esse nome, né? Se você quiser, a gente pode mudar. Pode mudar, né? Mas o vídeo vai estar na íntegra. Você que manda. Meu Deus, eu me esqueci disso. Não tem nenhum problema. A gente não precisa colocar, a gente pode cortar partes, tá? Tá. A gente pode cortar, a gente não precisa ir inteiro mesmo. Certo, certo. Aí então, no terceiro dia de casada, chega essa moça que era vizinha da minha mãe, aí entra no escritório onde eu estou trabalhando, aí diz, eita, mas menina, fulano, eu vou dizer... Eu vou dizer baco, tá? O Baco estava no maior amor com o Fátima. Eita, meu Deus, estavam se beijando. Aquilo era que era um chambrego, aí eu disse. E é. E ela namora com um encasado. Quer dizer, isso foi no terceiro dia. Terceiro dia do casamento. Ele é de uma família de homens que não respeitam de maneira nenhuma as mulheres. Eles traem como se fosse a coisa mais natural do mundo. Não só ele. Ele é o último de uma família de quatro. Mas os quatro, todos os quatro, traíram as esposas. O mais velho, por sinal, levava a amante pra casa. A mulher só faltava morrer. Ela sofreu muito, ele batia nela. Eu apanhei também, mas eu só apanhei uma única vez. Quando nós fomos morar juntos, ele já tinha conseguido um emprego na Caixa Econômica Federal, e teve um dia que eu estava... cuidando da minha menina, da minha menina mais velha. E eu não sei o que foi que ele disse, o que fez, eu só sei que ele me deu um sulavão. Essa eu não aguentei não, disse, bem, eu aguento tudo, eu sei que ele me trai, eu sei que ele não é um bom marido, eu sei que nunca vai ser, mas apanha, eu não apanho não. Aí eu saí de casa, fui pra casa da minha mãe, que era pertinho. Aí, na casa da minha mãe, eu cheguei lá, chorei, chorei, chorei. Ela perguntou, o que foi, menina? Aí eu disse, fulano, babaco me bateu. Aí ela disse, se foi, eu disse, foi. E eu não quero mais voltar pra lá, não. Só que meu irmão estava em casa e ouviu. Não disse uma palavra. Bem caladinho, né? Aí eu fiquei por ali, chorei muito. Aí quando eu vejo meu irmão, meu Deus, meu irmão ouviu. Um pouco de tempo depois, meu irmão foi lá. Bem calmo, calmo, calmo. Na maior maciedão do mundo, ele disse, você nunca mais levanta um dedo pra ela. Se você não quiser viver com ela, você deixa. Eu levo ela pra casa agora, mas você não pisca nela. Realmente, ele sofreu isso dessa vez. Mas o que ele fazia... E como você se sentia, Norma? Eu me sentia, tipo, uma barata. Um bicho sem valor, sabe? Uma coisa asquerosa. Me sentia sem vida. A minha primeira gravidez, por exemplo, Eu só tinha um único vestido, que foi, na realidade, a irmã da minha madrinha, essa costureira que me ensinou muitas coisas. E a família dela toda era de costureiras. Então tinha a costureira mais velha, que se chamava Dona Júlia, gostava muito de mim. Fez um vestido de grávida e me deu. Foi o único vestido. Eu passei os nove meses com esse vestido. Eu não tinha outra roupa. Ele trabalhava na Caixa Econômica Federal e ganhava um bom dinheiro. Mas eu não tinha direito. Minha filha, quando nasceu, a minha primeira filha, ela só não ficou nua porque minha tia deu umas roupinhas, minha tia tinha muito menino, e deu umas roupinhas, uns paninhos, na época umas fraldas de tecido, que não existia ainda, fralda descartável. E minha tia levou no hospital, porque a menina nasceu nua e ficou nua, não tinha nada. Um pano pra colocar em cima. Ele nunca comprou nada pra um filho. Então... Como foi pra você se tornar mãe? Me tornar mãe foi uma alegria muito grande, mas... Eu tive dois partos fósseis. Eu quase morro dos dois partos, dos dois primeiros partos. E eu conversando com a minha psicóloga, ela me disse que talvez o meu O meu subconsciente não quisesse ter filho com aquela pessoa e talvez ela tenha razão, porque o filho é genético, ele tem metade de um e metade do outro e você não sabe quem vai ser. Então talvez isso tenha muito fundo de verdade. Porque a minha filha, para nascer, o médico teve que me cortar um pedaço cru do jeito que eu estou aqui e puxar com um ferro. E isso fora que eu morava, na época que eu tive a menina, eu morava em Caruaru, e eu comecei a sentir as dores do parto. Aí ele me levou pra uma maternidade, que acho que ainda hoje existe, maternidade do Estado, da UOC, eu não sei, era uma coisa pública. Só que ele era funcionário da Caixa Econômica, e a Caixa Econômica tem um plano de saúde muito bom, Quer dizer, ele não foi homem para me colocar num hospital decente. Ele me jogou num lugar de indigentes. Aí eu morrendo de dor, morrendo de dor, e aquele alvoroço, um cada mulher grávida, um cada mulher parindo, e de repente eu só vi alguém gritando, uma mulher gritando, uma mulher gritando. Aí me disseram, disseram numa alvoroço, a enfermeira puxou o menino, arrancou a cabeça do menino, tirou a cabeça do menino e o menino ficou lá dentro. Poxa, velho, eu tava sentindo a dor aí do parto. Imaginem o que é uma mãe de um primeiro filho aos 18 anos de idade, é ouvir uma cena, ouvir e ver uma cena dessa. Não, a arteira foi lá e puxou a cabeça do menino, arrancou a cabeça do menino, mas o menino tá lá dentro ainda e a mulher tá já morrendo. Aí eu disse, meu Deus, o que é que eu vou fazer? Então eu passei o resto da noite sem dormir, então elas vinham, vamos fazer um exame pra ver a dilatação. Aí eu disse, olha, passou tudo, eu acho que foi só um susto, eu tô boazinha. Passei o resto da noite assim, mas eu já morrendo de dor, sentindo uma cólica atrás da outra. Aí de manhã ele foi ver, logicamente, ele foi ver como eu estava, né? Porque ele me jogou lá e foi trabalhar, sabe? um bicho, um animal, uma coisa inválida. Então, quando ele chegou lá de manhã, eu disse, olha, pelo amor de Deus, me leve daqui pra minha cidade, que eu não vou ter esse menino aqui não. Aí nós viajamos de trem, de Caruaru para Fogas da Engazeira. Minha amiga, é um dia todo de viagem, você comendo terra. Porque quando o trem passa, ele levanta poeira da estrada todinha. Quando eu cheguei, eu fui direto para o hospital. Eu estava, logicamente, sem aguentar. Eu fui para o hospital, mas ele não foi não. Fui em casa conversando com os parentes dele. Eu fui sozinha para o hospital. No hospital, eu peguei uma enfermeira péssima. E o médico era coisa super importante. Na minha cidade tinha três médicos só. Então o que eu peguei era o mais importante dos três. Aí a enfermeira, eu dizia que estava morrendo de dor. Ela me puxou tanto, arregaçou tanto a minha vagina. E eu passei três meses sem conseguir me sentar. Eu lhe juro. E ela fazia, essa era realmente uma moça velha, uma enfermeira velha, então ela fazia assim... Na hora de fazer, ninguém acha ruim, né? Agora na hora de parir, vem pra cá gritar, não sei o quê. E fora que eu só dizia que tava doendo, eu não gritava. Mas eu sofri. Assim, a noite inteira, assim, é quando foi... De manhã, às oito horas da manhã, o médico foi e disse, eita, morre a mulher e o menino e eu não tenho mais o que fazer. Porque já tinha passado da hora de nascer. Aí ele pegou um bisturi, me cortou, assim, da vagina ao reto, e por sua mina arrancou a menina. E já tava inchada, nem sabia nem se ela ia escapar ou não. Ela ainda tem, hoje ainda ela tem um corte bem grande na testa e outra aqui na quase furou o olho dela, o ferro que foi utilizando, chamado parto fóssex. No outro ano, eu tive outro menino e foi a mesma coisa, porque não existia... Eu não sabia fazer um método anticonceptível, Eu não tinha experiência com nada disso. Totalmente ignorante, sabe? Puramente ignorância minha. E da minha família, da minha mãe, que nunca me disse a, nem de... Na escola também não se aprendia nada a respeito. Então, o médico, inclusive, quando soube que eu estava grávida, ele ficou assim, né? Passado. O velho disse, você tinha que passar no mínimo três anos pra poder ter outro filho, porque o meu quarto foi muito difícil. Mas eu só vim saber que tava grávida uns três meses depois. Eu já tava com uns três, três pra quatro meses que eu vim saber que tava grávida, porque até então eu cuidava da menina, eu cuidava da menina, eu cuidava da casa, lavava, passava, fazia tudo. E ele fazia assim. Olha, eu venho almoçar até a hora, você deixa o meu prato, o prato feito, meu prato na mesa, eles chegavam a almoçar lá, você levantava e saia e ia ficar com... Vi umas mulheres que eram famosas, na época, tinha a zona, onde os homens iam para a zona mesmo, chamavam as prostitutas, as raparigas, tudo quanto não presta. E eles iam pra lá e tinham outras que eram tipo mulher de programa. Ele saía assim, não tinha o menor carinho com a minha filha. O menor carinho. Eu nunca vi ele pegar ela no colo e dizer... Ai, que menina bonitinha, sabe? E ela ainda vestia a roupa usada das minhas primas. Porque eu não tinha, eu não conseguia trabalhar. Como é que eu ia trabalhar? Tomando conta de casa, da criança. E o emprego lá também era, assim, muito difícil. E ele trabalhava na Caixa Econômica Federal, ganhava um bom salário, tinha plano de saúde, mas eu nunca usei esse plano de saúde. Aí... Depois ele passou no concurso do Banco do Brasil e foi trabalhar no Banco do Brasil. E foi nomeado gerente não sei das quantas e foi transferido para uma cidade chamada Belém do São Francisco. Aí eu já estava... Não, nessa época eu já tinha três filhos. Primeiro os dois. Quando foi nascer o meu segundo filho, já sentia as dores do parto também, Ele se levantou, aí eu disse, olha, eu acho que o neném vai nascer hoje Aí ele pegou, assim, alguns trocados, sei lá, assim, por 10 reais Aí eu falei, pai, pega um táxi e vai pro hospital E foi trabalhar Aí quando foi umas duas horas da tarde, aí na cidade inteira saiu a notícia que eu tinha morrido Foi, porque o quarto foi bem mais difícil do que a primeira, sabe? Bem mais difícil do que a primeira. Aí a notícia se espalhou que eu tinha morrido. Aí, como eu também tinha levado outro corpo bem grande na vagina, eu fiquei no hospital, o médico ficou me costurando lá na mesa, onde eu tive a criança. E pegaram a criança e botaram no quarto. Só que o menino era preto, da cor de carvão. Preto. Preto. Todo curso, assim. Bem escuro. Não era preto. Não era marrom. Era preto. Azulado. Um preto azulado. E eu fiquei lá um tempão nele, me costurando. E como se espalhou a notícia que eu havia morrido, Aí o pessoal do banco foi lá no hospital e ele foi junto, né? Aí chegou lá todo... Cadê a minha mulher? Cadê a minha mulher? Sabe, como se estivesse bem aferreado. E, logicamente, eu acho que ele não tava. Aí, depois, quando eu fui pro quarto, que eu olhei pro menino, eu disse, não pode ser meu filho. Não pode. A cabeça do menino era inchada. Foi horrível, horrível, horrível, horrível. Esse menino gritava. Ele gritava sem parar, assim, 24 horas por dia, dia e noite, sem parar. Só gritando, gritando, e eu não sabia o que era. Então, eu pegava ele e segurava assim, apertava bem contra o meu peito. Ele se acalmava. Ficava quietinho. Aí, às vezes, por exemplo, eu fazia tudo com uma mão só, porque... Eu não tinha quem fizesse nada, só era eu mesma. Eu fazia tudo dentro de casa. Lava roupa, lava prato, tudo. Cozinhar. Eu fazia tudo com ele aqui. Segurando ele com uma mão e fazendo com essa outra mão. E a mina pequenininha. E eu morava numa rua onde quando você menos esperava tinha três, quatro cobras passeando dentro de casa. Era uma beira de rio. Minha vida foi... Eu não sei como eu aguentei. Até hoje eu me pergunto como eu suportei, até onde o ser humano consegue suportar tantas maldades, tantas coisas. Então teve uma vez um amigo dele que ficou muito preocupado com a minha vida, como eu estava vivendo, ele era casado também, tinha dois filhos, a esposa dele era professora, mas ele tinha empregada. Aí ele disse, olha Baco, Tem uma moça que quer trabalhar. Bota ela em casa, rapaz. O Madness me chamava com o Madnão. O Madnão não vai aguentar isso não, rapaz. Tu é doido? Eu não tinha vida. Só fazia trabalhar, trabalhar, trabalhar. Aí ele contratou essa empregada, né? Pelo menos eu espero que chegou ele com a empregada. E como eu disse, eu passava a noite com o meu filho aqui, porque se eu soltasse ele, eu começava a chorar. Eu me sentava na cadeira de balanço que tinha, botava um travesseiro aqui, botava outro travesseiro aqui pro bebê não cair, e eu ficava assim, segurando ele com as duas mãos. E dormia... Cuchilava, né? Porque eu não conseguia dormir com o bebê no colo. Eu cuchilava com ele aqui, bem apertadinho. Minha bateria. Quer pôr pra carregar? Eu coloquei. Ah, então... A moça chegou, né? Os quartos nas casas do interior, geralmente não tinha porta. Só o buraco da porta, mas não tinha a porta física, né? Pra você fechar. Tô eu lá com o bebê aqui, ele chegou, olhou, me olhou bem de pertinho, pensou, né? Ah, ela deve estar dormindo. Simplesmente entrou no quarto da mulher e foi transar com ela. Como se eu não estivesse ali, como se eu não existisse. Como se a mulher também, as mulheres também, eu não sei, não sei se elas precisavam fazer isso pra manter o emprego, eu não sei o que era. Eu só sei que minha vida foi isso. Eu não tive... Se você me perguntar se eu tenho um momento, um só momento de alegria com esse homem, eu não tenho. Foi só decepção. Do primeiro dia ao último. Graças a Deus eu tô divorciada, né? Já tem vários anos. Mas eu passei 33 anos casada com esse homem. Em princípio, eu vou condenar, entre aspas, eu vou dizer que a religião teve muita influência, minha família é muito religiosa. Teve esse lance do padre me dizer que uma mulher que se separa do marido não vale mais nada, não tem mais valor nenhum. Isso pesa drasticamente no adolescente. É uma coisa assim, e você de certa forma acredita, porque é um senhor mais velho, com mais experiência, mais sabido, é um padre que está dizendo um negócio desse, então pesa muito na cabeça de uma adolescente de 16 anos, e não tem nada na cabeça ainda. Porque eu não tinha formação ainda, mesmo minha psicológica, e eu não tinha outra, uma formação exterior, porque não existia, era uma cidade deste tamanhinho, com a mentalidade das pessoas desse tamanho, não ainda. Então, aí eu fui... Sim, aí eu fui e eu disse a ele, eu não quero mais você aqui em casa não, vá-se embora. Por conta desse laço com a mulher, né? Aí ele saiu, foi pra casa da mãe dele. Daí a pouco chegou a mãe dele, fez uma chororô, não sei o quê. Eles já estavam casados, já tinham dois filhos. Não sei o quê. Eu tinha que perdoar isso. Eu sei que ela fez um drama tão grande que eu... Tá bom, dona fulana. Eu vou chamar ele de volta. Aí eu chamei ele de volta. Ele voltou pra casa. Agora mandei a moça ir embora, porque não dá certo ficar com duas esposas aqui. Não vai dar certo. Aí ele mandou a mulher embora. Agora, era... Sabia aquela cara de... Eu não fiz nada, sabe? Cabia coisa mais simples do mundo. Coisa mais simples do mundo. Sair, transar com quem quisesse. Era a coisa mais simples do mundo. Era natural. Era natural. E assim foi sempre. Depois eu tive mais uma outra filha. E, por sinal, no dia que eu fiz uma viagem para São Paulo, eu queria saber do meu pai e também eu tenho uma série de coluna e eu fui também ver o que é que eu tinha. E eu fui, eu tinha 22 anos na época. Não, eu tinha 21 anos, 20 ou 21 anos. Eu sei que eu fiquei lá uns três meses. fazendo tratamento de coluna e tal, e procurando meu pai. Eu fui na casa de um primo do meu pai, que foi esse primo que insistiu muito pra que meu pai fosse pra São Paulo, que ele não queria ir de jeito nenhum. Ele tentou ir quatro vezes e desistiu quatro vezes, porque ele não aguentava deixar a gente. Ele andava com eu de um lado e meu irmão do outro. Um no braço, outro no outro. Era o melhor pai do mundo, sem sombra de dúvida. Ele era um homem zarrão, mas ele brincava com a gente que parecia outro bebê. Então, quando eu cheguei na casa desse primo dele, aí eu perguntei pelo meu pai. Eu disse que eu sou filha do Luiz Xavier de Moura, seu primo, que o senhor trouxe ele de Afobasa da Engazeira pra cá, e eu gostaria de saber a notícia dele. Aí ele sentou-se sentado assim e disse, Chegou aqui e começou a namorar uma moça muito bonita. Ele era muito bonito, meu pai, muito bonito. Começou a namorar uma moça muito bonita. Depois ela casou e o marido dela, com ciúme, mandou matar ele a paulada. Desse jeito, na lata. Aí eu digo, meu Deus, o que eu faço da minha vida? Porque era tudo assim, sabe? Então eu saí de lá, eu não quis mais nem olhar na cara dele, porque eu acho que ele não podia... Ele podia ter me apresentado com uma certidão de óbito, sei lá. Mas eu não tive mais coragem de ficar e de enfrentá-lo. Eu simplesmente fui-me embora. E não sei se é verdade ou não. Ainda hoje eu não sei se é verdade ou não. Aí, quando eu fui embora, Eu voltei pra minha terra e eu tive mais uma última filha. Eu tenho duas meninas e um menino. Eu engravidei da última filha. Aí ele já disse ao médico que era pra fazer ligação de trompa em mim. Fazer cesárea e ligação de trompa. Ele não me perguntou se eu queria ligar minhas trompas. Nada. Ele decidiu e pronto. E foi assim mesmo. Quando eu estava na última semana da gravidez, porque já estava marcada a cirurgia e tudo, um domingo à tarde, eu acho que eu ia fazer a cirurgia na terça-feira. Então, no domingo à tarde, a gente saiu com as crianças e uma das mulheres que ele transava sempre apareceu. A gente estava nessa praça na frente da igreja, brincando lá com as crianças. Aí ela apareceu. Eu com a barriga deste tamanho e tomando conta de duas crianças pequenas. Correndo atrás de duas crianças pequenas. E ele foi conversar com essa mulher e esqueceu que existia. Aí eu vi que era melhor eu ir pra casa. Eu peguei os dois filhos e fui andando pra casa. Ele, não, peraí, não sei o que. Aí ele achava ruim se eu fiz essa coisa. Ele não concordava. Eu é que estava errada. Mas o que eu ia fazer? Eu estava angustiada, a barriga desse tamanho, novo, e realmente as duas barrigas primeiras foram bem pequenininhas, mas a última foi engredona. E engraçado que a menina era do mesmo tamanho. Nasceram os três com três filhos e 400 gramas. Não sei se era da maternidade, né? Nasceram os três e iam afogar a zangadeira. Então, Eu fui vivendo assim, eu considero que eu estava numa prisão, uma espécie de prisão que eu não via luz em canto nenhum, não existia nem túnel onde eu procurasse uma luz. E a minha família é pobre, eu não tinha quem pedir socorro, eu não tinha quem pedir ajuda, eu não tinha como trabalhar. Principalmente agora, com três meninos pequenos. Eu sei que eu chorava muito e, nessa época, eu escrevia muito. Eu passava a noite escrevendo. Tem um bocado de poesias que eu escrevia que, se você pegar, é só sofrimento. Não tem nenhuma que você diga, Deus, que poesia linda! Não, é só baixa-astral. Então, eu tenho inclusive um livro editado. Ele insistiu que só para editar esse livro e ele que escolheu as poesias que até hoje eu me arrependo. Mas tudo bem. Então, ele foi nomeado por uma cidade, na época ele já estava no Banco do Brasil, foi nomeado por uma cidade chamada Belém do São Francisco, que é nas margens do Rio São Francisco. Terra da Cibola. Aí eu disse, tu vai e eu fico aqui com os meninos. Tinha um desejo imenso de ficar longe dele um pouco, sabe? Era muito sofrimento, era muito sofrimento. Porque você tá casada e você aprende a gostar daquela pessoa, a respeitar aquela pessoa. Você olha pros seus filhos, é filho meu e dele. Muito assim, hoje não, porque meus filhos são três pessoas, graças a Deus, decentes. Eu acho que eles se puxaram mais ao meu povo. Meu povo é mais pacato. Eu nunca soube que o meu filho traísse a minha nora. Graças a Deus, graças a Deus. Graças a Deus. Meu filho é um ótimo marido, é um ótimo pai. Eu pensava muito nisso, né, Edu? A família toda é traidora. Mas meu filho não é um rapaz muito direito. Aí o que acontece? A gente foi morar nessa cidade de Belém do São Francisco. E aí estava eu, né? Babada de três crianças. Aí a mais velhinha já tinha... Acho que seis ou sete anos. Então ela já estudava. Eu tinha que levar ela na escola. Aí voltava. Fazia almoço, lavava roupa, barria a casa. Eu tinha que lavar a casa todo dia porque a mais nova tinha asma. E ela só faltava morrer. Ela tinha crise de asma que passava uns 15 dias. Bem doentinha. O hospital não tinha condição de atendê-la. Por isso mesmo, eu era louca pra voltar pra minha terra, ficar na casa da minha mãe, porque uma criança doente e tal, mas ele não permitia. Teve várias noites que eu dormi na casa do médico. Eu tinha um médico muito bom na cidade, ele tem muita pena da minha situação. Aí eu ia dormir. Dormi não, né? Passava a noite sentada na sala dele com a criança do colo. E ele se levantava não sei quantas vezes pra ver a menina. Eu ficava morrendo de pena, mas... Ainda existe gente de coração. Ela tinha que tomar a injeção, uma injeção chamada a aminofilina, que eles aplicavam mais assim, é tipo da coisa, ela pode dar um choque anafilado que a pessoa morreria, e tão forte que é. E as crises eram bem fortes mesmo. E nesse período, ele arrumou uma namorada no banco, no próprio banco. Aí ele chegava em casa e dizia, eu vou me separar, só chamei um advogado. Eu, graças a Deus, eu só pensava, né, graças a Deus. Que agora eu vou ter liberdade, E vou ser separada, mas é ele que tá se separando, graças a Deus O pecado não é meu, tipo, o pecado não é meu Mas ele nunca teve coragem, eu acho que ele é uma pessoa muito fraca de personalidade Geralmente essas pessoas que judeiam muito os outros não são pessoas fortes não São pessoas que se escondem, tem uma capa. Eles maltratam o que ele considera mais fraco do que ele. Ele pode pisar, então ele pisa. E foi assim. Aí nessa época eu tava muito atormentada, porque a namorada dele ia na minha porta buscar ele. Toda uma ideia, na hora do almoço. Ele chegava, almoçava, aí ela passava, ele não tomava nem banho. Ele chegava do banco, se sentava na mesa, almoçava na mesa, ele comia. Diz que ele tinha três filhos, ele não passava um segundo com essas três crianças. Ele não queria nem ver. Então, ele comia. Acho que antes dele terminar de comer, logicamente o prato ia ficar na mesa mesmo, aí essa namorada dele buzinava. Já estava com um carro esperando ele. Aí eles iam namorar lá na ABB. da cidade. E todo mundo sabia, eu também sabia, mas o que eu podia fazer? Por isso que eu digo, é um tipo de prisão onde você não vê nenhuma saída, não existia nenhuma saída pra minha pessoa. Então, nessa época, eu disse, não, eu tenho que mudar de vida, eu não posso ficar assim, não. Aí eu pedi a ele, ia ter um concurso de banco lá nessa cidade, e eu pedi a ele um dinheiro pra matrícula, que era 20 reais, mas eu não tinha. E pedi pra ele me dar uma apostila. Apostila eu nem sei, eu esqueci, é um pouco mais cara. Aí ele disse, é, 20 reais, tu não passa mesmo? O Gui diz assim, como é que uma mãe de família que passa o dia inteiro trabalhando, cuidando de três filhos, de casa, cozinhando, lavando, passando, e ainda com uma namorada do marido que vai buscar ele na porta dela, como é que essa mulher tem cabeça pra passar no concurso de banco? É impossível, né? Naturalmente é uma coisa que não se espera. Aí eu comecei a estudar, eu estudava, eu botava os três meninos pra dormir, tipo oito, oito e meia, eles estavam dormindo, aí eu começava a estudar, e eu não saía dali, eu caía, dormia, eu caía em cima da apostila, eu caía em cima da apostila. Pronto, aí ali eu descansava um pouquinho, daí a pouco já era hora de preparar a casa, e foi assim. Eu passei três meses estudando. E o concurso foi lá nessa cidade. Foi na cidade de Serra Talhada. Mas ela abrangia a região todinha. Serra Talhada, Salgueiro, Belém do São Francisco, Cabrobó, Orobó. Várias cidades ali da região. Então era muita gente concorrendo. E fora que na cidade de Belém do São Francisco já existia uma faculdade. E eu tava fora do mundo, eu tava dona de casa, né, e tal, e tal. Mas eu queria passar. Aí quando eu vou fazer a prova, que foi em Serra Talhada, né, eu morava em Belém de São Francisco, eu fui pra Serra Talhada. Assim, de candidatos. Naturalmente, vai, letra A, letra B, letra C, numa sala lá, tudo dividido mais ou menos assim. E meu nome é Norma. E o nome da irmã da namorada dele, começava com M, eu acho. Só que eu não conhecia ela. Então, quando foi na hora de entrar nas salas, aí ela foi e disse assim, em alto e bom som, eita, parece que eu tenho azar. Você não vai ficar na minha sala, é? Não sabia quem era, não conhecia, nem liguei, né? Achei que nem era comigo. Aí uma esposa de outro colega de banco disse, isso é a irmã da namorada do teu marido. Aí eu disse, meu Deus, é uma boa preparação pra você fazer uma prova. É uma ótima preparação. Esfriou na minha cabeça de tudo. Aí eu disse, eu vou passar nessa porra. Aí eu sei que eu fiz a prova. E eu te juro, só passaram duas pessoas. E a melhor nota foi a minha. Eu te juro. Quer dizer, eu estava decidida. Aí, como a minha filha tinha esse problema de saúde, eu disse, agora eu vou voltar pra minha cidade com ela. Aí ele fez uma carta lá pra direção geral e conseguiu voltar pra nossa cidade. Minha filha não tinha esses problemas de asma como ela tinha lá em Belém do São Francisco. Eu acho que por conta do plantinho de cebola, eles utilizavam muito veneno, então o ar era muito contaminado. Ela não se deu lá de jeito nenhum. Aí eu digo, meu Deus, e agora? Ele vai deixar teto ou vai levar o cérebro nós duas de uma casa? Mas aí ele ficou bonzinho. Bonzinho em termos. Mas ficou aquela pessoa mais, né? Ele diz, ah, uma agora ela não é... Mas aquele lixo, porque eu era considerada um lixo. E não só por ele, mas por a família dele também. A irmã dele não falava comigo porque eu já tinha sido puta, prostituta. Eu casei com ele, mas eu era uma mulher perdida, grávida. Então, a mãe dele me chamava de essa coisinha. Essa coisinha. Quando ela queria se referir a mim. Depois que eu passei no concurso do banco, eu passei a ser a nora dela e a minha cunhada passou a ser minha cunhada. Eu passei a ser respeitada. Meu Deus, eu precisava dar uma tapa de lua nessas pessoas. O tempo vai passando. Eu assumi no banco. E teve um belo dia que ele chegou em casa, ele tinha certeza que eu ia deixar ele, porque quando ele disse que estava se separando, eu disse, muito bem, ótimo, ótimo, traga o advogado aqui que eu assino agora. Então ele sabia que a minha vida não era boa, ele tinha consciência disso, que eu não tinha uma vida boa, feliz com ele. Então ele jurava que eu ia simplesmente desistir, me separar. E teve um dia que ele chegou em casa, que como eu digo, as pessoas que não tem um argumento forte, não tem uma solidez nem respeito, elas usam muito de brutalidade. Então ele chegou em casa e abriu a porta com um pontapé, quebrou a porta. Era uma porta que tinha quatro bandinhas, uma porta grande, de madeira. E ele chegou em casa assim, estupidamente, deu um chute que quebrou a porta. Aí o susto. O que aconteceu? Aconteceu alguma coisa? Não, nada não, não sei o que lá. Bem grosso, estúpido, né? Aí eu digo uma distância. Eu agora vou ter meu dinheiro. Posso pagar uma empregada. Aí então... Depois ele disse que eu sabia que você tinha passado no concurso e agora você ia me deixar. Ele tinha certeza de que era emprestada. Ele sabia disso. Aí eu disse, olha, eu não vou deixar não. Eu não quis deixar. Porque eu era muito imatura. Porque eu ainda era muito arraigada à religião, sabe? Que eu acho que religião é uma coisa que destrói as pessoas. Me desculpe, não sei se você é religiosa, mas eu acho que ninguém... religião devia ser uma coisa proibida. A religião tá dentro de você, pô. Você é que tem que se concentrar com o que é bom ou com o que é ruim, a escolha é sua. Mas o padre chegar e dizer isso é pecado, isso pode ser não e ninguém pode dizer isso. A Bíblia foi um livro que escreveram, como tantos e tantos e tantos outros. E se você pegar, tem tantos livros bem melhores do que a Bíblia. Essa história de você jurar, acreditar e Deus. Fez um homem de barro. Que Deus é esse, minha gente? Quanta idiotice. É inumano você acreditando. É irracional, é irracional. Acho que nenhum ser, nenhum bicho acreditaria. Que o Deus fez um homem de barro. Quando secou, olha, foi lá, arrancou a costela e fez a mulher. Não tem nada de machismo aí. Nada. Não é nada machista. De jeito nenhum. Qual o valor da mulher? Uma costela. Ela não vale mais uma costela. O homem foi feito todinho de barro. A mulher não vale uma costela. Eu não sei. Eu não sei. Eu sou radicalmente contra toda e qualquer religião. Quer dizer, eu não vou de encontro a elas. o modo que nem tem agora. Eu acho que é o único lugar que ele deixa as pessoas sem a menor consciência. Sem a menor responsabilidade também. Então, como eu tinha essa parte muito religiosa, eu sabia que eu ia dar um desgosto muito grande à minha mãe. E eu sempre tive medo de magoá-la, porque minha mãe sofreu muito com a ausência do meu pai. E eu tinha muita pena dela. Então, eu também sofria muito com a ausência do meu pai, aí eu dizia, é bem, eu acho ruim ser criado sem, achei muito ruim ser criado sem pai, não ter pai. Eu não quero dar isso para os meus filhos, sabe? Isso pesava muito, isso pesou muito. E pesou muito essa questão, né? Como é? confiando no poder de Deus no seu pelado e declara marido e mulher até que a morte os separe. Isso é muito... Minha gente, isso não pode existir, não. O casamento, se quiser fazer um contrato social, faça. Mas não leva pro lado religioso. A religião não tem nada com casamento. Acho muito estranho. Mas isso pesou muito. Essas duas coisas pesaram muito. Então eu fiquei suportando as traições dele. O resto da vida, né? Até os 33 anos de casado, quando ele arrumou as jovenzinhas. Ele se aposentou, arrumou as jovenzinhas e foi embora. Aí sim eu comecei a viver. Porque até então, minha vida foi tipo... Eu não considero que exista o inferno, como pregam os que há vida e vida em céu, o inferno que existe no céu, o inferno pior do que o que foi a minha vida durante 33 anos. Uma dessas traições que foi bem severa, eu disse que ia me separar. Já foi aqui em Recife. Aí meu filho disse que preferia ficar com ele. É melhor vocês separarem mesmo. Eu fico com o pai e as duas meninas. A senhora fica com as duas meninas. Aí eu disse, não vai dar certo. Porque eu era muito apegada com meu filho e ele comigo. Eu não queria separar os três. E depois, eu acho que se ficasse esse tipo de separação, ele com o menino e eu com as meninas, eu ia querer ficar mandando, querendo me dominar ainda. Aí eu disse que não vai dar certo. Aí terminei não me separando. A gente fez um tal do encontro de casais com Cristo. E Cristo não vai lá, não. É só o nome. Fantasia, né? Encontro de casais com Cristo. Mas se você for analisar direitinho, quem tá lá é o diabo. A vida toda foi pautada nessa falta de respeito. Falta de respeito, abuso. Meu irmão e minha mãe moravam no interior ainda teve um dia que eles disseram que vinham me visitar. Estava passando um filme, era o último dia de um filme chamado, era uma sexta-feira, Atração Fatal. Era um filme, na época estava assim, era o maior, todo mundo só falava desse filme e seria o último dia que estava passando e eu já tinha dito a ele que eu queria assistir esse filme e que eu ia assistir. Como eu trabalhava no centro da cidade e tinha um cinema no centro da cidade, Aí eu disse a ele, olha, pra semana vai ser o último dia do filme, eu vou assistir, tá certo? Aí ele disse, tá certo, beleza. Tá certo. Aí na sexta-feira, eu e uma colega minha, a gente foi assistir o filme. Sim! E antes disso, tinha um colega de trabalho que morava vizinho do nosso apartamento. Ele era colega de trabalho e era vizinho de prédio, de apartamento. Aí eu disse a ele, por favor, Jair, Aviso a Baco que eu fui pro cinema com Simone e hoje é o último dia que tá passando atração fatal. Desse jeito que eu tô lhe dizendo. Vem cá, Rominha. Tu deixa ele, Diego. Aí eu fui me embora pro filme. Minha amiga tinha carro, eu não tinha. Aí quando a gente saiu do cinema, ela me deixou em casa. Quando eu cheguei em casa, tava minha mãe. Meu irmão. A maior vergonha que eu passei na minha vida. Minha mãe, meu irmão, meus três filhos e ele, todo mundo lá embaixo. Ele tava com a cara assim, parecia o... não sei, um monstro. Um monstro, um monstro. Um monstro, mas assim, né? Aí eu disse, como assim? Eu não lhe falei que eu ia pro cinema com o Simone. Eu já lhe procurei até no IMEA, lá e meu irmão ficou sem jeito. Era uma pessoa muito decente. E ele conseguiu me condenar diante do meu irmão e da minha mãe. Ele jogou sujo demais. Eu disse, e tem mais, tu não tá todo dia na casa do Jairo, vocês não são assim amigos. Quando chega do banco, ao invés de tu entrar na tua casa primeiro, tu entra primeiro na casa do teu amigo Jairo, porque tu não fosse lá. Ele não te falou, não? Mas ele não respondia, ele não dizia que eu tinha dito que cinema... Ele não dizia nada, ele só fazia assim, me crucificar, né? Dizia pra meu irmão que eu, sei lá, tava me perdendo, me debandando. Então foi a maior vergonha da minha vida, eu juro por Deus. Eu não consigo me esquecer disso. Que ele fez assim, né, com meu irmão. Uma foi essa, eu não sei se foi ele se vingando do meu irmão, porque meu irmão disse pra ele não bater em mim nunca mais. E teve outra também que ele fez. Com meu irmão, foi quando eu morava em Belém do São Francisco, que eu não tinha dinheiro, que eu não ganhava nada e tal. E meu irmão teve um sangramento de uma úlcera e ele veio pra Recife, assim, às pressas. Ele tinha 22 anos na época e teve que vir pra Recife às pressas. Ele perdeu. A pessoa tem oito litros de sangue, o homem tem oito litros de sangue, ele perdeu seis. Na realidade, ele perdeu mais, ele tinha menos de dois litros de sangue quando ele chegou aqui em Recife. Só escapou porque era muito novinho e bem saudável. Foi uma hérnia, alguma hérnia, alguma coisa que estourou e teve um seguramento, uma úlcera, alguma coisa desse tipo. Então, Eu fiquei super triste, super... Eu fiquei desamparada, né? Quando eu vi meu irmão doente. E eu pedi a ele pra me dar uma passagem, pra eu vir pra Recife visitar o meu irmão. Ele disse que não. Então eu não pude visitar meu irmão aqui, eu não sabia se ele ia morrer ou não. Mas eu não pude visitar meu irmão, porque eu não tinha dinheiro pra comprar uma passagem. Acho que isso custava, sei lá, 70 reais. Pra viver meu irmão. É outro... É outra coisa assim, que eu não consigo... O pessoal diz, não, mas você tem que perdoar pra ser feliz. Eu não perdoo. Eu não merecia, tá entendendo? Eu não acho que... Ah, você que... Não, mas se tiver que pagar porque eu não perdoo, eu pago, mas eu não perdoo. Porque eu não merecia, eu sei que eu não merecia. Eu nunca fiz nada errado na minha vida. Então, era... Cabresto, sabe? Cabresto. Você vai comer o capim que eu lhe der. Você não pode ver mais nada do que tá aqui nesse espaço. Eu lembro que nesse encontro de casais com Cristo, a gente tinha reunião, e ele não deixava nem eu falar, se eu dar a minha opinião. Eu tinha que dizer pra ele, pra ele dizer, ó, a norma tá dizendo isso, isso, isso. Sabe? Como que funcionava esse encontro? Esse encontro funcionava, você fazia o encontrão, que ia todo mundo, aí se formava um grupo e ficava um grupo de estudo, de oração. Então, esses encontros ficavam toda semana na casa de um dos encontristas, chamavam-se encontristas. Tinha um casal que se chamava coordenador e os outros casais que eram os encontristas E eu vou falando assim, seria até uma coisa boa se não tivesse religião no meio. E podia até ter religião, mas não que fosse a principal, quer dizer, o ícone principal que fosse a religião em si. Porque eu acho que não comporta, eu acho que seria mais tipo, uma aglomeração de casais com filhos, com problemas de filhos, que pudessem se ajudar mutuamente. E eu acho isso válido, eu acho bom. Tem pessoas que já passaram por uma experiência que podia dar pra outra pessoa, que tem os filhos menores. Enfim, como proteger seus filhos de questão de droga. Tem uma série de coisas que eu acho que são super válidas. Mas eu acho que isso não se mistura com religião. Nada disso se mistura com religião. Acho que a religião devia ser, não. Aí você vai pra igreja, faz suas orações, se quiser, se não quiser. Mas é um grupo de amizade, de amizade entre casais. Eu considero válido. Sim, aí esses dias eu tava arrumando a casa, só mais uma que eu me lembrei. Eu tava arrumando a casa e eu encontrei uma pasta, um envelope pardo. Quando eu puxei dentro, aí tinha uma carta da direção-geral, inquirindo ele, porque ele tinha assediado uma colega de banco na cidade de Afogada Inglaterra. E ele respondendo a essa carta. Eu achei assim, meu Deus do céu. Eu sabia que tinha acontecido isso, mas eu não sabia que tinha sido tão forte, né? Porque o banco, na época, ele demitia. Se você começasse a sediar uma mulher, o banco... O banco sempre foi uma instituição mais séria do que o resto da sociedade, eu acho, né? Então, a carta que ele fez, pedindo o pinico, Era pra eu ter guardado, porque eu tenho muita vontade de... de realmente publicar isso, sabe? E eu queria ter publicado essa carta, mas eu tive tanta raiva que eu soltei fora. Aí eu disse... Ele não prestava, sabe? Ele não prestava. Ele tinha um amigo que era casado com uma colega de banco, super amiga minha, foi minha colega de... de colégio lá no interior, em Alfogarejadeira. Minha super amiga mesmo. E a gente sempre tava junto e tal. E sei lá, talvez ela tenha feito isso um dia e o decote baixou um pouco. Aí ele me disse, ele disse a minha pessoa que ela tava fazendo isso pra ele olhar os peitos dela. Que se eu não queria perguntar se ela queria transar com ele pra eu transar com o marido dela. Eu ainda tive que suportar isso, sabe? De ele querer transar com... Arrumar um casal pra ele transar com a esposa do cidadão e eu transar com o cidadão. E assim, eu não contendo quem faz. Deve ser interessante pra quem gosta. Mas não é o meu feitiço, assim, não é a minha vibe, eu não sou... Eu não sou uma pessoa... Eu sou aberta a tudo. Eu acho que você tem que ter liberdade. Você tem que fazer o que você quiser. Mas você não pode ferir a liberdade do outro. Você é livre. Eu não acho que ninguém deve ter correntes. Eu tive correntes e foi a pior coisa que me aconteceu. Então, eu não quero ninguém perto de mim acorrentado. Eu jamais faria isso. Mas tem determinadas coisas que é minha índole, eu não faço porque eu não vou me sentir bem, eu não acho que vai me trazer nenhum prazer, nenhuma satisfação extra, diferente, não. Então, isso é fora de cogitação. Não é que não sou puritana, nem tô dizendo que quem faz tá certo ou errado, eu não julgo ninguém. Mas eu não faria. E outra coisa, na presença. Eu diria que seria na presença. Aí eu digo, não, eu tô fora. E isso também era um medo que eu sempre tive, porque eu via muito ele afrontar. Às vezes as pessoas, sabe? E ficar falando assim, sabe? Principalmente os amigos mais... mais íntimos e mais vulneráveis, que eu considerava mais vulneráveis, do próprio encontro de casais com Cristo. Aí eu disse, olha, eu não vou mais, eu não quero mais saber desses encontros não. Eu vou ficar sem religião mesmo. Por enquanto eu sou budista, não quero saber de católicos mais não, cansei. E Norma, como foi o seu primeiro dia no seu trabalho? Como você se sentiu? Eu me senti... É impressionante, porque como eu te disse que eu comecei a trabalhar com 6 anos E aos 12 anos eu comecei a trabalhar no escritório de contabilidade de um tio meu E eu ganhava meio salário mínimo, que era 120 reais, se fosse os dias de hoje, sabe? 120 reais E aí eu comecei a trabalhar no banco, e no primeiro dia já... Eles têm umas brincadeiras assim que te dão uma facada e tiram metade do teu salário, é bem engraçado Aí eu me senti feliz, agradecida, e eu agradeci muito a mim mesma, pela minha força, pela minha garra, pela minha determinação Pelos meus filhos, porque eu morria de vergonha das minhas filhas não terem roupa As bichinhas andavam feitas umas esmolezinhas, sabe? Menino de rua. Aí eu digo, agora eu vou comprar roupa pra elas, vou comprar roupa pra mim, que eu também não tenho roupa. Então foi... Foi um dia maravilhoso, foi um dia realmente inesquecível. Inesquecível. Dia 16, eu nasci no dia 16. E eu entrei no banco no dia 16 também. 16 de julho de 80. Foi muito, muito, muito, muito bom. E quando eu recebi o meu primeiro salário, juro por Deus, eu queria devolver ao banco. Eu quis chorar. Porque era muito dinheiro. Tipo, eu ganhava 120 reais pra trabalhar um mês. 120 reais, que era meio salário mínimo. E eu passei a ganhar, tipo, 4 mil reais. Imagina, eu ganhava 120 e passei a ganhar 4 mil. Não tem como você assimilar. Pra trabalhar um mês também, né? 30 dias. Então foi muito forte aquilo em mim. Eu disse, meu Deus, eu tô roubando o banco. A minha consciência era desse tamanho. Eu vou devolver esse dinheiro, não pode ser meu. Eu não fiz nada pra ganhar isso tudo. Isso é salário por ano. Foi muito, muito, muito bom. Muito gratificante. Realmente. Hoje eu não sei se eu me arrependo, se eu... Eu não posso dizer que me arrependo, porque teve outras coisas, né? Mas era pra eu ter deixado ele, realmente. Não fazia o menor sentido mais a gente viver junto. O menor sentido. Mas, infelizmente, eu fracassei. A gente... Tem que se perdoar, né? Eu me perdoo, porque eu já me punei muito. Eu sou muito carrasca comigo mesma. Mas eu tento me perdoar nessa parte. Porque eu, com aquele salário, eu podia criar meus filhos longe dele. Agora, como eu sei que ele é, tipo, uma peste. Tipo, o coronavírus que a gente tá aqui, todo mundo é uma reina de medo, sabe? É tipo uma erva ruim, daninha. Eu acho que ele nunca ia me deixar em paz. Eu tenho certeza. Eu tenho certeza disso. E então, como eu falei, quando a gente casou, nós éramos dois estudantes. Tivemos três filhos. Eu passei seis anos de casada, seis anos sem trabalhar. Depois disso eu fui trabalhar, quer dizer, no mesmo emprego dele, né? Banco do Brasil, ele também trolhou a Banco do Brasil. Tudo que eu tinha, eu fui uma pessoa muito econômica, eu também ajudava a minha massa um pouco, a minha mãe, uma tia e tal, ajudava a família, mas eu sempre fui mão de vaca. Então, eu tinha muito pé no chão, eu precisava de comprar roupa para os meus filhos, coisa, material escolar, enfim, tudo pra eles, porque ele não dava nada, não. Em casa ele só dava a feira. Somente, e mais nada. Dinheiro dele, eu não sei o que ele fazia. E era uma pessoa que, tipo, eu e ele trabalhando o dia todinho, aí quando a gente chegava em casa, ele se deitava num sofá, aí fazia assim... Tirava o sapato assim, jogava o sapato, sabe? Jogava o sapato e para a empregada que pegue. A empregada, na maior parte do tempo, era eu. Boas filhas. Porque o filho não podia fazer esse tipo de serviço, porque ele era homem. Ele dizia, se o menino chorasse por algum motivo, ele dizia, você está chorando pouco, você não é homem. Um dia que o homem não pode chorar, Sabe, eu lutei muito pelos meus filhos. Lutei muito mesmo, porque... Ainda bem, eu ainda dou graças a Deus, porque ele não tinha muito apego com as crianças. Ele era só de massacrar. Quando ele massacrava, eu partia na defesa. Porque eu acho que se ele tivesse muito apego... Não sei se meus filhos... Não sei. Não sei se eles... Não sei, só Deus sabe. Eu considero os três pessoas decentes, que você pode confiar, sabe? Eu não... Eu tenho certeza que eu posso confiar cegamente nos meus filhos. E qualquer pessoa pode confiar cegamente nos meus filhos. Isso, pra mim, é a maior bênção da minha vida, a maior glória, a maior graça. Eu os amo muito, muito. Tenho dois que moram no Canadá, bem distante. É isso, mas eu sou super feliz com meus filhos. E Norma, como foi o dia da separação? Acho que foi a maior alegria da minha vida. Tem outros lances aí que são bem sinistros, eu só vou falar, eu não sou uma pessoa que eu ligo pra essa questão de dinheiro, de não sei o que, não sei o que, sabe? Mas, exatamente o que os irmãos dele fez, ele fez também. Eu te falei que eu tenho um único irmão que morreu com 50 anos dormindo, né? Então, com poucos dias que meu irmão tinha falecido, ele viu que eu tava super baixa astral, ele organizou tudo, me pediu uma procuração. Isso em casa, né? Ele me chamava de mozinho. Mozinho. Oi, amor. Oi, mozinho. Mozinho. Ai, meu Deus do céu, que nojo. E eu tinha outro nome que ele me chamava também. Era Pichum. Um apelido que ele botou em mim. Não sei onde ele foi buscar, mas... Sabe? Para dizer que era na frente do povo. Oi, Pichum. Oi, não sei o quê. O povo chamava a gente de casal 20. o povo desse encontro de casais. Esse é o casal vinte, eu digo, vai dormir com ele? Repete pra tu saber se é o casal vinte. Vai! Vai começar junto com essa desgraça. Na separação, minha filha mais nova na época morava aqui, que hoje ela mora no Canadá. Ela era casada com o marido dela, advogado, Ele chamou o marido dela pra fazer o texto lá, né? E eu tava assim, eu só pensava uma coisa, como é que meu irmão morreu e eu fiquei? Como é que vai ser de mim agora? Sabe? Eu sofri muito, muito, muito, muito. Eu gostaria muito de ter sido enterrada com ele. Porque ele era muito importante pra mim, era tipo o maior sustento que eu já tive na vida. Então, eu fiquei muito abalada e minha mãe tava com problema de saúde e eu tive que trazer ela pra cá. E eu tive que botar duas pessoas dentro de casa pra cuidar da minha mãe porque ela tava com... Ela tava vindo sem tratada, como se ela tivesse Alzheimer, mas não era. Ela... Ela Ela tava com um problema de saúde e eu tive que trazer ela pra cá. E botar duas pessoas dentro casa cuidar da minha mãe porque tava com... Ela vindo sem tratada, como se tivesse Alzheimer, mas não era. tinha hidrocefalia. Então essa hidrocefalia provocou nela um tipo de... como se fosse uma demência, que consideraram mal o Alzheimer, não fizeram os exames direito e começaram a passar medicamentos para Alzheimer, realmente. Então ela ficou, foi defiando, defiando e tinha que ter duas pessoas para cuidar dela. E eu tinha que sair para trabalhar. E nessa época ele tinha se aposentado e já estava com essa mulher, não sabia, mas ele já estava com essa mulher. Então, ele me pediu uma procuração para vender uma casa que a gente tinha afogado. Aí eu dei. Eu dei porque... Lógico que eu não ia pensar nunca que ele fizesse... Ele faz tudo escondidinho, sabe? É aquela coisa que eu te digo, é uma pessoa sem caráter e faz tudo escondido debaixo do pano. Quando eu vi, já estava tudo pronto. Aí ele vendeu a casa lá de Afogados. Pela lógica, se a gente casou, os dois estudantes, o que tivesse de bens, já que a gente era casado no Seville, seria dos dois, não é lógico? Pois bem, ele vendeu a casa, comprou um apartamento, botou só no nome dele. Eu não sei como ele conseguiu fazer tudo isso. Imobiliou o apartamento, sem eu saber de nada. Aí quando foi um dia, eu chamei uma assineira aqui pra consertar um móvel. Eu não sei por que eu fui ter que ir num móvel. Eu chamei uma assineira pra consertar um móvel. Assineira que sempre fazia o serviço pra mim. Aí o marcineiro disse que o apartamento dele já tá pronto. Aí eu disse o quê? E ele tem um apartamento, e eles... E a senhora não sabe não, é? Tá pronto lá, tá bonito. Ele comprou o apartamento, mobiliou todinho, arrumou todinho sem eu saber de nada. Com o dinheiro da casa que foi nossa, que era pra ser nossa, né? Então, na separação, e esse apartamento aqui onde eu moro, a parte de entrada, eu me lembro que foi 56 mil reais. E ele, apesar de não gastar nada dentro de casa, eu não sei se era com mulher que ele gastava, porque em casa ele só fazia feira. Ele nunca comprou uma toalha de banho, ele nunca comprou um lençol de cama, nada, absolutamente nada. Eu tô lhe dizendo, meus filhos podem ser testemunhas de que era isso mesmo que eu tô falando. E a minha filhinha mais velha, Quando eu entrei no banco, ela disse que foi a melhor coisa que aconteceu, porque ela disse, eu não tinha roupa, manhã. Eu me lembro dela dizer isso. A minha lágrima caía, porque ela realmente não tinha, não. Parecia um menininho de rua, um menininho de rua, sabe? Bem emulambado, vestindo roupa de outras pessoas. Para um pai bancário, eu acho que não faz sentido, né? Porque, como eu digo, Quando eu recebi o meu primeiro salário, eu me assustei, e ele que era gerente ganhava o dobro de mim. Quer dizer, é muita misquinha isso, né? Era um miserável. Era não, é que ele tá vivo. Aí, então, eu... Não sei, né? O que é que eu vou fazer? Eu só tava preocupada com a questão de ter perdido meu irmão e de ter cuidado da minha mãe, com duas pessoas de casa. E ele tava vindo, dormindo na minha cama toda noite. Aí eu fiquei sabendo. Eu disse, que pobre um negócio desse. Como se não tivesse acontecendo nada. Como se... Não, a vida tá normal. Nunca ficou uma noite e sentava em casa. Não, de noite ele estava em casa. Comigo. Mas como ele tava aposentado, ele passava o dia fazendo estripulia por aí. Aí, quando eu soube, ele já estava com uma mulher, que é da idade... É um pouco mais velha do que a minha filha mais nova, a nossa filha mais nova. E pegou tudo que tinha. Esse apartamento, eu fui quem dei a entrada, que foi R$56 mil. E como eu não tinha margem para fazer o financiamento, Aí ele fez o financiamento e ficou ocupada nas prestações, mas a entrada fui eu que dei, quer dizer, metade do apartamento fui eu que comprei, é meu. Aí ele queria vender esse apartamento, isso bem antes da separação dele. Vamos vender esse apartamento, é muito grande, vamos morar num apartamento pequenininho. É tentando me enrolar de todo jeito, sabe? E quase que eu entro, mas eu gosto muito desse local. Eu adoro morar aqui. Tem um rio aí na frente. Eu adoro olhar pra esse rio. Eu não quero sair daqui. De manhã os pássaros me acordam cantando. Coisa mais linda. Eu sou feliz aqui. Eu não quis vender de jeito nenhum aí. Eu sei que ele brigou muito pra vender esse apartamento. Ele já tava com tudo programado. Ele vinha se programando há muito tempo pra fazer essa separação do jeito que ele quisesse. E ele fez. Do jeito que ele quis. Pronto. Aí, resumindo, a gente tinha uns 10 terrenos lá em Alphabeta da Engadeira. E tinha essa casa. E Eu já disse que ele a gente tinha vendeu essa casa. e comprou um apartamento pra ele e eu fiquei sem nada. A gente tinha um apartamento em Boa Viagem que ele vendeu e comprou um carro, um apartamento bom de três quartos, sabe? Bem, um grande destruidor. E eu vou lhe contar que eu saí da separação sem absolutamente nada. Hoje ele tem três apartamentos. Tem um que é em Casa Forte, é esse que ele imobiliou sem eu saber de nada. Tem outro que ele comprou aqui, mas a mulher não gostou. É um bairro chamado Zumbi, que é aqui perto. A mulher não gostou, aí ele agora comprou um que é onde a mulher queria, que é na Lagoa do Araçá. Ele tem três apartamentos. Ele tem um zipão, sabe? E ele ganha três vezes mais do que eu, com certeza. Mas ele me deixou sem absolutamente nada, nada, nada, nada. Aí, esse apartamento, eu disse, não, esse apartamento não pode ser, né? Eu, basicamente, não vou lhe dar. O que ele fez? Ele votou na separação, mandou o genro dele, né? E esse apartamento que eu moro, ficaria para os três filhos. Só esse apartamento, fica para os três filhos. E acabou. Se o outro apartamento é dele, o resto tudo é dele. Então esse apartamento que eu tenho três filhos, uso o fruto meu. Enquanto eu estiver aqui, na hora que eu sair daqui, eu uso o fruto dele. Quer dizer, vai terminar ficando com esse apartamento também, porque é... Eu descobri tardiamente, mas também é uma família de ladrão. Assim, eles roubam o que podem e, assim, conversando com você, como se você, como se ele estivesse ali elogiando, sabe? E ele tá afundando. Eu vou contar algumas coisas e você vai dizer, meu Deus. Eu conversando com um advogado uma vez, ele disse, se você quiser eu arrumo um atirador pra matar ele, se tu não me livra. Um bom advogado doido, mas eu contando assim, ele ficou com tanta raiva que ele disse assim, se você quiser, eu arrumo um caba bom pra dar um jeito no negócio. Não, não, não, não. Eu não quero depois de tudo isso ainda ir pra cadeia, tá doido? Ai, meu Deus. Pois bem, ele... Ele, quando eu continuei trabalhando, ele estava aposentado. Tem um lanche aí bem interessante, falar um pouco da fraqueza dele. Ele era uma pessoa tão fraca, que teve uma época que, quando Fernando Henrique foi governo, aí ele ficou assustado. Porque todo dia, quando a gente chegava no banco, que tentava entrar na assinatura do ponto eletrônico, aí aparecia lá uma carta de demissão. Era só você assinar, sabe? Aí já dizia o valor da sua indenização e tal, e tal, e tal. Aí ele ficou desesperado, disse que ia se debeter, ia assinar a carta, que ele não estava aguentando. Ele não estava aguentando. É a única raiva que eu tenho do meu irmão e você vai me entender. Ele disse que não estava aguentando, que ia ter um infarto, que não sei o que lá. E ele ia pedir demissão, ia comprar uma barraca de revista e botar na praia de boa viagem. E eu ficava no banco, para garantir o plano de assistência médica para ele e para os filhos. Aí eu, beleza, pode ir embora. Eu concordo com tudo. Pode ir embora. É que eu fico no banco. Aí a notícia chegou lá em Afogada Gazeira. Os irmãos dele começaram a dizer, o Dionísio está pedindo demissão e está montando uma barraca enorme, mas vai ficar no banco. Aí começaram a falar, os irmãos dele, meu irmão escutou. Quando eu mesmo espero meu irmão chegar aqui. Aí eu disse pra ele, olha, você não vai pedir da missão não. Você deixa o banco dele aqui e pronto. É a única raiva que eu consigo ter do meu irmão. Porque eu não pude tapar a boca dele. Porque ele já estava decidido. Estava procurando a barraca. Ele não tem coragem. Quem trabalha nessas barraquinhas, trabalha aqui só. 5 horas da manhã ou mais, ou mais cedo. Já está acordado, carregando coisa, pegando peso. Ele não levanta, ele só levanta o copo pra beber água. Entendeu? Aí, disso eu tenho raiva do meu irmão. Ele sabe. Todo dia eu ligo e saio, mas meu filho, por que você fez isso comigo? Porque era fraco demais. Era fraco não, é uma pessoa muito fraca. Muito fraca mesmo. E aí, ele ficou no banco, conseguiu ficar no banco e tal. E na separação, eu ainda estava trabalhando e ele não. Ele estava aposentado e já estava com essa mulher, com essa namorada. E como eu falei, eu botei duas pessoas para cuidar da minha mãe. Eu saía para trabalhar e ficavam duas. Não era bem enfermeira, eram umas cuidadoras mesmo, ficavam com ela. E eu passava o dia todo ligando, sabendo onde ela estava. Foi um período dificílimo na minha vida. Exatamente, ele aproveitou exatamente esse momento, né? Meu irmão faleceu pra dizer assim, o Mel já tá lascado, agora eu vou terminar de puni-la. Eu vou agora, vou... Ele queria me destruir de toda forma, mas eu sou forte dele. Meu Deus do céu. Aí então, eu saía pra trabalhar, deixava as duas aí com a minha mãe, e aí ele vinha, ele tem a chave, né? Aí ele vinha, toda vez que Eu saía pra trabalhar, ele vinha pra cá e começava a mexer as minhas coisas. Aí começou a levar coisa. Inclusive, eu trouxe umas coisas bem interessantes que eu comprei no Canadá. Tipo, uma chave de abrilhada, que eu não sei muito abrilhada com aquela chavinha, né? Eu erro muito. Aí tem uma chave no Canadá que você bota assim, é bem fácil. Uma escorra bem moderna, né? Eu fui pro Canadá, quando eu ia pro Canadá... Quando eu vou pro Canadá, eu trago coisa moderna. E foi sumindo. Daí um paleteiro que minha mãe... Foi minha mãe que me deu. Bem bonita, bem do tempo do Ronca, que não existe marca nenhuma. Ele começou carregando tudo, né? Aí foi por lençóis, começou a carregar lençol. Assim, tava carregando tudo. Aí as duas meninas chegaram e disseram, "- Dona Norma, se o marido vir pra cá todo dia, eu não quero ficar aqui, não." Lógico, elas estavam assustadas, né? Quer dizer, vai começar a faltar coisa e eu vou dizer que foi elas. Não vou dizer que foi meu marido, vou dizer que foi elas. Aí ela disse, porque seu marido tá todo dia vindo aqui e ele tá mexendo muito nas suas coisas e depois ele pode dizer que foi a gente e não dá certo, não. Aí eu fui chamar um chaveiro e mandei trocar a fechadura. Quando o chaveiro tava trocando a fechadura, aí ele chegou. Aí ficou com a cara assim, parecia um monstro. Sempre irritava, ficava com a cara bem feia, parecia um monstro. Aí olhou pra mãe e disse, confia mais no chaveiro do que em mim? Confia mais no chaveiro que não conhece do que em mim? Eu disse, é porque o chaveiro nunca me roubou. Ele não tem mal o que dizer, né? O chaveiro nunca me roubou. Aí depois ele ainda perguntou se eu queria que eu devolvesse as coisas que ele levou. cobertor, um monte de coisa. Ele montou as coisas de chaval da casa. Ele fez o mal. Um chaval, ele levou do meu. Você não quer ele pra você, não? Você tem uma mulher bem boa pra dar pra ele. Bem daquelas... Meu Deus do céu. Meu Deus do céu. Eu fico acompanhando essa menina daquela com ele. Pode crer. Eu não sei se ela... Eu não sei, eu não sei. Eu não sei porque eu não quis. Porque ele queria ficar meu amigo. Eu vou querer amizade com uma pessoa dessa? Diga! Ele queria ficar meu amigo. E que eu ficasse amigo dele e dela, né? Do casal. Eu disse que eu vou. Eu já me livrei da confusão. Eu vou querer continuar enfiar o pé de novo na jaca. Não! Nunca! Ah, foi isso. Se ele tiver em algum canto, eu olho, eu me escondo, vou ver pra longe, não quero nem notícia. O pessoal, ó, não, mas tem notícia dele. Não, não sei não, onde é que ele tá morando, não sei não, tem nada não. É uma pessoa, eu não gosto de falar mal de ninguém, mas é uma pessoa que não merece o menor respeito. Inclusive teve um lance quando ele fez uma procuração, uma outra procuração para vender os terrenos lá do interior. Aí ele passou no cartório, disse que tinha deixado uma procuração pronta para eu ir lá só assinar. Aí eu fui assinar. Aí na procuração ele botou meu nome, botou meu nome, que eu era aposentada, botou cada coisa lá, botou que morava na Avenida Rio, número 55, e não sabia o nome do apartamento. Qual pessoa é imbecil a esse ponto? Se você morou aqui tantos anos, se ainda hoje, ainda ontem, por sinal, eu recebi uma coisa, essas coisas de banco pra ele, com endereço, é uma pessoa muito fraca, sabe? Pra mim é uma pessoa sem personalidade. Acho que não é por aí. Eu não acho que ele tenha ficado sem memória de repente e não saiba onde morou tantos anos. Norma, posso te fazer uma pergunta? Sim. Umas pessoas do museu montam uma reunião agora, às cinco, Devo zoom e não dá pra ter duas conversas ao mesmo tempo. Não dá pra ter duas reuniões ao mesmo tempo. Eu queria saber se você pode continuar me contando a sua história amanhã. Que eu quero saber a sua vida como tá hoje. Você é atriz, atuando, quero saber. Tá bom, meu amor, eu posso. Você pode? Posso! Que horas que é bom pra você? Amanhã eu vou estar em casa o dia todo. Você prefere o dia ou a tarde? A hora que for melhor pra você. Porque eu vou estar em casa o dia todinho, que minha aula de teatro foi ontem. Hoje eu fui pra computura e amanhã eu tô livre. Quero saber tudo isso ainda. Tem muita coisa. Hã? Quero saber tudo isso ainda. Tem muita coisa pra saber. Tá bom. Você... o horário que for melhor pra você. Tá, então eu vou ver como que tá a agenda amanhã e aí eu te mando uma mensagem no WhatsApp e te mando o link da conversa. Tá, vamos! Oba! Que bom! Deixa eu te falar uma coisa. Sim?
Parte 2
Vou falar um tanto de coisas sobre o machismo.
Posso comentar te fazendo uma pergunta?
Pode sim.
Você comentou do seu avô pra mim na última entrevista e eu queria saber qual era sua relação com ele.
Meu avô? É. A relação com meu avô era maravilhosa. Meu avô foi assim uma... Uma personagem inesquecível na minha vida. Meu pai, como eu falei, meu pai foi embora para São Paulo e não voltou. Então, era a referência masculina que eu tinha. Assim, eu era muito pequenininha e ele já tinha certa idade. Inclusive, ele morreu com 85 anos e eu só tinha 8 anos. Aí foi muito difícil, foi uma perda. Ainda hoje eu fico pensando e revivendo o que eu passava com ele. Porque eu com oito anos chegava, me sentava no colo dele, me deitava no colo dele. Assim, era uma relação de amor muito forte. A família do meu avô era muito, muito amorosa. E foi muito bom, foi muito intenso. Aprendi muita coisa com ele. Da maneira dele, ele ensinava a gente, olha, você não pode pegar nada de ninguém. Nem um alfinete, porque quem pega um alfinete, pega um avião. A pessoa tem a chance. Desde pequenininha que eu fui escutando isso, ele falava essas coisas pra mim e pra meu irmão. Então não tem como... se eu sou capaz de achar o dinheiro no chão e deixar, porque eu não consigo pegar. Entendeu? Eu não consigo pegar. Isso ficou muito marcado na minha vida, na minha história. Então, tanto eu como o meu irmão, éramos assim os dois. E eu vejo que tem essa relação que ele faz, é muito verdadeira. Porque se eu pego um alfinete sabendo, tendo certeza que é de outra pessoa, eu só vou pegar o alfinete que ele tá ali, é mais fácil. Mas se eu puder pegar uma coisa bem maior, mais valiosa, eu vou pegar com certeza. E outras coisas da vida, como se comportar. Ele ensinava muito e, inclusive, ele ia pra missa todo santo dia de manhãzinha. E às vezes eu ia com ele, mas eu não ia nem pra assistir a missa, eu ia pela companhia dele. Quando eu podia, né?
Quando eu podia.
Porque nem sempre eu podia. Como eu falei, eu estudava de manhã e trabalhava à tarde, e aí era um pouquinho complicado.
E qual era as suas aulas?
Como era o quê?
As suas aulas. Tinha alguma professora que tenha te marcado?
As minhas aulas tinham uma professora que, inclusive, morava na mesma rua que eu. E foi essa que eu falei que queria levar, trazer, né? Eu e meu irmão aqui pra Recife, pra mostrar os bichinhos de cera. Ela vivia assim, ela só falava nisso, né? Porque ela achava que a gente tava se perdendo lá. Mas, enfim, nunca trouxe. Porque a gente, assim, minha família não tem a condição de banco, acho que nem de comprar passagem. Aí, não sei, ficou... se perdeu no ar.
E, Norma, como foi o último dia que você viu seu pai?
Com meu pai? Eu era muito pequenininha, eu tinha quatro anos, eu não entendia muito o que estava acontecendo. Eu só comecei a sentir a falta, a ausência, e aquilo doía muito e eu não sabia explicar. E minha mãe não falava muito no assunto. Aí quando eu fui ficando maiorzinha, eu comecei a saber alguma coisa, por as cartas. E ela falava com as irmãs dela, que moravam duas irmãs na minha casa, morava eu, minha mãe e meu irmão, duas irmãs da minha mãe e o meu avô. Então, chegava a carta, ela lia e eu acho que ela comentava com as irmãs e eu e as irmãs ficávamos tentando escutar as conversas. Então quando a gente vai ter certeza de que ele estava numa cidade longe, que ele não estava perto, e a gente não sabia quando ele voltava, quando a gente tem certeza disso, eu acho que eu já estava com uns seis anos, meu irmão com sete, que foi exatamente quando a gente começou a ver que a vida foi se desmanchando e aquela boa vida que tinha, mulher com tudo nas mãos, comida do bom e do melhor, Aí foi tudo acabando, naturalmente, e a gente teve que trocar, foi morar numa casa alugada, numa rua bem fériol, quer dizer, a vida mudou toda de uma vez e a gente, lógico, que relacionava com a falta do nosso pai, porque a gente sabia que com ele era tudo que a gente queria, ele comprava, Um super pai mesmo. A gente fazia muito bingo. Minha mãe era mais um pouquinho mais carrascazinha, mas... Era uma boa mãe também, mas não se compara com ele, não. Nem por sonho. Ele era de... Aquele misarrão, acho que ele devia ter um metro e noventa. E a gente, dois pirrainhos, né? Achava ele enorme. Ele se deitava no chão e enrolava com a gente, assim. O maior amor. Molhava a gente. Era muito bom, era muito bom. Passeava com um filho no braço, o outro no outro. Aí eu não supava, nunca gostei de supeta. E meu irmão supava supeta. Aí ele foi comprar uma supeta pro meu irmão e eu disse, eu quero uma. Aí ele comprou, né? Prontamente ele comprou. Eu me lembro, eu era muito pirrainha, né? Quando eu cheguei em casa, mamãe. Isso é absurdo. Você sabe que ela não chupa chupeta. Você não devia fazer isso. Tá fazendo tudo que é gosto. Essa menina, não sei o que. E realmente, eu não conseguia nem colocar na boca. Mas eu queria mais chupeta. Então tem essas coisas assim que ficaram bem marcadas. Bem marcadas na minha vida. E não era só esse lado, esse tipo de bondade de dar as coisas, não. Era bondade mesmo, mas ele assistia muito a Voz do Brasil. Toda noite ele assistia a Voz do Brasil. Então ele sentava, era um radiozinho pequenininho, ele ligava o rádio, ficavam as mulheres, o pessoal todo na sala e ele na sala de janta, que era um pouco mais distante da sala. Eu numa perna e meu irmão na outra. assistindo a voz do Brasil, e a gente ficava bem quietinho, bem caladinho, e a gente gostava da companhia dele. Tanto que hoje, quando toca a música de entrada do programa, eu ainda me lembro dele. Ainda relembro tudo aquilo, aquela vida boa.
Enorme, dando um salto na sua vida. Como foi pra você a sua vida após o divórcio? Quais foram as coisas que você descobriu? O que você começou a fazer?
Após o divórcio, eu acho que eu comecei a viver. Eu até estava pensando nisso agora há pouco. Porque eu gosto de cantar, Eu gosto de dançar. Eu adoro o carnaval. Eu amo o carnaval. E eu nunca, nunca pude fazer certas coisas. Eu gosto de ouvir música. Eu sempre tenho um aparelhozinho de som. Ouvi no rádio mesmo. É uma estoura de rádio. Eu adoro ouvir música. Então, eu tinha muitas dificuldades com meu ex-marido, porque às vezes, por exemplo, eu ficava no computador fazendo qualquer coisa e ouvindo música. Aí ele chegava e desligava o aparelho de som. Alguém pode achar que isso é mentira, mas é verdade. Ele desligava o aparelho de som. É como se o som incomodasse ele, sabe? Incomodasse muito, não era pouco. E às vezes eu tava cantando, eu me empregava cantando. Eu gosto de cantar e ficava cantando qualquer música que eu gostasse. Aí ele chegava aí, ó, a mão na minha boca. Por aí, por aí que eu quero falar contigo. Mas não era, era só pra eu não cantar. Porque quando ele tirava a mão, eu dizia, o que quer dizer? Não, mas o negócio quer dizer, mas me esqueci, agora quer dizer. Não era. Era só pra eu não cantar. Ele não admitia que eu cantasse. Ele não admitia que eu sorrisse, que eu, por exemplo, fosse na casa de um vizinho. Eu tenho uma vizinha aqui do lado, que ela hoje tem 90 anos. E às vezes ela dizia que sentia sol, aí me chamava pra ir pra lá. Eu ia, ficava conversando com ela um pouquinho. Mas tipo assim, eu dizia, ó, eu vou aqui na casa de Dona Mitinha. Aí eu me sentava lá, não passava dez minutos eles chegaram, diziam, já tá na hora de ir, vamos. Então, eu considero um tipo de prisão mesmo. E eu não tinha... Eu não sei, eu não gosto de brigar, de arengar, esse tipo de coisa. Eu não consigo conviver com alguém se eu tiver que estar batendo boca, como se diz. Eu não consigo, é de mim mesma. Eu acho que a relação tem que ser... Isso aqui é verde, é verde. Isso aqui é preto, é preto. Não precisa... Ninguém tá batendo boca, nem... Eu não gosto. Então eu voltava pra casa. Até quando ele me deixou, a minha vizinha disse, meu Deus, eu não acredito. Porque tu vinha aqui em casa, quando passava cinco minutos ele vinha atrás de tu. Pra você ter ideia, era uma mão muito grande. Ele não podia ficar longe de mim, um minuto, um segundo. Eu não sei o que se passava na cabeça dele, se é algum tipo de doença também, pode ser. Não sei se é porque ele sabia que não merecia confiança Que também não confiava nas pessoas É outra coisa, né? Que pode ser, eu não sei Na realidade eu não sei Mas sei que era assim Eu não podia, por exemplo, eu quero ir no supermercado Eu nem tentasse sozinha no supermercado Eu nem tentasse sozinha porque eu não ia Ele tinha que ir comigo Eu não podia sair de casa sozinha pra nada. O que mais me constrangia era tipo, eu vou no ginecologista, aí ele entra na sala do ginecologista comigo, eu ficava passada, porque eu acho que você tem coisas que você quer conversar com seu médico, assim, francamente, mas não era pra eu ter vergonha dele, mas eu tinha. Eu não queria que ele estivesse presente, né? É uma coisa muito íntima minha. que existia um ginecologista pra isso, pra me ouvir e conversar comigo e trocar ideias. Mas ele tinha que estar presente, quer dizer, isso me sufocava, me sufocava. Eu vivia fazendo tratamento com psiquiatra. De outra forma, eu não conseguia aguentar. Eu tomava remédio mesmo pra depressão. Eu tentei suicídio mais de uma vez. Uma vez eu tentei suicídio, logo no começo do casamento, quando o padre disse que não podia desmanchar o casamento porque eu ia ser uma mulher falada e não ia ter mais valor nenhum. Eu sei que nessa época eu tentei suicídio e depois, porque ele quase que me obrigou a ficar ajudando os pais deles. Os pais deles tinham uma mercearia. E como já estavam velhos, aí eles... E a irmã dele não tava lá, só o anterizinho foi pra São Paulo, você devia ir ajudar meus pais. Tá certo. Então, eu passei a ir ajudá-los. Mas a mãe dele era tão estúpida comigo, assim, eu ficava arrasada. Mas como eu tava já na fase de obedecer a ele, ao marido, Então, eu ia muito, mas aí eu comecei a ver que a vida não estava valendo a pena, era bem melhor morrer. Aí eu tomei um bocado de comprimido, mas não morri. Me levaram para o médico, ele me socorreu e eu não morri. Mas eu tentei suicídio com 16 anos ainda. Pouco tempo de casada. E outras vezes eu tentei também. Cortei o pulso, mas eu não tive coragem, eu não posso ver sangue. Aí eu cortei o pulso, quando eu comecei a ver o sangue, aí eu não tive mais coragem e desmaiei. E não cortei. Tem a marca ainda hoje. E por último, teve uma vez que ele saiu de casa e foi namorar. De noite. Aí chegou em casa já Depois da meia-noite, eu acho. Cheirando a perfume, perfume bem forte, da cabeça aos pés e todo sujo de batom. Assim, uma nojeira. E eu tive muita rara, porque eu tava dormindo e ele chegou e me acordou. Qual era a dele? Chegou, falou se tomasse o banho. e jogasse aquela coisa pra lá e tal, e depois fosse deitar. Não, ele me acordou. Eu acho que pra mostrar que tava todo cheio de batom, de perfume. Aí eu pensei comigo, meu Deus, a pessoa tá dormindo e acorda pra assistir uma farra dessa, um negócio desse. É muito desgastante, é melhor morrer. E ele tinha um revólver, uma arma, que eu não sei o que era aquilo. Eu fui lá, peguei a arma e disse, vou me matar agorinha Só que quando eu peguei a arma, ele era tão fraco que achou que eu queria matar ele, sabe? Aí ficou desesperado, ele gritava tanto pelo vizinho O vizinho ia acudir ele, sabe? O nome do vizinho era Zé Boim, me acuda, pelo amor de Deus Me acuda, Zé Boim, me acuda! Madrugada, né? Eu disse, não, eu vou devolver esse diabo, eu não vou Aí eu entreguei a arma porque ele ia acordar a rua inteira. Com certeza que ele ia acordar a rua inteira gritando, achando que eu queria matar ele. Jamais eu matarei alguém. Eu queria me matar, eu queria sair daquela vida. Eu tentei, tentei mesmo, mas não deu certo. E nessa época eu tinha as três crianças pequenininhas. Depois eu comecei a pensar mais, eu digo, não, eu vou me matar, mas adiante, quando... os meninos estiverem maiores, que não precisarem mais de mim, que não estiverem em casa. Eu sempre tive essa ideia de me matar, porque a vida era insuportável. Mas talvez eu seja fraca. Hoje em dia eu não quero mais me matar, de jeito nenhum. Hoje em dia eu quero dançar e ir para o teatro, fazer o que eu gosto.
Isso é o que eu quero saber. Quando você terminou com ele, Quais foram as coisas que você descobriu que gostava de fazer e que até então não tinha tido oportunidade?
A primeira coisa foi teatro, né? Porque acho que se eu disser que vou estudar teatro, ele dizia, pronto, é puta, é prostituta, amarra, assassina. Então a primeira coisa que eu fiz foi teatro. Eu comecei fazendo teatro, as aulas eram aos sábados. E, às vezes, tinha aula na quarta-feira, mas, geralmente, eu nunca pude assistir, porque eu trabalhava ainda. Foi assim que ele me deixou. A primeira coisa que eu fiz agora, eu vou viver. O teatro eu comecei no mesmo ano que ele me deixou. E, no ano seguinte, eu comecei dançando nesses blocos de carnaval. Aqui que eu mandei a foto. O meu bloco é um bloco em poesia. Aí a gente brinca o carnaval inteiro, todos os dias. A gente viaja para outras cidades, se apresenta em outras cidades. É muito bom. E geralmente vai um ônibus, todo mundo junto, é muito seguro, sabe? E é muito saudável. Quando dá a primeira nota de uma musiquinha de carnaval, o meu sangue fica fervendo. Eu saio do solo. Então eu nunca tinha... Eu tinha muita vontade de ir num baile de carnaval, mas não tinha o menor jeito. E ele gosta muito de assistir escola de samba. E eu... Tudo bem, eu não vou dizer que eu não gosto de escola de samba, mas eu acho que você ficar três dias escutando escola de samba dentro de casa enlouquece. Com certeza que enlouquece. E ninguém tinha direito de ver mais nada, né? Logicamente ele era machão e só, ele mandava mesmo, então ele ligava na Rede Globo pra assistir às escolas de samba e acabou. Acabou. Você não podia ver mais nada. Isso me... Quando eu me lembro hoje, eu tenho pavor. Eu sinto pavor, com certeza. Meu Deus, eu passei por tudo isso e tô contando a história, eu não acredito. Então era isso, e eu doida pra sair, pra brincar. Se eu tentasse brincar sozinha, quer dizer, sozinha ou com um grupo de amigas, como esse bloco que eu participo, é um grupo de amigas. Cabe de mulher mesmo, tudo mulher, porque tem dois, três homens e o resto é tudo mulher. Mas se eu dissesse que ia desfilar num bloco desse, ele me deixava mais rasa do que o chão. Era coisa para a variga, para a mulher da vida, para a prostituta. Enfim, uma cabeça que eu não sei. Então, eu nem tentava, porque não adiantava. Eu já tinha chamado, várias vezes eu chamei. Teve uma vez que eu chamei, implorei, eu e uma amiga, que eles dois eram amigos, e a gente, nós duas, amigas. Só que os dois não gostavam de carnaval e eu e essa minha amiga louca por folia. Aí a gente chamou. Não fui nem eu que chamei, porque se eu chamasse, ele não ia, não. Foi a minha amiga, Leide, que chamou pra gente ir pra Olinda. Olinda é muito bom no carnaval. E a Olinda é bem pertinho aqui de casa, bem pertinho. Vamos pra Olinda, vamos pra Olinda. Ou vocês vão ficar dentro de casa. E os dois no computador, né? Só dançava fazendo o quê? Aí eu segui muito, essa minha amiga insistiu, aí a gente foi. Ela tinha dois filhos e eu três filhos. Então a gente foi. Só que a vergonha foi tanta que era melhor ter ficado em casa. Porque, ó, linda, é uma dança só. Você não tem como parar, nem como sair na rua feito um Não tem como não, é folia no pé e acabou É um bloco em cima do outro, um bloco em cima do outro Você tem que tá dançando Aí saímos eu e minha amiga dançando e minhas duas meninas E a menininha dela, e o menininho dela também O menininho dela foram os dois, só que o meu menino ficou com o pai Aí ficou o meu marido, meu filho e o amigo dele, que é o marido dessa minha amiga Parecia três... Três mamulengos, não, não são mamulengos não, mamulengos se mexem Três múmias. Pronto. Três múmias lá atrás. Um falando sobre coisa de computador. E a gente na frente, assim, loucas, pulando. Na maior alegria do mundo, pulando. A mulherada toda e o menininho dela. Aquele pequenininho, mas tava lá numa folia doida. Aí ela disse assim, meu filho, dá mesmo não, porque... Você sai só, né? Só que sozinha. Se eu dissesse tanto, eu vou com o Lady. Ele não deixava. Ele simplesmente dizia que não. Aí é o tipo da coisa. Se ele estivesse lá, não era coisa pra rapariga porque ele estava lá. Mas se eu for sozinha, é coisa pra rapariga. Então, pra não brigar, era melhor ficar em casa. Então, eu passava as noites. Eu devo ter uns 50 cadernos ou mais com algumas coisas que eu escrevia à noite. Eu parava pra raciocinar um pouco e eu começava a escrever. Eu fazia muito em forma de poesia. E um dia desses, faz muito tempo que a gente se separou, e um dia desses eu peguei, comecei a ler assim. E eu não suportei, eu disse, eu suportei tudo isso. Eu não consigo mais ler. Tudo que eu escrevia, o que acontecia, né? Tinha das traições, Às vezes ele sentia prazer em chegar em casa e contar que foi pra um motel, pra tal motel, aí dizia o nome da pessoa, e que fez isso, isso, isso e aquilo outro. Eu acho que ele sentia prazer em me torturar, porque pra mim isso é uma tortura, sabe? Eu considero isso uma tortura. Não... Eu não acho, porque se você quer viver com uma pessoa, é você e aquela pessoa. Não tem esse aviso de correr atrás de outras coisas. Então, se você tá correndo atrás de outras coisas, então não tá dando certo, é melhor você parar. Mas ele não via dessa forma. Eu acho que ele sentia prazer. Ele sentia prazer em me machucar. Hoje eu vejo dessa forma. Na época eu não pensava assim. Mas eu acho que o prazer maior dele era me torturar. E realmente ele me torturou a vida inteira. Foi tortura mesmo. Eu não tenho outra palavra pra dizer. Era tortura espiritual. Então era isso. E é como eu tô falando. Se eu estivesse cantando tanto riso ou quanta alegria, ele tapava a minha boca, sabe? E é uma sensação péssima. É uma agressão, é simples. Ele chegava e tapava a minha boca.
Assim, escurrava a minha boca.
E tapava assim. É uma sensação péssima. Eu não desejo pra ninguém. Alguém pode até dizer, não, mas nada demais tapar a boca do outro. É muita coisa tapar a boca do outro. Você tá tapando a sua boca, tá tolhindo a sua voz. E é uma sensação péssima. Eu sentia uma sensação horrível. Só que eu não falava. Talvez, eu não sei se eu tinha medo. Eu não sei. Eu não sei. Eu não sei o que era. Talvez eu não tivesse nem medo. Talvez eu não quisesse discutir. O único medo que eu tinha era de discussão. Eu não gosto de discussão. Então muitas coisas eu deixei de fazer. Inclusive umas coisas eu... Ainda hoje eu sinto muito. Porque meu irmão morreu e eu fui muito ruim com meu irmão por conta dele. Meu irmão, uma vez, veio me pedir um dinheiro. Aliás, ele nem veio me pedir um dinheiro. Ele queria que eu comprasse um carro dele, um carro que ele tinha, que ele adorava. E ele tava precisando de dinheiro. Aí ele disse, tu compra meu carro e depois eu te compro, quer dizer, só enquanto ele se arrumava. Aí eu disse, tá certo, eu compro. Ele não deixou. Simplesmente não deixou, é como se o meu dinheiro fosse dele E na realidade é como se fosse não, era Porque ele não deixou e meu irmão depois teve que vender essa caminhoneta a outra pessoa Era uma caminhoneta grande que ele adorava E ele não deixou, eu compraria meu irmão e eu nem ia usar porque eu não ia usar uma caminhoneta Deixava com ele porque ele tinha sítio E depois eu achei que... Bem, era um negócio entre dois irmãos, pois ele não deixou. Era entre eu e meu irmão, mas ele não deixou. Aí, outra vez, essa vez foi a da minha mulher também. Agora, com o meu dinheiro assim, o que ele fazia? Uma vez a gente veio aqui pra Recife, e na volta ele tinha prometido comprar uma máquina de lavar pra mãe dele. E a mãe dele ia dar o dinheiro inteiro, o valor da máquina toda. Aí ele disse, não, a senhora me dá só a metade, que a outra metade eu dou de presente. Beleza. Então, na volta, a gente passou na cidade de Arco Verde, Ele pediu pra eu descer do carro e ir na loja que vendia a máquina E ver o preço, ver a marca, não sei o quê Aí eu desci, peguei, anotei tudinho, cheguei e entreguei a ele Aí ele disse, pronto, compra essa daqui Eu já tô com dinheiro, quando eu chegar em casa eu lhe dou Aí eu fui, comprei a máquina de lavar Digamos, três mil reais Não é essas coisas, né? Mas até hoje que ele nunca me pagou Sabe? Nunca. Nem fui. Nem aí. Sabe quanto era massa? Não, porque eu levei a nota fiscal, né? Mas nunca me deu dinheiro. Eu só tô dizendo a forma como ele me tratava. Até o meu dinheiro, até o meu dinheiro, ele dominava. A minha conta era consulta com ele. A dele não era consulta comigo, não. Mas até isso, tudo na vida, ele dominava. E a vida inteira foi dessa forma, foi assim... Meu Deus, eu me sentia muito sufocada. Muitas vezes eles chegaram em casa e eu tava chorando. Aí ele perguntava o que foi. Nada, nada. Eu não sabia dizer. Eu não tinha o que dizer. Ele sabia porque eu tava chorando. Eu não tinha vida. Eu não ia pra canto nenhum. Filmes, os tipos de filmes, eu gosto muito de filme. Agora, tipo, eu gosto muito de drama, eu gosto de comédia, mas filmes, esses filmes, Guerra nas Estrelas, eu não gosto não, não vou mentir. Mas eu ia, quando tava passando Guerra nas Estrelas, que ele queria ir, eu ia, ele me chamava, né, eu ia pra acompanhá-lo. Só que se eu quisesse assistir um filme, tipo, um drama, ele não gostava, ele não ia e eu também não podia ir. Durante 33 anos de casada, eu assisti um único filme sozinha, sem ele. E foi o que deu a maior confusão. Eu já falei sobre isso. Deu a maior confusão. Eu assisti um único filme sozinha. Então, eu confesso que foram 33 anos de suplício, de tortura. Tortura mental. tortura psicológica, de mentiras, de falsidade. E eu sabia que ele me traía. Pra mim foi um inferno. Se existe inferno, eu vivi no inferno durante 33 anos. Eu não tinha nada que eu dissesse. Minha vida vale a pena. Quer dizer, exceto os três filhos, né? Mesmo... com os filhos, eu vivia com o maior cuidado, porque ele batia nas crianças. A minha menininha com 1 ano e 3 meses, eu tinha ela com 1 ano e 3 meses, e tinha um fihainho com 2 meses. O menininho tava com 2 meses. E eu tava vestia, era tudinho. Aí fui calçar a sandália do sapatinho dela. Ele queria, todo domingo, ele queria ir na casa da mãe dele e levar os meninos. Então eu tava arrumando ela e ela começou a chutar o pé. A criança pequena faz isso. Ela chutava o pezinho e ficava rindo. Ele não deixava eu calçar. Pera, pera aí que eu vou calçar o seu sapatinho agora. Eu brincando com ela, né? Conversando com ela, tal e tal. Aí ele chegou, ele tava lendo a revista. Ele vivia sentado numa cadeira de balanço no sofá, lendo revista. Ele não fazia outra coisa. Não existia. Quer dizer, não fazer outra coisa assim, de ajudar, né? De perturbar a vida dos outros, ele fazia muito. Aí o que é que ele fez? Chegou e disse, não, me dê ela que eu calço. Ele sabia que eu ainda ia aprontar o menininho, o novinho, né? Aí eu confiei. Só tem que botar a menina no colo dele. Aí quando ele tentou calçar aqui, ela não conseguiu, na minha frente mesmo. Bateu com esses três dedos no pezinho dela. E ficou a marca dos três dedos, aquela... Chega a subir, assim, aquela coisa vermelha. Ainda hoje dói em mim. Ainda hoje eu sinto, sabe? Uma criança de um ano... Ela tinha um ano e três meses. Um aninho e três meses. Mas foi tão forte. Eu nunca vi o negócio daquele, não. Eu não consigo... Eu não consigo perdoar. E eu não sabia o que fazer, eu só fiz disparar no choro e comecei a tremer. Eu achei uma agressão sem limites com uma criança indefesa. Você bota a criança no colo, quer dizer... Na hora que você bota ela no colo, você tá se fazendo de amigo. É uma criança de um ano e três meses. A bichinha levou, ela... não sei. Ela disparou no choro. Com certeza que ficou muito assustada. E ontem eu estava conversando com a minha filha, que mora no Canadá, e ela é realmente traumatizada com a vida que teve. Ela disse de manhã, eu não botei filhos no mundo, porque diz assim, para que os filhos não sofram o que eu sofri. E é isso. Ela não se interessou por nada, foi embora para o Canadá para ficar longe. Quando ele se separou mesmo, ela disse, eu vou até me embora daqui, porque geralmente esses velhos, quando se separam, que casam com mulher nova, que adoece os filhos, é quem toma conta, e eu vou me embora. Dele eu não tomo conta não, ele pode morrer. Quer dizer, foi um pai carrasco, ele foi um pai noxinho, casqueroso. E não foi mais porque uns meninos, depois dessa vez eu não consegui interferir, porque eu não acreditei. Eu não consigo imaginar uma pessoa bater na criança de um ano e três meses. Não faz sentido. Pra mim não faz sentido. Aí, como eu não acreditei, foi um choque muito forte e eu fiquei passada. Sem saber o que fazer, como reagir, eu só fui chorar. E pegar a menina, eu peguei a menina, ela chorava, ela me... Ai... Ainda hoje isso dói em mim. Sou a minha filhinha mais velha. E outra vez, ele criava peixe. Ele era muito grosso com os filhos. Mas teve uma vez que eu pensei que ele ia matar os três. Ele criava peixes. Fora o trabalho que eu já tinha com outras coisas dentro de casa, ele ainda criava peixes para que eu tivesse mais trabalho ainda. E tinha no muro umas caixas de Brasileiro, Ceia de peixe nele, botava os peixinhos pra friar. E... Quando o peixe nasce, ele é muito pequenininho. A pessoa tem certeza que nem enxerga, de tão pequenininho que ele é. E ruim de pegar. Só que os meninos, os bichinhos, eles estavam com pijaminha ainda, no dia de domingo. e os bichinhos tentando pegar os peixinhos. Eu não vi. Eu estava fazendo alguma coisa na cozinha e tal e tal. Eu só sei que eles tentavam pegar, só que quando eles passavam a mão, tinha muito peixe. Era uma caixa de isopor, mas estava cheia de peixinho novo. Eu sei que ele ia com o dedinho assim e machucou, lógico. Machucou os peixinhos. E quando ele percebeu, ele pegou um cinturão. Ele começou a bater nesses meninos. Aí, dessa vez, eu disse, se você não parar agora, eu vou chamar a polícia. Ele bateu de cinturão em três crianças. A Marne Alvatier, Tinha a Marne Alvatier, a Marne Alvatier. dois anos e pouco, não tinha nem três ainda. O menino tinha quatro e a mais velhinha tinha cinco. Ele bateu com o cinturão. Bateu assim. Pelo amor de Deus, não faço isso. Quanto mais eu pedia pra ele não bater, mas aí é que ele batia. Aí eu pensei, ele vai matar. Aí eu disse, se você não parar agorinha, eu falei gritando pra que os vizinhos escutassem. Eu falei gritando, que eu não soube gritar, mas eu falei gritando pra que algum vizinho escutasse, porque ele batia. Como que ia matar? Como que não era um filho dele? Sabe?
Norma, como que é a sua relação com seus filhos atualmente?
A minha relação com meus filhos, graças a Deus, é ótima. Tem uma que mora no Canadá, aí, de vez em quando, tem a mensagem dela. Mãinha, acabei de fazer feijão. Mãinha, ó, tô fazendo cuscuzinho. O meu filho, todo ano, quando eu fico de férias do teatro, ele diz, mãinha, vem embora pra cá. Eu vou embora e fico lá um mês, porque tem os dois netinhos, né? Um casalzinho de netos. A daqui é do mesmo jeito, a daqui todo santo dia. Mãinha, como é que você tá? Mãinha não deixou sair de casa de jeito nenhum por conta do coronavírus. Mãinha não é pra sair pra tanto nenhum assim, sabe? Eles são, graças a Deus, maravilhosos. São maravilhosos. Meu menino... Eu nunca vi ele tão apegado. Os três. Agora mesmo, antes do almoço, estava conversando com a mais novinha, morando em Canadá. Aí ela falou assim, o feijão ficou gostoso? Ficou, ficou gostoso. Ela não sabe cozinhar direito, não. A mais velha sabe cozinhar aqui, ela cozinha divinamente. Agora a mais novinha, meu Deus, não sabe cozinhar, não. Bem magrinha, linda, minha filha, linda.
E o teatro, Norma, como é pra você atuar? Como você se sente?
Pois é, eu me sinto realizada, te juro. Pra mim, era outro sonho que eu tinha desde pequena. Porque eu morava numa cidade onde não existia teatro, né? Tinha só a escolazinha e já tava bom demais. E eu me lembro que quando chegavam os circos na cidade, que lá ia muito circo naquela época, quando eu era pequena, Eu quis me sentir realizada. Pra mim, chegou o circo, chegava a maior alegria que podia existir. Eu adorava tudo no circo. Gostava muito. E agora eu, no circo, nessa época, tinha o primeiro, tipo assim, primeiro e segundo tempo. Primeiro tempo era mais a brincadeira de palhaço. Aquelas bicicletas, uma roda-sol, animais e tal. Geralmente, no segundo tempo, era um drama teatral. Aí eu ficava sonhando com tudo que elas estavam dizendo e tentando entrar na peça. Eu ficava imaginando e sonhando com tudo aquilo. Eu adorava tudo. Eu acho que eu tinha uns 9 para 10 anos, meu irmão 10 para 11. Aí, vamos fugir no circo. Eu digo, bora! O sonho da gente era fugir no circo. Ele também. Tudo. Eu nunca vi duas almas tão gêmeas feito eu e ele. Tudo que ele gostava, eu gostava e vice-versa. Tudo. É impressionante. Então, fugir no circo. Vamos! Então eu gosto de tudo, tanto que já fiz curso de palhaçaria, já fiz papel de palhaço, já fiz teatro de bonecos, já participei de peça com teatro de bonecos. Realmente é onde eu me realizo. É um sonho de vida e é viver, porque eu acho que Eu acho não, eu tenho certeza que eu comecei a viver depois que eu me separei. Tenho certeza absoluta, porque eu não contei ainda nem da missa um texto. Quantas vezes eu vou falar com você?
Hoje é o nosso último dia.
Hã?
Hoje é o nosso último dia.
Ih, é? Ah, não vai dar nem pra contar da missa um texto. Porque com essa família, além dos problemas que eu já tinha, os normais de relacionamento E pra não brigar, a pessoa fica de cara amarrada e às vezes vai chorar e o outro chega e... Por que você tá chorando? Nada, tô chorando por nada Não sei o que eu disse, porque eu sou imbecil, mas não ia dizer não Então ainda tinha essa questão que a família dele, tudo que dependesse de viagem, era tudo com a gente. E eu não sei. A irmã não dizia que os filhos tinham, nem se tinham algum problema ou se não tinham. Eu sei que uma vez a gente trouxe um sobrinho dele, filho da irmã dele, e o menino, duas horas da manhã, cai de cima, cai do apartamento, quarto andar, lá embaixo. Entendeu? Então não vai dar tempo, lógico, pra eu lhe contar tudo. Mas a minha vida foi isso. Foi isso. Aí ela vai correr pra cuidar dos filhos dos outros. Aí, nesses casos, ele pagava toda a conta do hospital, porque pra família dele, tudo. E pra minha família, eu não queria fazer nada. Então... Até isso, eu só citei esse exemplo para dizer que a minha vida realmente foi, literalmente, no pior do que todos os infernos de Dante. Eu acho o quinto o mais gostoso, eu acho que é lá que eu estava, naquele estado de espírito de quando o Dante se perdeu. Então quando eu me separei é que realmente eu vim saber o que é a vida. Ter responsabilidade com os meus atos, com o meu ser, com a minha vida. Porque uma pessoa que casa com 16 anos, que foi criada no sertão, eu não sabia de nada do que era a vida. E eu não sabia das possibilidades que existem. Nunca nem questionei. se hoje eu tivesse o temperamento. No temperamento, não. Se eu soubesse o que eu sinto naquela época, talvez eu tivesse enfrentado o mundo com mais garra, sem medo. Sem medo. Aguentando. Porque você não quer aceitar a violência externa. A violência da sociedade. A sociedade vai te chamar disso, disso, disso e daquilo outro. Aí você fica num relacionamento aceitando todo tipo de violência onde você nem questiona. Chega um ponto de você não ver. Cansou, parou e não tem mais nem o que questionar. É aceitar e pronto. Tipo, eu acho que poucas mulheres aceitariam dizer assim com provas. Dizer, meu marido me traiu, 200 vezes, eu tô registrada, o nome das 200 vezes, das pessoas Poucas pessoas aceitariam, né? Poucas mulheres, eu acho que... Não sei, eu digo assim porque eu acho que dói muito, não sei, não sei não mesmo Mas a pessoa chegar em casa e dizer Olha, eu fui pro motel tal, com fulana de tal, fiz isso, isso, isso, isso e aquilo Eu não tenho um adjetivo. Eu não tenho um adjetivo pra dizer. É por isso que eu chamo ele Cafajuste. Eu sempre chamo o Cafajuste. Eu podia escrever um texto e eu postei no Facebook, chamando ele Ciceli. Quando ele estava muito atacado, ele dizia, eu sou um crápula, para cima de mim, sabe? Tentando se limpar, aí dizia, eu sei que eu sou um crápula. Ele sempre dizia isso, mas ele fazia uma coisa bem pesada e depois ele dizia, a forma dele se retratar era essa, eu sei que eu sou um crápula. Aí eu escrevi que ele não é um crapo não, ele é um cafajeste. Não tem muita diferença de uma coisa não, mas eu botei só pra colocar assim, sabe? Não, você é um cafajeste. Que foi até uma questão de uma procuração que ele fez. Ele fez uma procuração e deixou no cartório pra eu ir só assinar Aí na procuração diz que ele pode vender, doar, fazer o que quiser com os bens e não me dar satisfação É esse jeito, tá na procuração, eu tô com ela ali Pedi até uma volta pra moça do cartório pra ninguém dizer que a minha mentira Aí o meu filho tinha conversado com eles em uns terrenos que a gente tinha na cidade, lá do interior, pra vender esses terrenos e dividir. Meu filho falou com ele, eu nem sabia que meu filho tinha falado, tinha tocado nesse assunto. Aí passou-se dois anos e nada, ele não fez nada. Aí meu menino foi perguntar, ô fulano, paiinho, o senhor já vendeu aqueles terrenos? E essa é sua mãe? Ele fala assim, só a abertura ele tá com raiva. Isso, eu não acho que é drama. Isso é sua mãe. Desse jeito eu vou ter um infarto. Ai meu menino, esqueceu que eu sou meu doida e me contou. Surtei. Surtei mesmo. Foi da vez que eu entrei na internet, aí botei lá. Ele era um cafajeste. Tirei uma foto da procuração, botei no Facebook. Sabe? Porque... Eu nunca falei a respeito de nada, ele ficou com tudo. E eu nunca falei a respeito de nada, de nada, de nada. Até quando eu morrer, o que é que eu vou levar? Um caixão atrás das costas. Nem na minha frente vai, vai uma tampa, que eu nem queria. Eu já disse, eu não quero não, eu não quero esse caixão não, eu quero ser cremada. Aí minha filha, não mãe, mas pra cremar tem que ter o caixão. Eu digo, então tá, tá bom. Mas crema e joga assim, eu não mato. Eu não gosto desse negócio de cemitério, nem desses velones, essas coisas. Eu acho muito... É muito cruel. Então...
Norma, o que você faz hoje?
O que é que eu faço hoje?
Como é sua rotina hoje em dia?
Eu faço o teatro, né? Aí eu faço pilates. Tipo assim, faço pilates, faço acupuntura por conta do problema da Pauluna. Eu escrevo muito, muito, muito. Inclusive, essa minha história, eu acho que já passei da metade de um livro contando bem detalhadamente, sabe? Bem por tintinho. Só que nunca publiquei. E nunca, sei lá, deixei pra lá. Escrevi, escrevi, escrevi, escrevi, escrevi, contei, contei, contei, contei e aí abandonei. Tipo, abandonei. O que eu tava fazendo? uma pessoa contando, contando a minha história, não seria eu contando. Tipo, eu começo assim, meu nome é... Meu nome é fulana de tal, eu sou do Rio de Janeiro, quer dizer, peguei uma mulher lá de longe, sou do Rio de Janeiro, nasci na Estácio, E morei em Afogada da Engazeira, nos anos tais E conheci, e aí ela volta aqui e me conhece Só que meu nome não é Norma, né? Começou com N, mas não é Norma Mas aí ela vai relatando, quer dizer, tudo que eu passava desde o início do casamento Ela vai relatando tudinho, vai contando, contando Até chegar ao final, né? Ficou bem interessante. Eu tenho muita vontade de publicar. É bem complicado. Porque nesse caso, eu nem perguntei o que será feito com essas histórias que a gente conta.
As histórias vão para o portal do museu. É, o site do museu, quando você já abre ele no Google, você entra dentro do site do museu e lá tem todas as histórias de vida. Então, a pessoa tem acesso a essas histórias.
Eu vou ter acesso?
Vai, eu vou te mandar.
Ai, que ótimo! Muito bem! Que bom!
Assim que ficar pronto, eu vou te mandar.
Que bom, que bom! Adorei a ideia.
E, Nath, mas tem uma pergunta que eu só queria te perguntar. Quais são as coisas mais importantes pra você?
Mentalmente, o teatro. Hoje em dia eu meio que respiro o teatro. Então eu tenho aulas nas quartas e sextas. E assim, é muito bom porque você tá sempre criando. Eu sou uma pessoa que eu gosto de criar, né? Então a gente tá sempre criando, procurando uma história nova e tal. Agora não, porque as aulas estão sendo virtuais. A gente tá recebendo poesia, mas tá bem interessante. Então, outra coisa que eu gosto muito é de ler. Essas são as melhores coisas da minha vida. É ler, teatro, música. Eu adoro ouvir música. Eu gosto de cantar. Inclusive eu já cantei em bares. Até isso eu já fiz. Já cantei em bares. Tanto de aplausos que eu recebi no palco também. Já cantei no palco, no SESC de Santo Amaro. Já cantei várias músicas. O pessoal acha minha voz linda, maravilhosa. Já trabalhei em dois corais. Agora eu tô cansada pra coral. Mas também já participei de dois corais. O coral da Caixa Econômica, que inclusive é só funcionário da Caixa Econômica, mas me aceitaram. E o coral do Sesc também, que é um coral bem bacana. Fiz aulas de violão no Sesc. Eu toco teclado, toco violão, teclado. Adoro carnaval, quer dizer, a minha vida tá assim, super cheia de coisas, só coisas boas, né? Tenho minhas amizades, pessoal, muita gente, a maioria é de teatro hoje em dia, né? Tem gente que não é de teatro, mas a maioria é de teatro, você tem a tendência de você, né? Aquele meio, no meio que você está, você vai fazendo amigos e assim, é bem interessante. Inclusive, tem uma peça que eu canto duas vezes na peça. É muito bom! Hoje eu sei o que é viver. Viver uma vida boa, não é? Porque eu nunca vivi. Eu não tinha vivido até então. Mas hoje eu não consigo. Às vezes eu acho que vou ficar cheia de prega lá, mas eu só tô rindo, só vivo indo. É uma coisa que eu adoro fazer. Eu nem percebo e eu já tô rindo. Eu sempre fui assim, desde pequenininha. Embora sempre muito reservada, séria, mas eu sempre vivi morrendo. Eu não sei estar de cara fechada. Mas isso é hoje, porque antes eu vivia chorando. Eu vivia chorando, com certeza. E teve... Ainda posso falar deles. Ele arrumou uma das várias namoradas que ele teve, né? Ele arrumou uma que era telefonista do banco, do Banco do Brasil. Era telefonista, ela morava em Olinda. E ele começou a namorar com ela. Descarada, assim. Eu nunca vi na minha vida alguém fazer isso. Juro por Deus. Descarada mesmo. Começou a namorar com ela e pronto. No final de semana ia embora pra Olinda. e teve uma confraternização do banco, quando estava todos os funcionários do banco, e ele chamou ela pra ir, porque geralmente o pessoal nunca... assim, só vai mais um funcionário mesmo, né? Ele chamou ela pra ir, e eu sabia que ele já tinha chamado ela, e eu disse que eu não ia. Quando foi na hora eu disse, não, eu acho que eu vou, não quero ficar em casa, não. Mas eu sabia que ele ia com ela, eu disse pra... dessa vez eu fiz pra chatear mesmo. Aí ele disse, eu já tinha chamado uma pessoa para ir comigo. Eu disse, é, mas tem problema não. Aí ele foi pegar ela. E a gente foi, né? Eu disse, pronto, eu vou lá atrás e ela vai lá na frente com você. Mas aí ele não deixou, não. Aí quando a gente chegou lá, ele passou a noite inteira ajoelhado aos pés dela, cocorado, com as mãos no colo dela, a noite toda. Eu já tava, que eu não se importava mais, isso na frente de todos os colegas do banco. É muito humilhante, pra mim foi muito humilhante. Aí quando eu vim embora, eu tirei a aliança do David, essa vez eu tirei a aliança do David, joguei no carro dele e disse assim, eu não sou mais casada com você não. Se dane. Foi muito, muito, muito, muito, muito difícil. E essa menina que ele namorava, Ela fazia gato e sapato de mim. Às vezes, eu ligava pra falar com ele. Eu nem sabia que ele namorava com ela, mas ele namorou muitos anos. Namorou uns 7, 8 anos com ela. Aí, eu não sabia, nem imaginava. Eu não tenho muita malícia, não. Aí, eu ligava. Aí, eu dizia, quero falar com... Passa aí pra Dionísio. Ele não tá, não. Aí, toda vez que eu ligava, ela dizia, não tá não, né? Aí eu pensei, meu Deus, será possível que esse homem não pára na agência? Aí eu liguei pro celular dele, teve uma vez, né, que eu liguei pro celular dele e ela disse, Oi, tô aqui, o que foi? Aí eu disse, não, porque eu liguei agorinha e a telefonista disse que tu não tava na agência, né? Eu disse, não, mas eu tô aqui. Aí eu imaginei. Aí me disseram, me contaram que ele namorava com ela, me contaram tudo. E era assim, quer dizer, cada uma dessas vezes era muito... Era um martírio. Na época eu acho que mesmo você sabendo que é traída e tal e tal e tal, mas você tem a certeza, sim. Porque você pode ficar assim, não, eu suponho, me disseram que ia, mas não deve ser, não sei o que. E outra coisa que ele não faltava, e toda noite ele estava em casa. Teve algumas noites. Tipo essa que eu falei, que ele chegou, que cheirava perfume, era pra abraçar os pés, ele tava todo cheio de batom Mas era a coisa mais rara do mundo, ele sempre, de noite, estava em casa Ele traía durante o dia mesmo, no horário de almoço Mas assim, trair é uma coisa, e ter uma pessoa certa Tipo, acho que foi uns 6, 7 anos que ele viveu com ela Que ele dividia, né? Era comigo e com ela que eu até pensei que quando a gente se separou ele fosse casar com ela, eu pensava que era com ela, mas ele casou com outra pessoa. Aí eu sei que nesse meio desse... quando tava a coisa assim bem enrolada, bem complicada, bem difícil, ele fez um aviaso para a Floresta Vengadeira e quando ele chegou, eu acho que ele queria só me massacrar mesmo, sabe? Eu acho que ele já tava com tudo pronto pra separar. Eu tinha comprado apartamento, tava tudo certinho. Ele me levou num motel. E nesse dia foi o dia mais triste da minha vida. Ainda assim foi. Aí ele me levou num motel. Quando ele chegou no motel, ele pegou umas caixas lá com uns brinquedos. Eu nunca tinha nem visto aquilo. O tipo de mortal que ele foi, eu acho. Porque eu nunca tinha visto aquilo, não. Eu sei que tinha um pênis, sem mentira nenhuma, era desse tamanho. Deve ser da pessoa, é assim. Aí lá vem ele pra colocar, e eu disse... Aí eu senti medo, eu senti medo mesmo. Aí eu disse, você não dá nem doido. Fiquei lá e comecei a chorar. Aí, não dá, não sei se cabia, não sei o quê, não sei o quê, sabe? Me deu vontade de sair correndo, de vomitar, porque eu tava no quarto com ele E logicamente, o estado de espírito que eu fiquei, eu não queria mais fazer sexo com ninguém não Mas aí ele me suculou Eu chorando em cima da cama, de olhos fechados, dentes cerrados, mas ele fez sexo comigo E foi muito, muito, muito, muito ruim. Muito ruim. E eu não esqueço nunca. Eu fui estuprada depois de trinta e tantos anos de casada. Eu sigo... Eu não vou dizer que eu odeio ninguém, porque eu não consigo odiar meus vassinhos. Que é que eu não odeio? Eu não sei. Eu gostaria de odiar, mas eu não consigo. Mas eu não perdoo. Perdoando, eu perdoo. Odeando, eu odeio. Mas também eu não perdoo. Eu fui estuprada. Com cinquenta... Acho que cinquenta e quatro anos. Quando você pariu, eu tinha quatro anos. Cinquenta e... É, cinquenta e quatro anos. É isso. E essa vai doer pra sempre. Porque várias pessoas... Ah, porque tu ficasse nova, podia ter arrumado um namorado, não sei o que. Várias pessoas já tentaram. Vários, vários rapazes já tentaram chegar perto de mim e me falar. Sem sombra de dúvidas. Se eu tiver qualquer relacionamento ainda na minha vida, vai ser com uma mulher. Com um homem, eu não. Não quero mais nem Deus que me livre. Ou me rouba, ou me mente, ou me trai, ou me estupra. Eu não vejo o homem como ninguém pra você ter relacionamento, não. Ele me roubou mesmo, me roubou tudo que eu tinha, me roubou meus sonhos. E roubou dinheiro também. Eu tirava dinheiro da minha conta. Quando ele quis liquidar esse apartamento, ele foi tirar o dedo da minha conta. Não. É muita dor. E ainda tinha outra, ele ganha... Eu acho que ele deve ganhar três vezes mais do que eu. Aí ele chamava, vamos pra Fortaleza, vamos não sei pra onde, vamos passar o final de semana não sei a onde, aí a gente ia. Quando chegava lá, se divertiu, no final de semana, vamos supor, ou uma semana, ou seja lá o que for, aí quando terminava ele dizia, agora tu paga porque tu tem mais dinheiro do que eu. Era assim. Pena que eu nunca, assim, se... eu fosse mais antenada, eu teria gravado, né? Eu devia ter gravado todas essas coisas. Porque eu acho que, eu conto isso por mim, mas eu acho que eles não acreditam. Meus filhos, né? Eu não sei se eles acreditam ou não. E também eu não sei se eles não querem falar do... Eles não querem falar nunca nele. Porque... Não sei. Porque logo no começo, os três ficaram com raiva dele, não falavam com ele, passaram um bom tempo sem falar, mais de ano sem falar com ele Meu filho só voltou a falar com ele porque eu disse, ou bom ou ruim, infelizmente ele é seu pai Eu não vou falar com ele mais nunca, mas você pelo menos, né, fale com ele Aí ele voltou a falar com o pai, senão ele não tinha voltado de jeito nenhum E as duas meninas também ficaram muito chateadas com ele, a mais velha era sempre muito apegada com ele Mas elas... Eu acho que mulher é mais besta, mais maleável, se amolda mais. Mas o menino só falou porque eu pedi. Ele é que tem falado mais pra mim. De jeito nenhum.
Enorma. Quais foram os seus sonhos?
Meus sonhos? Ah, meus sonhos hoje é viajar. Eu já viajo bastante, graças a Deus. Se uma atriz de cinema, televisão ou... Televisão eu não sei, mas também pode ser. Mas cinema, eu já fiz cinema também. Eu faço cinema também. Uma atriz famosa. É o meu sonho. É estar no palco. Meu Deus, como é bom! É o meu sonho, o meu sonho. Está no palco. Vai ser reconhecida. Não quero ser fã malvista. Eu quero. Se eu ficar fã malvista, tudo bem. Mas eu quero ser reconhecida com o meu trabalho, com o meu esforço, com a minha dedicação. Eu me dedico de corpo e alma. O meu diretor gosta de mim. Às vezes eu dizia, ah, Rodrigo, eu vou sair desse grupo aí. Mas não! É um grupo, é um grupo de teatro, barbaridade. É um sonho. Eu já participei de outros grupos, no SESC mesmo, um grupo de teatro pra infância e juventude, que eu amei, realmente eu amei, eu me senti, ó, foi muito bom. Mas eu adoro, eu adoro teatro. Eu adoro o teatro, eu não sei. Eu não sei. Hoje eu me pergunto como eu conseguia viver sem o teatro. Eu não consigo imaginar como uma pessoa consegue viver bem sem o teatro. Bem não, não vivia bem. Mas como você consegue respirar se você não tá no teatro. É impressionante como o teatro faz um bem tão grande e é uma perspectiva Sei lá, é uma coisa, é diferente. É diferente. Uma realização que não é uma realização externa. Tipo, eu me formei em medicina e eu vou ganhar tudo de dinheiro para atender pacientes. Não. Diferente. Você não pensa nem em dinheiro. Você pensa em estar ali e ser ali. Vai ser ali. Uma atriz. Vai fazer o que você quer fazer, do jeito que você quer. Do jeito que você quer não, do jeito que o personagem é. Criar um personagem. Você criar um personagem é uma realização muito boa, muito gratificante. Você pegar ali, dar uma leitura, você criar aquele personagem, vesti-lo, vê-lo em pé e você representar. É muito bom! Eu posso ser quem eu quiser. É muito bom, é muito bom, é muito bom. Então, é o meu maior luxo hoje em dia, é o teatro. Leitura, teatro, cinema, eu gosto muito de assistir, mas tem uma restrição, eu não assisto filme que tá na moda, não. Eu assisto filme que eu gosto, que se identifica comigo. Eu já fiz cinema também, eu fiz a... Eu fiz a mãe de Frei Damião, falando italiano. Tem um filme sobre a vida de Frei Damião. Frei Damião é o senhor do Nordeste. Aí eu fiz a mãe dele, quando ele era pirraíno. Não, destino de nada, mas tô lá.
Norma, no começo você falou que estava se questionando sobre a identidade de gênero. Você quer falar sobre isso?
Identidade de gênero? Posso falar. Como eu te falei agora há pouco, né? Eu tive vários pretendentes. Não vou mentir, até porque... Agora não, eu tô deixando os meus cabelos brancos, tô ficando bem velhinha. Mas logo quando eu me separei, eu trabalhava, então eu tava sempre arrumada. E tinha muita, muita gente, muitos pretendentes. E eu não, e não, e não. Depois surgiu... Eu sou amiga de um grupo de meninas, de lésbicas. É um grupo mesmo de lésbicas. Então existe... Você sabe que existem os grupos porque pra se fortalecer até, né? E são várias meninas. E a gente se conheceu no teatro. Eu conheci uma no teatro e ela me chamou para participar desse grupo. Eu comecei a participar. E depois teve uma menina do grupo que estava sem namorada. Tinha acabado o namoro. Eu acho que ela estava afim de mim. Mas eu sou muito besta. E eu já tinha dito a essa minha amiga, que essa outra era amiga mais conhecida, mas essa outra amiga era amiga e irmã. E eu já tinha dito a ela, só não mores, se eu tiver que ter algum relacionamento hoje em dia, vai ser com mulher, com certeza. Homem, o perigo é zero, não tem como. Aí eu conversando isso com ela, de boa. Ela me apresentou essa menina. Aí começou a me chamar. Eu fui pra festa de boate gay. E comecei a sair com ela. Essa que é a pretendente. Só que eu não me toquei. E nesse meio a fila anda muito rápido. Eu não me toquei de jeito nenhum. E a minha amiga me dava umas... Tipo umas... De vez em quando falava alguma coisa assim, sabe? Mas por alto, ela não foi... Se tivessem me dito, com certeza que eu teria namorado. Mas eu não sei porque não me... Eu sou muito franca, muito sincera. Eu não sei ficar dizendo, mas olha aquela menina, acho que ela é bonitinha. Não, ela ou é bonitinha ou ela é feinha. Eu não sei ficar, sabe? Mas aí não foram muito sinceras comigo, mas assim, deixando... Não sei se é porque eu nunca tinha namorado com menina, Tipo, vamos falar devagar, eu sei que a gente foi pra um barzinho, aí no barzinho eu percebi que ela, que era a minha pretendente, tava conversando com outra menina e dizendo, ah, mas ela agora vai conhecer tudo isso. Aí eu achei assim, eu vou conhecer, olha, então vai rolar, né? Eu fiquei toda animada. Mas eu não tinha coragem de chegar e dar uma tacada nela. Não tenho. Nem tenho. A mulher vai ter que ser mais forte do que eu, porque eu sou muito fraca. Aí eu sei que ficou, né? Mas aí eu fiquei. Eu disse, eu acho que vai rolar alguma coisa. Aí ela veio me deixar em casa e me perguntou se eu já tinha beijado a mulher. Eu disse que não. Mas ainda hoje eu me arrependo, porque eu não dei um beijo nela. Me arrependo. Me arrependo amargamente, porque ela é uma pessoa maravilhosa. Tudo que eu pedi a Deus. Quando eu me lembro assim, que eu fiz essa burrada, eu fico muito triste, sabe? Eu fico muito triste, mas é isso. Eu acho que minha identidade, hoje em dia, com certeza, só quero menina. E eu acho que você tem que ser feliz quanto a isso. Eu acho que você tem que ser feliz do jeito que você é feliz. Você não tem que ser feliz porque a sociedade quer que você seja menina ou porque você seja isso ou aquilo. Ninguém tem nada a ver com a vida da gente. Quando eu morrer, se existir, eu não acredito. Eu já disse que eu não acredito nesse negócio de Deus, diabo, eu não acredito. Tanto é que eu digo, se existir inferno, eu já vivi o inferno aqui, eu não tenho outro inferno pra viver. Então eu não tenho nada com a sexualidade de ninguém. Eu não consigo dar prazer ao mundo inteiro, eu só consigo dar prazer a mim e ao meu parceiro ou minha parceira. Ninguém pode fazer isso. Prazer não é uma coisa que você joga assim da janela e todo mundo sai pegando os pacotinhos. Então eu acho muita ignorância, arrogância de quem é contra os LGBTs. Eu acho de uma arrogância, de uma falta. Quem me disser que acredita nesse Deus que pregou? Deus, Jesus... E é contra, que é homofóbico. Não adianta, nem fale comigo sobre religião porque eu vou dizer que você é um hipócrita. Vou dizer mesmo, você é um hipócrita. Jesus Cristo era gay. Se você for dizer que Jesus Cristo era gay, vou lhe crucificar. Mas me diga qual era a mulher de Jesus Cristo? Ele tinha mulher? Não tinha mulher. Então, se ele não tinha mulher e andava com um cara de homem, ele podia ser gay. E aí, como é que eu vou saber? E vai me interessar realmente se ele fosse gay ou não. Qual a diferença que faria? Entendeu? Então, eu abomino as religiões nesse sentido, porque elas querem que você seja aquele biberô. que eles determinam, você tem que acreditar em Deus, embora você tenha que acreditar em Deus e, em nome de Deus, você possa matar. Então a maioria dessas religiões que são tão arraigadas, tão cheias dessa coisa muito forte, e a maioria são homofóbicos mesmo, elas têm isso, acredita em Deus, mas ela diz, eu confio em Deus que fulano vai morrer. Porque ele vai arrumar alguém, vai matar e vai ficar por isso mesmo. É tipo... Tem um programa que eu assisto vez por outra. E tem os Testemunhas de Jeová. Testemunhas de Jeová, tem uma igreja belíssima, tem um anjinho de ouro. Tem uma anjinha de ouro lá em cima. É uma igreja riquíssima. E o ensinamento deles é um negócio assim, é brutal. E nos Estados Unidos sempre acontecem essas coisas. Pegaram a igreja, a igreja... Até o nome da igreja eu esqueci agora, mas são de Mormos. Onde as pessoas, quer dizer, um homem tinha 103 filhos. Quer dizer, ele era casado com não sei quantas irmãs, moravam tudo lá juntas, e depois ele foi casando com as filhas. Não precisava mais casar com as irmãs, eu já tinha casado com todas. Começou a casar com as filhas. E eu já tinha 103 filhos. Quer dizer, é uma poligamia, não é uma ebigamia. É uma poligamia e uma falta de respeito com o ser humano, eu acho. Todo mundo ali junto. E eu comecei a perceber, quando chegava a um certo nível, se ele queria homenagear alguém, aí ele vai dar um título a uma pessoa, mas para dar um título a essa pessoa, porque era Deus que estava determinando, ele tinha, essa pessoa para ser, para merecer esse título, tinha que matar dois ou três membros de uma mesma família. Como é que você diz que Deus está ali presente, que Deus, ou que Deus, Ele pode até estar presente, mas Não é o Deus, nem a entidade. Não vou nem dizer entidade, porque Deus não seria uma entidade pra mim. Seria uma lógica pura que me servisse de alguma coisa, de algum exemplo. Então eu vou matar dois pra eu ter direito a um cargo que Deus me deu. Veio lá do céu e me deu esse cargo. Na boca do pastor Fulano de Calvo. Eu sempre acho que as religiões têm isso. E que as religiões não levam ninguém para canto nenhum. A não ser para cometer coisas ruins. Eu não confio em religião. Eu confio muito na natureza. A natureza é tudo, ela lhe dá o teatro, ela lhe dá as plantas, ela lhe dá a água, ela lhe dá tudo, ela lhe dá a vida. Eu amo a natureza, amo mesmo, e assim, eu queria poder ser a natureza. Faço parte dela e me sinto muito realizada por isso, porque eu faço parte desse ar, dessas plantas, de tudo isso. Esse é o meu Deus. Mas... Inclusive, eu sou muito a favor de homossexuais, de lésbicas. Eu sou muito, muito, muito, muito a favor. Eu acho um povo mais leve pra gente conviver. Eu acho um povo mais honesto. Logicamente, toda regra tem exceção. Mas é um povo mais honesto, mais cabeça aberta. Não tem minhoca na cabeça, não tem besteira na cabeça. É um povo simples e direto. Eu gosto muito. É.
É, Ana, como você tem passado a sua quarentena?
Como o quê?
Você tem passado a sua quarentena?
Ah, minha quarentena. Tá sendo um pouco difícil, porque eu tenho espaliose, aí eu tenho alguns probleminhas, tipo um nervo preso, que eu tive uma hérnia de disco. e os neos ficaram presos, então isso foi com muitas dores, dores neuropáticas. Mas aí eu tomo uns medicamentos e eu me dou muito bem com uma computura. Então eu faço a computura dois dias por semana e dois dias eu faço pilates e eu fico no novo, vinha a escolha. Vinte e volta. Mas esses dias de quarentena eu tive que ficar em casa. Então foi super difícil, eu tive uma crise mais forte. E... E foi difícil mesmo, porque o remédio não tava... Só o remédio não tava adiantando. Mas eu já retomei o... O pilates não, mas eu já retomei a computura. O médico tá fazendo lá e é com todos os cuidados e eu tô indo. Segundas e quintas. Então, tô um pouco melhor. E o que é que eu faço? Eu costuro. Eu inventei de costurar, sabe? De repente. Eu sei bordar e tal. Eu posso me masturar na roupa. Eu tô fa... Eu posso terminar. Dá pra ver? Uau!
Você que fez?
É!
Quanto tempo!
Uma calça de retalhos, ó.
Que linda!
Tá vendo? Então eu tô fazendo muitas coisas, sabe? Pra passar o tempo. Também tem as aulas que de qualquer maneira você tem que se preparar pra aula, tem que estudar uma poesia, alguma coisa, escrever alguma coisa pra aula seguinte. Sempre tem. A gente costuma, a aula é hoje, aí alguém fica responsável por escrever o que aconteceu durante a aula. Aí na outra aula, aquela pessoa vai ler aquele texto que escreveu e outra pessoa faz, sabe, cada aula tem um aluno que faz o resumo do dia. É bem interessante. A gente tá trabalhando muito com poesias. Pronto, eu tô lendo muito assim, tô muito feliz porque tô pegando um livro assim e vou embora Eu adoro ler, adoro ler, tô numa fase muito boa Eu sofro muito por conta disso, né? Porque tem hora que me batem, eu vou ali no supermercado, eu vou ali numa loja Mas eu me seguro, eu me seguro, não, não, não, peraí, calma, calma, calma, calma Aí fico na merda. Mas... Ah, tá bem, tô bem, tô bem. Tô realizando alguns sonhos, tipo... Vindo um pouco mais de televisão também. Fiquei com meu olhar dentro. Mas principalmente isso, costurando. Quer dizer, eu voltei a costurar. E começa, você corta pedacinho por pedacinho, você sai medindo. Isso é muito bom, porque mata o tempo. Sai escolhendo os tecidos que ficam mais, né, parecidos, mais... Que descem mais certo um com o outro, um pedacinho por pedacinho. E eu tô adorando fazer isso.
E, Norma, deixa eu te fazer uma pergunta. Você sabe algum poema seu de coro? Você quer ler algum poema?
Meu?
Que você tenha feito?
Deixa eu pegar aqui. Assim, tem um... Tem um que eu ganhei. A revista Brasília me deu um... Eu ganhei alguma coisa. Não sei se você vai... Gosta. Mas eu escrevia coisa muito triste, sabe? Eu posso contar um bem triste. O que você quiser.
O que você quiser.
Dia de todos os santos. Amanhã é o dia dos defuntos, de amargo, de langour, mistérios. Também dos vivos que habitam cemitérios, em lares tristes, vidas sem assuntos. E como é dia da universal tristeza, ergo uma cruz sombria e de espinho. A minha vida triste e sem carinho, taça de fel, amargo, só a mesa. sozinha subir à máxima desventura, na ingrata solidão, dia após dia, rotina funéria, rotina fria. Sufoco hoje, e esse mal já não tem cura. Se é assim, amanhã é o meu dia, pois hoje e ontem, impressões eu tive, que neste mundo só difunto sobrevive, envolto pela terra, Imune à covardia. É a minha cara. Essa era eu. Eu queria lhe mostrar que eu ganhei o prêmio. Oh, oh. Aos viciados. Esse eu escrevi porque aqui tinha muito meninozinho viciado mesmo. Aí eu escrevi. Por ti, criança impune, ferve o sangue de teu irmão, que chora a desgraça do teu vício, como a moléstia que infesta teu ar e teu juízo. Por ti, criança doente, esmigalhada a flor que morre, ao teu argumento triste, no teu escarro de ervas, recorrói teu ser, teu vício. Por ti, criança morta, nos teus dias e tua angústia, estás junto à injúria e à dor que te fere, fere com espada verde, da erva que te bebe o sangue. Por ti, criança choramos, eu e a natureza, Pela beleza desperdiçada do teu cérebro, envolvida na alucinação do teu querer, sem teu domínio. Aos viciados, eu ganhei um prêmio com esse poema.
Que ano que você escreveu esses dois?
Hein?
Que ano que você escreveu esses dois?
Bem antigo, 1900. Em 1987. Em 1987 eu editei esse livro. Mas eu tenho um cantacém de cadernos de poesias. Aí eu já tentei passar para o computador, mas, como eu te falei, não vale a pena mais, porque só vou chorar. Não vale a pena. Deixei numa casa de marimbondo. É melhor deixar pra lá e começar a escrever novas coisas. Eu escrevo também, tipo, canção pra esses blocos de poesia, né? Aí eu começo e tem um cabo de poesia, de versos, que eu faço pros meus blocos, pro meu teatro. Eu faço. Música, já fiz música pro teatro. Na peça que nós fizemos, aí tem várias peças já. Na peça que fizemos não, porque eu não só fiz uma peça, são várias peças. Então, em várias peças eu já fiz as músicas. Já criei as músicas. Letra e som.
Adoro, mas a gente tá encerrando e eu queria te perguntar como foi pra você contar sua história aqui?
Eu gostei. Eu pensei que eu ia ficar pior. Eu não tô super bem, sabe? Eu sinto que você falar de coisas ruins geralmente não é muito legal. Mas eu até me senti mais forte. do que eu esperava, porque eu pensei que eu não iria ter coragem de contar. Mas eu adorei, de certa forma eu adorei, porque eu consegui realmente botar pra fora. E foi bom, eu acho que vou me sentir mais leve. Enquanto, não sei se eu vou lançar o livro ou não, sabe? Mas se eu lançar um livro, em tudo eu penso, como vai ser, sabe? Eu não quero mentir, eu quero falar a verdade. Nada do que eu lhe disse, nada, nenhuma palavra é mentira. E tem muito mais coisas que eu não falei. Mas, é lógico, não daria tempo. Mas isso, assim, sucumbia. Eu começava a falar e eu começava a cair mesmo, lá pro fundo do poço. E me senti... reduzida, mínima. Me senti um lixo. Isso eu acho o pior de tudo. Você se sentia um lixo, você não é nada, você não vale nada. E agora não aconteceu. Não sei se é porque foi com você, com uma menina linda, maravilhosa, cabeça pura. Eu não sei, mas eu sei que ajudou muito, com certeza. Mas eu não tinha coragem de falar, francamente, Talvez tivesse vergonha. Uma amiga, eu não tinha coragem de dizer, porque aquilo é uma sofredora. Eu não sei se eu tinha coragem de contar. Minhas filhas não sabem que... Algumas coisas elas viam, né? As traições, elas vinham. Ele chegava aí, ele contava. Não, eu saía. Ele estudava Esperanto. Ele e meu filho estudavam Esperanto no Centro Espírita, que tem aqui perto. E a gente morava em Boa Viagem. Todo sábado ele vinha pra aula, ele e o menino. Aí ele começou a namorar uma das colegas lá do curso. E até um dia ele disse ao menino que ficasse em casa, que não era pra ele ir pra aula naquele dia, não. Ao menos foi em casa. Aí ele foi pra aula, só que saiu da aula e foi com essa namorada que ele arrumou pra lá e foi pra um motel, bem afogados. Então, quando ele chegou em casa, me chamou no quarto pra me contar, detalhe por detalhe. Só que meu menino já sabia que ele tava namorando com ela. Meu menino já via, né? O menino já tava grandinho, então ele já tinha percebido que tinha alguma coisa ali. Você se sente muito diminuída, você se sente assim, eu sou o quê? Eu sou o quê? O que é que eu sou? Que animalzinho eu posso ser? Eu não tenho valor nenhum. Eu sentia que eu não tinha o menor valor. E isso dói. Isso machuca muito. E lógico que hoje em dia eu não quero nem ver. Mas eu amava, eu amava, eu amava quando me casei e eu tentei corrigir. Eu tentei primeiro sair do casamento, logo no segundo dia, por conta da mentira. Eu não suporto mentiras, não suporto mentiras. Quem mente trai, quem mente mata, quem mente rouba. Pra mim, mentiu, assim, deliberadamente. Escrúpulos. É um cráculo. Então, por conta da mentira, eu quis já sair do casamento. Mas, aqui eu estava no casamento, é muito melhor você passar a amar a coisa ruim mesmo sendo uma coisa ruim. Porque, do contrário, se você não amar aquela coisa ruim, você não vai conseguir. Aí você não consegue mesmo sobreviver. Sem jeito nenhum. Você olhar essa coisa aqui e essa coisa é bem ruim, ele faz sofrer muito E você tá com ela aqui e você odeia essa coisa Não dá certo, aí você... Com certeza que de noite você vai pegar uma faca e vai matar ou vai jogar qualquer coisa, vai fazer qualquer coisa É como se diz, é totalmente insuportável Fora de cogitação. Você não gostar de uma pessoa e viver com ela. Não existe isso. Você pode até ser sádico a ponto de gostar de massacrá-la. Mas de certa forma você gosta. Uma coisa. Porque se você odiar, você não consegue nem olhar na cara, né? Eu hoje não consigo nem olhar na cara dele. Não consigo. Não é que eu odeie, como eu digo, eu não odeio ele, só que... Isso é assim, você tem que viver com ele uma semana só Pra você ir pro céu, você vai ter que viver com ele uma semana, diga eu não, deixa eu aqui mesmo, eu quero ir pro inferno, sabe? Eu não quero existir mais de jeito nenhum E o céu eu tô vivendo aqui agora A sensação de céu, dessa coisa que o pessoal aqui Eu não acredito, particularmente, nesse negócio de céu, inferno, purgatório, Deus, taladá, fulaninha, ciclianinha, Jesus, taladão. Eu acredito em pessoas boas, acredito que Jesus foi uma pessoa maravilhosa, como eu acredito que Buda foi uma pessoa maravilhosa, como eu acredito que eu sou uma pessoa maravilhosa. Não fiz nada pela face da Terra, não fiz nada por ninguém, já fiz por algumas pessoas, mas não fiz o tanto que Gandhi fez, que Jesus Cristo fez, que deixou aí uma voz, que Che Guevara pra mim fez, sabe? Que Lula pra mim fez, Lula é um brasileiro, daqui do Nordeste, mas pra mim ele fez muita coisa boa, pelo total, pelo povo. Então, eu não vou dizer que Jesus Cristo não foi uma pessoa dessas, isso nunca, mas eu também não vou querer dizer que só existe Jesus Cristo. Não! Tem outros, e outros, e outros, e outros templos, né? Que foram pessoas que merecem todo o crédito e todo assentamento no livro. Não só foi Jesus Cristo. Então, Jesus Cristo é filho de Deus, mas se Jesus Cristo é filho de Deus, como dizem, quem é Deus? Nunca foi Deus. Não é a figura de Jesus Cristo? Tem, existe, mas a figura de Deus não existe. Então, pra mim, Maior do que Deus é a natureza, que aí é tudo.
Norma, eu te agradeço.
Eu te agradeço, meu amor. Eu achei tão bom. Eu sou o meu bestena.
Muito obrigada, muito obrigada. E eu prometo que quando a sua história já estiver no site, eu mando pra você.
Meu Deus, eu vou te dar um cheiro bem grande, mesmo virtualmente. Muito obrigada. Obrigada, meu amor. Obrigada. Qualquer coisa, desculpa, véinha.
Não tem que pedir desculpa não, por nada. Muito obrigada, viu?
De nada. Eu que agradeço, meu amor. Eu que agradeço.
Um grande beijo.
Tuto, meu amor. Deus te proteja.
Tchau, tchau.
Deus te proteja, porque eu passei a vida inteira falando isso. Mas a natureza me cubre com todas as riquezas.
Você também. Se cuide nessa quarentena.
Tá bom. Tu também, meu amor. Coisa mais linda.
Um beijo.
Beijo, meu amor.
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