Ópera Urbana
Entrevistado por Cláudia Leonor
Depoimento de Heloísa de Freitas Vale
São Paulo 05/08/2009
Realização Museu da Pessoa
Entrevista OPCN_CB030
Transcrito por Keila Barbosa
P/1 – Boa tarde, eu vou pedir para a senhora falar o seu nome completo, o local e a data e nascimento.
R – Meu nome é Heloísa de Freitas Valle, eu nasci em São Paulo, no dia 17 de setembro de 1929. Agora eu não me lembro se eu nasci na Maternidade São Paulo ou no Hospital Santa Catarina.
P/1 – E a gente estava conversando um pouco do Senador Freitas Valle. O que a senhora se lembra da casa do Senador?
R – Olha, ele era o meu avô, eu nasci, e morei a vida inteira lá, casei-me lá, e toda a minha infância foi na Vila Kyrial, vendo acontecer os eventos que havia. Desde pequenininha, assim, nove ou dez anos, a gente sentava na galeria, quando vinha a Madalena Tagliaferro tocar piano, vinha o Segal trazer um quadro, e a gente ficava quietinha, eu e a minha irmã Lígia, que já é falecida, nós ficávamos ali, assistindo tudo, porque nós nascemos, meu pai morou a vida inteira com o meu avô, até ele falecer. Minha mãe também, era a nora que cuidava dele.
P/1 – E dona Heloísa, o que quer dizer Vila Kyrial?
R – Vila Kyrial, quer dizer, você não tem Kyrial, Kirie-Eleison? É deusa, é qualquer coisa assim, é endeusamento, não sei. E foi o Afonsos Guimarães que deu esse nome para a Vila Kyrial, ele fez um verso, que eu tenho até um xérox desse verso em casa, e onde ele, quando o meu avô comprou a Vila Gerda, ele faz esse verso para a Vila Kyrial, e eu tenho também um xérox do Hino da Vila Kyrial, onde eles cantavam: “Kyrial, Kyrial”, onde era tudo para o bem, para o amor, para tudo o que era de bom, entendeu? Porque era o que ele fomentava.
P/1 – Agora Vila Kyrial, ela era Vila Mafiana, né?
R – Não, Vila Mariana.
P/1 – Vila Mariana.
R – Olha, quando acaba a Paulista, tem a Treze, ali o Largo Treze de Maio, ali?
P/1 – É,...
Continuar leitura
Ópera Urbana
Entrevistado por Cláudia Leonor
Depoimento de Heloísa de Freitas Vale
São Paulo 05/08/2009
Realização Museu da Pessoa
Entrevista OPCN_CB030
Transcrito por Keila Barbosa
P/1 – Boa tarde, eu vou pedir para a senhora falar o seu nome completo, o local e a data e nascimento.
R – Meu nome é Heloísa de Freitas Valle, eu nasci em São Paulo, no dia 17 de setembro de 1929. Agora eu não me lembro se eu nasci na Maternidade São Paulo ou no Hospital Santa Catarina.
P/1 – E a gente estava conversando um pouco do Senador Freitas Valle. O que a senhora se lembra da casa do Senador?
R – Olha, ele era o meu avô, eu nasci, e morei a vida inteira lá, casei-me lá, e toda a minha infância foi na Vila Kyrial, vendo acontecer os eventos que havia. Desde pequenininha, assim, nove ou dez anos, a gente sentava na galeria, quando vinha a Madalena Tagliaferro tocar piano, vinha o Segal trazer um quadro, e a gente ficava quietinha, eu e a minha irmã Lígia, que já é falecida, nós ficávamos ali, assistindo tudo, porque nós nascemos, meu pai morou a vida inteira com o meu avô, até ele falecer. Minha mãe também, era a nora que cuidava dele.
P/1 – E dona Heloísa, o que quer dizer Vila Kyrial?
R – Vila Kyrial, quer dizer, você não tem Kyrial, Kirie-Eleison? É deusa, é qualquer coisa assim, é endeusamento, não sei. E foi o Afonsos Guimarães que deu esse nome para a Vila Kyrial, ele fez um verso, que eu tenho até um xérox desse verso em casa, e onde ele, quando o meu avô comprou a Vila Gerda, ele faz esse verso para a Vila Kyrial, e eu tenho também um xérox do Hino da Vila Kyrial, onde eles cantavam: “Kyrial, Kyrial”, onde era tudo para o bem, para o amor, para tudo o que era de bom, entendeu? Porque era o que ele fomentava.
P/1 – Agora Vila Kyrial, ela era Vila Mafiana, né?
R – Não, Vila Mariana.
P/1 – Vila Mariana.
R – Olha, quando acaba a Paulista, tem a Treze, ali o Largo Treze de Maio, ali?
P/1 – É, Osvaldo Cruz, Praça Osvaldo Cruz.
R – Osvaldo Cruz, depois pega aquela ruazinha onde tem a Igreja Santa Generosa, que era a Igreja que a gente frequentava, e era antigamente, onde é hoje o metrô lá pra baixo. Depois mudou pra cá. Você andava, o primeiro o quarteirão é a [rua] Estela, depois vem da Estela, a Eça de Queiroz, a próxima era a José Antônio Coelho, mais meio pedacinho, era a [rua] Domingos de Moraes, com a [rua] Eduardo Martinelli. É Eduardo Martinelli, porque o marido da minha madrinha, na gripe espanhola, ele foi um dos médicos que corria, e morreu, pegou a gripe e morreu. Então, em homenagem a ele, quando o meu avô abriu a Vila Gerda, lá, fez uma rua e dividiu uns terrenos pra fazer umas casas, pôs o nome dele Eduardo Martinelli.
P/1 – E vocês vinham até a Avenida Paulista, quando vocês eram pequenos?
R – Vinha... Andava da Avenida Paulista até o Ibirapuera, passeava tudo com a minha fraülein, porque a gente tinha fraülein, fraülein alemã, falava alemão, tinha que aprender francês, tinha que aprender piano, a gente fazia dança, naquele tempo era ballet, então, ele tinha muita, assim, a casa tinha, ele tinha todas as óperas, todas as músicas, tudo o que acontecia no Municipal, ele estava lá e ele ia em tudo com a minha mãe. Quando a gente cresceu, ele levava a gente também.
P/1 – Como é que era a Avenida Paulista, nessa época, assim, que a senhora lembra?
R – Olha, a Avenida Paulista, vamos dizer, eu me lembro do Institut Pasteur, eu fui várias vezes, para tomar injeção na barriga. Lembro muito do Hospital Santa Catarina, lembro da casa de Firmiano Pinto, que era um palacete, aqueles casarões, tinha casa de mais não sei quem. Até a [avenida] Brigadeiro, assim, eram tudo casaronas. Pra cá, pra esse lado aqui, eu só me lembro de ter andando a Augusta, essas coisas, eu já era moça, já tinha 18, 19 anos. Então, é quando começou, mas ainda não tinha o Metrô, foi antes do Metrô. Qual era o...
P/1 – Bonde...
R – Era o Bonde, Bonde Camarão, era o Bondinho, o outro Bondinho, e tinha um Bonde Amarelão que ia pra Santo Amaro, que me levava até o Clube Banespa onde eu ia nadar. E eu vinha também no Paulistano. Me lembro dos automóveis, mas eu andava na Baratinha, sabe aquela Baratinha que abre atrás?
P/1 – Sei...
R – Quando que vejo uma Baratinha, aí que saudade das Baratinhas!
P/1 – Tinha o Carnaval, aqui na Paulista?
R – Tinha, tinha o corso, eu ia... Todo ano nós íamos, eu tinha a fantasia de holandesa, fantasia no outro ano de tirolesa, a gente fazia os grupos, sentava na capota, a gente brigava para ver quem ia sentada, assim, atrás, em cima, e éramos... Era eu, a Lígia, as filhas da minha tia Leilah, que é filha do meu avô, então a Alba, a Beatriz e a Vera. Muito mais tarde, quando a gente já era mocinha, 13, 14 anos, chegou o Zé Luís, que era filho do Embaixador Ciro de Freitas Vale, que era o filho dele que estava lá como Embaixador. Então, a gente ia, e todo mundo ia fazer o corso, todo ano, nunca perdi.
P/1 – Eles (___)
R – É, todo ano meu pai comprava serpentina, comprava lança-perfume. Um dia eu peguei só aquela lata metálica, um dia eu peguei a lança-perfume, depois de vazia, e joguei, porque era fogão de lenha... meu avô só queria fogão de lenha. Eu pus dentro do fogão e explodiu (risos). Foi o arroz, foi toda a comida pro teto.
P/1 – Foi um almoço embora...
R – Foi um escândalo, mas ele...
P/1 – Hoje é só um highlight, assim, que a gente está fazendo, né, essas lembranças, depois a gente vai fazer uma entrevista mais longa.
R – É... exato.
P/1 – O que a senhora mais gosta da Avenida Paulista?
R – Ah, eu quando passo, me dá muita saudade. Saudades daquele tempo. Nossa! Até dói. Até dói, era outro ambiente, era... Sabe, não tinha barulhão, não tinha esse movimento, você passava, você estava passeando, e antes não tinha nem esse buraco aqui, que foi... Qual foi o Prefeito que fez? Governador, ou Prefeito, que abriu aqui esse buraco, essa passagem. Aqui não tinha nada disso, como é que era o nome dele?
P/1 – Não sei...
R – Ah, eu também não lembro... Meu pai, eu lembro que meu pai era Engenheiro, e ele era da... ele que fez, junto com o Jorge Americano, ele que fez a Cidade Universitária. Eu também assisti fazer a Cidade Universitária, porque eu era pequena, e era menina, e ele muitas vezes, via a obra...
P/1 – Maravilha.
R – Então, tudo isso prá mim me dá muitas saudades. Era um outro mundo, um mundo mais de amor, um mundo mais de paz. Nunca eu tinha ouvido falar as coisas que hoje a gente ouve. Não existia essa violência.
P/1 – Era diferente, né?
R – Era diferente. Eu me lembro que na minha casa iam os meninos do Liceu de Arte, muitas vezes para fazer alguma coisa, algum móvel, ou alguma decoração, e eu ficava procurando na cozinha tudo que eles nunca comeram. Então eles iam perto do aniversário do meu avô, eu perguntava pra eles: “Vocês querem comer peru, já comeu peru?” “Não”. Aí eu ia lá com a minha cozinheira, e falava assim: “Ah, Luizinha, eu preciso levar, eles nunca comeram um peru, eles precisam experimentar.” Então eu levava peru, presunto, farofa. E o meu avô, muitas vezes pegavam alguns meninos do Liceu, e trazia pra sentar à mesa, e aprender a comer, porque a gente tinha que comer com toda a etiqueta. Não sei quantos copos, talher, talher de peixe, talher de sobremesa, enfim, com toda aquela etiqueta. E ele ensinava, punha os meninos, uns três ou quatro, para aprender; depois vinha outra vez, vinha outro grupo.
P/1 – Maravilha. A gente vai encerrar por aqui, infelizmente, mas a gente vai marcar uma entrevista mais longa com a senhora.
R – Tá jóia.
P/1 – Eu agradeço demais a participação.
R – Obrigada, linda! Tchau...
(FINAL)
Recolher