P/1 Pra gente começar, o seu nome, data e local de nascimento. R Meu nome é Lala de Heinzelin, eu nasci em São Paulo, em 26 de outubro de 58. P/1 Qual é a sua atividade, Lala? R Eu trabalho na área cultural, há no ano que vem 30 anos, e passando por um pouco de cada coisa, começando com dança, e hoje trabalho com cultura como ferramenta de desenvolvimento, projetos, estratégias, eventos, coisas assim. P/1 Fala um pouquinho pra gente, resumidamente, como é esse teu trabalho. R Resumidamente é difícil. Basicamente eu tentei ao longo da vida conhecer o máximo de línguas possível, porque sempre me parece que o que eu queria quando era pequena, com 6 anos, era mudar o mundo, aí eu achei que estudando biologia eu ia entender a nossa natureza, estudando história, eu ia entender o que que a gente tinha feito, e disso eu ia conseguir mudar o mundo. Fui fazer biologia, vi que não era bem assim, ao mesmo tempo eu já dançava e isso tinha resolvido bastante a minha vida pessoalmente, porque eu era muito gorda, extremamente tímida, completamente travada e através do teatro e da dança eu consegui mudar isso e transformar todo um imenso potencial que vinha de leituras em ação. Então eu percebi que a cultura era a intersecção entre a coisa da biologia e da história. A partir daí eu fui tentando conhecer o maior número possível de linguagens dentro da cultura pra poder ser um bom catalisador. Então eu diria que eu sou um catalisador, ou um modem, que traduz uma linguagem em outra. Então eu tô eternamente nisso, eu sou uma nômade cultural, estou sempre mudando de línguas pra poder conhecer essas línguas e fazer a tradução entre um lado e outro pra poder promover contato. E nos últimos 10 anos mais ou menos eu tenho feito isso através da minha empresa, que se chama Entusiasmo, e que faz estratégias, projetos e eventos que usem a cultura como ferramenta de transformação e desenvolvimento. P/1 Certo, você atua na cidade de São Paulo ou...
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P/1 Pra gente começar, o seu nome, data e local de nascimento. R Meu nome é Lala de Heinzelin, eu nasci em São Paulo, em 26 de outubro de 58. P/1 Qual é a sua atividade, Lala? R Eu trabalho na área cultural, há no ano que vem 30 anos, e passando por um pouco de cada coisa, começando com dança, e hoje trabalho com cultura como ferramenta de desenvolvimento, projetos, estratégias, eventos, coisas assim. P/1 Fala um pouquinho pra gente, resumidamente, como é esse teu trabalho. R Resumidamente é difícil. Basicamente eu tentei ao longo da vida conhecer o máximo de línguas possível, porque sempre me parece que o que eu queria quando era pequena, com 6 anos, era mudar o mundo, aí eu achei que estudando biologia eu ia entender a nossa natureza, estudando história, eu ia entender o que que a gente tinha feito, e disso eu ia conseguir mudar o mundo. Fui fazer biologia, vi que não era bem assim, ao mesmo tempo eu já dançava e isso tinha resolvido bastante a minha vida pessoalmente, porque eu era muito gorda, extremamente tímida, completamente travada e através do teatro e da dança eu consegui mudar isso e transformar todo um imenso potencial que vinha de leituras em ação. Então eu percebi que a cultura era a intersecção entre a coisa da biologia e da história. A partir daí eu fui tentando conhecer o maior número possível de linguagens dentro da cultura pra poder ser um bom catalisador. Então eu diria que eu sou um catalisador, ou um modem, que traduz uma linguagem em outra. Então eu tô eternamente nisso, eu sou uma nômade cultural, estou sempre mudando de línguas pra poder conhecer essas línguas e fazer a tradução entre um lado e outro pra poder promover contato. E nos últimos 10 anos mais ou menos eu tenho feito isso através da minha empresa, que se chama Entusiasmo, e que faz estratégias, projetos e eventos que usem a cultura como ferramenta de transformação e desenvolvimento. P/1 Certo, você atua na cidade de São Paulo ou ... ? R Principalmente, mas não apenas. Também em outros lugares. P/1 Também em outras localidades. E o que a motivou a participar do fórum? R Bom, primeiro a área de trabalho, né, eu tô esperando esse fórum há 2 anos, desde que ele começou a ser criado, mas o que motiva mesmo todo trabalho com cultura, que é a razão de estar no fórum, é a percepção de que é a grande ferramenta de mudança. Então existe todo um movimento, que agora, até é muito bom ver que tudo isso acontece, porque quando eu comecei 30 anos atrás, cultura era considerada, não era nem a cerejinaha do bolo, era um pedacinho da castanha, assim, nada. E é muito legal ver que isso vai mudando e que hoje em dia se tem essa percepção de que ela é o bolo, ela é completamente fundamental e não supérflua. E a motivação, então, que está subjacente a isso, é a percepção de que através das ferramentas da cultura e através das ferramentas da arte a gente pode se assenhorar de si mesmo, do próprio corpo, da comunidade e construir o futuro que a gente mesmo deseja. Então eu sou muito encantada com estudos do futuro, faço parte também do Núcleo de Estudos do Futuro. E tem uma frase que é meio uma motivação pra mim, que é um ditado chinês antigo que diz: "Se não mudarmos de direção, acabaremos onde estamos indo." Então a gente fica perguntando: "Pra onde estamos indo? É onde a gente quer? Ou eu não quero ir pra onde estamos indo, então vamos construir uma outra estrada pra ir onde a gente quer ir?" Então eu acho que quem constrói essa estrada pro mundo que a gente deseja, quer e tem condições de construir, são as ferramentas de cultura, e cultura, eu não tô falando em produção artística, mas cultura num sentido mais amplo. Mais amplo, né? E você conhece algum trabalho ligado à memória que você considere importante? Com que você tenha tido contato ou por alguma reportagem, ou porque você conhece mesmo? R O de vocês. (risos) P/1 O nosso. (risos) R Eu sou fascinada por memória em geral, assim, eu comecei a ler muito pequenininha, porque eu era apaixonada por arqueologia, então, não sei te dizer de alguma específica. Projetos inovadores como o de vocês, eu acho poucos. Me veio à cabeça, por exemplo, é um trabalho de criação a partir da memora, que é a Renata Melo, que é uma coreógrafa, diretora, que faz um trabalho super interessante, que ela entrevista pessoas e ela colhe o gestual, as roupas, etc. e a partir disso ela compõe os espetáculos. Ela fez isso com domésticas, que depois acabou virando um filme com direção do Fernando; ela fez um sobre o tempo e agora ela tá com um novo sobre a questão das migrações, então são turistas e refugiados, todo mundo que se desloca pelo mundo. Eu gosto muito, dentro de história, eu sou completamente encantada por história do cotidiano. Ah Aliás, eu sei de um trabalho bom de memória. (risos) P/1 (risos) R Acho que eu bati no microfone, deve ter feito Rahnn (com a voz mais grave imitando o ruído que de fato fez). Eu tenho uma, sempre me preocupei muito, porque a gente em geral preserva uma realidade que não é real. Aliás, a própria palavra real já é do além, porque é real, não é "poval" (risos); então, enquanto a realidade chamar realidade e não "povalidade", vai estar sempre um pouco distorcida. E existe toda uma construção que é muito, muito antiga, que faz com que a gente deseje aquilo que não nos pertence. Então com isso a gente tem um ralo de energia imenso, né? Então a gente passa a achar que aquilo que está no Olimpo, quando era na Grécia Antiga, ou na Ilha de Caras, quando é agora, é bacana, e aquilo que eu faço é qualquer nota. E com isso a gente perde o próprio poder e autonomia; acho que a idéia é essa. Porque se a gente tivesse o poder e a autonomia, a gente não seria tão facilmente manipulado. E sempre me pareceu que a valorização do cotidiano é fundamental pra isso. Porque o cotidiano é sempre mais fantástico do que qualquer coisa que a ficção produza, a gente vê isso, tem histórias de verdade que são completamente inacreditáveis. Então eu tenho uma coleção, eu sempre tentei guardar objetos do cotidiano, eu tenho uma vastíssima coleção de roupas e objetos do dia-a-dia, inclusive, principalmente de moda. Porque a moda traduz muito o que que acontece. E de moda também só se guarda alta costura, que não corresponde à realidade, então que não é uma ferramenta tão interessante pra você entender o cotidiano. Então faz 25 anos mais ou menos que eu tô guardando. Eu tenho uma coleção bem grande de roupas, acessórios, objetos, assim: ovo de costurar meia, latinha de tintura de bigode, coisas assim, coisas do cotidiano. P/1 E qual a peça mais diferente dessa sua coleção que você acha bastante peculiar, mesmo sendo do cotidiano? R Tem umas por que tenho mais afeto, assim, por exemplo, tem uma bolinha de natal de 58, que é do ano em que eu nasci, que é uma taça Julis Rimet, da Copa, pequenininha, que se mantém lá, aquela bolinha de vidro frágil. Tem uma que eu acho muito interessante, de roupa, que eu ganhei da minha tia francesa, que é uma calcinha que vem até o joelho, porque ela é muito pudica, só que ela não tem fundos, porque não existia banheiro, isso até o final do século XIX, especialmente na França, até o começo do século XX. E eu acho isso o máximo essa calcinha porque ela dá pra mim, ela serve como uma referência de como, apesar de não parecer, as coisas melhoraram, porque você imagina só o quanto vida era fedida. Porque não tinha banheiro, os dentes eram muito mais estragados, as relações afetivas deviam ser muito mais complicadas, né, no meio de todo esse mau cheiro. (risos) P/1 (risos) A relação entre as pessoas no geral devia ser meio complicada. R Imagina como devia complicar. Então eu tenho duas dessas calcinhas, elas são pra mim uma referência, assim, de como a vida está mudando pra melhor. P/1 Da mudança dos tempos. R Porque essa coisa falsa, né, vem até o joelho, mas não tem fundo, e o fato de ser aberto mostra que realmente ia ao banheiro em qualquer lugar. P/1 A oportunidade fazia o banheiro, né? R E de roupa tem coisas bárbaras pra sacar, então, se a gente pega década de 60 nos Estados Unidos, aquela coisa completamente uma forma, e você vê que todos os chapéus são na forma mesmo, eles são duros. Aquela coisa Jaqckeline Kennedy, né? E é um jeito de pensar já pronto. Pohh, que não mexe, é um piniquinho mesmo. (risos) P/1 (risos) R (risos) Tem um pouco antes, que é a mulher bibelô, que aí são vários chapéus que parecem tortas, é muito engraçado. P/1 Tortas? R É, porque assim, mulher é muito na cozinha, então você tem todos uns chapéus com umas tirinhas cruzadas, então tem coisas muito interessantes. P/1 E ela reflete muito a sua época, né, a moda? R Total. Inclusive me assusta, vendo os sapatos de hoje, que a gente batalha tanto pra conseguir liberdade e depois escolhe, ninguém obriga você ir lá comprar uma tortura de bico-fino e salto agulha que você não consegue andar 5 metros aqui. Eu falo: "Meu Deus do céu" P/1 (risos) E, Lala, pra finalizar, conta pra gente algum evento marcante que tenha acontecido com você, da sua história, da sua memória. Qual seria o evento que você destacaria dentre todos eles? R Tem tantos... Um eu acho que é bastante óbvio, que eu acho que a maior parte das pessoas deve ter falado, que é filho. Que é a pessoa mais extraordinária que eu tenho o prazer de conhecer. Mas, não sei, eu tve a sorte de ter uma vida bastante agitada, com vários. P/1 Eventos. R É, eu não consigo destacar um em particular. Talvez um que tenha sido marcante, assim, que foi de trabalho, foi fazer o Clara e o Crocodilo, que foi o primeiro espetáculo que eu dirigi sozinha, e eu era bem nova, eu tinha 20 anos, e eu tinha tido uma doença, eu tive uma operação de emergência, eu quase morri, etc, e foi uma sensação muito interessante, porque eu não tinha muito nada a perder, porque eu já tinha quase perdido, sabe quando você já quase decola, eu tava assim: "Ah, então já que é pra arriscar, bora arriscar mesmo." Então deu uma força muito grande de fazer coisas que pareciam impossíveis. E foi um período interessantíssimo, que eu realmente não tinha a menor noção do que era possível e impossível. A gente não tem aos 20 anos, manda ver; aliás, tudo que vocês quiserem porque dá certo. E aí consegui fazer coisas realmente impossíveis, como dirigir todos os meus mestres, que aceitaram serem dirigidos ali pela piveta de 20 anos e juntar uma equipe imensa e tal, e foi uma coisa muito marcante pra todo mundo que participou desse processo, desse espetáculo, e pra mim foi sempre uma referência de como o que é impossível pode ser possível se a gente.
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