IDENTIFICAÇÃO O meu nome é José Antônio Vidal Vieira. Eu nasci em 29 de janeiro de 1955, na cidade de São João de Meriti. INGRESSO NA PETROBRAS Quando me formei, em 1976, não estava interessado em Petrobras. Era uma época diferente, tinha outras oportunidades. Eu trabalhava no Instituto de Pesquisa do Exército como técnico químico. Lá mesmo, eles me promoveram, eu fazia pesquisa, era interessante. Nunca me preocupei com Petrobras. Mas a família sim. Tinha aquela história da esposa do Banco do Brasil, de ter estabilidade. Passou o tempo e um dia a Petrobras, o Cenpes, o Centro de Pesquisa, fez uma chamada de pessoas com mestrado com determinada função. Eu mandei meu currículo e fiquei em segundo lugar, mas só tinha uma vaga. Relaxei também. Passou um ano, fizeram outra chamada, mandei de novo o currículo e achei que ia ser a mesma coisa e fui viajar a serviço. Quando eu voltei, disseram que eu tinha que fazer uma prova. Eu fiz a prova e passei. Eu era gerente, na época, da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. A Petrobras disse que ia me classificar, porque eu tinha mestrado, tinha experiência. Eu já tinha dez anos de formado. E ela ia me classificar conforme o mercado e a minha função, mas antes eu tinha que fazer o curso de formação dos engenheiros da Petrobras. Fiz o curso, os gerentes envolvidos que estavam interessados em contratar mestres e doutores pro Cenpes já tinham saído e me disseram que por eu ter feito o curso seria classificado como engenheiro 1 A. Comecei a minha carreira de novo. O meu salário era um terço do que eu ganhava antes. Banquei durante alguns anos um bom prejuízo até retomar o valor do meu salário anterior, mas não me arrependo. Gosto muito de trabalhar na Petrobras, porque não me sinto trabalhando pro empregador, me sinto trabalhando para o país. E percebo que, na média, os colegas sentem a mesma coisa. Isso dá uma satisfação no trabalho muito maior do que...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO O meu nome é José Antônio Vidal Vieira. Eu nasci em 29 de janeiro de 1955, na cidade de São João de Meriti. INGRESSO NA PETROBRAS Quando me formei, em 1976, não estava interessado em Petrobras. Era uma época diferente, tinha outras oportunidades. Eu trabalhava no Instituto de Pesquisa do Exército como técnico químico. Lá mesmo, eles me promoveram, eu fazia pesquisa, era interessante. Nunca me preocupei com Petrobras. Mas a família sim. Tinha aquela história da esposa do Banco do Brasil, de ter estabilidade. Passou o tempo e um dia a Petrobras, o Cenpes, o Centro de Pesquisa, fez uma chamada de pessoas com mestrado com determinada função. Eu mandei meu currículo e fiquei em segundo lugar, mas só tinha uma vaga. Relaxei também. Passou um ano, fizeram outra chamada, mandei de novo o currículo e achei que ia ser a mesma coisa e fui viajar a serviço. Quando eu voltei, disseram que eu tinha que fazer uma prova. Eu fiz a prova e passei. Eu era gerente, na época, da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. A Petrobras disse que ia me classificar, porque eu tinha mestrado, tinha experiência. Eu já tinha dez anos de formado. E ela ia me classificar conforme o mercado e a minha função, mas antes eu tinha que fazer o curso de formação dos engenheiros da Petrobras. Fiz o curso, os gerentes envolvidos que estavam interessados em contratar mestres e doutores pro Cenpes já tinham saído e me disseram que por eu ter feito o curso seria classificado como engenheiro 1 A. Comecei a minha carreira de novo. O meu salário era um terço do que eu ganhava antes. Banquei durante alguns anos um bom prejuízo até retomar o valor do meu salário anterior, mas não me arrependo. Gosto muito de trabalhar na Petrobras, porque não me sinto trabalhando pro empregador, me sinto trabalhando para o país. E percebo que, na média, os colegas sentem a mesma coisa. Isso dá uma satisfação no trabalho muito maior do que simplesmente uma promoção, uma função ou um bom salário, que nem é tão bom assim, mas dá pro gasto. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Quando eu terminei o curso, me mandaram escolher: eu podia ir pra qualquer lugar que eles ofertaram, porque estava bem classificado. Escolhi a Engenharia Básica do Cenpes. Projeto de engenharia era uma coisa que eu gostava. Eu achei interessante e que não ia fazer muita diferença se eu fosse trabalhar na tecnologia tal ou tal, num setor ou no outro, porque isso tudo era uma empresa, era a mesma Engenharia Básica. Achava que os deslocamentos seriam fáceis caso eu não me adaptasse. Ledo engano; descobri que na Petrobras as movimentações não são simples, muitas vezes são traumáticas. Eu fiquei muitos anos num mesmo setor fazendo a mesma atividade. Considero até que, profissionalmente, não foi muito bom. Embora eu tenha entrado para Petrobras em 1985 – eu comecei a trabalhar na Engenharia Básica em 1986 – parece que eu estou na empresa há muito menos tempo, uns 10 anos. Depois dessa primeira fase é que, de fato, eu comecei a me sentir dentro da Petrobras, quando começaram a aparecer outras atividades e eu tive outras movimentações. Os primeiros anos não acrescentaram muito à carreira, nem no desenvolvimento. Os últimos 10 anos, sim, foram muito interessantes, porque começaram pequenas reestruturações internas, que acabavam fazendo pequenas movimentações. Apareceram serviços interessantes. O primeiro foi a implantação de uma nova tecnologia pra remover o benzeno, um composto tóxico de solvente usado pra fazer, por exemplo, cola de sapateiro ou pra produzir óleo de cozinha a partir da extração do caroço de soja. É um processo de remoção de aromáticos de correntes de hexano. Esse processo de desaromatização de corrente de hexano foi de primeiro mundo, desenvolvido no Centro de Pesquisas da Petrobras com uma participação intensa da Engenharia Básica, onde eu trabalhava. Isso deu origem não só a patente, como a premiaçao também. Hoje nós temos duas refinarias usando esse processo, que é único no mundo. Isso dá uma satisfação muito grande: partir do zero, desenvolver, criar tudo. Você tem que criar até ferramenta de cálculo diferente, porque são coisas que nunca foram feitas antes. A partir daí, eu comecei a ter contato com a área de pesquisa do Cenpes. Eu já trabalhava no Cenpes há mais de 10 anos e não tinha muito contato. Esses contatos foram se fortalecendo, até que o gerente da pesquisa uma vez jogou o laço pra cima de mim, demorou seis meses para me arrastar. Ele me transferiu, mas não conseguia me tirar da minha mesa. Depois de seis meses, eu acabei indo trabalhar diretamente na pesquisa. Foi aí que começou essas histórias das patentes, das invenções. O trabalho da pesquisa é, por definição, trabalhar com coisas que não existem; o produto final pode ser algo ou não patenteável, pode ou não ser uma inovação. Uma pesquisa pode terminar numa porta fechada se esgotou aquele desenvolvimento, a conclusão é de aquilo não era uma rota boa, é um resultado como qualquer outro. O pesquisador está sujeito a isso, ele pode dar sorte de começar um estudo que termine numa inovação, numa patente, numa aplicação industrial, num produto que vai ser comercializado, ou não. De repente ele pode fazer um estudo longo, demorar cinco anos pesquisando intensamente alguma coisa e chegar à conclusão que não é possível industrializar ou tecnicamente não é possível fazer ou não tem viabilidade comercial. Isso é algo que temos que ter sensibilidade ao longo do desenvolvimento. Uma coisa importante que eu aprendi como pesquisador é na hora certa saber interromper um trabalho desses. Aquilo vira um filho, você fica um, dois, três anos em cima de uma coisa, fica muito difícil de dizer: “Isso não vai dar em nada, vou interromper o trabalho”. Eu aprendi com um gerente meu, que em um momento isso deve ser feito. E as outras linhas de pesquisa que eu desenvolvi tiveram bastante sucesso e, hoje, estão virando processos industriais. DOCÊNCIA A minha experiência como professor me propiciou entrar na Petrobras. Quando eu fiz aquela prova que eu falei, praticamente, não estudei. Eu já tinha nove anos de formado como engenheiro e 12 anos como técnico. E com 10 anos de formado, em média, você não sabe mais aqueles assuntos acadêmicos. A prova era de recém-formado; na época a Petrobras fez uma chamada para mestres e doutores, e fez uma outra para recém-formados. Dos mestres e doutores, apenas cinco passaram. Dos cinco apenas de dois, de fato, eram mestres e doutores, os outros eram alunos recém-formados que estavam desenvolvendo a tese. Só eu e mais uma colega passamos nesse concurso da Petrobras. Eu acho que passei pelo fato de dar aula há mais de 25 anos. Embora esteja licenciado nos últimos dois anos pra trabalhar no biodiesel, esse mesmo ano estive em contato com os livros, em contato com o estudo, com a técnica de estudo, em contato com a juventude, isso também é muito bom. Eu acho que em função disso consegui ser um dos dois únicos que passaram nesse concurso. Eu estava bem ambientado com o estudo. E, no caso do trabalho no Centro de Pesquisa, foi uma continuação também. Acabou ajudando muito, porque o trabalho na Engenharia Básica é uma continuação natural da pós-graduação, de um mestrado em engenharia. E no trabalho de pesquisa mais ainda. De certa forma, eu sinto que tudo que eu fiz em 22 anos de Petrobras, mais os 12 anos anteriores, trinta e três anos e meio, estão se juntando no que eu estou fazendo hoje. Às vezes aparecem atividades relacionadas com biodiesel que me obrigam a buscar conhecimento de dez, vinte anos atrás, e isso tudo está convergindo num reforço da minha demanda de conhecimento atual. PROJETO BIODIESEL Essa atividade atual, de certa forma, é o ápice do que eu tenho feito na Petrobras, até mesmo na minha carreira. É interessante como eu cheguei lá. É um processo de pesquisa interessante. Eu estava pesquisando uma rota de petróleo. O petróleo brasileiro é muito pesado e ácido. Na época, a Petrobras estava extremamente preocupada com isso. Criaram-se vários projetos de pesquisa pra redução da acidez do petróleo. O projeto que eu estava estudando era a redução por neutralização com álcoois. Eu me lembro que um gerente meu passou, vindo de uma reunião em que se começava a falar de biodiesel na empresa, e disse: “Será que não dá pra fazer isso com glicerina?”. Porque no processo de produção de biodiesel, gera-se 10% da produção em glicerina. O grande problema hoje continua sendo o que fazer com tanta glicerina. Como se esperava, o preço da glicerina está despencando no mercado internacional, está virando um passivo, um problema a ser resolvido. Já na época, há quatro anos atrás, meu gerente disse: “Será que dá pra fazer com glicerina?”. Eu disse pra ele: “Dá pra fazer com glicerina”. Desloquei o estudo para trabalhar com glicerina e funcionou. Aí eu precisei de glicerina vinda da produção de biodiesel, glicerina de óleo vegetal. O primeiro biodiesel que eu fiz na vida, eu joguei fora e usei a glicerina. Esse foi um projeto que nós tivemos que matar, porque no final, embora o resultado resolvesse o problema da acidez, não resolvia o problema da Petrobras. Nós o matamos numa reunião, dissemos: “O resultado foi promissor, mas na prática isso não tem significado, vamos encerrar o projeto”. Mas isso me aproximou da comunidade que estava nascendo na Petrobras sobre o biodiesel. De fato, o biodiesel é um assunto muito empolgante, tem um lado social e ambiental muito forte, principalmente no Brasil. Na Europa, o lado ambiental é mais forte, mas no Brasil o lado social, a motivação do governo pra desenvolver o programa de biodiesel é crucial e isso empolga muito. Em 2004, eu estava fechando esse trabalho com a glicerina, tinha feito o primeiro biodiesel e jogado fora, quando eu assisti uma discussão entre dois técnicos sobre medir uma determinada propriedade em laboratório ou calcular usando um simulador de processo. Eu sabia que os dois estavam errados e que os dois estavam certos; o simulador de processo não estava pronto pra fazer aquele cálculo e, por outro lado, o trabalho experimental seria muito demorado pra fazer aquela mesma situação. Eu comecei a juntar algumas pessoas ligadas à simulação e ao cálculo termodinâmico, e quis aprimorar a metodologia de cálculo. Nós precisávamos levantar parâmetros pra fazer aquelas contas. Fui pro laboratório, consegui um biodiesel que tinha sido produzido fora da Petrobras, de má qualidade: “Vou purificar esse biodiesel, vou tirar essas propriedades só pra ajudar na conta”. Eu não tinha interesse em fazer biodiesel. Isso que, de fato, é interessante, porque na época o foco era a mamona e o etanol. E é muito difícil fazer biodiesel de mamona com etanol. Até hoje o governo brasileiro, o nosso presidente, tem interesse na mamona pelo lado social, mas tecnicamente é o óleo mais difícil para se trabalhar. Não se conseguia e não havia quem estivesse fazendo biodiesel de mamona com etanol dentro das especificações. BIODIESEL / MAMONA Em janeiro de 2004, o governo Lula criou o programa do biodiesel, com o foco na mamona. Eles queriam que 40% do biodiesel do país fosse feito de mamona. Ela seria cultivada no semiárido, daria emprego ao nordestino, teria toda essa questão de fixação de homem no campo. Mas a mamona, quimicamente, tem uma diferença em relação a todos os outros óleos, ela tem uma composição química única, uma funçãozinha álcool, uma hidroxila ligada à cadeia dela, que determina propriedades físico-químicas e químicas diferenciadas, o que prejudica muito o processo produtivo de biodiesel. Por exemplo, é muito difícil separar a glicerina produzida pelo biodiesel quando se trabalha com óleo de mamona. E esse era o grande problema do momento. Eu peguei aquele biodiesel de mamona, que não estava especificado – nós estávamos trabalhando naquela atividade do petróleo -, e o meu gerente liberou as horas vagas: “Vamos tentar purificar esse biodiesel pra poder tirar as propriedades para os cálculos”. Quanto mais se mexia naquilo, pior ficava. Nós fizemos geléia, nós fizemos pudim, uma porção de gororobas, mas o biodiesel não ficava bom. Até que eu desisti: “Talvez o problema disso esteja na origem e não tenha mais como consertar. Nós vamos ter que fazer do zero”. Foi aí que eu comecei a movimentar pra fazer biodiesel mesmo. No início foi muito difícil, com mamona nada funcionava. O primeiro mês foi horroroso. Fomos voltando pra trás: “Vamos deixar a mamona de lado, o etanol, vamos pegar o óleo de soja, que é mais simples. Vamos saber se, de fato, estamos usando a técnica certa”. Mas também era difícil. Até que um dia, eu peguei o Herlenmeyer, com a técnica do lado, olhamos, olhamos, e nada de separar a glicerina. Colocamos na bancada, fui fazer outra coisa, quando eu olho a glicerina tinha separado. Foi a primeira vez que conseguimos separar a glicerina usando etanol; também é muito difícil de fazer biodiesel com etanol, são as duas coisas mais difíceis, de maior desafio: etanol e óleo de mamona. A partir daquele momento as coisas começaram a se alinhar, ficou promissor e nós propusemos oficialmente um projeto. O projeto foi aprovado em junho, nós abrimos um projeto só de estudo, não tinha grandes pretensões, porque não gosto de criar muita expectativa. Mas em um mês nós já estávamos produzindo um produto de boa qualidade. Consegui em uma semana improvisar uma planta piloto, lembro até agora de que o coordenador do programa estava caminhando comigo no corredor, eu olhei pra ele: “Semana que vem nós vamos rodar em planta piloto”. Ele olhou pra mim com uma cara de espantado: “Como? Você começou o projeto há um mês, já vai rodar a planta piloto? Não estava previsto”. Nós rodamos a planta piloto, começamos a produzir biodiesel, adaptamos e o projeto foi se desenvolvendo. Havia uma questão séria que era o prazo; os prazos eram apertadíssimos. Mas eu tinha um desafio, uma coisa em mente. Em conversa com um gerente do Rio Grande do Norte, ele disse que tinha um compromisso de ter uma planta de biodiesel lá em fevereiro de 2005, mesmo que fosse uma planta de teste, uma planta experimental. Esse gerente falou isso numa viagem que nós fizemos juntos em maio, pra conhecer plantas de biodiesel pelo mundo. E ele disse o seguinte, que nós não tínhamos nem que estar com o prazo em fevereiro de 2005, nós tínhamos que estar com uma planta de biodiesel em novembro de 2004, porque era o mês das eleições. Eu fiquei com aquilo na cabeça: A única maneira de fazer isso é com um reator de batelada simples, uma planta simples, produz e depois continua o desenvolvimento. Quando nós conseguimos, em dois meses de projeto, fazer as primeiras bateladas no Cenpes, especificando, eu liguei pra esse gerente e disse: “Você está lembrado daquela conversa?”, “Eu estou lembrado”, “Você está interessado? Você não tem um equipamento velho do Rio Grande do Norte, lá na UN, que você possa colocar de pé pra fazer umas bateladas? Aí resolve o seu problema de imediato”, “Vem pra cá que damos um jeito”. Em agosto de 2004, eu peguei um carro com ele e quatro gerentes, e fomos para Mossoró, no meio do sertão nordestino. Eu nunca tinha passado pelo sertão, aqueles cactos todos retorcidos, aquela paisagem de filme de cangaceiro, me impressionou muito aquela primeira viagem. Cheguei lá, apresentei a proposta, a turma não só topou, como ampliou a proposta inicial: “Vamos fazer a planta mesmo, vamos fazer do zero”, “Mas como?”, “Vamos dar um jeito”. E eles deram um jeito. Em quatro meses e meio, a partir daquela data, nós colocamos os dois primeiros reatores de pé e fizemos os primeiros 600 litros de biodiesel de mamona da Petrobras, especificado pela norma brasileira. Foi difícil, mas saiu o produto. Isso deu um ânimo grande. Eu estou falando sobre isso pra tocar em outro ponto mais importante pra área de pesquisa. METODOLOGIA DE TRABALHO Existe uma seqüência normal de trabalho: primeiro se vai pra um laboratório, se estuda, se faz uma pesquisa bibliográfica, se faz as primeiras reações no vidro. Se der certo, monta-se uma planta piloto no Cenpes, um litro, dois litros, dez litros. Se der certo vai pra uma planta experimental. Se der certo você faz uma planta de engenharia e se monta uma planta industrial. Um dos projetos de produção de biodiesel mais conhecidos hoje no mundo, eu tenho o cronológico dele, demorou mais de seis anos pra ser concluído, nessa seqüência. Nós não tínhamos esse tempo, o projeto foi aprovado em junho, em janeiro de 2005 nós já estávamos com aquele compromisso de ter alguma coisa em fevereiro operando. Nós criamos uma metodologia diferenciada, tudo em paralelo, assumindo riscos, porém riscos limitados a uma margem que não fosse prejudicial pra empresa e com alguma segurança. Nós fazíamos trabalho de pesquisa bibliográfica, reações em laboratório, corridas em planta piloto, o projeto dessa unidade de Guamaré, a construção da unidade de Guamaré e, por fim, a operação. Tudo em paralelo, só assim que deu pra pôr em quatro meses a primeira batelada em operação. De lá pra cá, o projeto foi sendo aprofundado, a planta cresceu e nós estamos agora, justamente, pra discutir a parada dessa planta, pra entrar com um projeto novo de conversão dessa planta. Essa planta será ampliada, de 600 a 800 litros, nós vamos fazer uma batelada para 20.000 litros por dia, em modo contínuo. O projeto está praticamente pronto, nesse ritmo, tudo em paralelo, num ritmo frenético. Quando comecei o projeto do biodiesel, eu não tinha cabelo branco. Nos últimos três anos, eu envelheci bem, gastei tudo que eu tinha economizado durante a vida. Mas agora esperamos que em junho consigamos terminar com a outra planta, a planta pára semana que vem, a convertemos, e com isso a Petrobras passa a ter uma tecnologia consolidada. As três primeiras unidades, que hoje estão sendo construídas pela área de negócios, hoje estão sendo compradas. É uma tecnologia comprada, porque não daria tempo para esperar; demora-se de um a dois anos pra construir uma planta. Mas a partir de agora, a partir desse segundo semestre, nós esperamos poder oferecer a Petrobras uma alternativa cômoda, que as próximas unidades industriais já possam ser feitas com tecnologia Petrobras, em função dessa correria desenfreada que foram os últimos anos. FASE DE TESTES Nessa fase nós nem pedimos autorização ainda pra comercialização, nós não queríamos esse compromisso. O máximo que nós estamos fazendo é fornecer produtos pra testes com as montadoras. A Ford começa esse mês na Bahia um programa extenso, de um ano, mais ou menos, de testes com o biodiesel Petrobras, feito em Guamaré. É um biodiesel especificado pelas normas brasileiras e até internacionais, de soja e mamona. Continuamos fazendo biodiesel de mamona pura, ou em misturas, porque no programa brasileiro o governo negociou com as montadoras que começaria usando uma mistura de 2%. Isso é tão pouco que não poderia causar problemas nos motores. Mas as montadoras pediram que, pra aumentar pra 5%, fossem feitos esses testes. Então, eles estão acontecendo em todo país, e a nossa planta de Guamaré fornece os produtos pros testes na Bahia. ÓLEOS VEGETAIS Os tempos mudaram. Os pesquisadores estão sujeitos a passar três anos de suas vidas pesquisando alguma coisa e, quando pronto, alguém dizer que não interessa mais. Não estou dizendo que isso aconteceu com a mamona. Mas hoje já se percebeu que a mamona não é tão promissora quanto se imaginava há quatro anos atrás. A sua economicidade, a produtividade no nordeste é muito baixa em relação a outras áreas. Ela continua sendo um foco do governo, ela tem um tratamento diferenciado, mas a comunidade do biodiesel está olhando para outras alternativas. Está surgindo agora o pinhão manso; o próprio Lula, há um mês, exibiu uma muda de pinhão manso, uma planta nativa também, muito mais robusta e muito promissora, porém não desenvolvida agronomicamente. O Brasil é muito especial. Nós brincamos com uma lista de opções de oleaginosas que nunca ouvimos falar: uricuri, mucuru. No Brasil, cada região tem a sua espécie preferencial. E eventualmente os produtos podem dar alguma diferença no processo como na qualidade final, de forma que a temos que estar sempre atentos, porque a cada momento, a cada mês, pelo menos, alguém me liga: “Dá pra fazer biodiesel de macaúba? Dá pra fazer biodiesel de jojoba? Dá pra fazer biodiesel de linhaça?”. Temos que estar sempre prontos pra responder essas coisas, o que nos obriga não só a estar ligado direto ao projeto da tecnologia quase consolidada, que seria a prioridade máxima, como a dar assessoria de negócios com as plantas novas. E todas as consultas que chegam, respondendo questões do tipo oleaginosas possíveis e não possíveis, estar antenado e trabalhando em cima de novas tecnologias de ponta, pra saber se virá algum salto tecnológico. Existe mais uma porção de demandas, inclusive, essa de estar aqui agora. Por isso que eu estou com tanto cabelo branco. BIODÍSEL / VANTAGENS Nos testes feitos agora de emissões mostram, por exemplo, que o biodiesel reduz a fumaça preta. Essa fumaça do ônibus e do caminhão que fica sujando a nossa cidade. No geral, ele é ambientalmente mais amigável que o diesel. As emissões do produto da queima do biodiesel são bem menos severas ao ambiente. É claro que não se espera haver biodiesel suficiente para substituir todo o diesel. A Alemanha é o único país do planeta que usa o biodiesel puro; mas nem todo mundo usa o biodiesel puro, alguns carros, alguns modelos foram licenciados pelo fabricante para operar com o biodiesel puro. Você pode chegar num posto de gasolina na Alemanha e abastecer o carro com o chamado B100, o biodiesel puro. A tendência do mundo é usar o biodiesel em mistura, no Brasil nós usamos 2%, e vamos passar para 5%. Não haveria área suficiente hoje no mundo para plantar pra que se abrisse mão do diesel para usar apenas o biodiesel puro. Tecnicamente seria ótimo, mas não precisamos chegar a tanto, mesmo em quantidades menores, como 5%, já começamos a ter vantagens. A adição de apenas 2% do biodiesel ao diesel melhora o desempenho do motor no tocante a lubricidade, a lubrificação das partes internas melhora. O grande apelo do biodiesel é o apelo social: a geração de emprego no campo. Mesmo na Europa, mesmo com a quebra da “Cortina de Ferro” e a União Européia, havia anos atrás uma necessidade de gerar mais empregos. Mesmo lá - eles falam muito na questão ambiental - o biodiesel também serviu pra geração de emprego. No Brasil há aquele interesse em se estimular às áreas menos favorecidas, áreas onde você tem condições de produzir culturas mais nobres, por isso se foca em mamona, pinhão manso, para trabalhar em semiárido. Com isso se espera, se não gerar uma renda suficiente para sustentar uma família, pelo menos algo que complemente a renda necessária para sustentar essa família, porque a mamona não consegue pagar tanto quanto nós gostaríamos que pagasse ao pequeno produtor. No Nordeste, o pequeno produtor, com uma terra nem tão rica, com problemas de irrigação, questões de custo e extensão pequena de terra, ele não vê como uma solução: “Vou plantar mamona e agora resolvi meu problema financeiro”. Mas pode ser a maneira dele complementar aquilo que faltava no orçamento dele. A Petrobras vislumbrou isso nessas três primeiras plantas; por isso que eu gosto de trabalhar na Petrobras. COMPROMISSO SÓCIO-AMBIENTAL Por exemplo, eu fui à Argentina, fui visitar a PESA, a Petrobras Argentina. Lá não há esse interesse maior no social, lá o interesse é na parte industrial, os grandes produtores que produzem soja. No Brasil a Petrobras botou uma planta em Quixadá, à uma hora de Fortaleza, em pleno sertão, uma planta em Montes Claros, uma região muito pobre do norte de Minas, e em Candeias, pra aproveitar justamente a cultura da mamona da Bahia. Qual está sendo o foco da Petrobras? A Petrobras está gastando um dinheiro que os outros não gastaram, primeiro porque o padrão da empresa é diferente. Critica-se que a planta ficou cara, mas porque nós estamos comprando um outro produto, nós estamos especificando um outro produto. Nós estamos vendo isso em contato com outras empresas que não souberam especificar, compraram até da mesma pessoa que nós poderíamos ter comprado, que flertou com a Petrobras, mas num preço completamente diferente. Na hora de cobrar eles não conseguem comprar, na hora de pedir uma garantia não conseguem pedir uma garantia, na hora de pedir um dado de processo não conseguem pedir. Já a Petrobras, paga mais, mas recebe um produto diferenciado, de melhor qualidade. O compromisso ambiental da Petrobras é completamente diferente. Vi situações no nordeste das pessoas perguntarem: “Mas o que eles fazem com aquela lagoa negra aqui?”. Um olhava pro lado, o outro olhava pro outro: “Não sei, está muito difícil”. Quer dizer, não há compromissos ambientais na iniciativa privada muitas vezes. Alguns têm, outros não. A Petrobras tem esses compromissos, ela paga por isso, e poderia, talvez, estar fazendo plantas com maior rentabilidade, mas não, optou por fazer plantas pra esse lado social. As plantas vão sustentar regiões muito carentes, esse é o foco da Petrobras na área de renováveis, na área de biodiesel. Isso é que dá uma satisfação muito grande quando estamos trabalhando nisso. ÓLEO IDEAL O óleo vai depender da região. Se você estiver falando do nordeste, tem a palma do dendê. O óleo de dendê é um dos óleos mais baratos do mundo pra produtividade. O interessante nisso é você escolher uma cultura que produza muitos litros de óleo por hectare e ano, e o dendê é um dos campeões, mas só é possível na Bahia e na Amazônia. Se for pensar na Bahia e na Amazônia, temos o dendê. No Nordeste, de fato, quando esta planta estiver domesticada, o pinhão manso parece ser muito promissor, sem tirar o lugar da mamona. Aliás, são até primos, são da mesma família. Ele deve ocupar um espaço importante. Se você vai pro Sul, você tem outras opções por lá também, sem falar na questão da soja, porque hoje o único óleo desenvolvido em quantidade suficiente para abastecer o projeto de biodiesel é a soja, 95% do óleo produzido no Brasil é o óleo de soja. É inevitável, o biodiesel no Brasil vai estar lastrado na soja. Porém, nós não podemos perder de vista essa vertente do renovável, do social, porque a soja tende a ser muito mais industrializada. Existem comunidades que plantam soja e atendem ao núcleo familiar, mas poderemos localizar outras, como o pinhão manso, que é uma espécie perene. A mamona você corta, o pinhão manso você planta e dura 40 anos. Inclusive, é interessante, nós vimos um estudo na África, os africanos estavam interessados pra gerar emprego feminino. Eu parei e pensei: “Está certo”. A mulher não vai pegar na enxada, alguém pegou na enxada uma vez pra plantar, as árvores crescem, e ela vai ficar colhendo todo ano, gerando emprego feminino. Têm vários aspectos assim. Cada região pode ter a sua especificidade. Às vezes, aparecem nomes estranhos, como moringa e outras coisas mais, mas nós não estamos livres de descobrir aquelas plantas amazônicas, algo novo e revolucionário em termos de produtividade na produção de óleo. EMPRESA DE ENERGIA Eu não me lembro exatamente quando foi, deve ter uns cinco anos, mais ou menos, que a Petrobras migrou de uma empresa de petróleo pra uma empresa de energia, já pensando justamente nas demandas futuras. O petróleo tem um prazo mais curto ou menos curto, dependendo da estimativa e do otimismo de cada um, para acabar, mas o mundo tem que continuar rodando. E qual é a tendência? As empresas de petróleo não vão fechar, a tendência é migrar pra fornecer novas formas de energia. Então, a Petrobras passou a ser uma empresa de energia. Nesse sentido, ela está focando cada vez mais intensamente nas energias renováveis.Lá no Rio Grande do Norte, a unidade de negócios, é praticamente uma unidade de produção de óleo, tanto em terra quanto em mar, está virando uma unidade de energia renovável. Nós já temos geradores eólicos, temos duas plantas experimentais de biodiesel e outros trabalhos acontecendo nessa área de renováveis. O mundo inteiro hoje, a partir do protocolo de Kyoto, está muito voltado para as questões ambientais e renováveis. ENERGIAS RENOVÁVEIS O Cenpes tem uma estrutura de pesquisa na área de renováveis: Programa de Energias Renováveis. Existe um coordenador desse programa que é quem recebe as propostas de projetos novos, analisa junto com ao cliente e com outras áreas, ele libera ou não as verbas pros trabalhos. Eu tenho muito contato com o coordenador do programa, principalmente na área de biocombustíveis, mas especificamente na área de biodiesel. Por que o biodiesel? Porque o biodiesel não é só produzir. Nós começamos um trabalho no Cenpes, no início, na parte de analítica. Foi o Cenpes que descobriu que o biodiesel de mamona não pode ser analisado pelos métodos convencionais. Existem métodos que a Europa já consagrou, porque está produzindo biodiesel há mais tempo que nós, mas que não se aplicam para o biodiesel de mamona. Ele é tão diferente que até a parte analítica muda. Existem muitos projetos acontecendo nesse programa de renováveis, em biodiesel e em outras energias renováveis. Mesmo o biodiesel, embora nós já estejamos muito avançados com essa rota, que nós chamamos de rota óleo, no nosso laboratório, nós temos vários outros estudos acontecendo para estarmos sempre à frente do conhecimento. Não se produz biodiesel de uma única maneira, existem várias maneiras de produzir biodiesel. Porém, basicamente, hoje todas as plantas industriais produzem de acordo com a mesma técnica: catálise homogênea alcalina. Conheço apenas uma exceção na França. Esse é o estado atual da arte. Mas a qualquer momento poderá surgir uma nova técnica, uma nova rota, um catalisador heterogêneo, um reator de ultra-som, um reator de microondas, uma catálise enzimática. Nós temos que acompanhar tudo, porque somos questionados. Hoje mesmo eu fui questionado pela área de negócios, que é o nosso cliente, falar sobre essa questão da inovação, porque alguém chegou lá com uma proposta de uma tecnologia nova, um processo maravilhoso. Cabe a nós julgarmos se de fato aquilo é promissor ou não. O biodiesel tem um estigma, além ser muito atrativo, muito interessante, parece fácil de ser feito. Então, tem muita gente boa, bem intencionada, fazendo um trabalho ou um produto ruim sem perceber, porque pensa que fez, separou um pouquinho de glicerina e acha que fez biodiesel. O primeiro fabricante licenciado pelo governo já está sendo descredenciado, porque o processo desenvolvido por ele, de fato, não apresentava um bom produto. Mas isso continua até hoje. Há, no mundo inteiro, várias linhas de estudo na tentativa de melhorar mais e mais, porque o biodiesel tem um problema econômico muito sério. Se nós olharmos quanto custa o litro do óleo de soja no supermercado e quanto custa o diesel no posto de gasolina, nós vamos ver que o biodiesel tem que lidar com uma matéria-prima que costuma ser mais cara que o produto final. Ou seja, em princípio, ele é economicamente inviável, a menos que haja uma subida do preço de petróleo, ou o que o governo fez no Brasil, a partir de janeiro do ano que vem ele será obrigatório. A partir do momento em que ele se torna obrigatório, você não tem mais a questão de preço. Até então os compradores só comprariam se fosse mais barato, ou o leilão, que obrigou a Petrobras a comprar; mas é uma outra técnica, a Petrobras tem que comprar e pronto. O que aconteceu? O preço do biodiesel que a Petrobras está comprando custa bem mais caro, custa o dobro do preço do diesel. Mas em função dessa necessidade de melhorar os custos, melhorar a economicidade do processo, continua havendo na área de biodiesel muita pesquisa. E o Cenpes não pode ficar pra trás, nós temos uma linha principal, nós temos um projeto pronto pra implantar pra poder consolidar uma tecnologia, mas estamos olhando pra todas as outras, e testamos todas as outras, porque a qualquer momento uma coisa pode despontar como mais promissora. PETROBRAS DO FUTURO Em 25 anos nós continuaremos tendo petróleo. Ainda vai estar muito em cima do petróleo. Mas eu estou vendo, de 2004 pra cá, principalmente a partir de 2006, essa área de energias renováveis crescer muito dentro da Petrobras. A Petrobras está fazendo reestruturações, por exemplo, o Cenpes está sendo repensado. Nesse repensar do Cenpes, a área que mais está mudando, e mudando para crescer, é a área de renováveis. Na Engenharia Básica, se fala em dividir pra criar uma gerência única para renováveis. Na área de pesquisa, também deve ser criada uma outra gerência pra poder privilegiar os biocombustíveis. Mas não é só biocombustível, o que importa mesmo em energia renovável, em essência, é a energia solar, é buscar maneiras de captar energia solar da forma mais eficiente possível, por isso que a Petrobras também trabalha com aerogeradores e com biomassa. Estamos trabalhando muito. Uma coisa importante também é o álcool de lignocelulose, não é mais o álcool do caldo da cana, da sacarose, do açúcar, é o álcool feito da fibra. O mundo inteiro está pesquisando isso. A Petrobras do futuro, como qualquer outra empresa, vai ter que estar antenada nisso. Está em fase de desenvolvimento: como pegar um pedaço de madeira e fazer etanol dessa madeira? Quando a tecnologia estiver desenvolvida de forma econômica, nós teremos de fato uma revolução na área de biocombustíveis. Os Estados Unidos hoje tomaram o lugar do Brasil como maior produtor de álcool, mas eles usam o álcool a partir do milho, é um outro processo caro, mas eles têm dinheiro, eles bancam, eles subsidiam. Eles sabem que o futuro tem que passar por essas alternativas e estão colocando muito dinheiro também nessa pesquisa do álcool de lignocelulose. O Cenpes está para montar uma planta piloto em cima de um processo próprio. ÁLCOOL DE LIGNOCELULOSE Quimicamente é o mesmo álcool, a vantagem é usar outro tipo de matéria-prima. Por exemplo, hoje tem áreas onde se planta cana, mói, tira o caldo, concentra, faz a fermentação e cria o álcool com a mesma técnica da pinga, da cachaça. A idéia é pegar o bagaço da cana, hoje usado para queimar, para gerar energia – já é alguma coisa. Antigamente não se fazia isso. Então, a idéia é conseguir daquele bagaço de cana fazer mais etanol. Você aumenta em muito a produtividade, aumenta a produção de combustível por hectare. O problema de renováveis é esse: é melhorar a eficiência. As energias renováveis são todas muito caras ainda, porque os processos não são tão eficientes, você precisa de muita área exposta pra conseguir captar energia solar. Quanto maior for a eficiência do processo de aproveitamento de energia solar, mas barato fica e mais viável também. A idéia é essa. No Brasil nós estamos tentando, principalmente, em transformar o bagaço da cana em etanol. BIOMASSA Biomassa é um termo mais genérico. No caso do biodiesel você tira o óleo, é uma coisa muito específica, a natureza prepara, bonitinho, uma molécula de óleo que já está quimicamente bem definida, já é um líquido que você transforma facilmente em biodiesel. Biomassa é genérico, se você catar cavaco de madeira, ou, por exemplo, no plantio do algodão, pegar os gravetos do algodão, plantar capins gigantes, isso tudo é biomassa. Essa biomassa tem uma estrutura orgânica, normalmente estruturada em cima de células vegetais tipo lignocelulose, que darão a sustentação do vegetal. Existem várias técnicas no estudo de aproveitamento de biomassa, uma delas é gaseificar e produzir um gás que depois possa entrar numa rota química, que até vire um diesel também. São rotas de gaseificação, de GTL, de BTL, pegar um cavaco de madeira e fazer um diesel do lado. Mas são técnicas caras também, são técnicas cujo estado da arte está começando a permitir as primeiras plantas industriais, porém tem um espaço muito grande de melhoria pela frente. Genericamente é a biomassa. Dentro da idéia da biomassa, quando você adentra a estrutura orgânica da célula dos vegetais, você vai quebrando, quebrando, quebrando, e pode chegar no etanol. BIOMASSA / REFINARIA VERDE Hoje tem bio-refinaria, a refinaria verde, onde entra biomassa, a partir daquilo você vai conseguindo ao atacar as células vegetais e tirando delas vários derivados e produtos químicos, não só biocombustíveis, mas outros materiais de aplicação industrial grande. No futuro, ao lado das refinarias de petróleo nós teremos as bio-refinarias. De certa forma, lá em Guamaré, nós estamos com um núcleo pequeno. Já estamos com duas plantas de biodiesel, a expectativa é que se coloque uma planta experimental de álcool de lignocelulose – não é projeto meu, nós estamos falando de álcool de lignocelulose, é outra pesquisa, é outro coordenador, eu coordeno um dos projetos de biodiesel. Há uma tendência dentro da Petrobras de no futuro nós termos o E&P e o E&P verde, outros poços verdes de energia, onde nós vamos tirar energia de várias modalidades pra distribuição pra sociedade. Um dos aspectos interessantes é reaproveitar o lixo. O problema da biomassa hoje é que ela é um processo muito caro, porque a matéria-prima tem que ser muito barata, ou de preferência com custo zero. Você tem alguns rejeitos que as indústrias pagam para levar, o lixo é um caso. Aproveitar esse tipo de rejeitos é hoje a fonte ideal de biomassa pra determinados processos, principalmente de gaseificação, que transforma a biomassa num gás, depois esse gás de novo é quimicamente combinado pra gerar líquidos. Essa é uma rota bastante promissora, mas vamos ter muito trabalho pela frente ainda, muita coisa a ser feita. PATENTES Eu sempre gostei de ciências desde pequeno, fiz escola técnica, eu ouvia essa história dos cientistas. Na Petrobras não existe esse termo, mas nós poderíamos usar. Os técnicos que trabalham no Cenpes poderiam ser chamados perfeitamente de cientistas. É uma coisa muito gostosa, porque é um trabalho criativo. Lá nós temos pessoas campeãs em patentes, como o Ney, por exemplo. Isso pode ser até perigoso, porque alguns acabam se maravilhando tanto com isso, que o objetivo passa a ser fazer patente, patente, patente, patente. Às vezes sem nenhum significado prático. Eu não gosto muito disso não, embora eu reconheça que a patente é uma maneira de você fincar uma bandeira. Quem tem a primeira idéia chega e faz a patente, finca a bandeira. Isso é uma maneira de preservar território, porque mesmo que hoje aquilo ali não seja interessante pra empresa, algum dia pode ser. E se nós não fincarmos a bandeira, virá alguém fincar e nós não poderemos mais trabalhar com aquilo. A minha preocupação com o processo de biodiesel, no início, foi firmar logo a patente pra evitar que em algum momento chegasse alguém e dissesse: “Isso aí, eu patenteei, e a Petrobras pra usar tem que pagar agora pra mim”. Isso pode acontecer se você não tomar alguns cuidados. É preciso tomar alguns cuidados, mas sem virar a obsessão de fazer uma patente. Criaram-se estímulos para a geração de patentes no Cenpes, tem o prêmio inventor, tem até uma remuneração pra isso, que é o lado positivo. É recompensador, nem tanto pelo dinheiro, mas pelo reconhecimento da empresa. De fato, faz muito bem pro ego, mas é preciso tomar cuidado pra isso não virar o objetivo, fazer patente por fazer. Tem patente que não serve nem para ficar bandeira. Aliás, a primeira vez que eu vi uma patente na vida eu não trabalhava na Petrobras ainda, trabalhava no Instituto de Pesquisa do Exército. Um capitão falou: “Examina essa patente. Meu sogro construiu, mas explodiu e ele parou. Vê se tem algum significado”. Foi a primeira patente que eu peguei na vida. Aí fui ler a patente. A patente era um método antigo do moto-contínuo, da coisa que se alimenta sozinha. Claro que tinha que explodir, não tinha nenhum significado termodinâmico aquilo ali, moto-contínuo não existe, mas se patenteia tudo, tanto que o sujeito patenteou. Evitando esses excessos é bom pra cravar bandeiras e reservar territórios pra Petrobras, pra depois trabalhar confortavelmente com aquilo. Quando eu estava trabalhando na Engenharia Básica, na maior parte do meu tempo na Petrobras, o trabalho era mais projetar unidades industriais, não havia muito espaço para patentes. Eu até trabalhava no setor que era uma patente, era o processo eteno de álcool, o melhor processo de produção de eteno a partir de etanol. Pouco depois, o eteno baixou de preço. Mas agora a expectativa é que esse processo volte a ficar mais atraente, porque as coisas são cíclicas. Havia uma empresa em Alagoas, a Salgema, um cliente do Cenpes, nós projetamos a planta pra eles e durante alguns anos nós demos assistência a eles. Depois, o eteno ficou barato; o eteno petroquímico. Eles fecharam aquela planta, mas hoje nós estamos sendo procurados até por japoneses pra ressuscitar a tecnologia do eteno na parte de álcool. A tendência com a lignocelulose é ele cair de preço. A tendência, com o petróleo desaparecendo, é de o eteno ficar mais caro, então, esse processo tem futuro, um processo do passado que voltará para o futuro, por causa desta questão cíclica. Mas nos anos que eu fiquei na Engenharia Básica, eu não me envolvi, não era o meu trabalho. Por isso eu não tinha patente. Nesse período, o meu projeto era fazer planta básica pra fazer projeto básico, não era fazer patente, não era fazer pesquisa que pudesse gerar patente. Quando eu fui deslocado pra área de pesquisa, isso passou a ser o meu trabalho. Eu tinha que gerar um book, um livro de projeto dos dados de fabricação de uma unidade industrial, era o meu trabalho. COTIDIANO DE TRABALHO Agora o meu trabalho é fazer pesquisa em cima de novos conhecimentos, para a Petrobras colocar a bandeira pra depois não ser tomada por ninguém. O nosso trabalho é ótimo quando vira uma patente; faz parte do trabalho. Eu vejo a patente como uma conseqüência natural do que se faz. Pra mim é mais importante essa parte criativa, alguém chega com um problema, eu gosto de juntar dois problemas e achar uma solução. É um desafio, uma coisa nova que está surgindo lá fora e a Petrobras não pode ficar pra trás. O Centro de Pesquisa é muito respeitado internacionalmente. Temos que estar sempre “up to date” com tudo, e isso vai gerando desafios, que de quando em vez se transformam em patente. Eu trabalho mais pensando no desafio, mas quando gera a patente, ótimo Vai gerando patentes. Na área de petróleo, nós temos algumas, mas eu te confesso que se você me pedir pra enumerar, eu não tenho de cabeça. Eu não tenho de cabeça não. Mas me marcou muito essas que de fato deram frutos concretos: a patente do processo de remoção do benzeno, a UDS, unidade desaromatizantes solventes. Em biodiesel, nós fizemos duas patentes: uma do processo em si de como fazer biodiesel e outra do reator, um equipamento que reage para fazer o biodiesel. E tem mais outras derivadas, que vamos agregando valor, porque nós temos vários processos de biodiesel em paralelo acontecendo, eventualmente, um gera uma patente. Temos lá um subproduto da mamona que estamos para pedir uma patente, é até um trabalho associado, não é nem meu, eu forneço os produtos e a outra pesquisadora desenvolve, mas vai sair uma patente em conjunto. Isso é uma outra coisa interessante, a maneira de trabalhar em equipe e juntar todo mundo numa mesma patente. Você pode ter duas posturas: conseguir algo novo e isso gera patente, e ter uma postura individualista, fazer a patente escondida, quando sai a patente: “Ótimo, vou ganhar um dinheirinho”. Ou chama toda aquela equipe, que às vezes não trabalha nem tão perto assim, está lá na planta piloto, lá na pontinha, mas participou do trabalho. Nada mais gostoso do que chegar para ele e falar: “Fulano, você quer entrar na nossa patente?”. É gostoso fazer isso com alguém: “Vamos participar da patente?”, e você traz a pessoa, coloca na equipe, porque de alguma forma ela participa. Você tem aqueles grupos grandes, porque o trabalho de pesquisa hoje não é mais individual. Já foi o tempo do “Professor Pardal”, que uma pessoa descobria uma maravilha. Hoje são estes institutos de pesquisa, com equipes pesadas trabalhando que geram novidades. É muito gostoso esse tipo de trabalho. Tem que ser multidisciplinar. Nós fomos demandados para um novo produto, um novo derivado da família do biodiesel. O que precisa fazer? Eu preciso fazer isso, isso e isso. Aí já começamos a identificar as áreas que irão trabalhar. Eu estou montando um esqueleto de um novo projeto. Nós vamos fazer isso aqui, mas nós vamos precisar de alguém que faça a destilação, alguém que produza em maior quantidade, precisa de alguém para catalisar, e você já vai montando aquela equipe multidisciplinar. Depois você junta tudo em um projeto único pra gerar um novo produto, que também pode dar ou não numa nova patente. Mas nesse momento nós estamos iniciando um processo criativo desse tipo, bastante interessante. Espero que daqui a mais três meses já se possa falar sobre isso. IMAGINAÇÃO, CRIATIVIDADE E TRABALHO Meu chefe acha que ele nasceu aquariano, ele não diz isso não, mas eu percebo que ele gosta de juntar. Meu gerente gosta muito de lidar com pessoas e eu admiro muito a maneira como ele faz isso. Mas ele olha essa questão do aquariano, se você acreditar em horóscopo, eu sou daqueles que não acredita, mas que funciona. Eu não acredito, mas funciona, o aquariano tem um lado criativo muito forte. Às vezes, em alguns lugares, você tem que podar essa criatividade, porque em algumas atividades nem permite muito. Já recebi reclamações que não podia ser criativo demais: “segura a criatividade”, em algumas outras atividades, mas não nesse tipo. Eu acho que o inventor nasce com muita imaginação. Mais do que isso, o processo mental tem que ser um pouco diferente, ele tem que dormir com o problema. Eu coloco o problema na cabeça e ele fica 24 horas comigo. Normalmente quando eu acordo, eu penso em soluções, aí chego no laboratório cheio de novidades. A turma já sabe, quando eu chego de manhã, chego cheio de novidades, porque você tem que estar com a mente aberta, ocupada 100% do tempo, mas não no primeiro plano, pra que as coisas comecem a ser elaboradas mentalmente, e as idéias surgem. Às vezes nascem de coincidências, como tantas invenções surgiram, mas tem que ter o olhar atento. Esse olhar atento é de grande importância pra quem vai trabalhar com isso, principalmente, em cima de falhas, olhar atento em cima de coisas que você não programou. Toda vez que o pessoal de laboratório ou de plantas chega: “Fiz uma coisa errada” ou “Eu fiz alguma coisa diferente” ou “Isso não está dando o que eu esperava” – são os momentos mais interessantes. “Tudo bem, isso não era para ser feito assim, mas já que fizemos, o que nós podemos aprender com isso”. A primeira grande orientação pra todo mundo que chega numa equipe de pesquisa é essa: tem que falar sempre o que aconteceu. Se errou ou se acertou é o de menos, mas nós temos que saber exatamente o que foi feito pra interpretar adequadamente os resultados. Em função dessa interpretação podem surgir novas informações e novos conhecimentos. Essa é uma outra maneira, estar atento a tudo, principalmente aos erros, porque os erros são normalmente coisas que você não faria, mas já que aconteceu, vamos ver se não surge um efeito surpreendente. Isso se usa em patente, o efeito surpreendente, algo que ninguém esperava que acontecesse e aconteceu. Isso e muita leitura, muita abertura para olhar o que está sendo feito em volta; é a história de aprender com a experiência dos outros. Nesse processo, por exemplo, de desenvolvimento de biodiesel, nós tínhamos uma meta. Não era fazer um processo totalmente inovador, embora ele tenha sido um dos primeiros a ser feito com mamona pura. Mas a meta era de curtíssimo prazo, então, não havia tempo pra começar do zero, eu tinha que olhar o que os outros já haviam feito, aprender com os erros dos outros e construir em cima disso. Muitas coisas eu deixei pra depois, hoje que eu estou olhando pra trás e revendo: “Por isso que o pessoal não fez assim”. Mas eu já ganhei um background em cima do que eu vi em volta. Olhar o que já existe no mundo, aprender com o que já foi feito, sem se deixar a ponto da mente ficar tolhida com aquilo, mas com liberdade de pensar “fora da caixa”. Pensar “fora da caixa” é muito importante pra quem trabalha nessa área. Você vai juntando, vai juntando um pouco da experiência de alguém que já começou antes de você, com o pensar “fora da caixa”, com a tua própria experiência. Você junta os conhecimentos antigos que nem sabia que um dia iria dar naquilo. Por exemplo, o que eu falei da atração de solventes, aquele produto que nós preparamos há 10 anos atrás, hoje eu sou usuário dele, porque ele é usado para produzir o óleo. Eu o preparei há 10 anos e é o nosso caminho de hoje. Eu estou usando aquele produto para recuperação de óleos de tortas de oleaginosas, aí tudo vai se fechando. Quer dizer, tem um pouco de pessoal nisso, o pessoal tem que gostar, principalmente. IMAGEM DA PETROBRAS Eu já trabalhei pro Exército, pra ABNT, que é uma associação privada, mas também com fins públicos. De certa forma, a minha vida sempre foi direcionada pra isso. Mas eu não gostaria de trabalhar pra uma empresa que visasse apenas lucros e lucros. Então, isso me satisfaz plenamente. Além disso, eu estou no Centro de Pesquisa, que me satisfaz todo esse outro lado de curiosidade científica. A Petrobras dá oportunidade de realizar, de colocar em prática aquilo que gosto de fazer. E isso foi meu grande drama: eu estava na Engenharia Básica, ainda trabalhava como funcionário, tinha um horário, tinha um chefe, uma meta e tudo mais, mas quando eu fui pra pesquisa isso desapareceu. Eu trabalhava porque eu gostava daquilo e queria esperar o resultado. E, quanto mais eu me envolvia, mais eu queria resultados e me envolvia ainda mais. Com isso, fui ganhando mais cabelos brancos. Talvez no campo pessoal isso tenha sido um pouco ruim, porque gostar demais do que você faz também tem seus inconvenientes. Mas eu me divirto com o que faço no Centro de Pesquisa. Eu me divirto porque faço aquilo que sempre gostei desde pequeno, e faço com um objetivo maior, trabalhar em cima de renováveis e biodiesel. Eu faço sempre pensando no proveito que aquilo terá para a sociedade, e isso é muito bom. Outro lado bom de trabalhar na Petrobras é trabalhar no Cenpes. Tudo o que a Petrobras faz tem um espelho no Cenpes. Ele dá suporte às atividades da Petrobras. Se eu tenho um problema novo, a primeira coisa que eu faço, entre outras, é: “Alguém do Cenpes já trabalhou com isso?”. Eu vou identificar uma pessoa que já trabalhou com isso, e essa pessoa me recebe bem. Eu sento ao lado dela, ela pára o que está fazendo e me dá uma explicação que me ajuda. Ou vice-versa, alguém que está com um problema “x” vai me procurar e eu vou parar o que eu estou fazendo, receber essa pessoa e dar a informação que ela precisa. É uma comunidade muito forte e isso é muito bom para a empresa, é algo que a ela tem que preservar. Às vezes, atrapalha a nossa própria rotina. Tem uma química que trabalha comigo, que diz que o sonho dela é colocar uma máquina na minha porta pra quando as pessoas chegarem lá, pegarem uma senha. Mas não dá pra deixar de receber essas pessoas, porque quando eu preciso, elas me recebem também, e isso dá uma dinâmica e ajuda muito no rendimento do nosso trabalho. Eu gosto muito disso também do Cenpes. PROJETO MEMÓRIA Eu acho esse negócio de memória muito interessante. Quando eu estava na ABNT, de certa forma, eu fiz um mini-projeto memória. A ABNT era uma associação antiga, trabalhava na área de controle e qualidade, e tinha um lado interessante de preservar vidas humanas. Eu trabalhava muito com supervisão de equipamentos de proteção contra incêndio. Uma vez eu fiz isso, eu recuperei os arquivos antigos, toda a memória daquele tipo de trabalho e fiz um compilado pra um congresso com esse histórico sobre a memória da ABNT na área de marca de conformidade. Hoje eu vi o nosso site – eu andei fuçando o Memória Petrobras – e acho muito gostoso olhar pra origem de tudo, tem aquelas fotos em preto e branco ainda, descobrir como tudo começou. É meio estranho ver pessoas 20, 30 anos depois, ver o processo do tempo sobre elas. Mas memória é algo que temos que valorizar. E a Petrobras valorizar a memória do que ela faz é importante pro Brasil, porque a sua história é uma fração importante da história do Brasil. Então, ao fazerem isso, vocês estão registrando a história do Brasil. Fazer parte disso também agrada, não dá pra dizer que não agrada. A gente tem que tentar segurar o exagero, mas de fato é bonito.
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