Meu nome é Jairo Andrade de Morais. Nasci em 5 de janeiro de 1935, na cidade de Boa Nova, no sudoeste da Bahia.
Ingressei na Petrobras em 20 de abril de 1957. Minha entrada foi uma coisa, um tanto inusitada. Eu trabalhava como caixa subgerente de uma empresa de capitalização e fui instado, pelo meu gerente, de que uma empresa estava surgindo e era uma empresa promissora. Que eu teria oportunidade nessa empresa, dada a minha forma de trabalhar, e que ali eu ficaria prejudicado porque, apesar de ser uma empresa de capitalização, não teria como progredir. A Petrobras era uma empresa que estava surgindo com toda força e que, certamente, seria de grande porte, como é gigante hoje. Então fui fazer a minha inscrição. O inusitado consiste no seguinte: é que eu levei a ficha de inscrição para casa, para entregar depois. Aí, vi um sobrinho meu, que era estudante e precisava de trabalhar, e dei a ficha para ele. No dia das primeiras provas do concurso, eu fui lá ‘corujar’, fiquei por ali, pelos corredores e tal. De repente, chamaram o pessoal que iria fazer a primeira prova. Veio um senhor e disse: “E o senhor aí?” Eu digo: “Olhe doutor - era o senhor Mário Franzolin - eu peguei a ficha aqui, mas eu suo muito. Como o senhor pode ver, estou todo molhado e ela se dilacerou”. “Não seja por isso – ele falava muito forte – venha cá”. Me pôs em uma cadeira, me deu uma folha de papel numa máquina e mandou eu fazer uma ficha ali, improvisar uma ficha com as minhas pretensões e eu fiz. Aquela ficha ele tirou da máquina e disse: “Olha, não sai daí não, que vai entrar um pessoal para fazer a prova de datilografia”. Aí entraram mais uns 20 companheiros. Meu sobrinho estava em outra sala, porque eu fazia para auxiliar de escritório e ele, para auxiliar de contabilidade. Me inscrevi na hora. Ele distribuiu um jornalzinho da Petrobras, da época, com a coluna marcada para cada um datilografar o texto. Ele deu o sinal e eu estava...
Continuar leituraMeu nome é Jairo Andrade de Morais. Nasci em 5 de janeiro de 1935, na cidade de Boa Nova, no sudoeste da Bahia.
Ingressei na Petrobras em 20 de abril de 1957. Minha entrada foi uma coisa, um tanto inusitada. Eu trabalhava como caixa subgerente de uma empresa de capitalização e fui instado, pelo meu gerente, de que uma empresa estava surgindo e era uma empresa promissora. Que eu teria oportunidade nessa empresa, dada a minha forma de trabalhar, e que ali eu ficaria prejudicado porque, apesar de ser uma empresa de capitalização, não teria como progredir. A Petrobras era uma empresa que estava surgindo com toda força e que, certamente, seria de grande porte, como é gigante hoje. Então fui fazer a minha inscrição. O inusitado consiste no seguinte: é que eu levei a ficha de inscrição para casa, para entregar depois. Aí, vi um sobrinho meu, que era estudante e precisava de trabalhar, e dei a ficha para ele. No dia das primeiras provas do concurso, eu fui lá ‘corujar’, fiquei por ali, pelos corredores e tal. De repente, chamaram o pessoal que iria fazer a primeira prova. Veio um senhor e disse: “E o senhor aí?” Eu digo: “Olhe doutor - era o senhor Mário Franzolin - eu peguei a ficha aqui, mas eu suo muito. Como o senhor pode ver, estou todo molhado e ela se dilacerou”. “Não seja por isso – ele falava muito forte – venha cá”. Me pôs em uma cadeira, me deu uma folha de papel numa máquina e mandou eu fazer uma ficha ali, improvisar uma ficha com as minhas pretensões e eu fiz. Aquela ficha ele tirou da máquina e disse: “Olha, não sai daí não, que vai entrar um pessoal para fazer a prova de datilografia”. Aí entraram mais uns 20 companheiros. Meu sobrinho estava em outra sala, porque eu fazia para auxiliar de escritório e ele, para auxiliar de contabilidade. Me inscrevi na hora. Ele distribuiu um jornalzinho da Petrobras, da época, com a coluna marcada para cada um datilografar o texto. Ele deu o sinal e eu estava “pssiii”, aquele raio na máquina. De repente, eu terminei e dei o sinal. Aí ele veio tirar. Quando ele veio tirar o papel, tinha faltado a última palavra e ele mesmo escreveu. Tirou o meu papel da máquina, anotou o tempo, segundo, terceiro e aí por diante. Mandou nós sairmos para outra sala e fizemos as provas de matemática, de conhecimentos gerais, português, etc, etc. Passamos o dia nessas provas. Como havia uma carência muito grande na refinaria, os aprovados seriam chamados de imediato. Isso foi num domingo, no outro domingo saiu o resultado. Fui para lá e comecei a olhar as listas de cima abaixo: aprovados e não aprovados. E olhava e não via meu nome. Eu digo, “nem nos aprovados, nos reprovados eu estou”. Foi uma frustração terrível naquele momento, porque eu não estava nem nos reprovados. De repente, fui correr novamente para ver se tinha algum companheiro. Olhei bem e vi meu nome no segundo lugar, com 98 pontos. O primeiro, Oto Souza Hamber, com 99 e eu com 98. Acredite, eu senti quase que um desfalecimento, me faltou terra nos pés. O contentamento veio de imediato, foi aquele do pessoal que passa no vestibular. Corri lá, para a minha empresa, para falar com o Carneiro, que eu havia passado no concurso. O chamado foi 3 dias depois, o telegrama, naquela ocasião, passava 8 dias aqui em Salvador para chegar no local. Depois um funcionário, Dimário Espineli Nonato, foi designado para ir me procurar no endereço que eu havia fornecido. Aí minha irmã comunicou-se comigo no hotel, onde eu me hospedava, e fui atender o chamado. Como não podia ir de imediato, porque tinha umas questões a serem resolvidas na empresa, que era no interior, então pedi um prazo. Eles me deram 20 dias. Por isso, o Oto, que foi o primeiro chamado, foi no dia 11 de abril e eu fui no dia 20. Fui admitido nessas condições. Daí o inusitado da minha entrada na Petrobras.
Entrei e comecei a trabalhar lá em Mataripe, na refinaria, na área de pessoal. Depois de um certo tempo de trabalho, o superintendente designou lá uns professores para nos dar um curso de reciclagem de português, gramática e aritmética. Não era matemática, era aritmética. Era para poder melhorar mais o nível dos auxiliares de escritório. Fui um dos 30 indicados. Desses 30, 13 prosseguiram e cinco passaram. Graças a Deus, fui um dos cinco agraciados com uma promoçãozinha, uma letrinha, como chamávamos na ocasião. Minha vida começou assim. Em 1960 eu passei de auxiliar de escritório para ajudante administrativo. Logo em seguida, por uma reivindicação, briga mesmo que eu fiz me colocando, inclusive, à disposição da administração para ser testado - com outros, que já eram assistentes administrativos e haviam chegado depois de mim - consegui a minha promoção à assistente administrativo. Função que eu exerci até o último dia do meu trabalho na refinaria, em 28 de agosto de 1978. Trabalhei lá 21 anos e meio. Graças a Deus, dei muito do meu suor para o engrandecimento desse gigante que é a nossa Petrobras.
Tem 3 horas de fita, está aqui. Foi uma entrevista que dei para a elaboração do livro comemorativo dos 50 anos da refinaria. Infelizmente, vou ter que declarar aqui e agora um fato marcante: considero o livro, e uma agenda que saiu antes, uma verdadeira excrescência da memória da refinaria. Porque apesar dos gastos, de tanta coisa que se fez para essa comemoração, o número de gafes, de erros, o número de coisas completamente distorcidas é muito grande. Isto me deixou completamente queimado. Eu vim para essa entrevista, mas, fui logo dissuadido a falar muito a respeito dessa minha intranqüilidade, porque vi que a organização é outra, completamente diferente. Mas o conteúdo que está ali... RLAM Quando cheguei, Mataripe era um desastre. Era muito massapé para a gente andar ali, era pisar em um lugar e, quando ia puxar o pé, ficar a bota. É, massapé mesmo, grudento. E a gente tinha dificuldade para ir a Salvador. Passava às vezes 15, 20, 30 dias lá, sem ir. Por quê? Faltava transporte. A gente ficava a mercê, por exemplo, de uma chata que conduz produto. Aquilo levava 3, 4 horas de Mataripe até aqui. Tinha que esperar a hora da maré e etc, para pegar essa chata. Chata é uma embarcação que fica à flor d’água, toda fechada, toda vedada. Ela recebe o produto e vem quase à flor d’água, sendo uma, duas, três rebocadas. Tem grande extensão e de grande capacidade. Aí vem um rebocador e vai puxando ela até o outro cais, onde será tirado o produto. A gente, como se diz, utilizava desse rebocador para vim às vezes para Salvador, para ver a família e tal. Levava muitos dias. Era muito penoso no início, porque as estradas eram ruins. Era muita lama, muito atoleiro. Era muito difícil. Agora, lá a vida em si era maravilhosa. Nós tínhamos clubes, dois clubes: Clubes dos Engenheiros e o Clube dos Operários. Tínhamos uma cantina que nós comprávamos os víveres para nossas famílias, deixávamos a caderneta e íamos buscar aqueles pacotes. Aí, um dia desses chegava um caminhão daqueles, botava todos, e aquela algazarra, vinha para Salvador. O nosso convívio, ali, era como se fosse uma extensão da nossa família, embora passássemos muitos dias sem ver a nossa cidade, onde a nossa família estava, principalmente aqui em Salvador. A família sofria com isso, mas falava mais alto a sobrevivência. Quanto a ganhos, a vida era boa.
Tem um fato interessante. Tínhamos lá um chefe de vigilância chamado Manoel Sodré. Era apelidado de Capitão Galdino. O homem era de uma intransigência, não por ser, mas pela intransigência imposta pela administração. É que ele queria se fazer mais do que o mais. Em uma dessas oportunidades, ele estava de serviço em um turno noturno. Acho que ele se sentou lá e cochilou. Ele, como chefe da vigilância, cochilou. Acredite que, com a sua intransigência adicionada a uma certa dose de ignorância, ele fez uma comunicação que cochilou, dormiu no serviço. Ele mesmo comunicou a ele, que ele dormiu no serviço. Ele fez uma CI, Comunicação Interna, que ele dormiu no serviço. Aí deram uma punição.
Fui sindicalizado enquanto estava na ativa. Depois que saí de lá, saí do sindicato. Em todas as greves, eu estava presente, só que em uma posição inversa, porque nessa ocasião, na ocasião mais efervescente das greves, eu tinha mania de fazer fotografia. A mania passou a ser um trabalho adicional e fazia fotografia de casamento, de eventos. Então, fui contratado pelo sindicato para fazer as coberturas. Eu estava sempre por trás da câmera. Infelizmente, eu tenho poucas fotos, porque eu perdi um acervo de mais ou menos 3.500 negativos. Uma empregada pegou as minhas caixas de negativos - tudo nos envelopezinhos separados, dizendo o que é que era, catalogado - colocou lá, debaixo de uma cama no quartinho da empregada, e a frieza destruiu. Tenho alguns negativos preto e branco de passeatas, de greves, essas coisas. Não são muitas, mas é possível a gente arrumar alguma coisa e posso fornecer esses negativos para que vocês mandem reproduzir. São todas em preto e branco e, aliás, é o mais ideal para memória. Uma memória colorida, acho que não condiz com a realidade.
Eu acho a idéia muito boa. Agora, tenho quase certeza que o sindicato, que está hoje tentando esse trabalho, não teve o cuidado de guardar a memória dele. Parece que o sindicato não tem... Na ocasião de 64, quebraram o sindicato aqui e etc. Eu tive necessidade de ir à sexta região militar para fazer uma denúncia contra a gerência de uma espécie de mercadozinho que tínhamos. O cara estava aumentando os preços desbragadamente, sem razão de ser, em cima daquela efervescência da revolução. Ah, um detalhe: eu tinha feito as fotografias das últimas assembleias, antes do sindicato ser depredado, e mandei muitas para o tesoureiro de então, Oswaldo, com um bilhetinho assim, coisa de 10 cm por cinco. “Oswaldo, seguem as fotografias das últimas assembleias e o respectivo recibo. Não datei o recibo, porque não sei o dia do pagamento. Você faça isso por mim”. Botei lá e mandei entregar. Quando eu estava na sexta região militar, o major Cisne perguntou o que é que eu fazia, qual era a minha participação no sindicato. Eu digo: “eu sou associado”. “O senhor não faz nada para o sindicato? Não tem uma participação?” “Eu faço fotografias”. Aí mostrei para ele. “O senhor tem filhos?” “Tenho.” “Pequenos?” “É”. Na oportunidade, eu fazia uns ‘monoculozinhos´ coloridos, mostrei. Ele disse: “Um trabalho muito bonito e tal”. Aí ele abriu uma gaveta, apanhou um palmo de altura de fotografias 18 x 24, que é aquela fotografia grande, pôs em cima da mesa: “Essas fotografias foram feitas pelo senhor?” Eu disse: “Bem, aqui tem muitas fotografias. Deixa-me ver”. Comecei a passar. Eram fotografias onde apareciam pessoas do sindicato e massa de um modo geral. Mas em cada fotografia tinham uns numerozinhos ‘encimando’ a pessoa: número um, dois, três, quatro, cinco e assim por diante, alguns números. O que eles chamam de “cabeças”, onde essas pessoas apareciam, o numerozinho estava lá, encimando. Aí eu comecei: “Essa não, essa não, essa foi, essa foi, essa não, essa não”. “Por que essa não?” “Porque eu não faço fotografia sem moldura e não faço papel brilhante. Apenas quando me pedem uma fotografia para clichê, eu faço 11 x 8 em papel brilhante, que é melhor para o clichê”. “E essas daqui, não foram feitas pelo senhor?” “Não, essas daqui devem ter sido feitas pelo colega Julimar, porque o senhor vê que é uma cor sépia. As minhas, são fotografias pretas e papel de linho etc, tal, assim, assim”. E separei todas as minhas fotografias. O detalhe era esse, ele tinha anotado o numerozinho de cada um dos cabeças, eles já estavam grampeados. Aqueles que estavam assinalados já estavam grampeados. Então, “Mas o senhor fazia isso a que título?” “Eu fazia por dinheiro”. Só tinha um detalhe: eu cobrava mil cruzeiros por uma fotografia dessas para casamento, batizado, e para o sindicato eu cobrava 700, porque era um trabalho certo, uma quantidade maior, dinheiro seguro. Então eu tinha que fazer um abatimento. “Mas o senhor tem alguma coisa?” “Olhe, major, estou com uma preocupação porque as últimas fotografias que fiz, mandei o recibo lá para o tesoureiro e eu não recebi o dinheiro. Estou preocupado”. “Não se preocupe não, que eu já assinei seu cheque”. Aí ele meteu a mão na pasta e quando abriu, uma folha com meu nome assim, bem assim, e meus dados todos. Eu aí, dentro da sexta região militar, em cima da época da revolução, vendo colegas meus grampeados, um atrás do outro: pá, pum, pá, pum. Eu chego lá, o homem está com a pasta verde, quando ele abre, o meu nome, eu esfriei: “Já não vou sair daqui.” Aí ele virou a página, estava lá uma outra folha, o bilhetezinho que tinha sido todo amassado, lá,coladinho lá. Se aquele bilhete tivesse outra coisa, que não fosse somente o que eu disse aqui, estava ferrado. “Já assinei o seu cheque e vou mandar pagar o senhor”. “Eu vou me internar amanhã, no hospital português”. “Não se preocupe. Quantos dias o senhor vai levar lá?” “Eu não sei ao todo, talvez uns 10”. “Eu mando levar seu cheque lá”. E mandou. Eles apreenderam o que tinha de papel no sindicato acho que até no lixo. Eu digo que tinha no lixo uma bolinha assim, porque o papelzinho estava amassado. Estava preso em uma folha de papel e logo em seguida o meu nome. Eles pegavam tudo. O major foi designado, como se diz, um interventor financeiro. Então ele era o homem que ficou responsável pelas finanças do sindicato, da Cofepetro, Coopetro, não lembro do nome, onde tinha o armazém que a gente comprava víveres e eletrodomésticos, etc, etc. Era logo em baixo do sindicato. Esse fato eu acho que é importante, porque eu não tinha nada a ver com o idealismo de cada um, não sabia nem quem era direita, nem esquerda; nem o que é direita, esquerda. Continuo, com 68 anos, sem saber o que é direita, esquerda, centro e não faço questão de saber. Acho o fato muito importante, para poder mostrar se algum excesso foi cometido na ocasião. Posso dizer muito mais ainda. Durante esse período, que uns dizem recessão outros de exceção, minha vida foi outra. Do ponto de vista financeiro, minha vida foi outra, que não é hoje. Eu me dava ao luxo de trocar o carro em um ano, um ano e meio, para não precisar ficar fazendo manutenção. Hoje não, hoje eu tenho que me ferrar aí 2, 3 anos, a gente compra e fica devendo. Eu não ficava. Então o que é que aconteceu naquele tempo? O que é que aconteceu de bom? O que é que aconteceu de ruim? Não sei. Só sei, que hoje nós vivemos em um lodaçal, quer seja no Congresso, quer seja na área, como se diz, nos três poderes.
Espero que vocês possam, e eu sei que vai acontecer, fazer um trabalho muito bom para mostrar o quanto a nossa Petrobras é boa, é grande e pode crescer.
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