Meu nome é Irineu Soares. A minha data de nascimento é 11 de novembro de 1939. E o local de nascimento é Caputira, uma pequena cidade no leste de Minas Gerais.
Eu morei lá até a época do vestibular, quando eu vim para o Rio para fazer vestibular e fiquei aqui. Entrei na Petrobras logo depois que me formei.
Eu queria ser engenheiro e, de certa forma, a vocação foi percebida. Tem um episódio curioso da minha infância. Meu pai trabalhou como lavrador, na roça mesmo. Depois, teve um comércio nessa pequena cidade. E houve duas obras marcantes na minha infância nessa cidade. Uma foi a construção da nova igreja. E a outra, a construção do novo cemitério. E ele tinha, assim, um pequeno comércio e eu ficava observando a obra e tentando desenhar o que estava se fazendo. Então, é um episódio que eu me lembrei e que talvez indicasse uma vocação para engenharia. O que de fato se concretizou de forma muito feliz, aliás na Petrobras.
Eu fiz engenharia aqui no Rio, na atual UFRJ. Naquela época, a Petrobras tinha regularmente os concursos de admissão. Então, no final do ano, a Petrobras ia nas universidades e divulgava o concurso, que era muito cobiçado.
Eu fiz o concurso. Terminei o curso em dezembro, em janeiro já estava na Petrobras.
Quando eu entrei a questão da tecnologia, tema hoje muito em voga, já era muito debatida naquela época, toda aquela movimentação política era muito discutida no dia-a-dia. No meio estudantil, o tema desenvolvimento do país. Tema que hoje se desenvolve. E na área de engenharia, havia uma consciência muito clara que, como parte do desenvolvimento, estava a capacidade de fazer projetos. O projeto é a atividade na qual a tecnologia se torna uma realidade. Então, na minha geração, havia uma grande motivação para se trabalhar nessa área. E a Petrobras era vista como uma excelente oportunidade, porque ela oferecia o curso de especialização. A pessoa entrava por concurso, fazia um curso de...
Continuar leituraMeu nome é Irineu Soares. A minha data de nascimento é 11 de novembro de 1939. E o local de nascimento é Caputira, uma pequena cidade no leste de Minas Gerais.
Eu morei lá até a época do vestibular, quando eu vim para o Rio para fazer vestibular e fiquei aqui. Entrei na Petrobras logo depois que me formei.
Eu queria ser engenheiro e, de certa forma, a vocação foi percebida. Tem um episódio curioso da minha infância. Meu pai trabalhou como lavrador, na roça mesmo. Depois, teve um comércio nessa pequena cidade. E houve duas obras marcantes na minha infância nessa cidade. Uma foi a construção da nova igreja. E a outra, a construção do novo cemitério. E ele tinha, assim, um pequeno comércio e eu ficava observando a obra e tentando desenhar o que estava se fazendo. Então, é um episódio que eu me lembrei e que talvez indicasse uma vocação para engenharia. O que de fato se concretizou de forma muito feliz, aliás na Petrobras.
Eu fiz engenharia aqui no Rio, na atual UFRJ. Naquela época, a Petrobras tinha regularmente os concursos de admissão. Então, no final do ano, a Petrobras ia nas universidades e divulgava o concurso, que era muito cobiçado.
Eu fiz o concurso. Terminei o curso em dezembro, em janeiro já estava na Petrobras.
Quando eu entrei a questão da tecnologia, tema hoje muito em voga, já era muito debatida naquela época, toda aquela movimentação política era muito discutida no dia-a-dia. No meio estudantil, o tema desenvolvimento do país. Tema que hoje se desenvolve. E na área de engenharia, havia uma consciência muito clara que, como parte do desenvolvimento, estava a capacidade de fazer projetos. O projeto é a atividade na qual a tecnologia se torna uma realidade. Então, na minha geração, havia uma grande motivação para se trabalhar nessa área. E a Petrobras era vista como uma excelente oportunidade, porque ela oferecia o curso de especialização. A pessoa entrava por concurso, fazia um curso de especialização e já desenvolvia atividades técnicas que atraiam. A gente sabia que a Petrobras era um dos poucos lugares onde se fazia projetos de engenharia. Isso foi uma das razões pelas quais eu me senti atraído. Não só eu como inúmeros colegas daquela época. Mesmo com toda turbulência política nesse tempo todo - já são mais de três décadas - eu acho que a grande força da Petrobras é que ela se manteve fiel a uma política. A uma filosofia de desenvolvimento. Creio que isso é uma das forças da empresa e uma das motivações dos empregados.
Momento marcante é aquela idéia de aplicar engenharia e de contribuir para o desenvolvimento através dos projetos. Principalmente, aquela motivação; ela se concretizou porque a Petrobras teve, ao longo da sua história, algumas estratégias que foram básicas para o seu sucesso. Em primeiro lugar, a admissão rigorosa por concurso. Quer dizer, o grosso do pessoal é admitido por concurso. Em segundo lugar, há grande apoio no treinamento. Quer dizer, sempre houve o curso de formação, especialização e as atividades técnicas, que depois desembocaram em um projeto maior de pesquisa e desenvolvimento. Quer dizer, vindo trazer até a atual situação de liderança tecnológica.
Eu tive a oportunidade inicialmente de trabalhar na Refinaria Duque de Caxias, na divisão de Engenharia. Em dezembro de 1965 eu entrei em uma divisão de Engenharia plenamente organizada. Com uma equipe fantástica, que fazia projetos nessa época. Eu me integrei a essa equipe e tive realmente plenas oportunidades de desenvolvimento profissional. Em função dessa experiência, eu tive depois uma oportunidade que, acredito, seja a mais importante da minha carreira profissional.
Em 1975, o governo federal estabeleceu pela primeira vez, pelo que eu tenho conhecimento na nossa história recente, uma política tecnológica. Isso foi na gestão do ministro Severo Gomes, da Indústria e Comércio. E contou com os principais órgãos: a Finep, financiadora dos projetos, o Inpi - Instituto Nacional da Propriedade Industrial, e havia no ministério a Secretaria de Tecnologia Industrial. Então, nessa época foi estabelecida uma política de desenvolvimento tecnológico para estimular a transferência de tecnologia. Foram feitos estudos e verificou-se que, justamente nessa área de projeto de engenharia, o Brasil era extremamente carente na área industrial. Ele, o Brasil, já tinha uma grande tradição na engenharia civil, como nós temos até hoje. Mas na área industrial, em particular na indústria de petróleo, o chamado projeto básico - que é o projeto que define a concepção de uma escalação - era todo importado. Não só na Petrobras, mas também na indústria petroquímica, química. Na maioria das indústrias. Então, foi feito um estudo da Finep que mostrava que as empresas repetidamente importavam projeto no exterior. E isso acontecia com a Petrobras também. Apesar dela já ter um esforço em capacitação.
Esse estudo identificou que a Petrobras, justamente por ter essa política de capacitação e forte treinamento pessoal, por já desenvolver atividade de engenharia e possuir um centro de pesquisas, embora modesto, com pequenas dimensões, ela tinha todos os elementos para desenvolver esses projetos de engenharia básica. Em 1975 -, em função dessa política, o então diretor Leopoldo Miguez criou um grupo de trabalho com o objetivo de desenvolver a engenharia básica de craqueamento catalítico. Que é uma das principais tecnologias na área de refino. Esse grupo foi formado, e eu tive a oportunidade de participar dele.
Ele foi coordenado pelo engenheiro Ivo Ribeiro, que era assistente do diretor. E o Ivo Ribeiro teve um papel importantíssimo no lançamento dessa idéia. Na realidade, ele foi mentor dessa idéia de criação da engenharia básica. Certamente, influenciado pelo contexto de discussão do problema tecnológico que havia no Ministério da Indústria e Comércio e nos seus órgãos técnicos. Então, foi formado o grupo coordenado pelo engenheiro Ivo Ribeiro, e participaram dois outros engenheiros: Roberto Villa e Afonso Levi. Era um grupo muito pequeno e, na verdade, era uma tarefa quase que quixotesca, olhando com o olhar de hoje. Quer dizer, três engenheiros fazendo um projeto que na realidade demanda dezenas de engenheiros e técnicos. Mas o objetivo do grupo, e eu creio que havia consciência disso, era fazer um levantamento dos pontos cruciais. Pontos essenciais, verificar a viabilidade efetiva de se fazer aquele projeto. Ou, caso contrário, identificar quais eram os pontos principais. É importante citar que, quando o diretor Leopoldo Miguez encaminhou à diretoria a proposta de criação desse grupo, ele colocou um parágrafo que dizia "que esse grupo seria um núcleo para futura implantação da engenharia básica na Petrobras". E foi o que efetivamente aconteceu. Então, o grupo, em cerca de seis meses, fez todo o levantamento possível. Procurou simular um projeto, mas identificou, digamos, gargalo de dificuldades tecnológicas, e a experiência da Petrobras que ainda não permitia que fosse totalmente avante.
Durante o desenrolar desse trabalho nós visitamos várias refinarias da Petrobras para verificar a experiência existente. O que funcionava bem. Quais as características dos projetos existentes. Que eram importados, que eram mais vantajosos, quais apresentavam dificuldades. E fizemos esse levantamento. Quando nós identificamos que haveria certas dificuldades, o grupo começou a estabelecer contatos para ver de que formas nós poderíamos vencer essas dificuldades. Então, houve dois contatos principais que acabaram precipitando uma determinada solução. Um deles é que, por uma coincidência, havia sido assinado recentemente, há pouco tempo também, um acordo de cooperação técnica com o Instituto Mexicano do Petróleo, uma instituição semelhante ao Centro de Pesquisa da Petrobras, o Cenpe. Ele também já desenvolvia atividades semelhantes ao Cenpe e, na área de engenharia, ele tinha até um desenvolvimento maior. Houve contatos, fizemos reuniões com o pessoal do IMP, que é a sigla do instituto. E eles, embora tivessem capacitação em diversas áreas do projeto de engenharia, essa tecnologia de craqueamento catalítico especificamente, eles não detinham. Então houve uma declaração informal de intenções ou de possibilidade de um acordo de um trabalho conjunto. Caso houvesse interesse. Então, a coisa estava em andamento e aí houve um outro contato. Nós também contatamos as firmas de engenharia nacionais para verificar no que é que eventualmente elas poderiam ajudar. Mas verificou-se que, se a Petrobras não tinha essa tecnologia, dificilmente uma firma de engenharia brasileira a deteria. E foi o que aconteceu.
Mas em uma delas ocorreu o seguinte: nessa época, esses trabalhos de engenharia eram feitos da seguinte forma, quer dizer o chamado projeto básico era importado de uma firma estrangeira. A maioria americana, de um modo geral. E o projeto chamado projeto de detalhamento, que define todos os detalhes construtivos, desenhos de fabricação, coisas desse tipo, já era feito em parte por firmas brasileiras. Era comum a associação dessas firmas brasileiras que faziam o detalhamento com as firmas estrangeiras que faziam o projeto básico. Então, uma dessas empresas estava trabalhando em contato com uma das firmas americanas mais tradicionais nessa área, que é a Kellogg. É uma firma que foi fundada parece por volta de 1903. Deve estar fazendo um século. Uma firma altamente tradicional na área de tecnologia. Muito respeitada. E essa empresa brasileira, ela se propôs a verificar, pelos conhecimentos que ela tinha com o pessoal da Kellogg, se algum técnico aposentado dela poderia vir ao Brasil para nos ajudar. Ela efetivamente trouxe um engenheiro aposentado da Kellogg, que esteve conversando com o nosso grupo e, interessante, o que ele declarou é sintomático. Porque é o que mostra a importância que é dada à tecnologia. Ele disse o seguinte: "Eu realmente poderia ajudá-los nesse projeto de craqueamento catalítico. Só que eu não posso. Eu posso ajudá-los em tudo, menos nesse assunto. Porque eu tenho um contrato com a Kellogg de que, dessa área, eu não posso passar nenhuma informação." Então, isso mostra quão precioso é esse tipo de informação nessas empresas detentoras de tecnologia. E nesses vários países.
É, eu procuraria apenas sintetizar a conclusão desse episódio. Acabou a Kellogg tomando conhecimento do trabalho da Petrobras, procurou a companhia e disse: "Nós tomamos conhecimento de que a Petrobras está pretendendo desenvolver a tecnologia de craqueamento catalítico e, já que tomou essa decisão, nós estamos dispostos a colaborar." Então, isso mostra a importância das decisões autônomas que se toma. Quer dizer, quando outros países, outras empresas percebem que existe uma política efetiva de se construir algo, eles respeitam e às vezes apoiam. Como foi nesse caso. E o que resultou foi um acordo de cooperação tecnológica em que houve a transferência de tecnologia. Aí, depois disso, já em uma equipe de engenharia básica criada no Cenpe, a Petrobras trabalhou junto com a Kellogg. Absorveu essa tecnologia e desenvolveu. Quer dizer, em um trabalho foi gerada uma das iniciativas mais importantes da Petrobras na área da tecnologia. Que foi a criação da Engenharia Básica no Centro de Pesquisas. Isso constituiu, digamos, uma inovação em termos de gestão da tecnologia. Quer dizer, é o que se chama, no Cenpe, Modelo de Pesquisa e Desenvolvimento em Engenharia.
Até essa época, quando se falava em tecnologia, falava-se em pesquisa e desenvolvimento. Só que é muito difícil, a partir da pesquisa e do desenvolvimento feitos em um Centro de Pesquisa isoladamente, passar isso para a realidade industrial. Então, a criação de uma equipe de Engenharia Básica dentro do Cenpe potencializou a capacitação tecnológica da Petrobras. Porque hoje, quer dizer, existe um fluxo contínuo: é feita a pesquisa, essa pesquisa é analisada na fase de engenharia, verifica-se a sua real viabilidade e é feito o projeto que dá a sua viabilização completa.
Em função desse grupo de trabalho, eu tive a oportunidade de participar da implantação dessa organização de engenharia básica. E é um episódio que eu considero muito importante na história da tecnologia da Petrobras.
A Petrobras dispõe de um modelo de organização de gestão da tecnologia no qual ela acabou sendo pioneira. A expressão engenharia básica é hoje corriqueira, é citada. Mas como no Brasil a gente tem pouca tradição de registrar as coisas, não ficou registrado o, digamos talvez, pioneirismo da Petrobras. Mas eu diria que nesse depoimento é importante registrar esse pioneirismo que a Petrobras teve. Eu creio que essa criação da Engenharia Básica e consequentemente do modelo de pesquisa e desenvolvimento em Engenharia Básica para Organização e Gestão da Tecnologia é um ponto importante na história da tecnologia da Petrobras.
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