P/1 – Pra começar, obrigado por sua presença aqui. Nós vamos perguntar primeiro seu nome completo, o local e sua data de nascimento.
R1 - Eduardo de Oliveira Lima, nascido no Rio de Janeiro, dezesseis de outubro de 1966.
P/1 – Você pode falar o nome dos pais?
R1 - Ângela Maria e José Eduardo de Oliveira Lima.
P/1 – E o nome dos seus avós?
R1 – Ismar Araujo Fortes e Elis Fortes, meu avôs maternos. Os paternos são José Lima e Aurora Fernandes Ferreira.
P/1 – A origem da família, você poderia contar um pouco pra gente?
R1 – A origem da família é basicamente toda portuguesa, né? Meus avós maternos eram portugueses ligados à parte de comércio, comerciante no Rio de Janeiro, moravam em Botafogo. Meu avô era dono de mercados, açougues, essa parte ligada à alimentação. A parte materna, os avôs maternos eram portugueses e com um pouquinho de origem alemã do meu avô, né? E ligado à parte militar, meu avô teve carreira militar e toda família materna é ligado a essa parte militar. Meu avô é general, meu tio é coronel da aeronáutica, e sempre fez bastante parte da minha infância... Morei em Brasília, com os problemas militares. E tenho orgulho disso, apesar da história do militarismo no Brasil ser um pouco conturbada, mas eu carrego com orgulho porque eu conhecia bem meus avós e eles me marcaram de maneira muito positiva.
P/1 – De que maneira foi?
R1 – É... Assim, basicamente a maneira, eu vi a maneira dos meus avós, dos meus tios de se portarem, extremamente éticos, rígidos, mas muito dóceis, sempre muito dóceis. A lembrança que tenho do meu avô é a de ser uma pessoa extremamente dócil. Na verdade, quem era a pessoa forte na casa era minha avó, mais do que ele, né? E convivi muito com eles, como morei em Brasília. Nascido no Rio, mas com cinco anos fui para Brasília. Eu morava numa chácara em Brasília, que aquilo era o aeroporto... Hoje é o...
Continuar leituraP/1 – Pra começar, obrigado por sua presença aqui. Nós vamos perguntar primeiro seu nome completo, o local e sua data de nascimento.
R1 - Eduardo de Oliveira Lima, nascido no Rio de Janeiro, dezesseis de outubro de 1966.
P/1 – Você pode falar o nome dos pais?
R1 - Ângela Maria e José Eduardo de Oliveira Lima.
P/1 – E o nome dos seus avós?
R1 – Ismar Araujo Fortes e Elis Fortes, meu avôs maternos. Os paternos são José Lima e Aurora Fernandes Ferreira.
P/1 – A origem da família, você poderia contar um pouco pra gente?
R1 – A origem da família é basicamente toda portuguesa, né? Meus avós maternos eram portugueses ligados à parte de comércio, comerciante no Rio de Janeiro, moravam em Botafogo. Meu avô era dono de mercados, açougues, essa parte ligada à alimentação. A parte materna, os avôs maternos eram portugueses e com um pouquinho de origem alemã do meu avô, né? E ligado à parte militar, meu avô teve carreira militar e toda família materna é ligado a essa parte militar. Meu avô é general, meu tio é coronel da aeronáutica, e sempre fez bastante parte da minha infância... Morei em Brasília, com os problemas militares. E tenho orgulho disso, apesar da história do militarismo no Brasil ser um pouco conturbada, mas eu carrego com orgulho porque eu conhecia bem meus avós e eles me marcaram de maneira muito positiva.
P/1 – De que maneira foi?
R1 – É... Assim, basicamente a maneira, eu vi a maneira dos meus avós, dos meus tios de se portarem, extremamente éticos, rígidos, mas muito dóceis, sempre muito dóceis. A lembrança que tenho do meu avô é a de ser uma pessoa extremamente dócil. Na verdade, quem era a pessoa forte na casa era minha avó, mais do que ele, né? E convivi muito com eles, como morei em Brasília. Nascido no Rio, mas com cinco anos fui para Brasília. Eu morava numa chácara em Brasília, que aquilo era o aeroporto... Hoje é o aeroporto militar, o aeroporto comercial de Brasília. Morava lá em uma chácara convivendo com... Na verdade era uma chácara muito grande acho que tinha dez, quinze mil metros quadrados e tinha um muro, que era a casa do meu avô, outro, que era a casa do meu tio da aeronáutica, e a casa em que eu morava com meus pais, né? E o convívio ali era diário não só com os avós, mas com primos também. Sempre a imagem que eu sempre tive foi essa, com que aquele rigor militar, mas muito carregado pelo senso que dentro de casa quem comanda é a mulher, né? Respeito pela mulher muito forte e a parte muito ética também do meu avô, porque ele foi muito próximo do governo do Geisel, né? Era muito ligado ao governo Geisel, ocupou o cargo de dentro do governo federal nesse período, tanto do Geisel quanto do Médici. E meu avô, quando faleceu, não tinha nenhuma fortuna, né? Tinha um pequeno apartamento aqui no Rio de Janeiro e um carro. Isso, de certa forma, me orgulha também, porque eu vejo hoje, nas pessoas que são envolvidas com o governo, um enriquecimento rápido e ilícito. Então isso, de certa forma, me orgulha também, saber que ele sempre esteve muito próximo do poder e em nenhum momento se aproveitou desse poder, da situação que tinha. Essa é a lembrança desse período de infância de seis, sete, oito anos em Brasília.
P/1 – Você foi pra lá aos seis anos. É isso?
R1 – Por volta dos seis anos.
P/1 – E essa mudança, como é que aconteceu?
R1 – Não lembro detalhes. Na verdade, nunca parei nem pra conversar isso com meu pai e minha mãe, que ainda são vivos, né? Na verdade eu nasci por conta dessa questão do meu avô ligado ao comércio, aos avós, na verdade, paternos. Eles tinham uma situação financeira boa e moravam, na época, em uma região que era considerada região nobre no Rio, que era a subida ali no Alto do Boa Vista. Então, tinham uma boa casa ali e moravam em frente ao clube que a gente frequentava, que eu lembro que existe até hoje, que é o clube Montanha, na subida ali do Alto, em uma estrada perto do Alto. E, em um determinado momento, acho que meu avô - acredito que tenho sido isso - chamou meu pai pra tentar ir para Brasília porque Brasília estava muito jovem, tinha dez anos de vida e tinha oportunidades. Eu acho que foi uma tentativa de uma mudança de vida, né? A gente foi pra Brasília e ficamos três anos. Mas aí a gente acabou retornando pro Rio. Meu pai na verdade passou no concurso _________, foi funcionário público no Estado do Rio de Janeiro a vida toda até se aposentar. Eu acho que ele passou nesse concurso e a gente foi, retornou pro Rio de Janeiro para morar no Rio e viver no Rio, só que aí a gente já não voltou para a Tijuca, voltou para uma região, em que passei boa parte da minha infância e adolescência, que foi Jacarepaguá. A gente voltou para Jacarepaguá, meu pai funcionário público, trabalhando numa... Se eu lembro bem, em uma coletoria que se chamava né? Que era um lugar que fazia parte de arrecadação de impostos em Jacarepaguá, aí praticamente eu vivi em Jacarepaguá desde os dez anos de idade e até a fase adulta.
P/1 – Você lembra da casa em Jacarepaguá?
R1 – Lembro... Lembro bem da casa. Eu lembro bem da casa porque, na verdade, eu morei nessa casa praticamente até me formar em engenharia e, quando eu me formei e comecei a trabalhar, meu pai e minha mãe decidiram sair do Rio. Ele se aposentou e foi morar fora do Rio, em Itatiaia, e fiquei morando nessa casa que vivi. Então, meus filhos nasceram nesta casa. Inclusive, meus filhos têm lembrança dessa casa.
P/1 – Uhum, como é que é a casa?
R1 – Era uma casa grande, um terreno muito grande, um jardim na frente da casa com a piscina, um jardim bem agradável. A gente decidiu sair da casa, na verdade, não porque a gente não gostasse da casa, mas porque era uma casa de rua. Por questão de segurança, a gente acabou decidindo sair da casa, mas era uma casa muito agradável. Na verdade, ela marcou muito a vida da gente, porque quando a gente foi morar na casa... Como eu vinha falando quando voltei de Brasília, a casa era uma casa mais simples, meu pai estava começando trabalhar ali nessa questão da coletoria e começou a investir em reformar a casa. Reformou a casa morando. Então tem um negócio engraçado, a gente... Meu pai estava mudando a parte de porta, mudando a esquadria de alumínio na casa, né? Só que não tinha dinheiro pra botar o vidro e a casa tinha um portão que era aberto pra rua. E eu lembro dele falando assim pra gente: “Ó, quando for sair, mesmo sem o vidro, não pula a porta, não. Abre a porta e sai, para as pessoas não perceberem que não tem vidro.” Então eu lembro desses detalhes durante a obra, e a gente passando esse tipo de situação engraçada até na época.
P/1 – Você lembra da cor da casa?
R 1 – A casa, ela é... Na verdade, ela não tinha uma pintura, porque ela tinha muito acabamento com pedra. Mas eu lembro de cada detalhe de acabamento da casa, me lembro muito bem da parte externa também, era parte quando chegava... Sempre foi meu estilo, sempre gostei muito da parte externa, então, eu chegava em casa, fazia as coisas e ia para varanda, ficava deitado na rede ou no sofá da varanda, sempre gostei muito da parte externa da casa. E a casa era muito agradável, inclusive, recentemente eu tive que ir até Jacarepaguá com meu filho fazendo dezoito anos, para fazer alistamento militar. Na volta, fiz questão de passar na porta da casa pra mostrar pra ele. Aí falei: “Você nasceu aqui...”
P/1 - Ela existe até hoje, então.
R1- Existe. Está lá, de pé.
P/1 – Tá certo, e os cheiros daquela época?
R1 – Dessa questão olfativa eu não tenho muitas lembranças, não. Eu lembro mais das questões... A gente sempre gostou muito de bicho, então a gente tinha... Tinha um período em que a gente morou lá, foi longo, e a gente teve vários cachorros, né? A gente gostava muito de cachorro. Eu lembro de cada período, porque a cachorra infelizmente não vive tanto, aí eu lembro de cada fase, cada cachorro, inclusive do último, que foi até engraçado. Era um fila, um fila muito grande, muito forte e muito bravo também, só que eu tava com as crianças pequenas. Quando as crianças nasceram, esse cachorro já estava na casa e ele respeitava muito a gente, mas quando as crianças nasceram, eu percebi que o cachorro ficou meio enciumado e eu não tinha o que fazer com o cachorro, gostava muito dele. E o nome dele era Hussein, para você ter ideia. Na época, na verdade, a gente comprou dois cachorros e dei um pra minha... Na época, minha esposa era minha namorada. Dei um pra ela, pra ter na casa dela, porque ela morava próxima. E eram dois, o Saddam e o Hussein. (risos) Então, eu fiquei com o Hussein e as crianças nasceram. E eu, percebendo que ele estava um pouco perigoso, um pouco enciumado e, às vezes, um pouco agressivo... E, na época, eu estava na primeira unidade que eu trabalhei da White Martins, e a White tinha cachorros que faziam a segurança dessa área. Aí eu falei pra pessoa que cuidava da segurança, perguntei se ele tinha interesse no cachorro e ele ficou interessado. Então, eu dei o cachorro para a White e eu sempre via o cachorro ali, porque ele fazia parte da segurança. E também tem um fato engraçado nessa época, que eu me lembro que eu estava trabalhando, aí eu conversei com a pessoa da segurança, ele aceitou cachorro, foi e pegou. A chefe da segurança, o nome dele era Miúdo. E o Miúdo tinha dois metros de altura por um metro e meio de largura. Aí o Miúdo pegou uma Kombi da empresa e disse: “Vamos lá pegar o cachorro lá na sua casa.” Aí a gente veio até minha casa, pegou o Hussein, que era meio bravo, botou na Kombi e estava voltando para a White. No caminho, eu me lembro de mim pensando: “Poxa, eu nunca me senti tão seguro na minha vida: eu tô aqui com o Miúdo no meu lado, desse tamanho, o Hussein, que é um cachorro bravo.” Então, eu me lembro que eu nunca me senti tão seguro, né? Aí o Hussein ficou lá na fábrica um bom período, de vez em quando eu encontrava com ele lá.
P/1 – Qual fábrica?
R1 – A fábrica de equipamentos e soldagens. Ela fisicamente ela ainda existe, está ao lado da fábrica de equipamentos criogênicos, que é uma instalação na Avenida Brasil, na saída Rio-Petrópolis para a Avenida Brasil. É a fábrica que faz os tanques criogênicos da White até hoje, faz as plantas da separação de gases. Ao lado tinha uma fábrica de equipamentos de soldagens, que era uma fábrica que fazia reguladores de pressão, maçaricos de soldas e cortes, equipamentos para área hospitalar. Esses equipamentos que você vê no hospital, você vê na White Martins. Ali você vai fazer toda parte de projetos, fabricação e todo estoque dos equipamentos. Essa fábrica pertenceu à White até 1988 e eu trabalhei... Não, desculpa. Até 1998. E eu trabalhei nessa fábrica de 1990 a 1998.
P/1 – _____________ Vamos chegar lá na hora que a gente começa a falar da trajetória profissional. Como é que seus pais se conheceram?
R1 – Meus pais se conheceram na Tijuca. Meu pai morava nesta região ali da subida. A gente fala Tijuca, mas era da região ali da subida do Alto, né? Tem gente que trata ali como Usina, na subida do Alto da Boa Vista. Minha mãe é também nascida ali na Tijuca e eles se conheceram ali, namoraram e acabaram casando.
P/1 – E você tem irmãos?
R1 – Tenho uma irmã mais jovem, dois anos mais jovem do que eu.
P/1 – Ah, e o que ela faz?
R1 – Ela hoje ela trabalha... Na verdade, a Claudia, o nome dela, fez Educação Física, eu lembro disso direitinho. Tanto eu quanto minha irmã escolhemos carreira. Eu acabei optando por engenharia e ela passou a vida toda falando que ia fazer veterinária, que queria ser veterinária, veterinária... Aí, no ano que ela fez o pré vestibular, talvez um pouco influenciada por amigos, optou por fazer educação física. Meu pai sempre foi um cara muito liberal e em nenhum momento falou assim: “Não acho que você tem que fazer Educação Física.” E eu falava: “Pô, pai, você vai deixar a Cláudia fazer Educação Física? Perda de tempo, vai ter uma limitação de carreira.” “Não, ela quer fazer, deixa ela fazer.” Ela se formou em Educação Física, mas depois de um determinado tempo vendo que aquilo ali não era uma carreira promissora, acabou indo para área de administração. Hoje ela trabalha em uma grande rede de venda de lustres, luminárias, aqui no Rio de Janeiro, é braço direito dessa pessoa e hoje, graças a Deus, está bem.
P/1 – A sua mãe participava dessas conversas do que vocês queriam ser quando crescer?
R1 – É, bastante. A minha mãe também sempre trabalhou, é formada. Na verdade, ela é professora e foi formada dentro do Instituto de Educação, ali também na Tijuca. Se formou ali e, desde jovem, sempre deu aula, trabalhava. Inclusive, o fato de ter morado em Jacarepaguá quando a gente voltou de Brasília foi porque a minha mãe se formou e a gente morava na Tijuca, mas ela dava aula em uma pequena escola municipal em Jacarepaguá. Ela contava que antigamente pegava uma lotação, que é uma espécie de ônibus, viajava uma hora e meia todo dia, da Tijuca até Jacarepaguá, para dar aula nessa pequena escola municipal no bairro chamado Camorim que é ali em Jacarepaguá. Ela adorava a escola, ajudava as crianças, era uma área rural. Isso na década de 1960, quando Jacarepaguá era só mato. Ela gostava muito de Jacarepaguá. Aí, quando a gente voltou de Brasília, a gente tomou essa decisão de não morar na Tijuca, mas morar em Jacarepaguá nesta casa, que tem a ver com essa época em que minha mãe foi professora nessa escola municipal.
P/1 – Quer dizer que a decisão foi mais determinada, então, pela posição profissional dela do que do seu pai?
R1 – É exatamente. E meu pai, como ele trabalhava pelo Governo do Estado, tinha possibilidade de pedir para trabalhar em qualquer coletoria, e a coletoria de Jacarepaguá na época não era uma coletoria disputada, era um município pequeno, lugar pequeno, um bairro pequeno, né? Então, ele pôde fazer essa escolha com facilidade. Aí ajustou o desejo deles, porque eles sempre gostaram disso, morar em locais ligados à natureza, um pouco mais isolados, com um pouco mais de tranquilidade. Foi assim a vida deles toda. Tanto que, quando se aposentaram, hoje moram no meio do mato, em um lugar colado em uma reserva em Itatiaia, então sempre foi o estilo dos dois esse aí.
P/1- Você chegou a visitar a escola em que sua mãe trabalhava?
R1 – Nunca fui dentro da escola, mas quando a gente veio morar em Jacarepaguá, a gente passava na porta, minha mãe falava: “Foi nessa escola que eu dei aula, durante vinte anos.” Ou quinze anos, não lembro exatamente quanto tempo. E eu sei qual é a escola, a escola ainda existe, essa escola fica na estrada dos Bandeirantes, ali em Jacarepaguá.
P/1 – Mas e durante a sua infância?
R1 – Não, durante a infância eu nunca fiz nenhum tipo de visita com ela, nunca cheguei a ir lá.
P/1 – E do que você brincava na infância?
R1 – Na infância eu sempre gostei muito de bicicleta, sempre fui apaixonado por bicicleta. E eu lembro de Brasília, eu andando muito de bicicleta nessa chácara, que tinha muito espaço para andar de bicicleta. Quando eu vim para Jacarepaguá, também sempre fui muito ligado a essa questão de ciclismo. E quando a gente veio para Jacarepaguá, perto da minha casa tinha um senhor português apaixonado por ciclismo, que já tinha quase oitenta anos e se chamava Seu Lusitano. Ele tinha um grupo que todo final de semana, sábado e domingo, pegava a bicicleta e a gente ia de Jacarepaguá fazer passeios longos de setenta quilômetros, oitenta quilômetros de bicicleta, né? Eu era bem garoto e meu pai me deu uma bicicleta, que foi a primeira, uma Peugeot. Uma bicicleta Peugeot francesa, muito boa. Aí eu aderi a esse grupo do Seu Lusitano. A gente fazia esses passeios de bicicleta todos os sábados e domingos. Minha paixão sempre foi bicicleta, desde garoto. Eu fazia os esportes normais, jogava futebol com os amigos, etc e tal, mas minha paixão sempre foi bicicleta. Também era ligado a qualquer esporte ligado à velocidade. Outra coisa que eu não comentei, mas meu pai também sempre foi muito ligado ao automobilismo, chegou a correr em uma época que a gente morava em Jacarepaguá, o que foi outra questão. A gente veio para Jacarepaguá, Jacarepaguá tem um autódromo e meu pai também foi sempre ligado ao automobilismo, chegou a correr de carro em um período, no início da década de 1970, aí ele gostava porque estava próximo ao autódromo. E acabou que depois, quando eu cresci um pouquinho, mais com catorze, quinze anos, eu também fui correr.
P/1 – Ele existe até hoje esse autódromo?
R1 – Esse autódromo existe, ele vai deixar de existir agora, por que ele vai ser um grande parque olímpico, porque vão construir um autódromo novo em Deodoro, mas o autódromo de Jacarepaguá ainda existe.
P/1 – E você ia ver seu pai correr?
R1 – Ia, ia... Inclusive, em Jacarepaguá, nesta casa que a gente morava, eu lembro do carro de corrida do meu pai, que ficava guardado em uma garagem perto do autódromo, ficava guardado na casa, ele tinha um Karmann Ghia de corrida, né? Que é um Karmann Ghia até que é histórico também, inclusive é um Karmann Ghia que pertenceu à equipe do Emerson Fittipaldi, do José Luiz Carlos Passe, do Wilson Fittipaldi em uma equipe famosa aqui em São Paulo, chamava equipe da ____________. Esse carro pertencia a essa equipe, meu pai comprou, trouxe ele pro Rio e ficou com esse carro até basicamente ele acabar com o carro em um acidente, mas não aconteceu nada com ele. E aí eu lembro direitinho desse carro azul, com a cor dos números brancos escrito 117, era o número do carro, lembro perfeitamente do carro.
P/1 – Ele deixava você sentar dentro dele?
R1 – É... A gente sentava brincava no carro, né? E tem também outra história engraçada. Nessa época ele não podia ligar o carro na garagem por que na garagem tinha uma cristaleira, uma série de coisas da minha bisavó que ficavam nessa garagem de baixo da casa e ele sempre tirava o carro. Um dia, ele esqueceu e ligou o carro dentro da garagem e simplesmente quebrou a cristaleira toda, quebrou o vidro, quebrou vários cristais. Eu lembro da minha bisavó reclamando: “Poxa, quebrou os cristais antigos da família com o barulho do carro.”
P/1 – E os cristais ficavam na garagem?
R1 – Ficavam na garagem, era uma garagem coberta, fechada e no fundo da garagem ficava essa cristaleira.
P/1 – E ela era usada?
R1 – Era usada.
P/1 – O que estava dentro dela era usado?
R1 – Era usado.
P/1 – Em que ocasiões?
R1 – Ah, sempre. Inclusive, tem cristais que estão na minha casa até hoje. Quando eu casei, minha avó deu partes desses cristais. Minha bisavó, aliás, me deu. Até hoje eu tenho taças de vinhos, que são cristais da época da minha bisavó.
P/1 – Você não tinha que ir lá pegar os cristais porque ia ter um jantar, como é que era essa história?
R1 – Não, nessa época da preparação... Quem cuidava da minha bisavó... Minha avó... Quando a gente decidiu morar nessa casa, a minha bisavó estava morando com a minha tia bisavó. Essa minha bisavó, meu bisavô já tinha falecido e ela foi morar com as irmãs. Então as três irmãs moravam juntas, eram a minha bisavó mais minhas duas tias bisavós. Elas moravam em uma casa próxima, aí parte das coisas eram guardadas na casa dela e parte das coisas eram guardadas na minha casa. Aí aquelas festas normais de família, como Natal e Ano Novo, às vezes eram na casa dela, às vezes eram na minha casa, e a gente usava esses cristais, que parte estava na casa dela e parte na minha casa também. Foi assim esse período com todas elas morando ali.
P/2 – Qual é a origem desses cristais?
R1 – É tudo português. Tudo da época do meu bisavô e minha bisavó, que compraram esses cristais portugueses todos feitos à mão, cristais muito finos até muitos frágeis. Eu lembro na época de Natal e Ano Novo, a gente utilizando todas esses cristais, aí eu lembro quando meu pai decidiu sair do Rio e subir, ele perguntou: “Você quer os cristais.” Aí eu falei: “Pô, eu quero, claro.” E estão guardados até hoje. Toda vez que tem festa de Natal e Ano Novo na minha casa, a gente usa os cristais.
P/1 – Os que sobraram?
R1 – Os que sobraram. A cada ano que passa, está cada vez menor, até teve um ano que... Teve uma pessoa, uma amiga de família, que todo ano que vai na minha casa sempre quebra um copo. Desses cristais ela quebrou uns dois pelo menos. Aí eu falei com a minha esposa: “Amor, vamos comprar taça de vidro, porque daí não tem problema e a Jamile pode quebrar à vontade que não tem problema.” Aí os cristais estão lá, mas só uso em momentos que tem menos pessoas porque a empolgação é um pouquinho menor. Em Ano Novo o pessoal sempre se empolga um pouquinho mais e acabam acontecendo esses acidentes. Hoje são poucos, acho que da taça de vinho devem ter umas oito, nove taças só.
P/1 – Eduardo, ter uma casa grande... Seus pais gostavam de receber?
R1 – Gostavam, sempre gostavam, como eu também gosto, isso aí aprendi com eles.
P/1 – Aprendeu a receber?
R1 – É... Sempre estar próximo à família, amigos.
P/1 – E as festas, davam festas na tua casa?
R1 – É, sim. A gente era de família classe média, mas não éramos ricos, nunca fomos ricos. A gente fazia festas, mas em momentos realmente de comemoração. Eu lembro muito das festas de Natal, Ano Novo. Nessas ocasiões sempre juntava muita gente, mas não era de ter festa todo final de semana, só em momentos especiais realmente, aniversário de alguém ou Natal, Ano Novo. A família sempre deu muito valor a essa questão do Natal, festa de Natal sempre foi muito comemorada.
P/1 – E tinha alguma coisa diferente na festa de Natal por causa de seus ascendentes portugueses?
R1 - É... Eu diria que não é diferente, diria que é igual a quase toda família portuguesa, porque tem aquele ritual de fazer toda parte de comida um dia antes. No dia do Natal, apesar de estar com a ceia toda pronta, faz-se a rabanada, o pessoal à tarde senta e come a rabanada, toma café, aquela coisa... Aquele ritual de família portuguesa e sempre foi. E é assim até hoje, né?
P/1 – Você fazia presépio?
R1 – É, não... Mais a questão da árvore de Natal. Sempre montava a árvore de Natal, aquela tradição de botar os presentes na árvore de Natal. Enquanto a gente era pequeno, a gente acreditava em Papai Noel, eu me lembro bem. A gente não botava nada na árvore de natal e ia dormir, eu e minha irmã. No dia seguinte, chegava lá, o presente era só no dia seguinte. Depois que a gente ficou maior... Aí a gente ficou maior e, semanas antes do Natal, todo mundo que ia participar da festa de Natal, mesmo não morando lá em casa, passava lá em casa, levava os presentes e a gente botava na árvore. A árvore ficava muito cheia de presente no dia da noite de Natal, aquela questão de você dar o presente pro parente, pro amigo. Isso é bem legal. Essa tradição a gente faz até hoje na minha casa e eu me sinto orgulhoso disso, ver a família toda junta. Eu recebo todo mundo lá.
P/1 – Não tem amigo secreto?
R1 – É... Nos últimos dois anos, sim, a gente fez. Tem sido bem engraçado o amigo secreto. Inclusive, essa pessoa que eu falei, que quebra muito o cristal, que é Jamile, que não é parente, é amiga, ela é engraçadíssima. Então, todo ano parece que o pessoal fica esperando o amigo secreto e a gente morre de rir, é bem divertido.
P/1 – Mas nem se cogitava ainda que, secreto, na época que você era criança, todo mundo…
R1 – Na infância, não, de jeito nenhum. Acho que não existia isso.
P/1 – Diz uma coisa, então. Com que idade você foi para a escola? Isso teria sido já em Brasília, a primeira escola?
R1 – É, praticamente eu entrei no jardim de infância em Brasília.
P/1 – Em Brasília, né?
R1 - Eu tinha... Eu odiava ir pra escola, eu lembro muito bem disso. Eu lembro que no primeiro dia que eu fui para a escola, em Brasília, minha mãe me botou no carro, me levou e me deixou na escola. A escola era longe, não me lembro quantos quilômetros, longe no padrão de uma criança, pra mim era longe seis quilômetros, sete quilômetros, eu não me lembro quanto. Aí, nesse primeiro dia eu fugi da escola, eu fugi. Eu lembro de mim chegando à escola, chegando à chácara, e minha mãe: “Poxa, o que você está fazendo aqui? Como é que você veio?” Eu falei: “Olha, eu fugi da escola, pulei o muro e vim caminhando.” Fui caminhando sozinho, cheguei direto até em casa, apesar de eu nunca ter tido feito aquele caminho, fiz só aquele dia de manhã, ela me levou e consegui chegar em casa. Eu lembro direitinho disso, dela me colocando no carro e me levando de novo até a escola, parou o carro na frente da escola, saltou do carro e foi lá perguntar: “Vem cá, eu queria falar com meu filho.” E a professora: “Ah tá, quem é seu filho?” “É o Eduardo.” Aí, logicamente, a pessoa foi à sala, o Eduardo não estava lá e a professora começou a ficar desesperada, desesperada, e falou assim: “Ó, o Eduardo está lá no carro, fugiu e foi aparecer lá em casa.” E foi toda aquela confusão lá na escola, ficou aquele mal-estar. Porque realmente ninguém viu sair. Mas aí, depois, eu fui me adaptando, mas esse período foi bem difícil, não sei se foi porque tinha acabado de me mudar para Brasília e estava naquele desconforto da mudança, escola nova, começando, mas depois fui me acostumando. Aí, basicamente ficou esse período de jardim e alfabetização, depois eu fui para uma outra escola, com a gente já tendo voltado pro Rio, em Jacarepaguá, e foi a escola em que passei praticamente todo o ensino básico, que é uma escola que existe até hoje, em Jacarepaguá, chamada Unidade Integrada da Garriga Menezes, uma escola boa, bem conceituada. Lembro até que meu pai não tinha dinheiro para pagar a escola, aí a minha avó ajudava o meu pai a pagar a escola. Estudei esse período todo ajudado pela minha avó e foi uma escola muito boa, importante para minha formação. Foi a escola que me deu base. Eu, já um pouquinho mais velho, sempre gostei muito dessa área técnica. Eu gostava de bicicleta, mas eu acho que não sei se eu gostava mais de andar de bicicleta ou, nos passeios, de desmontar a bicicleta toda. Eu desmontava e revisava cada detalhezinho. Eu sempre gostei muito dessa coisa mecânica, né? E eu nunca tive dúvida de que um dia eu poderia ser engenheiro mecânico, desde garoto nunca tive nenhuma dúvida. E aí, essa escola me deu uma base muito forte. Eu consegui iniciar, vamos dizer assim, minha carreira profissional. Fiz um concurso para um curso técnico na escola federal Celso Suckow. Na escola federal fui fazer o curso técnico e mecânico, meu segundo grau, segundo grau técnico. Eu fui fazer isso e, graças à base, passei com muita facilidade.
P/1 – E na adolescência, quem levava você para a escola?
R1 – Então, essa escola que eu estudei, que era perto das redondezas, a Garriga Menezes, ela tinha... Ela era relativamente longe. Jacarepaguá é um bairro muito longe. A escola era em um bairro chamado Freguesia e eu morava em um bairro chamado Taquara. A escola tinha um serviço de ônibus, então, pra gente que era uma família de classe média, além da escola ser cara, o serviço de ônibus era um serviço caro também. E aí, mais um motivo pra minha avó... Se ela não ajudasse, eu não ia conseguir estudar nessa escola, porque nessa época minha mãe já não estava dirigindo, só tinha um carro na família, também não se tinha esse padrão de ter dois, três carros na casa. A gente tinha um único carro, que meu pai usava para ir pro trabalho, e também minha mãe não tinha como me levar, aí o ônibus da escola me pegava. Também era muito cansativo e eu me lembro bem. Como eu era uns do que moravam mais longe da escola, o ônibus saía muito cedo. Eu estudava de manhã, a aula começava às sete horas, por exemplo, só que o ônibus passava na minha casa cinco e meia, cinco e quinze para, às seis da manhã... Porque eu era o primeiro a ser pego, e eu ia fazendo todo aquele circuito de ir pegar os trinta alunos no ônibus, e aí eu conhecia cada esquina de Jacarepaguá. Então, às vezes eu saía de carro com meu pai e ele não sabia qual caminho deveria fazer. Jacarepaguá é um bairro grande e é um pouco enrolado de andar, aí eu falava: “Não, vai por aqui, vai por ali.” Então, eu conhecia Jacarepaguá que nem a palma da mão, todo dia eu fazia esse circuito de pegar os trinta alunos e na hora de voltar pra casa eu era o último a ser deixado, então era um suplício, né? Eu saía de casa cinco e meia, quinze para as seis, e chegava em casa uma e meia da tarde morrendo de fome, já de saco cheio de andar de ônibus.
P/1 – E quem te acordava de manhã para ir para a escola?
R1 – Minha mãe. Minha mãe sempre acordou a gente, acordava eu e minha irmã e a gente ia juntos pra escola, no mesmo ônibus, eu e ela.
P/1 – Como ela te acordava?
R1 – É, eu lembro, assim... Eu não lembro detalhe, não, mas minha mãe sempre foi uma pessoa muito suave, muito tranquila, mas eu não lembro a forma que ela tinha de acordar, não. Acho que provavelmente porque eu tava meio anestesiado e eu sou uma pessoa diurna, né? Então, eu nunca tive dificuldades, sei que tem crianças que têm dificuldades enormes pra estudar de manhã, eu nunca tive dificuldade de acordar de manhã, só que eu acordava muito cedo, então, provavelmente, você acorda naquele estado de sonolência e coisa e tal. Não me recordo muito bem como ela fazia pra acordar, não. E essa questão do horário cedo foi sempre uma coisa que me acompanhou a vida toda, porque logo depois disso eu fui estudar nessa escola federal que eu comentei e essa escola federal era no Maracanã. Eu ainda estava morando em Jacarepaguá, então eu tinha que acordar umas cinco e meia da manhã. Aí, o ônibus que ia até o Maracanã não saía de perto de casa, eu tinha que andar três quilômetros, três quilômetros e meio da minha casa até o centro do Taquara para pegar um ônibus, o ônibus levava uma hora, uma hora e pouca para chegar no Maracanã, aí eu tinha que sair muito cedo de novo, tinha que estar sete horas da manhã no Maracanã, aí passei esse período todo fazendo escola técnica.
P/1 – Dava tempo de almoçar na volta?
R1 – É... Às vezes almoçava na volta ou você, em escola técnica, estudava de manhã e à tarde, então, você saía com os amigos e ia para uma pequena pensão, comia baratinho em uma pensãozinha, fazia um pequeno lanche e, às vezes, voltava pra casa no final do dia, seis horas da tarde, sete horas da noite, chegava tarde em casa. Isso aí foi o curso técnico todo. Acabando o curso técnico, é... Eu considero que foi uma das melhores fases da minha vida, o curso técnico, eu tenho amigos até hoje dessa época do curso técnico e foi uma época muito legal. Foi uma época de independência porque, até então, como eu tinha aquela questão de vir da escola e coisa e tal... Como se eu não tivesse independência. Então, eu falava a fase que eu comecei a me sentir mais independente, um pouquinho mais adulto, apesar de ainda no final da adolescência ter essa questão de ir sozinho, pegava o ônibus, tinha que se virar, se virava para se alimentar, cuidando do orçamento, ganhava o dinheiro por semana, tinha que controlar o gasto de passagem, alimentação. Foi uma fase interessante, foi o início da independência.
P/1 – Então, você poderia dizer que isso foi um marco na sua vida ?
R1 – Um marco, como se fosse um ritual de passagem, praticamente, da vida mais criança, um pouco mais infantil, para uma fase já um pouquinho mais adulta, já tendo que ficar preocupado. Eu me formando, lembro muito bem disso também, eu falava com meu pai e ele falava: “Não, você quando...” Eu queria fazer engenharia, mas ele falava: “Quando você acabar o curso técnico, você vai trabalhar, quero que você trabalhe, vai fazer o estágio, vai trabalhar.” Eu tinha essa dúvida: “Será que vale a pena trabalhar mesmo?” Mas, mesmo assim, eu fui trabalhar. Terminando o curso técnico, fui trabalhar na Bayer, uma empresa no ramo de indústria química, né?
P/1 – Que idade você tinha?
R1 – Eu tinha, em 1985, uns dezoito anos, mais ou menos, eu estava ali alcançando a maioridade, dezoito anos. Eu gostaria de, naquele ano, ter feito o vestibular pra fazer engenharia, mas meu pai falou “você vai trabalhar”.
P/1 – Por que será que ele falou isso?
R1 – Porque eu não sei se... Ele queria que eu tivesse uma experiência de trabalho pra eu me tornar mais adulto ali. Não havia uma necessidade, eu diria, financeira de trabalhar, até porque tudo que eu ganhava nessa fase que eu trabalhei, o dinheiro era meu, eu nunca dei um centavo em casa pra ajudar em nada, nem em conta de energia, nunca fiz nada. Inclusive, ele me deu um carro, eu ia trabalhar com meu carro. A necessidade financeira não existia, mas ele queria porque queria que eu trabalhasse, aí eu fui trabalhar, foi uma experiência interessante. Mas eu lembro bem, porque eu, já trabalhando, conversava com as pessoas que, na época, eram engenheiros químicos, engenheiros mecânicos dentro da empresa. Eu via que os caras, primeiro, tinham outra visão profissional, realmente eles tinham um grau de evolução por terem tido uma chance maior de ter feito engenharia do que eu, que estava limitado ao curso técnico; segundo, vinha a questão da remuneração e do potencial a que a pessoa podia chegar. Aí, eu falava: “Pai, não tem jeito, tenho que fazer um vestibular.” Então, naquele ano, mesmo trabalhando eu prestei vestibular e passei para engenharia. Fiz as duas opções. Poderia ter feito Engenharia no Fundão e passei, de novo, para a Escola Técnica Federal, no curso de Engenharia Mecânica na Escola Técnica Federal, onde eu tinha feito curso técnico. Optei por ficar na Escola Técnica Federal. Eu já comecei no campus e gostava, aí eu fui encarar engenharia na Escola Técnica Federal, isso em 1987.
P/1 – Por que a Bayer como primeiro emprego?
R1 – Foi um processo seletivo normal. Eu acho que eles botaram um anúncio, se eu não me engano, na Escola Técnica, um anúncio de mural, e eu fui, fiz o contato, fiz o processo de entrevistas. Foi um processo bem interessante, eu lembro, na época, que a Bayer estava formando um grupo de trainee que era um grupo para ser supervisor de operações. Dentro de uma única fábrica, ela tinha várias mini-fábricas e cada fábrica produzia um tipo de produto diferente. Aí eles formaram esse grupo era um grupo bem, bem legal. Então, a gente ficou em formação durante o um ano e pouco que fiquei trabalhando. Foram praticamente seis meses de treinamento, uma série de treinamentos, você ficava nas unidades... Foi uma experiência de trabalho bem interessante, tinha uma outra coisa que caracterizou muito esse período na Bayer. A Bayer tinha ali fábricas de alto risco. Eu fui trabalhar quando eles fizeram a divisão de quem ia pra qual mini fábrica e fui escalado para uma fábrica que era uma das fábricas mais perigosas. Era uma fábrica que fazia um produto, que era o poliuretano. A fabricação do poliuretano depende de um produto químico que se chama fosgênio, que é um gás altamente venenoso. Ele mata com trinta partes por milhão, é muito perigoso, tanto que é um tipo de fábrica que não é permitida em diversas partes do mundo. Tem uma outra característica também desse gás: ele é um gás de guerra. Esse gás foi utilizado nas câmaras dos campos de concentração na época da Segunda Guerra Mundial, então era uma fábrica que, além de ser perigosa, politicamente ela não era permitida por causa do uso desse gás. Então, eu tinha muito medo disso na situação de um vazamento, porque realmente matava mesmo, apesar de ter todos equipamentos de segurança. E eu lembro que, em uma ocasião, eles não avisaram que iam fazer teste, simulações de vazamento para ver como era o comportamento das pessoas em uma situação de vazamento. Aí, eu lembro que um dia eu estava dentro da sala de controle da fábrica e soou o alarme de vazamento, aí eu falei: “Caramba, cara, não estou acreditando.” E ninguém avisou. Você não sabia se era treinamento ou não era. Aí, eu falei: “Não tô acreditando que está acontecendo isso.” Aí o supervisor da planta, que era a função para que a gente estava sendo treinado, até para um dia ser supervisor, ele virava e era obrigado a escolher duas pessoas para ficar com ele, que eram as pessoas que iam fazer o shutdown, que é o desligamento da fábrica naquela situação de vazamento. Eu lembro direitinho da campainha soando e aquele barulho “pá, pá, pá”, e eu falando, rezando para o cara não me escolher para eu ficar lá dentro, né? Porque quem não era escolhido tinha que sair imediatamente, entrava numa cortina de vapor, que era a cortina que iria tentar segurar o vazamento para o vazamento não sair da fábrica, você tinha comunidade em volta, tinha as outra fábricas, era uma cortina de proteção de vapor. Eu me lembro desse dia. Ele foi lá, escolheu duas pessoas e não me escolheu, e você tinha que ir ao painel de controle ver a velocidade do vento, a direção do vento para onde era o ponto de curva, e a gente tendo que sair muito rápido. Você tinha que sair, no máximo, em um minuto, porque depois a cortina entrava, essa cortina de proteção, e você não podia sair mais. Então, pra mim foi uma experiência muito forte, porque eu tinha dezoito anos, era meio jovem, saindo da vida de adolescência, indo pra vida adulta, e nas situações de dificuldades, vamos dizer assim. Aí eu me lembro que, nesse dia, eu cheguei em casa e disse: “Pô, pai! Não dá, cara!” (risos) “Vou fazer engenharia para trabalhar em uma coisa mais tranquila, isso aí eu não…”
P/1 – Você tinha namorada na época?
R1 – Eu já namorava minha esposa já. Nessa época eu já namorava a minha esposa.
P/1 – Você contou para ela?
R1 – Contava... Eu contava tudo. E aí também tem outra coisa legal nesse período que meu pai exigiu que eu fosse trabalhar. Foi bom porque, pra namorada, a gente vivia muito bem. Eu tinha uma remuneração relativamente boa na época e não tinha despesa nenhuma, então, a gente se divertia muito, né? A gente saía sempre para ir ao cinema, jantar fora durante a semana. Quarta-feira a gente sempre saia também. Eu me lembro que, naquela época, eu estava a par de tudo que era lançamento. A gente ia ao cinema duas vezes por semana, viajava junto… E boa parte disso foi graças a eu estar trabalhando já. Meus amigos em geral não estavam trabalhando e eu estava trabalhando, eu tinha carro, tinha dinheiro.
P/1 – Você podia viajar com seu carro com ela para algum lugar?
R1 – Com ela, com a Bete, que é a minha sogra. Sempre foi bem legal, sempre gostou muito de mim.
P/2 - Para onde vocês iam viajar?
R1 - O lugar pra que a gente mais ia era Ubatuba, por incrível que pareça. Apesar de ser carioca, eu era frequentador do litoral norte de São Paulo. Outro esporte que eu gostava de fazer era surfar, eu gostava de surfar, Ubatuba era maravilhoso para surfar e tinha um campingzinho ali na boca do rio de uma praia chamada Itamambuca, que é uma praia em Ubatuba, quem é paulista conhece. Em toda oportunidade, a gente ia para lá, aí eu levava o carro, a barraca e a gente ficava acampado ali. Levava a prancha e ficava em Itamambuca. Era super engraçado porque não tinha carioca, parece que o litoral norte tá aqui pertinho do Rio, mas não tinha um carioca, então todo mundo do camping me conhecia: “ Ah, o carioca, o carioca, o carioca.” Porque eu era o único carioca e eu ia pra lá sempre, não via um carioca, era muita gente de São Paulo, de Santos, né? Basicamente gente de São Paulo que conhecia aquilo ali. E a gente ia bastante pra lá. Uma vez a gente fez uma viagem longa, também, para o Nordeste, de quase quarenta dias. A gente saiu do Rio e foi de carro. O plano era ir até Fortaleza, mas quando chegou em Natal, já não aguentava mais dirigir, aí eu falei: “Não, vamos voltar porque está longe pra caramba e ainda tem que voltar tudo de novo.” A gente foi viajando e parando, parava em uma praia... Naquela época não tinha muito esse negócio de pousada, que hoje em dia é baratinho, você pára em uma pousadinha e com sessenta reais você dorme. Naquela época não existia esse negocio, ou era hotel muito caro ou era camping, então a gente foi acampando. Em cada lugar que parava era montar barraca, desmontar barraca e ir dirigindo. E a gente foi até o Nordeste com essa brincadeira aí, dirigindo.
P/1 – E agora você vai contar um pouco sobre sua entrada na faculdade, como é que foi esse processo. Então, você chegou no seu pai e disse: Pai assim não dá, preciso sair da Bayer, eu preciso fazer uma faculdade”?
R1 – É, basicamente isso. Eu fiz o vestibular ainda trabalhando, não sabia se ia ter sucesso ou não, se eu ia conseguir passar ou não, mas eu consegui passar. Passei tanto pro Fundão quanto pro CEFET e fiz essa opção de estudar pelo CEFET, que é o Centro Federal de Educação Tecnológica. Passei para engenharia mecânica e, ainda assim, eu... A Bayer era um bom local para se trabalhar, eu lembro ainda de tentar negociar para ver se seria possível conciliar a faculdade com o horário lá, porque, na verdade, eu trabalhava na Bayer em horário administrativo de oito às dezessete, era o horário administrativo. Mas eles estavam preparando esse grupo para trabalhar em horário de turno, então eu tentei ver. Eu lembro de tentar antecipar o turno, aí eu ia tentar levar a faculdade com o trabalho, o que provavelmente não ia dar certo porque a faculdade de engenharia, nos primeiros quatro períodos, é muito puxada, é difícil, tem toda aquela carga de cálculo, de física, o básico da engenharia, é muito complicado. Acabou que eu não consegui conciliar isso com a Bayer e pedi para sair da Bayer. Saí e fui fazer minha faculdade, né?
P/1 – Na época, a Bayer te contratou com carteira assinada?
R1 – Carteira assinada, isso.
P/1 – Direitos?
R1 – É, dentro dos programas de trainee, porque eu não era estagiário na Bayer. Quando eu entrei pra Bayer, na verdade, já estava formado. Era o ano de 1986, já estava formado no curso técnico, então ele não podia me contratar como estagiário porque minha formação técnica já tinha terminado. Então, esse ano de 1986 eu trabalhei na Bayer, aí eu fiz o vestibular e, em fevereiro, janeiro, fevereiro de 1987, fui pra faculdade. Aí foi quando eu saí da Bayer e fui fazer faculdade em 1987. Aí comecei aquela questão da faculdade. Durante todo o período da faculdade, eu só me dediquei aos estudos e meu pai me deu todo apoio, eu já tinha carro também e ia de carro, mas agora eu não tinha mais a receita, o rendimento do trabalho, né? Meu pai bancava tudo, combustivel coisa e tal, ia com carro tudo direitinho. Fiquei só me dedicando aos estudos até 1990, mais ou menos, aí eu lembro direitinho. Eu falei: “Não, tenho que começar a trabalhar.” Na época, estava no sétimo período de engenharia, sexto ou sétimo período. Mas eu lembro direitinho, eu não lembro a pessoa que foi lá, mas teve um evento, dentro da faculdade, da White Martins. A White Martins estava convidando os estudantes para uma palestra dentro da faculdade, aí foi uma pessoa lá para palestrar, eu não lembro quem foi a pessoa, não me lembro se foi uma pessoa da área do RH [Recursos Humanos] ou da área de comunicação. Ela fez uma palestra sobre a White Martins, o que era a empresa, coisa e tal, e no final da palestra a pessoa falou assim: “Olha, quem alguém se estiver entre o sexto e o oitavo período e tiver interesse em fazer um estágio na White, a White Martins está recrutando estagiários e pode preencher uma ficha aqui. As fichas vão ser avaliadas e a pessoa vai poder fazer uma entrevista.” Aí, eu falei: “Pô, ótimo!” Não tinha procurado nenhum tipo de estágio nem nada, aí preenchi uma ficha, entreguei a ficha e depois de um tempo fui chamado para uma entrevista na White, já nessa fábrica ali na Avenida Brasil, essa fábrica de equipamentos de soldagens. Lembro direitinho de mim lá, indo fazer a entrevista. Fui fazer a entrevista com uma pessoa chamada Marcos Guimarães. Ele não era nem gerente nessa época, era supervisor de engenharia industrial nessa fábrica de equipamentos e soldagens, e aí fui fazer entrevista com ele e ele gostou muito de mim, porque eu tinha experiência em curso técnico, na parte de engenharia industrial muito ligada à parte de fabricação, manufatura, a parte de soldagens, forja, toda parte de processo de fabricação mesmo. Quando pegava uma pessoa de engenharia que não tinha tido uma experiência profissional anterior, ele não gostava. Quando cheguei lá, como eu tinha formação técnica, no curso técnico aprendia muito a parte de manufatura, eu já tava com a base de Engenharia também e ele adorou. Eu me lembro direitinho que, um dia, ele chegou pra mim e a parte técnica não tinha muito o que comentar, gostou muito. Aí, ele falou assim: “Você domina computador, mexe em computador, coisa e tal?” Eu tenho uma característica: eu sempre fui e sempre sou muito sincero. Aí ele falou: “Você mexe em computador?” “Eu não sei nem ligar. Se você me der um computador, eu não sei nem onde liga.”
P/1 – Que ano nós estamos neste período?
R1 – Ah... Isso aí é finalzinho de 1989, início de 1990. Até as empresas estavam começando ainda com esse negócio de computador ainda, tá? Você ia para um ambiente de faculdade, tinha um ou dois equipamentos, os alunos mais interessados estavam começando a usar o computador, fazer programação, a linguagem era tipo fortran, aquela linguagem bem básica. E eu, naquela época, não me interessava, eu olhava aquele negócio de computação e não tinha nenhum interesse por aquilo, nunca me motivei a aprender nada. Aí virei pra ele e falei assim: “Ó, cara, não sei nem como ligar esse negócio, não tenho a mínima noção.” Aí ele falou assim: “Poxa a gente precisa muito disso aqui”. Porque naquela época ele já tinha o Marcos Guimarães, que eu chamava de Marquinhos. O Marquinhos sempre teve muito uma visão de futuro estratégica, um cara muito visionário, aprendi muito com ele. Aí, ele já tinha computadores e já tinha o chamado AutoCad lá, que é um programa em que você faz desenhos, faz projetos e existe até hoje. Tinha uma versão do AutoCad antiga, o programa existe até hoje, mais moderno. E ele falou: “Poxa, aqui a gente precisa de computador porque a gente faz projetos, desenhos, faz tudo com o AutoCad e você vai precisar usar esse negócio, não vai ter jeito, não.” Aí eu falei assim: ”Cara, eu não sei usar, não.” Ele falou assim: “Vamos fazer o seguinte, eu gostei muito de você, vou te dar a oportunidade de você fazer estágio aqui com a gente, mas você vai ter que aprender isso aqui muito rápido, porque você vai precisar disso aí.” Eu falei: “Caramba, tudo bem.” Eu aceitei o estágio. Teve mais uma questão também. O meu horário, como eu perdi algumas matérias no meu período básico, era meio desorganizado e ele queria que eu ficasse em período integral. Eu falei: “Olha só, não consigo ficar período integral, vamos negociar isso aqui.” Então, a gente negociou uma grade de trabalho flexível e ele também foi super flexível nisso também. “Aqui nesse dia você vem de manhã, aqui à tarde e aqui você vem o dia todo” E fechamos uma grade de trabalho lá, para eu estar presente dentro da White. Eu fiquei com esse compromisso de aprender a projetar e dei muita sorte, porque eu encontrei uma outra pessoa, chamada Marcio Bastos, que era um cara um pouco mais velho do que eu uns seis anos, já estava formado algum tempo e já dominava o Autocad. O Marcio falou: “Ó, vou te ajudar e você vai aprender isso aqui, tem um projeto que eu vou fazer aqui e você vai fazendo junto comigo, eu vou te ensinando.” Eu sei que em um mês e meio, dois meses eu já estava dominando o Autocad, estava desenhando, desenhava tudo no Autocad, fazia tudo direitinho, né? E aí foi quando começou a carreira, foi um período também muito legal. O Marquinhos sempre me deu desafios e sempre que me entregava aquilo ali, eu falava: “Cara, não tenho capacidade de fazer isso.” Ele sempre foi desse tipo, ele te dava alguma coisa acima daquilo que você tinha capacidade de fazer e você tinha que se virar. E o resultado final, graças a Deus, sempre era bom. Eu entregava alguma coisa e: “Pô, isso aqui ficou ótimo.” Então, eu lembro que um dos processos muito complicados dentro dessa fábrica era o processo de forjamento, é um processo de conformação a quente. Você prepara a peça que depois vai sofrer usinagem e os outros processos de fabricação. E o forjamento era feito de uma maneira muito empírica, né? Era feito de qualquer maneira, ninguém sabia como fazia o cálculo de matriz, o cálculo do esforço, e ele falou: “Ó, você tem fazer toda parte do procedimento e dizer como é que a gente vai calcular e como vai fazer o forjamento.” Essa foi uma das primeiras atividades, aí eu comecei a conversar com os engenheiros mais antigos e ninguém sabia como é que fazia. Tinha gente que trabalhava ali dentro e não tinha nenhum tipo de manual, nenhuma tipo de orientação. Eu lembro que fui pra dentro da biblioteca, dentro da própria White, e tinha muitos livros em inglês, inclusive, aí eu comecei a estudar o forjamento e a partir dali eu gerei uma tese de cálculo que ali não tinha, era um procedimento interno. A gente fazia uma série de testes e no final comprovou que aquela tese comprovou que aquela forma de cálculo estava correta e, a partir dali, aquilo foi usado como padrão em toda parte de forjamento. E eu era estagiário, então... Ele sempre foi movido a desafio, ele sempre te dava uns desafios que você achava que não tinha capacidade e competência para resolver, foi uma fase muito importante. Em um segundo momento... Não, é antes desse segundo momento, na verdade. Eu estava quase me formando e estagiei com o Marquinhos, eu era estagiário ainda, né? Estava trabalhando ali um ano e meio, mais ou menos. Estava me formando e lembro... Eu nunca virei pro Marquinho, com Marcos Guimarães falando, eu nunca virei pra ele e disse: “Olha, estou me formando, e aí como vai ser? Eu vou ficar, não vou?” Engraçado que eu não me lembro de ter essa preocupação. Não sei se é porque ele me deixava tão à vontade e eu também era muito envolvido com o negócio do trabalho. Eu nunca me lembro de ter feito essa pergunta pra ele. Eu deveria estar preocupado com isso, porque o normal é a pessoa estar preocupada com isso, mas eu nunca perguntei isso pra ele. Aí, em um belo dia, eu me formei em julho de 1992, aí me lembro, por volta da minha formatura, que ele virou pra mim e falou assim: “Olha, já consegui uma vaga e você vai permanecer aqui com a gente, aqui na engenharia industrial.” Aí a White me contratou direto da formatura, já fiquei com ele ali trabalhando. O Marcos foi muito, muito importante, até hoje a gente tem contato. Ele não está mais na White Martins, está na Praxair - a empresa que é a dona da White Martins - e trabalha na Índia hoje, então a gente sempre se fala por Facebook, de vez em quando a gente troca umas mensagens. Ele já está na Índia já há algum tempo, uns cinco anos, é diretor da área de engenharia na parte de construção de plantas e agora está envolvido na parte de hidrogênio lá na Índia.
P/2 – Antes de você presenciar essa palestra da White Martins, que foi lá no CEFET e tudo, você tinha alguma ideia do que era a White Martins e esse mundo do gás no teu curso técnico?
R1 – Não, não, nunca tive. Eu lembro da White Martins... Quer dizer, quando foi dar a palestra, a marca, o nome White Martins eu já conhecia, como a maior parte do público leigo. O que eu conhecia da White é aquilo que a gente vê, que é o tanque. Todo mundo pra quem você fala da White Martins lembra daquele tanque dentro da clínica ou do hospital, né? Era a imagem que eu tinha da White, eu não tinha nenhuma noção, nunca tinha pensado ou imaginado em trabalhar na White, nunca tive nenhum parente, nem amigos, nem conhecidos que tivessem trabalhado na White Martins também. A imagem que eu tinha era só essa, aquele tanque. Eu sempre pergunto: “Você conhece a White Martins?” “É aquela empresa que tem aquele tanque de oxigênio ali dentro do hospital.” Na verdade, o negócio de gases medicinais é uma parcela relativamente pequena do negócio da empresa, mas a visão que eu tinha era a visão que a maioria das pessoas tem e ali na verdade eu nunca imaginei… Quando essa fábrica que eu fui trabalhar de equipamentos de soldagens, eu nunca sabia nem que existia isso, essa linha de produto, não tinha a mínima noção do que era.
P/1 – Nós vamos continuar, mas está acabando a fita, nós vamos trocar a fita e continua a partir daqui.
R1 - Tá bom.
(pausa)
P/1 – As atividades da White nessa época do estágio, quando é que você percebeu que onde você estava era um lugar que tinha tanta abrangência pelo Brasil?
R1 – Logo no início, você percebe que as possibilidades eram muitas. Primeiro era essa divisão de equipamentos, não era uma divisão grande da empresa, era uma divisão relativamente pequena, mas ela tinha uma importância muito grande porque ela, na verdade, é supridora de equipamentos para diversas áreas da companhia. Então, diversas áreas dependiam da qualidade do que a gente projetava e fabricava. Era muito comum a gente ir a campo para dar apoio em atividades em que o foco era um grande cliente de nível. Às vezes, o problema ou a solução estava na parte de equipamentos, então você ia com uma pessoa que era o responsável pela conta daquele cliente líquido e ali... Ou seja, a gente ali estava em uma fábrica, mas a gente sabia que o foco não era o equipamento mas, sim, a venda de gás. Aquele equipamento era o meio de você chegar e conquistar o cliente. Essa visão a gente sempre teve e também tinha a presença geográfica, que bem, bem no início também havia as possibilidades de você dar apoio nas operações na América do Sul. Então, nesse _________________, a White Martins começou expandir as operações para a América do Sul, para Argentina... Mais ou menos nessa época, 1995 mais ou menos, a Liquid Carbonic foi adquirida pela Praxair e os ativos e as operações da Liquid Carbonic, que era uma empresa só de CO2 [Dióxido de Carbono], foram absorvidos pela White Martins. Então, em muitos países, muitas regiões em que você tinha uma operação relativamente pequena da Praxair, a Liquid Carbonic tinha operações muito grandes, foi no caso da Argentina, da Colômbia, diversos países. Aí a Praxair assumiu essas operações e deu pra White Martins a responsabilidade de conduzir esses negócios na América do Sul, tanto que até hoje o presidente que cuida das operações da América do Sul é o da White Martins, que no caso hoje é o Domingos. Essas operações estão debaixo da responsabilidade dele, aí a gente começou a viajar para esses países para dar apoio nas operações desses países e em todas as áreas. Então, eu, nessa época, ainda estava na área de equipamentos e eu tive a oportunidade, que foi bem legal também, no início de carreira, de começar a fazer as primeiras viagens internacionais a trabalho, né? Na época tive a oportunidade de ir para a Colômbia, passei um bom período na Colômbia, que não era para ir a um único lugar. A sede da Colômbia era em Bogotá, mas não era ir a Bogotá. Você ia a Bogotá e passava um período longo, aí você ia às filiais, Barranquilla, Cali, Medellín, ia à parte do Caribe colombiano ali, visitando as filiais e levando toda parte da linha de equipamentos, o que a White fabricava, o que aqueles equipamentos faziam, como eles poderiam ajudar e por que aqueles equipamentos iam ajudar a operações e os negócios de gases industriais. A gente ia para lá e treinava a mão de obra, treinava o pessoal de venda, falava da parte de assistência técnica, fazia treinamento completo, para depois, no segundo momento, a gente exportar produtos daqui do Brasil para essas operações na América do Sul. Aí eles usavam esses equipamentos nessas operações e o negócio de equipamento meio que começou a ter um vulto mais abrangente, começando por esses países.
P/1 – Me diz uma coisa, você lembra de alguma história que você tenha pensado: “Puxa vida, a barreira cultural é um assunto que eu vou precisar pensar se eu quiser continuar viajando pela White Martins”?
R1 – Então, é aí que vem aquela questão do que eu falei do desafio, que é uma característica da empresa, né? Ela falou, eu acho que você está preparado para isso, mesmo que você não acredite que esteja. Vai lá que você vai dar conta. Então, por exemplo, quando eu comecei a viajar para a América do Sul, eu nunca tive nem um curso de espanhol. Então, o que foi que eu fiz? Eu falei: “Olha, nas questões aqui que não são as questões técnicas, eu vou tentar me virar com o pouco espanhol que eu estudei já na minha vida, na escola, basicamente. Na questão que é técnica, eu preciso saber a nomenclatura dos itens, porque eu tô indo pra falar do regulador de pressão, o regulador tem componentes. Então, eu tenho que saber como é cada um desse componentes, qual é a palavra correta, pra eu não passar vergonha e não estar falando nome errado.” E aí eu estudava isso, essa questão dos termos técnicos, o termo técnico eu não posso errar, eu tenho que falar direitinho, porque eu to indo lá para uma missão que é técnica, então eu tenho que falar direito, né? Agora, com o resto, a gente vai se virando. E fazia isso. Fazia esse estudo, ia para lá e conseguia ser entendido, bem entendido, e ia muito bem. Eu diria que não tive nenhum problema, não, mas volta de novo o desafio, que é o jeito da empresa mesmo.
P/1 – Deixa eu entender uma coisa. Então, quando você ia para lá, você ia à missão de ensinamento, transmitir conhecimento, e eles no papel de absorção de conhecimento?
R1 – Conhecimento, exatamente. No primeiro momento, você indo lá, você divide conhecimento. No caso, eu tinha um conhecimento técnico da parte de equipamentos muito profundo, coisa que não era cultura dessas operações, sejam elas operações oriundas da própria Praxair ou operações que tinham vindo da Liquid Carbonic. Em alguns países também a Praxair-White comprou algumas empresas locais, às vezes até empresas familiares, e nem todas as empresas tinham a cultura do equipamento dentro. Eles estavam preocupados em vender gás, mas não tinham a cultura do equipamento. Então, a gente foi para lá para levar essa cultura do equipamento. Era a questão do treinamento técnico, mas também tinha um fundo de negócio. Por quê? Porque a White Martins tinha uma fábrica de equipamentos aqui no Rio, que é uma fábrica muito grande, inclusive para as necessidades de equipamentos da própria White no Brasil. Então, você desenvolver mercado na América do Sul é uma forma de manter essa fábrica lotada de pedidos de venda. Fora isso, você tinha uma divisão de exportação lá dentro. Essa divisão de exportação, na época, ficava em um prédio central de administração da White, que era um prédio na Mayrink Veiga, no Centro, e lá tinha essa divisão de exportação. Então, quando eu viajava pela fábrica de equipamentos, também dando suportes à área de exportação, porque depois que a gente fazia as visita, o que é que vinha em seguida? Vinham os pedidos de equipamentos, o cara via o potencial e falava: “Preciso de tantos reguladores, de tantos maçaricos, máquina de corte...” Aí você enchia a fábrica com pedidos de venda, né? Esses equipamentos iam para lá, aí, á parte de sobressalente, você continuava dando o apoio técnico para eles poderem fazer o uso e a venda desses equipamentos em cada localidade. E a gente fez isso na América do Sul toda.
P/1 – Houve um denominador comum de resistência que você pudesse dizer?
R1 – Sempre tem, sempre tem, porque em alguns desses países as operações às vezes trabalhavam com fabricantes de equipamentos locais. Então, às vezes, por uma razão ou por outra, eles tinham essas resistências: “Ah, poxa, mas eu vou trabalhar com produtos do Brasil? Tem um fabricante local aqui que me fornece, né?” E tem a dificuldade também que é você chegar, ter que botar o pedido e aguardar uma exportação. Sempre teve um pouquinho de barreira mesmo, mas a maior barreira a gente foi viver não foi nessa primeira leva, quando a gente fez a expansão para a América do Sul, foi quando que a gente decidiu que ia vender para o mercado americano e canadense. Nessa época, eu já estava com outro gerente, que é um gerente que está até hoje na White também, que o nome dele é Márcio Braga. Márcio Braga era gerente de marketing e negócios para a área de equipamentos e soldagens, e ele foi e estruturou um plano de expansão da empresa para a América do Norte, para atender Estados Unidos e Canadá. As operações da Praxair nos Estados Unidos... Eles tinham um vínculo muito forte com o maior fabricante de equipamentos da América do Norte chamado ThermaDyne, que tem uma linha de equipamentos só de corte chamado Victor, né? Essa operação tinha esse vínculo muito forte e a gente foi para tentar fazer o mesmo trabalho que a gente fez na América do Sul. Então, foi um ano e meio de pesquisa e desenvolvimento, entendendo como era a característica do produto. Foi como você comentou: cada mercado tem sua característica, cada mercado tem sua barreira. A gente fez um desenvolvimento de uma linha de produto e a empresa apostou tudo nessa linha de produto. E as barreiras foram muito grandes, a gente chegou a fazer exportação de alguns lotes, mas foi um projeto que não teve sucesso por causa da questão de que no fundo, no fundo, acho que as operações lá estavam satisfeita com os fornecedores locais, eram produtos feitos nos Estados Unidos, então, houve então realmente um... Isso que eu tô falando foi em 95, então, houve realmente essa barreira e o projeto, infelizmente, acabou não trazendo o resultado que a gente esperava. Mas foi assim, com um ensinamento foi muito interessante, porque foi o mesmo trabalho que a gente fez na América do Sul, toda parte de você desenvolver um equipamento de característica própria, você começa com os detalhes de garantia, segurança. Então, você tinha que aprovar o produto. Lá nos Estados Unidos é muito comum, tem um laboratório chamado Underwriters Laboratory, que é UL. Quando você compra as vezes um DVD, um equipamento de uso doméstico, você vai ver quando se ele é aprovado pelos Estados Unidos, vai ter uma letra U grande e um L pequenininho, esse UL é esse laboratório. Eles têm que fazer toda parte de aprovação de produtos nesses laboratórios, então, tive chance de lidar com esse laboratório também nos Estados Unidos, vieram técnicos de laboratórios aqui no Brasil para a gente fazer a aprovação dos equipamentos. Foi um período que eu aprendi muito também, né?
P/1 – Preciso entender melhor a exigência. Existe uma exigência de um laboratório?
R1 – É um selo de garantia. Que nem hoje, em que um equipamento de fora, um equipamento chinês ou europeu, quando ele vem para cá, ele muitas vezes não tem que ter um selo da ABNT por exemplo, ou um selo do INMETRO. Então, esse UL é como se fosse o INMETRO lá nos Estados Unidos, um laboratório de qualificação. Você pode vender um brinquedo e dizer que ele tem um selo do INMETRO dizendo que ele é adequado para crianças na faixa de dois a quatro anos, que ele não tem risco de toxicidade ou risco de machucar, é a mesma coisa. Lá tinha esse Underwriters Laboratory, que fazia qualificação dos produtos. A gente passou na qualificação, o produto foi qualificado, mas houve uma barreira do pessoal de venda lá, tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá, né?
P/1 – E os projetos de especializações, educação continuada, como é que é isso na tua vida?
R1 – Então, esse primeiro período foi muito rico na própria evolução pela experiência de trabalho mesmo, né? On the job, você indo viajar e aprendendo. É um período em que eu acho que você aprende muito, mas isso é outra característica ao longo da carreira. Eu posso citar diversos cursos, eu diria. Os mais importantes que eu fiz na White são três, que eu enxergo até o momento. Um foi a Fundação Dom Cabral. Apesar de eu já ter feito uma pós-graduação em Marketing na PUC do Rio, a Fundação Dom Cabral tem um curso de pós-graduação direcionado para parte de gestão e negócios, tá? E a White, durante anos, investiu em diversos executivos fazendo esse curso da Fundação Dom Cabral e foi fantástico, eu aprendi muito nesse curso da Fundação Dom Cabral. Um outro treinamento também é à parte, esse curso chamado GMP, que é o General Manager Program, é um curso de gestão também, pra quem ocupa posição de liderança, um dos melhores treinamentos que já fiz na minha vida. Veio um grupo dos Estados Unidos pra cá para treinar.
P/1 – Mas, desculpe interromper, a White é que imaginava que você estava pronto para esse curso e sugeria ou você sugeriu o curso para a White?
R1 – É, na verdade esse tipo de... Assim, você não tem nunca um conhecimento pleno, né? Então, eu diria que são indicativos, porque a empresa nunca vai virar pra você e vai falar: “Olha você é uma pessoa de…” Os dois termos que se usa são é o high potential ou o high performance. O high potential é uma pessoa que está em uma fase de idade ainda jovem e a empresa enxerga nessa pessoa o potencial para ocupar cargos de liderança, então, de dentro da estrutura de RH e do comitê de RH ele tem esse carimbo lá de high potential, mas em nenhum momento ninguém fala pra você: “Olha, você é high potential.” Você tem que, na verdade, continuar dando resultado trabalhando e perceber que existem pequenos sinais na empresa de que a empresa está investindo e apostando em você. Isso você vai percebendo, então, por exemplo, quando ela te indica para fazer um GMP, que é o General Manager Program. Você fala assim: “Poxa, tô sendo visualizado como uma pessoa com potencial.” E em várias situações a White vê que você tem uma necessidade e ela faz esse investimento. Recentemente, por exemplo, eu comecei a cuidar da parte de fusões e aquisições, aí eu fiz a compra de, nos últimos quatro anos, três empresas para a White, né? E aí, quando ela percebeu que eu ia começar a exercer essa função, ela me mandou para a Universidade de Chicago para fazer um curso de Master in Strategy e foi fantástico.
P/1 – Então, é a questão de você continuar trabalhando e estudar à noite não tem nada a ver com isso, não é? São investimentos da própria empresa quanto vê o teu potencial.
P/2 – Quanto tempo você costuma ficar fora?
R – Depende do treinamento. Na Fundação Dom Cabral, eles fazem um curso quase de imersão, são quatro semanas de curso. Então, nessas quatro semanas, você fica de oito da manhã até as dez da noite direto ali, fazendo aquele treinamento puxado, pesado, né?
P/1 – E aí existe um profissional habilitado a tomar o seu lugar durante as suas ausências?
R1 – Em geral o que a gente, na verdade, é orientado a fazer: você sempre tem que ter um shadow, sempre tem que ter um alguém, uma pessoa que é sua pessoa de confiança. Traduzindo: sua sombra. Quem tem condições de tocar o teu trabalho quando você estiver ausente. Na verdade, hoje em dia você nunca está 100% ausente, hoje em dia você está com o BlackBerry e com notebook, até de férias você está trabalhando, na verdade. (risos) Então, você tem que ter uma equipe que tem que ser consistente. Isso é uma outra característica: as equipes na White são muito enxutas, a estrutura é uma estrutura enxuta, você tem poucos níveis hierárquicos. Isso também é um outro desenho do que é a empresa, ela vem tomando um desenho diferente.
P/1- Que é o achatamento das organizações, que seriam as horizontalizações da gestão.
R1- É. Se você pegar hoje, provavelmente do Domingos, que é a liderança da América do Sul, até o último nível de gestores, de gerência, vão ter de três a quatro níveis, não mais do que isso. Então, você tem uma estrutura muito enxuta. E dentro de cada nível também tem uma estrutura em que não tem gente sobrando. Então, é uma equipe que tem que ser consistente, tem que ser multidisciplinar, você tem que trabalhar com pessoas em quem você confia, que na sua ausência vão estar te suportando, ter espírito de coleguismo também. Quando você está ausente, você sabe que alguém vai te ajudar e, quando alguém está ausente, você tem que estar suportando, né?
P/1 – Se eu entendi bem, se você falar a palavra shadow dentro da empresa, ela tem um significado?
R1 – É, eu diria que existem outras palavras mais fortes, cada empresa tem um vocabulário próprio, eu diria que shadow não é uma palavra tão usual, não. Eu diria que é mais uma palavra na parte de RH, mas não é das palavras mais fortes, não. Mas a White tem o seu vocabulário próprio, é que agora não me ocorre nenhuma palavra específica, não, mas com certeza tem.
P/1 – Vocês usam muito o vocabulário em anglo-saxão. Como a cultura anglo-saxã afetou a tua vida pessoal?
R1 – Eu diria que pouco. Foi natural porque, desde jovem, meu pai sempre investiu na minha formação de língua estrangeira. Não afetou. A gente vai se acostumando, até porque, desde o início da minha carreira técnica, você sempre recorre muito à parte de bibliografia em língua inglesa, então isso é uma coisa natural. Você vai falando e você mesmo traz algumas nomenclaturas quando tem uma oportunidade, acho que isso cabe a você também. Eu citei o exemplo da questão do curso lá em Chicago e fui ser treinado em fusão e aquisição. Uma oportunidade, acho, que nenhuma outra pessoa da empresa teve. Então, quando estou discutindo fusão e aquisição, acho que cabe a mim falar os termos corretos de um procedimento de fusão e aquisição, usar os termos, usar os procedimentos. É uma maneira de estar instruindo e ensinando quem não teve a oportunidade de estar lá junto comigo. Então eu acho que isso vale para todas as áreas. E a empresa é muito rápida. você pega, por exemplo, uma diretriz hoje que nos é dada lá pelo CEO, que é o Steve Angel, lá nos Estados Unidos, tinha Washington, que tá na mão da gente... Outro dia, mesmo na diretriz, não vou comentar qual é, saiu o Steve Angel, passou pelo Domingos, Domingos veio com os diretores executivos e, em duas horas, eu já estava sabendo qual era a diretriz e já estava passando a mesma diretriz para o meu grupo. Então, isso é bacana na tecnologia. Você, em duas horas, tem uma orientação. Eu fico imaginando como não era difícil fazer gestão há vinte anos atrás. Hoje as coisas são muito velozes. Uma visão, um direcionamento de um CEO nos Estados Unidos, ele pode estar em um nível baixo da organização, no Brasil, em três horas, todo mundo já está sabendo para onde tem que caminhar.
P/1 – Você estava presente quando o prédio saiu da Mayrink Veiga?
R1 – Tava presente, tinha voltado já.
P/1 – Conta um pouco como você viu esse processo todo, que foi revolucionário.
R1 – É... Diria que foi revolucionário, mas acho que teve uma revolução maior na White antes disso e foi um pouquinho antes do Domingos. Quem estava como presidente era o Ricardo Malfitano, que hoje é vice presidente executivo nos Estados Unidos, uma pessoa muito querida até hoje no Brasil, querida e admirada também. E o Ricardo fez uma coisa, foi uma quebra muito grande de barreira, porque você ia antigamente a um prédio da matriz e tinha um padrão de salas. Então, todo gerente tinha sua sala fechada e coisa e tal. E o Ricardo falou assim: “Não, isso é muito ruim.” E isso é verdade. Você entrava na sala, ficava trabalhando, ao longo do dia você saia uma vez, duas vezes para fazer algum tipo de interação com uma outra pessoa ou para perguntar. Então, você trabalhava de maneira muito isolada. Não me lembro exatamente quando é que foi, se foi 2003, mais ou menos, não me lembro. Acho que 2002, 2003, com Ricardo na presidência, ele resolveu mudar o layout da companhia e acabou com as salas, ninguém mais tem salas, a partir de agora todo mundo vai trabalhar no esquema de baía. Isso foi uma mudança muito grande de cultura, porque você passa a ter menos privacidade, você tem que aprender a se comportar em um ambiente como esse, tem que falar de uma maneira mais comedida no telefone pra não incomodar seu vizinho, mas traz uma série de benefícios. Por exemplo, faz você perder um pouquinho o pudor, a vergonha, de... No início, eu me lembro que era uma coisa complicada porque, às vezes, você está trabalhando na sua mesa e é inevitável, você ouve um companheiro seu falando no telefone, às vezes você tem uma informação que ele não tem, então, no início você fala: “Caramba, eu ouvi e ele não está falando comigo, está falando no telefone.” Possivelmente ele pode estar tomando uma decisão errada ou ele não tem uma informação que ia ser importante para ele decidir aquilo que ele está conversando. Você fala: “Vou falar alguma coisa?” De certa forma, você está sendo deselegante, você não estava envolvido diretamente com a conversa. Só que, depois de um tempo, você descobre o seguinte, você tem que falar. Então, isso é muito comum hoje em dia. Você está aqui, está sentado, está discutindo um assunto ou está falando com outro companheiro, aí alguém chega e fala assim: “Ô, calma aí, não é isso, não. O histórico disso aqui é assim e assado, aconteceu assim.” Então, isso dá uma dinâmica pra empresa muito diferente daquela dinâmica de você fechado, dentro de uma sala, trabalhando de maneira isolada. Então, eu diria que essa mudança foi uma mudança de cultura muito forte, essa questão. A questão da saída da Mayrink, acho que o prédio da Mayrink tinha um simbolismo, né? Primeira coisa, acho que ele tinha um simbolismo negativo, apesar de que eu fui uma pessoa de fábrica. Mas acho que por pessoa de campo, de operação, ele tinha um simbolismo como é Brasília pro povo brasileiro, aquela coisa longe, afastada, meio que até não se sabe até onde é eficiente ou até onde ela contribui ou não. Então, assim, eu acho que a visão do prédio da matriz, ela é muito desta visão: “Vem cá, aquilo lá serve para alguma coisa? Me ajuda ou me atrapalha?” Muito isolada no dia-dia da realidade da empresa. E quando decidiu sair da Mayrink, não foi só decidir sair da Mayrink, foi transformar isso em dois centros, um centro de estratégia e administração, que é esse centro que está aqui na Barra, e um centro de administração que funciona como uma central de serviços compartilhado, que dá apoio pra todo campo, então, isso acho fez quebrar essa barreira entre administração e campo. O campo olhava para a pessoa que estava na Mayrink e veio: “Esse cara é um cara da matriz.” Tinha esse termo, às vezes até pejorativo, de matriz, o cara era da matriz, o campo era campo e existia esse distanciamento. Hoje, eu acho que esse distanciamento praticamente não existe. Tanto que, apesar de você ter o centro de estratégia e planejamento, que é este que fica na Barra, a orientação é: a gente tem uma função administrativa, uma função estratégica, mas a gente tem que estar próximo do campo. O Domingos e as demais diretorias cobram isso, você tem que estar no campo atuando junto aos teus subordinados, a tua função não é a função de escritório, administrativa.
P/1 – E o seu campo?
R1 - Meu campo está espalhado no Brasil todo, aí é assim, eu dei um pulo, mas…
P/2 – Por isso é que a gente nunca acha vocês na sala ou no telefone fixo.
R1 – Mais fácil achar no celular sempre ou no BlackBerry. Manda uma mensagem, um SMS, que eu te respondo na hora. E é assim, nesse mesmo período que eu tava mudando da Mayrink, porque, ainda na Mayrink, a White tomou a decisão de entrar em um negócio chamado gás natural. Isso na verdade aconteceu um pouquinho antes, em 2002, 2001, desde 1998, quando construiu-se o gasoduto Bolívia-Brasil e o Brasil começou a ter essa mudança na matriz energética com a introdução do gás natural, a White percebeu o seguinte: o país é um país de dimensões continentais, ele tem poucos gasodutos, entã, os gasodutos basicamente estão distribuídos na costa do país. Você vai ter que internar esse gás e levar esse gás dentro do país, e qual é a forma de levar isso? É levar ele, ou na forma comprimida, pegar o gás, a molécula do gás e comprimir e distribuir isso em carretas, muito parecido com o que a White faz quando ela enche um cilindro de oxigênio, de argônio; ou levar isso na forma liquefeita, pegar essa molécula de gás também, purificar ela, liquefazer, tirar ela do estado gás, vapor, e vou levar esse produto na forma líquida. Ninguém melhor do país em fazer isso do que eu. Quem entende mais de criogenia, de compressão e distribuição do que eu? Então, a White visualizou isso, que foi quando a gente começou a desenvolver o processo de GNL, gás natural liquefeito, que hoje tem uma empresa própria, a Gás Local, fazendo isso em parceria com a Petrobras. Decidiu-se também fazer o projeto de gás natural comprimido, isso é uma coisa de que tenho muito orgulho também, porque foi um projeto que eu toquei desde o princípio e hoje está funcionando. Na verdade a gente fez um piloto desse negócio de gás natural comprimido, esse piloto foi decidido de ser feito em Belo Horizonte, na planta de Contagem. O Domingos já era nosso presidente há um ano e meio, dois anos mais ou menos. Eu fiz o projeto, apresentei o projeto para ele. Eu precisava de um determinado montante em dinheiro, o diretor dessa área já era o Marcelo Rodrigues, que é o diretor dessa área até hoje, aí a gente apresentou o projeto para o Domingos, o Domingos acreditou no projeto e falou: “Não, vamos apostar nesse projeto, vou dar o cheque aqui para vocês fazerem os investimentos.” E a gente começou essa operação de gás natural comprimido em Contagem, foi a primeira operação, começou com três pequenos clientes. A gente chegou a comprimir, no início, mais ou menos seiscentos, setecentos mil metros cúbicos por mês. É um negócio que todo ano vem crescendo à taxa de 35%, 37% todo ano, desde 2005. Então, esse ano já é um negócio de cinquenta milhões, tem sessenta carretas praticamente de GNC rodando. Além de Contagem, hoje a gente tem operação no Espírito Santo, em São Paulo, no Paraná e em Pernambuco, são cinco bases.
P/1 – Esses lugares todos seriam seu campo? Quando você fala em campo, contato com campo?
R1 – É, na verdade, essa parte de gás natural comprimido cresceu tanto, que hoje tem uma outra pessoa que cuida da operação, que é o Marcos Dorneles, aí eu me afastei do dia-dia da operação e fui fazer fusão e aquisição nesse tipo de negócio. Por quê? Além da White, existiam outras empresas atuando nesse mercado e, além de crescer fazendo essas expansões, a gente viu uma forma de crescer rápido fazendo aquisição. E aí eu fui cuidar também da parte de aquisição da empresa dessa área de gás natural comprimido. Até então, eu já fiz compra de três empresas já.
P/1- Aqui no Brasil mesmo essa compra?
R/1- Aqui no Brasil.
P/1 – É... Quando é bom fazer fusão e quando é bom comprar?
R1 – É, até agora a gente não passou por nenhum processo de fusão nessa área de gás natural comprimido ainda. Aquisição, basicamente ela se justifica quando você está em alguma região geográfica onde você não atua ainda e você já tem um cliente que tem uma base de clientes que é interessante, que você talvez levaria um, dois anos para desenvolver, então, é uma maneira de se entrar muito rápido. Só que a White, de certa forma, é muito rigorosa na questão da rentabilidade. Então, você aprova um investimento de compra, ela tem exigências de rentabilidade que são altas, porque normalmente você vem com propostas que nem sempre são tão atrativas para quem está vendendo. Aí está, eu diria, a arte de você conseguir convencer o dono daquela operação a fazer a venda do negócio. E a gente tem sido bem sucedido, tem conseguido fazer boas compras a bons preços e conseguindo crescer o volume sem gastar tanto capital assim, está indo muito bem. Agora, na questão geográfica também, hoje eu cuido de uma área chamada Serviço Industriais, que é super interessante, eu tô cuidando disso há dois anos. É uma área que ela tem crescido muito. O que são Serviços Industriais? São grandes caminhões de bombeio, onde eles têm tanques criogênicos, não é gás natural, é nitrogênio, que é um gás inerte, serve para fazer purga e inertização de gasodutos, de linhas, basicamente, da Petrobras, da Transpetro, que é um empresa de distribuição da Petrobras, pólos petroquímicos. Então eu tenho equipes espalhadas por todo Brasil, com base em São Paulo, Salvador, aqui no Rio e no Sul.
P/1 – Eduardo, agora eu tô lembrando de uma coisa que eu li, o projeto Merluza foi uma coisa impressionante. Conta para a gente, por que você estava presente nessa época.
R1 – Foi gigantesco, É, Merluza na verdade são campos na Bacia de Santos.
P/1 - Eu li uma coisa a respeito, parece uma operação logística impressionante, você estava presente? Você conhece? Você pode contar essa história para a gente?
R/1- Quando você fala da Bacia de Santos, os investimentos que estão sendo colocados pela Petrobras são enormes na exploração de óleo e principalmente gás, são grandes campos de gás, ali nessa região. Aí você tem diversos campos, tem Merluza, tem Lula, e toda essa produção de gás está sendo trazida via gasoduto. Ali para Caraguatatuba, no litoral de São Paulo, você tem um grande terminal de gás, é UTGCA o nome da unidade ali. A gente fez a maior operação da historia de serviços industriais dentro dessa unidade, porque toda parte de... Quando você termina de construir uma unidade, antes dela se tornar operacional, você tem que fazer toda parte de limpeza, purga e depois inertizar essa unidade. É uma questão de norma e de segurança. Então, para ela começar a operar, tem que fazer dessa forma. E quem fez essa operação foi a White Martins, ela fez para o consórcio que construiu aquilo ali para a Petrobras, então, foi uma operação gigantesca, a gente colocou mais de três milhões de metros cúbicos de nitrogênio ali com diversos caminhos de bombeio, carretas de nitrogênio levando o produto lá para fazer o processo de inertização. Eu trabalhei com grupos ali de oito, dez pessoas, durante oito meses, trocando turno e você trabalhando ali. Foram quase oito meses de operação e foi uma operação muito grande, muito longa, né?
P/2 – E você diz trocando turnos porque não tinha como parar?
R1 – É... Foram operações contínuas, a parte de equipamentos de bombeio fica em uma parte dedicada e você tem que ir trocando os turnos dos operadores, porque são operações constantes. Nessa área de serviços industriais, a gente trabalha sempre em turnos, 24 horas por dia, e aí não foi diferente, foi uma operação de grande porte e esse terminal foi inaugurado recentemente, tem vinte, 25 dias mais ou menos, a Presidente Dilma esteve lá, o presidente da Petrobras Gabrielli esteve lá, fazendo a inauguração, né? Para você ter noção do tamanho desse terminal de gás, ele vai processar vinte milhões de metros cúbicos ao dia de gás natural. Para você ter ideia, antes disso, o maior investimento em trazer gás natural era o gás importado da Bolívia, que é o gasoduto Bolívia-Brasil que traz mais ou menos trinta milhões de metros cúbicos por dia. Então, só esse terminal que está processando o gás de dois ou três campos ali na Bacia de Santos, ele traz vinte milhões de metros cúbicos dia, então, pra gente que é dessa área de gás natural, é bacana pra você ver como o país está desenvolvendo essa área. Trazendo para a White, também é interessante por quê? Quando a gente falava em gás natural em 2003, há sete anos atrás, dentro da White era um núcleo muito restrito que entendia o que é gás natural, como funciona, e hoje isso é uma realidade, você tem a empresa como um todo, ela vive essa questão do gás natural, um produto relativamente novo nessa história de cem anos da White. É um produto que basicamente se começou a comprimir e a liquefazer em 2005 e 2006. Então, são cinco anos de história de gás natural. Agora, o próximo ciclo é do hidrogênio.
P/1 – Ah, mas nós vamos chegar lá, porque você vai falar do futuro, aí você fala do hidrogênio.Você ainda continua frequentando a Biblioteca da White?
R1 – Hoje, menos, porque é a questão da evolução. Na época que a biblioteca era a principal fonte de conhecimento, não existia a internet, praticamente a internet estava começando a caminhar. Hoje, você consegue fontes com muito mais facilidades. Então, isso é uma coisa muito que eu questiono com relação a essa geração nova. Uma geração que está chegando, que tem muito recurso, muita facilidade, muitas ferramentas, aí você vê algumas pessoas não dão valor ou não percebem o quanto é mais fácil você se desenvolver. Então, eu ainda tenho dúvidas de como essa geração vai se comportar em relação à questão profissional.
P/1 - Precisava que você falasse mais um pouquinho sobre isso, porque eu não entendi.
R - Basicamente, eu tenho vivido nessa geração nova, pessoas fantásticas de grande potencial, pessoas que tem uma ligação pelo negócio, pela empresa, uma ligação muito baixa, um vínculo menor. Então, essa é uma coisa que eu fico me questionando, como é que isso vai funcionar para frente. Você vê as gerações anteriores: vejo a minha geração com um vínculo mais forte de vida, do que você está fazendo, do que você está construindo. Não sei se a geração futura vai ter esse mesmo vínculo que a gente tem com a família, com o negócio, se ela vai enxergar as coisas de uma maneira mais passageira. O comprometimento, às vezes, até existe, mas ele é um comprometimento momentâneo. Você pode ser comprometido e intenso, mas com uma visão de curto prazo. O fato de você não ter uma visão de médio e longo prazo, não quer dizer que você não vai ser comprometido ou vá fazer aquilo com intensidade.
P/1 – Então, fusões e aquisições, são essas as suas responsabilidades?
R1 – Não, essas são algumas das coisas que eu faço.
P/1 – Atualmente, né?
R1 – É, atualmente. Eu diria que sou mais cobrado hoje, independente das questões das aquisições e da questão do gás natural comprimido. Eu sou mais cobrado hoje por entregar um resultado dos serviços industriais, que foi a última missão que o meu diretor executivo me deu para cuidar e a gente vem fazendo um trabalho interessante aí. Porque também é outra característica. Eu tô falando aqui há algum tempo, mas em nenhum momento falei da característica mais marcante da empresa, que é a cobrança pelo resultado, né?
P/1 - Fique à vontade. (risos)
R - E até agora, por mais incrível que pareça, a gente não comentou. Mas isso é uma característica muito forte da empresa, a seriedade. A partir do momento do seu planejamento, você faz seu planejamento de negócio pro ano seguinte e fala: “Olha, vou entregar isso aqui de venda, isso aqui de lucro, vou gastar tanto.” E aquilo, como o próprio presidente diz, colocou na pedra, como tivesse gravado na pedra aquele compromisso, e você tem que entregar. No mínimo, você vai entregar aquilo e, de preferência, você vai entregar alguma coisa a mais, então a cobrança por resultado é... Ela nem é feita top-down. Na verdade, nós mesmos fazemos essa cobrança, porque a gente sabe que o somatório da contribuição de cada um de nós é que vai gerar um resultado e é um resultado em que a gente está se comprometendo com o acionista.
P/1 – Você acha, que sem querer, você transmite isso para seus filhos?
R1 – Bastante, bastante. Às vezes, você se pega agindo em casa como se estivesse na empresa, tem que se policiar. Não que seja ruim, eu já tenho filhos grandes, meus filhos já estão com dezenove, dezessete anos, já não são tão crianças assim. A gente tem aberturas de conversas e já ouvi reclamações do tipo: “Poxa você cobra demais.” Entendeu? Mas, às vezes, o retorno é positivo também. Eu vejo que eles têm um senso de responsabilidade e de compromisso que não é muito comum na idade deles, mas sempre sem perder a doçura e o carinho também, tem que ser extremamente carinhoso para poder equilibrar essa questão da cobrança forte.
P/1 – Tem uma parceria com o cliente na área de bebidas em que vocês operavam com o óleo BPF, que é um combustível derivado do petróleo. Eles que vêm com a demanda de usar o gás natural comprimido ou vocês que estimulam eles a mudar? É uma informação que eu tirei de alguma leitura.
R1 – É, está falando da fábrica de Sucos Mais, que hoje é da Coca-Cola. Então... Esse caso específico até aconteceu dentro do gás natural comprimido no Espírito Santo. A primeira visita que foi feita nesse cliente, eu tive até a chance de estar.
P/1 - Conta pra gente.
R1 - É. Na época, o cliente ainda se chamava Sucos Mais, era uma empresa local e a gente foi fazer uma visita lá. É uma grande fábrica de sucos, fica em Linhares, no norte do Espírito Santo. Foi super interessante porque eles consumiam BPF. Você não tinha o gasoduto chegando lá. A única maneira de chegar o gás natural lá como energético de alto poder calorífico, de queima pura, bom para o meio ambiente, bom para as instalações do cliente... Também porque a queima não gera nenhum tipo de resíduo tóxico. Por exemplo, é muito comum, quando você usa BPF ou algum produto mais pesado, o enxofre que vai junto com o resultado da queima. Ele se junta à umidade e faz H2SO4, que é ácido sulfúrico. Então, é muito comum você chegar a uma instalação de um cliente que usa BPF, por exemplo, e ter aquela névoa de ácido sulfúrico que vai corroendo e destruindo a fábrica.
P/1 – O que é BPF?
R1 – BPF é um óleo combustível, BPF significa Baixo Ponto de Fulgor, uma característica físico-química do produto. Mas, acima de tudo, é um óleo combustível com alto teor de enxofre, como é a característica de todos os combustíveis que são usados no país. A gente está passando por um processo de mudança também. Você pega o diesel da gente, com alto teor de enxofre, a nossa gasolina tem enxofre, o óleo combustível tem enxofre e isso é péssimo para o meio ambiente, principalmente. Então, quando se pega um cliente desse e você consegue convencê-lo a deixar de usar BPF e passar a usar gás natural, isso é ótimo. É ótimo para ele, é ótimo para a comunidade, é ótimo para o meio ambiente. E esse cliente é um cliente que a gente conseguiu converter em 2007, se eu não me engano, em 2007 a gente converteu ele, e ele está usando gás natural até hoje. Nesse processo a empresa foi vendida para a Coca-Cola. A Coca-Cola, em diversos processos de aquisições, comprou diversas empresas de sucos, e uma das empresas que ela adquiriu foi essa dos Sucos Mais, que continua usando gás natural até hoje, muitos benefícios, né?
P/1 - Uhum. Você estava presente, então, nesse momento?
R/1 - É... Esse contrato eu assinei com o gerente de negócios da época, da área, que é o Marcelo Sodré, e ele fez a assinatura deste contrato. É um contrato que, se eu não me engano, começou com noventa mil metros cúbicos por mês. Outro dia eu estava conversando com o Sodré, que ainda está cuidando dessa operação, dessa região do Espírito Santo, e, se eu não me engano, ele foi aditado, houve uma... Aditado é quando houve uma alteração do contrato, seja de volume ou prazo, a gente fala que é aditado o contrato, né? Ele foi aditado para 250 mil metros cúbicos ou alguma coisa desse tipo. Então, além de estar consumindo, a fábrica vem sendo ampliada e eles colocaram mais caldeiras a gás natural e o volume que a gente está fornecendo tem aumentado também.
P/2 – Eduardo, qual é o grande desafio então de trabalhar nesses projetos de convencimento do cliente? Qual é o grande desafio que você vê no diálogo ali?
R1 – Acho que o maior desafio, independente de... Todo mundo é cobrado por custo e, às vezes, a melhor alternativa nem sempre é a de menor custo, ou pra você comprovar que ela é factível, você tem que pegar uma série de coisas que são intangíveis e convencê-los que, nesse caso, por exemplo, o BPF é um produto de menor custo que o gás natural. É muito fácil você chegar no cliente e convencê-lo a usar um outro produto e falar: “Olha, esse aqui é ótimo, excelente e vai custar mais barato.” Aí não tem dúvida, é muito fácil, né? Mas o gás natural, não, ele é mais caro. Então, até você chegar e convencê-lo de que, apesar dele ser um produto mais caro, vale a pena ele fazer essa substituição, você tem que usar muita argumentação, muita argumentação técnica, muito histórico de conversões de outros clientes, e isso é um processo que é difícil. Eu diria que o maior desafio, hoje, do gás natural, é você converter, por exemplo, um cliente de lenha. Você vai a regiões onde você sabe que a lenha é de área de desmatamento, isso é uma coisa que me entristece as vezes. Você vê que não tem um controle, o cara tá usando. Às vezes são empresas de porte grande, até multinacionais, então, você vê ele usando uma madeira de desmatamento. Com você tentando um projeto de convencimento para ele usar gás natural, a decisão final do cliente é uma decisão baseada só em custo, custo daquele desmatamento. Ele não está verificando os outros custos, inclusive os custos ambientais que, talvez, quem pague não sejamos nós, mas uma geração futura e isso é difícil, é difícil.
P/2 – Acho que com o gás natural, pelo que eu entendi, vocês têm uma visão. Como é uma coisa nova, vocês devem ter uma visão muito futurista também, que ainda está por vir. Mas o que você acha que está por vir aí? Hoje, o Brasil depende da Bolívia, tem uma relação mais com gás natural, mas veio uma fábrica que está produzindo o tanto quanto que vem de outros países. O que você acha que tem que vir por aí para diminuir esse custo? O que você acha que pode acontecer?
R1 – Então, eu acho que o uso de combustíveis limpos, inclusive o gás natural, é um caminho inevitável. Eu diria que o Brasil tá até um pouquinho atrasado em relação a outras localidades do mundo, onde a cobrança da parte ambiental é um pouco maior, né? Assim... Eu sou muito ligado a essa área ambiental, meu filho hoje faz engenharia ambiental, eu fiz engenharia mecânica, ele faz engenharia ambiental. Ele está estudando engenharia ambiental e toda hora que eu posso orientá-lo, por exemplo, eu chego e falo: “Olha, faz essa área de energia e, se possível, tenta a parte de combustíveis renováveis, energias limpa, energia eólica.” Isso é o futuro, entendeu? Com que velocidade a gente vai caminhar para isso, vai depender muito do ritmo que os órgãos governamentais e a questão de exigências ambientais vão dar e fazer no Brasil para que tenha ou não uma velocidade pra caminhar nessa direção. Eu acho que quanto mais rápido a gente fizer isso, melhor, porque é inevitável. Se você ver os maiores consumidores... Você pega... Vou dar um exemplo, que é um exemplo, até certa de forma, negativa: a China é o maior, segundo maior poluidor do mundo, depois dos Estados Unidos. É uma matriz baseada em carvão, queima de carvão mineral para a criação de energia e, hoje, a China é a maior investidora em energia eólica. Então, ele sabe que hoje tem uma matriz ruim, mas, em compensação, ninguém mais do que a China, no mundo, investe em energia eólica. Então, isso que eu vejo hoje é o que falta no Brasil, a gente chegar e tomar uma decisão para onde a gente quer ir e dar apoio. Nesse caminho, o gás natural é um caminho inevitável, seja ele com... A questão dele também ser: “Ah, o gás vem da Bolívia.” Primeiro, que hoje a parcela que vem da Bolívia é muito pequena. Segundo, tem país que não tem produção nenhuma de gás e a economia toda dele é muito baseada em gás natural, por exemplo, o Japão. O Japão tem diversos terminais de gás natural e recebe GNL, Gás Natural Liquefeito, o mesmo GNL que a gente fabrica aqui, ele recebe do Oriente Médio, da Indonésia. E hoje, praticamente, o Japão é energia nuclear e GNL. É o que move o Japão, né? Com essa questão lá de Fukushima, a tendência é que toda, ou boa parte da energia, Japão seja baseada em GNL. Uma decisão que ninguém tem dúvida que o Japão vai tomar. Os Estados Unidos também. A questão do gás natural, lá descobriram uma coisa chamado shale gas, que é um gás que dá no meio das rochas. Os Estados Unidos era importador de gás natural e, com essa questão do shale gas, ele praticamente reduziu muito a questão da importação. Existe a possibilidade de se tornar exportador de gás natural e também está fazendo um projeto muito forte de desenvolvimento de uso de gás natural também, até substituir essa matriz deles de uso em veículos muito pesados na parte de gasolina, de diesel, e na parte de energia termoelétrica. Então, eu acho que a gente tem que caminhar nessa direção, acho que isso aponta nesta direção, de empresas que atuam nessa área como a gente, que atua na área de gás natural. Uma área que está sendo muito falada aqui na companhia também é o hidrogênio, e a gente está com grandes projetos de hidrogênio sendo conduzidos na diretoria executiva do Marcelo Rodrigues, e é o futuro. O hidrogênio, para que é? É pra você utilizar a parte de refino, principalmente para ter um diesel mais limpo, um diesel sem o enxofre, que gera uma série de problemas ambientais, para ter uma gasolina de melhor qualidade. Ou seja, mesmo que você continue com uma parcela dos combustíveis tradicionais, diesel e gasolina, você precisa do hidrogênio para ter um combustível de melhor qualidade e de menor impacto ambiental. Então essa linha, eu acho, de sustentabilidade, essa questão do meio ambiente, isso não pode ser discurso. Se tem empresa que fala isso só como discurso, ela vai descobrir que está no caminho errado. Essa é outra questão que você vê de dois, três anos para cá. Uma questão muito forte de sustentabilidade, é um tema recorrente dentro da empresa também. Então, de certa forma, eu acho que a White Martins, apesar de ser como a gente costuma dizer, uma senhora de cem anos, está olhando para frente, está olhando pro futuro.
P/1 – Eduardo você se imagina, então, envolvido em alguma operação de instalação de uma hidroelétrica numa planta? Porque está difícil a questão da água e a geração de energia precisa de hidrelétrica e as relações da White Martins.
R1 – É, eu não sou especialista em energia hidráulica, que é um tema que é complexo demais, né? Da questão do potencial dos reservatórios. Mas o que a gente lê é que, basicamente, o potencial dos reservatórios está quase todo ocupado, tanto que as últimas hidrelétricas que estão sendo aprovadas vão trabalhar a fio d’água, como se fala, que é o termo onde você não tem grandes quedas, grandes barreiras de águas como você tem nas antigas hidrelétricas como em Itaipu e Tucuruí. Essas são hidroelétricas de fio d’água, como é o caso de Belo Monte. E você, quando vai para fio d’água, começa a ter áreas de alagamentos maiores, ou seja, gerando impactos ambientais e sociais maiores. Então, vai chegar uma hora... Claro, é excelente o Brasil ter um potencial hidroelétrico grande, isso é ótimo para a gente, mas vai chegar uma hora em que não vai ter mais esse potencial hidroelétrico, então a gente tem que procurar outras coisas. Tem que ir pra questão do gás natural, pra questão da eólica, tem que buscar outras alternativas.
P/1 – Esse processo todo dentro do que a gente tá contando é um pouco da história da industrialização do Brasil, cem anos de industrialização e a cadeia produtiva do gás. Quais foram os marcos que aconteceram no desenvolvimento econômico no Brasil, que puderam afetar as decisões que vocês tinham que tomar dentro da empresa? Enquanto você esteve lá.
R1 – Então, se você observar os principais segmentos que a White Martins atua, são a locomotiva da indústria no Brasil. Você pega a siderúrgica, indústria automobilística, indústria têxtil, indústria de alimentos... Então, basicamente a gente atua em todos os segmentos nessa parte de indústria. E acho essa história até muito anterior a minha participação na empresa. Você pega o desenvolvimento, de quando se decidiu criar a questão da CSN, que foi um marco na indústria brasileira, estava no início da indústria automobilística. E lá na década de 1960 criou-se a CSN, 1960 ou 1950, a White Martins estava lá. O que eu acho importante pro presente e pro futuro da empresa é que, hoje, a White Martins tem uma taxa, isso nem é minha área, está dentro da área de negócios on site lá, com Marcelo Campinho, mas a gente tem uma taxa de câmbio muito grande nos grandes projetos. Essa taxa é superior a 90%, então, isso é muito bom, porque hoje a gente é uma companhia que tem quase 70% de marketing chef way. E se nas novas oportunidades eu tô mantendo uma taxa de ganho aí no âmbito de 90%, significa que eu tô me tornando mais forte pro futuro. Então, isso eu vejo de uma maneira muito positiva e a gente está sempre presente. Outra coisa que caracteriza muito também a White é você perceber não só sinais de crescimento, mas sinais de crise muito antes de qualquer outro segmento. Como você atua nas indústrias de base, quando percebe alguma variação no consumo, você fala: “Opa, tem alguma coisa aí acontecendo.”
P/1- Você está dizendo que as industriais de base são um bom termômetro de tomadas de decisões?
R/1- Quando você cuida do mercado de siderurgia, por exemplo, você sabe que uma planta ou várias plantas estão no limite do consumo do oxigênio, que você atende aquela planta e o cara está demandando a construção de uma planta adicional, você fala: “Opa, ótimo, sinal que a siderúrgica do país está trabalhando no limite, né?” Quando você vai pra parte do papel e celulose, também que a gente atua, é a mesma coisa, você tem uma planta que está no limite ou estão te cotando para uma planta nova. Você sabe: “Ó, vai ter expansão aqui pra frente, né?” O lado negativo é da mesma forma, quando você fala: “Olha, desliga tua planta aqui que vou ficar trinta dias sem operar.” Você fala: “Pô, tem alguma coisa errada.” Isso funciona muito como termômetro da indústria, né?
P/1 – O que significa a White Martins completar cem anos pra você?
R1 – Bom, eu acho que se você perguntar isso pra maioria das pessoas, elas vão falar que significa tudo e, da mesma forma que a gente, como eu falei, são pessoas que tem o jeito de olhar pra frente. Então, a gente está muito preocupado com o seguinte: como a gente vai manter essa companhia sólida e continuar carregando ela daqui pra frente pra entregar o bastão em algum momento para outras pessoas ali e continuar? Acho que é a história. A gente está fazendo história agora e esperamos que outras pessoas possam fazer história no futuro, né? Acho que isso é a maior responsabilidade em você estar em uma empresa de cem anos, é tua responsabilidade mantê-la viva, saudável e garantir que ela possa durar mais cem, ou só Deus sabe o quanto. Acho que é responsabilidade nossa manter a saúde da empresa. E ninguém se sente com cem anos, não. Eu acho, na verdade, que até alguém chegar e falar assim: “Vamos comemorar cem anos.” Talvez isso a gente nunca nem perceba. Pô, cem anos, já? (risos)
P/1 – E o legado da empresa para você e pro Brasil?
R1 – Olha só, pra mim é... Eu nunca tinha parado pra fazer uma retrospectiva, mas quando você começa a falar, você fala da tua infância, da tua formação, os momentos de casamento, nascimento de filho, e você vê que tua historia profissional está totalmente interligada com tua vida pessoal, né? E eu tenho muito contato com as pessoas aposentadas na White, pessoas que se tornaram amigos, se aposentaram, e eu tenho contato com essas pessoas. E você vê que o vínculo deles com a empresa até hoje é muito grande. Acho que é uma coisa que você carrega para a vida toda. Você não tem como desvencilhar, separar vida profissional de vida pessoal, porque aquilo ali está tudo combinado. Eu acho que pra frente é isso, no dia que eu não puder mais contribuir, o vínculo vai continuar o mesmo. Para o país, a White teve várias lideranças, hoje a gente tem um líder e tivemos outros líderes no passado que foram pessoas que apostaram muito na companhia, apostaram muito no país. Então, você quando pega os dados históricos, eu já tive chance de, há muito tempo atrás ver isso. A gestão do governo Félix, por exemplo, fez grandes investimentos na parte de produção de planta e fez com que a empresa desse saltos significativos. Na parte de gestão, na parte de motivação, o período em que o Ricardo foi presidente também foi fantástico, aí você pega esse período agora do Domingos, esses últimos oito anos, você pega os resultados de crescimento de vendas, de lucro, de geração de valor por funcionário. É um número que você olha e poucas companhias conseguem fazer números parecidos. Eu diria que talvez não tenha companhia com processo de crescimento de venda mantendo uma rentabilidade, um retorno que nem a White. Acho que são pouquíssimas, tá? Isso é dar certeza de que a gente tá fazendo trabalho certo, correto. A liderança tá apontando o norte, ele tem um grupo sólido, consistente em baixo e que é capaz de responder a esse direcionamento estratégico que ele dá. Acho que o que a empresa é hoje é o resultado do trabalho de formiguinhas, da contribuição de cada um de nós. E é isso, uma sensação de orgulho, não de dever cumprido, porque o dever nunca está cumprido, sempre tem um amanhã, e é isso.
P/1 – Nós ainda temos o que, uns 15 minutinhos? O que achou de ter participado dessa entrevista.
R1 – Dar uma controlada aqui que saíram umas lagriminhas. (risos) Assim, na verdade, até um pouco antes de eu dar a entrevista, um amigo, um funcionário, na verdade, me ligou, queria falar comigo: “Agora não posso, vou fazer uma entrevista aqui dos cem anos.” Aí ele falou assim: “Pô, que legal, bacana você ter sido chamado.” Pra mim é uma honra, porque eu sei que eu não são muitas pessoas. Eu imagino que existam pessoas que talvez até tenham um histórico maior, que talvez até pudessem contribuir ou até que contribuíram para a empresa mais do que eu. E eu me sinto honrado mesmo de ter sido chamado, escolhido, né? Quando eu fui convocado, eu falei: “Pô, será que eu tenho tanto a falar assim sobre a companhia? Realmente, o quanto eu contribuí?” Aí você começa a conversar e você vê, realmente, que ao longo dos anos você ajudou de alguma maneira, e... É, isso é um orgulho estar aqui, de poder estar falando, muito bom.
P/1 – Tá certo, muito obrigado, a gente ficou muito satisfeito e agradecemos muito a sua presença aqui.
P/2 – Obrigado.
R1 – Tá bom. Valeu, valeu.
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