Projeto: VLI – Estação de Mamória: Porto & Pesca
Entrevista de Maria Helena Alves Mendes
Entrevistado por Luiza Gallo e Ane Alves
São Luís, 05/09/2025 (Ilha do Medo)
Entrevista nº: VLI_HV020
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1 – Primeiro, eu quero agradecer de mais por vocês estar nos recebendo aqui, na casa de vocês, nesse lugar tão especial. E queria que você começasse se apresentando, dizendo o seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Meu nome é Maria Helena Alves Mendes.
P1 - Você nasceu aonde?
R - Eu nasci em Cajapió, na Baixada Maranhense.
P1 - E que dia?
R - No dia 6 de maio de 1946.
P1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não, só o que me contaram e que... Nada.
P1 - Nadinha? Você nasceu de parteira?
R - Foi. Normal em casa.
P1 - Em casa? E deu tudo certo?
R – Graças a Deus!
P1 – E vocês são em quantos filhos? Você tem quantos irmãos?
R2- Nos eramos 9, agora tem só 5 mulheres e 1 homem. 6 agora.
P1 – E você tá para as mais velhas ou as mais novas?
R – Eu sou da mais novas. Não, porque eu sou das mais novas. E ela é mais velha do que eu. Eu sei que eu pareço mas velha do que ela, mas…
P1 – E tem a história, você conhece a história do seu nome? Por que você se chama Maria Helena?
R – É porque a minha mãe era Helena, aí meu pai achou de botar meu nome Maria Helena. Entendeu?
P1 – Ele que decidiu.
R – Ele que decidiu meu nome. Helena.
P1 – E como que era a sua mãe? O jeito dela?
R – Minha mãe era braba. Era amiga. Mas na disciplina ela era muito séria.
P1 – Brava?
R - Era.
P1 - O que ela fazia?
R - Ah, qualquer coisa que menino errasse, ela coro! Agora meu pai era mais de falar. Da conselho.
P1 - E que conselho que ele já deu pra você que você lembra bastante?
R - Ah, meu Deus. Aí, só no olhar, quando a gente estava fazendo alguma coisa. Só no olhar a gente sabia que ele não...
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Entrevista de Maria Helena Alves Mendes
Entrevistado por Luiza Gallo e Ane Alves
São Luís, 05/09/2025 (Ilha do Medo)
Entrevista nº: VLI_HV020
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1 – Primeiro, eu quero agradecer de mais por vocês estar nos recebendo aqui, na casa de vocês, nesse lugar tão especial. E queria que você começasse se apresentando, dizendo o seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Meu nome é Maria Helena Alves Mendes.
P1 - Você nasceu aonde?
R - Eu nasci em Cajapió, na Baixada Maranhense.
P1 - E que dia?
R - No dia 6 de maio de 1946.
P1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não, só o que me contaram e que... Nada.
P1 - Nadinha? Você nasceu de parteira?
R - Foi. Normal em casa.
P1 - Em casa? E deu tudo certo?
R – Graças a Deus!
P1 – E vocês são em quantos filhos? Você tem quantos irmãos?
R2- Nos eramos 9, agora tem só 5 mulheres e 1 homem. 6 agora.
P1 – E você tá para as mais velhas ou as mais novas?
R – Eu sou da mais novas. Não, porque eu sou das mais novas. E ela é mais velha do que eu. Eu sei que eu pareço mas velha do que ela, mas…
P1 – E tem a história, você conhece a história do seu nome? Por que você se chama Maria Helena?
R – É porque a minha mãe era Helena, aí meu pai achou de botar meu nome Maria Helena. Entendeu?
P1 – Ele que decidiu.
R – Ele que decidiu meu nome. Helena.
P1 – E como que era a sua mãe? O jeito dela?
R – Minha mãe era braba. Era amiga. Mas na disciplina ela era muito séria.
P1 – Brava?
R - Era.
P1 - O que ela fazia?
R - Ah, qualquer coisa que menino errasse, ela coro! Agora meu pai era mais de falar. Da conselho.
P1 - E que conselho que ele já deu pra você que você lembra bastante?
R - Ah, meu Deus. Aí, só no olhar, quando a gente estava fazendo alguma coisa. Só no olhar a gente sabia que ele não gostava. A mamãe era mais de falar de bater.
P1 - E quais eram os principais costumes da sua família? Vocês tinham uma comida que vocês sempre faziam? Ou aniversário? Natal?
R - Nós éramos de uma família humilde, viu? Meu pai era pescador. Minha mãe, o serviço dela era ajudar, assim, em casa. Às vezes, ela lavava pra fora, pra ajudar na alimentação. Mas era doméstica, minha mãe. Nunca teve profissão, assim fora. Era mais de ajudar. Meu pai era pescador. A gente comia peixe, caranguejo, o que viesse. Camarão, o que viesse, a gente comia.
P1 - O que você preferia comer?
R - O que tivesse na frente.
P1 - E seu pai ficava bastante tempo fora, assim, pescando?
R - Às vezes, ele demorava, às vezes, passava uma semana fora e vinha. Às vezes não.
P1 - E aí, quando ele chegava, como que era?
R - Ah, era fartura, chegava em casa. Ele ia vender o peixe, aí comprava o resto das coisas que faltava. Assim que era.
P1 - E vocês trabalhavam, lavravam?
R - Não, não. Não tinha lavoura, não. Pescador. Pesca.
P1 - E aí, como que era a vida com a sua mãe dentro de casa?
R - Ah, minha mãe botava a gente pra estudar. “Acordar cedo, vai pro colégio.” Ela era boa nisso, assim. Acordar a gente cedo, se arrumar e ir pro colégio.
P1 - Desde pequenininha?
R - Desde pequenininha. Porque nesse tempo as crianças entravam no colégio mais tarde. Eu me lembrei que eu estava com sete anos quando eu fui, comecei. Agora que eles já botam pequenininho, mas naquele tempo…
P1 - E o que você lembra da sua casa?
R - Lá no interior? Uma casa de taipa, era humilde, graças a Deus. Mas nós éramos felizes. Graças a Deus. Tinha nosso alimento. Esforçado, nunca andou com atrapalhada com nada. Graças a Deus! Era um homem honesto.
P1 - E vocês aprontavam dentro de casa? Vocês brincavam?
R - Brincadeira de criança.
P1 - O que vocês faziam?
R - As casinhas que a gente fazia. Fazia boneca de pano mesmo. Ia indo…
P1 - E vocês que faziam?
R - Era! Nós fazíamos bonequinhas de pano para a gente brincar, a roupinha para as bonecas… Foi lindo, eu apanhei! Eu vou contar também que tu apanhou. Uma vez a gente estava se armando para ir pro colégio, eu, ela e outro, meu irmão Zé dos Reis, ele é mais novo. Aí, ele puxou o cinto, arrebentou. Aí, eu garrei a agulha de mamãe e fui costurar. O cinto... A agulha quebrou. E essa ai já estava zangada comigo. “Eu vou dizer pra mamãe que tu quebrou a agulha dela.” Aí, tinha uma vizinha lá conversando com a mamãe. E ela disse. Quando a vizinha foi embora, a mamãe agarrou um cinto. “Olha, eu não gosto de estar conversando e criança se meter.” Aí, nós fomos rir, que ela apanhou. Aí, ela disse: mamãe, eles estão rindo que a senhora me bateu. Mamãe entrou no quarto, ó, taca em mim. O outro pulou a janela, não apanhou. Só eu que apanhei.
P1 - Porque tava rindo?
R - Rindo que ela apanhou. Porque ela foi dizer que eu quebrei a agulha dela. Como ela tava zangada comigo, pra se vingar, ela foi dizer. Como tinha uma vizinha conversando, mamãe não disse nadinha. Quando a vizinha saiu, mamãe deu umas tacadas nela. “Olha, eu não gosto de eu estar conversando e criança se meter no meio.” Aí, eu e Zé dos Reis começamos a rir, que ela foi dizer. E na hora, mamãe entrou com taca no quarto, e Zé dos Reis pulou a janela e eu que apanhei.
P1 - Tem outras histórias de infância pequenininha, que você se lembra?
P1 - E o que vocês ouviam? Que música que era?
R2 - Baião, que nessa época era baião. Valsa.
P1 - Vocês lembram da letra?
R - Não.
P1 - E na escola? O que você se lembra? Teve algum professor marcante?
R - Teve dona Maria, ela é uma pessoa muito boa. A mulher de... Francisquinho? Tu não estudou com ela? Tinha a Dona Maria Serra. Tinha Dona Maria... E tinha essa que foi a minha última professora, Dona Maria Cerejo. Ela era uma pessoa muito boa, aconselhava. Na época, que nós viemos, que meu pai inventou de vim. Ela me aconselhou pra mim não parar os estudos, continuar. Só que no nosso pensamento, nos vinha pro São Francisco. Aí, meu pai fez a casa aqui, e nós ficamos aqui. Entendeu?
P1 - E aqui não tinha escola?
R - Não, não tinha escola.
P1 - Então vocês saíram de Cajapió e vieram pra cá?
R - Pra cá.
P1 - Como foi essa história?
R - Meu irmão, deu um terreno para o meu pai no São Francisco, no tempo que começou o São Francisco ali embaixo, ali, a invasão que teve. Aí, meu pai veio aqui. E disse pra ele, como nós já estávamos crescendo, pra vir, pra botar os filhos pra estudar. Aí, meu pai chegou e disse pra minha mãe, combinaram tudo. Ele veio na frente, fazer a casa no São Francisco. Só que ele ia tirar madeira aqui na ilha e ia fazer no São Francisco. Mas meu pai já conhecia o pessoal daqui, que morava aqui, o meu sogro. Só tinha uma casa. E papai, solteiro, papai morou aqui. Quando essa família chegou lá, meu pai estava aqui, que ele morava com um senhor, que vivia sozinho aqui. A família dele arrumou papai por lá para acompanhar o senhor aqui na ilha. Que os filhos dele eram tudo pequenos, estudavam, não dava pra vir. Aí, papai morou com ele. Aí, minha avó, nessa época, também estava aqui. Minha avó morava aqui, só que não tinha nada a ver. Não tinha nada a ver com meu pai. Vinheram se conhecer aqui na ilha. Meu pai nem conhecia a minha mãe e tal. Depois que foram se conhecer. A minha avó morava aqui.
P1 - A avó materna?
R - A avó materna. A mãe de nossa mãe. Aí, quando chegou... Aí, ela morava aqui. A minha bisavó morava em Cajapió. Como era só uma filha, a minha bisavó adoeceu, ela teve que ir pra lá. Por isso que ela foi daqui da ilha. Aí, quando ela morava aqui na ilha, o marido dela era mestre de barco. Aí, teve um acidente com o barco dele aí, pra ir pro mar. Aí, ela fez uma promessa pra São Sebastião, se não acontecesse nada com os tripulantes do barco, ela levantava o mastro de São Sebastião. Aí, que ela levantou o primeiro mastro aqui.
P1 - Que ano que foi?
R - Ah, não sei não. Nesse tempo papai nem morava com mamãe ainda. Aí, ela fez a promessa, fez um ano aqui na Ilha do Medo. Aí, que ela foi embora, que a mãe dela adoeceu lá, ela teve que ir, e foi. Começou a fazer a festa lá em Cajapió.
P1 - Ela levou a festa para lá?
R - Levou. Daqui levou para Cajapió.
P1 - E como era essa festa?
R - Ah, era animada. Eles levantavam o mastro de São Sebastião. Aí, tinha as rezas, nove noites de reza. Começava dia 11 e terminava dia 20 de janeiro. São Sebastião.
P1 - E aí, então, seu pai veio pra cá e foi aqui que ele conheceu sua mãe?
R - Não, depois se conheceram.
P1 - Como foi essa história?
R - Quando o papai morou aqui, ele não conhecia a minha mãe, minha mãe era casada. Separou do marido e deixou quatro filhos. Aí, depois que ele se conheceram lá para São Luís. Que eles se conheceram. Ele foi conhecer mamãe para lá, não foi aqui não. Ela estava separada, aí se juntaram.
P1 - E aí, vocês nasceram onde?
R - Cajapió. Aí, eles foram embora para Cajapió.
P1 - Voltaram?
R - Voltaram. Aí, nós nascemos lá. Mamãe teve seis filhos com ele. Com quatro que ela já tinha, fez nove, não foi? Dez. A mais velha de meu pai morreu, aí ficou nove.
P1 - Ainda pequenininha.
R - Morreu pequenininha.
P1 - E aí, vocês foram crescendo um pouco lá em Cajapió?
R - Lá em Cajapió. Quando nós viemos de lá, eu tava com 14, essa aqui com 15. O meu irmão mais novo com 12, por aí.
P1 - E o que vocês gostavam de fazer lá em Cajapió?
R - Ah, lá era melhor. Estudava. Minha mãe botava a gente para aprender a bordar. Era! Aí, quando chegamos aqui, parou tudo.
P1 - Como foi essa vinda pra cá? Seu pai falou, ó, a gente vai lá pra Ilha do Medo?
R - Aí, meu pai chegou… O pessoal dizia pra minha mãe: o Benedito tá fazendo a casa na Ilha do Medo. Minha mãe não acreditava. Ele saiu daqui pra fazer no São Francisco. Por que ele está fazendo na Ilha do Medo? Aí, ele foi… Quando ele fez a casa, ele foi lá dá a notícia pra ela. “Eu fiz a casa lá na ilha porque lá é muito farto de peixe.” Aqui é muito peixe mesmo. Pode criar galinha. Bom pra criar galinha.
P2 - Mas sua mãe gostou de vir pra cá?
R - Gostou. Que o jeito era ela gostar. Aí, depois a gente faz a casa do São Francisco. Foi o combinado. Depois a gente faz a casa no São Francisco. Aí nunca fez. Ficamos aqui. Eu me casei aqui, aos 16 anos, ainda ia completar 17. Me casei com o filho do Seu Davi, que já morava aqui.
P2 – E o casamento foi aqui na Ilha do Medo mesmo?
R - Não. Foi em São Luís. Aí, meu irmão mais velho, o Nunato, que tá até aí na foto. Foi morar com a filha do seu Davi, Antônia. A caçula dele, meu irmão foi morar com ela. Aí, ficamos essa família aqui, misturada aí.
P2 - Todo mundo que tá aqui ou é da família do seu Davi ou da família do seu pai? São 2 famílias que…
R - É. Agora já tem gente de lá que não é mais dessa família. Já tem casa lá que não é… Mas era Alves e Mendes. Alves do lado daqui.
P1 - E eu queria te perguntar, como foi a sua primeira impressão chegando aqui?
R - Ah, logo no começo eu fiquei assim, eu não gostava. Eu não gostava. Meu irmão, Nonato, chorava pra voltar. Porque aqui não tinha nada para um jovem. Não tinha nada para um jovem. Andar por detrás da ilha, isso aí que é... Aí, eu fiquei muito triste, mas depois eu fui me acostumando. Com o passar do tempo apareceu logo esse namorado. Elas foram para São Luís. Ela foi pra São Luís e eu fiquei aqui. Disse que pra ajudar a mamãe, pra mamãe não ficar só. Não adiantou.
P1 - Quando você casou, você começou a construir uma outra casa?
R - Ah, tinha uma casinha bem ali. Meu marido fez uma casa ali. Do lado de mamãe, era do lado daqui. A casinha ali.
P1 - E como era a vida, assim, vocês saíam para pescar?
R - É, pescar. Quando nós não tínhamos filhos, eu ia pescar com ele. Nós ia pescar.
P1 - Com quem você aprendeu a pescar?
R - Com meu marido. Que meu pai era pescador, mas lá era longe, era de canoa, de barco. Aí, eu era criança, estudava, não ia. Aqui na ilha que eu fui aprender.
P2 - Conta um pouquinho, dona Maria Helena, como que era a vida aqui? Como que vocês faziam com a água, à noite, quando escurecia?
R - Era lamparina. A água, quando nós chegamos aqui, a água era só esse poço que tinha. Tem um poço ali, só ele que tinha. Menina, dava febre, todo mundo, diarréia, febre, no inverno. Aí, meu pai pensou, “essa água que tá fazendo mal.” Saiu andando aí atrás de água, quando chegou, achou uma fonte lá atrás da ilha. Aí, ele trouxe água limpinha, água que vinha do fundo da terra. Aí, meu pai disse: olha, eu trouxe uma água melhor. A gente ia pegar lá. Mas depois, ele andando, nessa ponta bem aqui, viu uma água correndo, que ele pegou o facão, entrou. Olha, era uma corrente de água aí, muito boa, bem nas pedras. A água vem do fundo da terra. Mas nesse tempo, era alto… Não era assim, porque a maré foi derrubando, derrubando, derrubando. Mas era alto, a barreira. Aí, meu pai botou uma calha e botou a gente para apara a água limpinha. Mas a maré que derrubou. A água não vinha da chuva de cima, vinha do rochedo, dentro da pedra. Aí, dai encheu para todo mundo, que tinha uma água melhor.
P2 - E ainda tem essa fonte?
R - Tem a fonte lá. Mas só que não é mais como era. A maré derrubou tudo.
P1 - Ainda hoje você bebe dessa água?
R - É de lá. Quando a maré é grande, esbandalha tudo. Aí, quando a maré firma de quarto, a gente vai arrumar e aparar. A água de beber e de lá.
P1 - Isso desde sempre? Desde menina?
R - É, desde menina. Desde quando meu pai descobriu essa água, ninguém foi procurar água para outro lado, enche ali. Botaram logo o nome de bica. “Vamos encher de água na bica.” E assim que é.
P1 - E era a lamparina?
R - Aqui à noite era lamparina.
P1 - E hoje?
R - Hoje eu tô sem placa. Eu tenho até uma placa solar. Tá ali. Mas minha bateria pifou. Aí, nós estamos se arrumando para comprar outra bateria, para funcionar. Hoje é na bateria. As casas tudo tem placa solar.
P1 - E vocês, como era a rotina de vocês? Vocês dormiam cedo, acordavam cedo?
R - Era, não tinha nada. Não tinha televisão. Me casei e me danei para fazer filho. Que eu tive onze filhos. Eu nova, meu marido com 30 anos. Ele era mais velho que eu.
P1 - E aí, logo que vocês foram morar juntos, você engravidou?
R - Engravidei. Aí, me casei. Porque aprontei primeiro. Minha mãe, “só entra aqui se casar!” Disse pra ele. E ele foi resolver tudo. Ele era analfabeto. Mas pra casar ele resolveu tudo. Tinha uns amigos aí que eram juízes, aí fez o nosso casamento.
P2 - E teve festa no casamento?
R - Aqui na ilha, nós viemos pra cá, e era tambor de lata, e era não sei o que. Era uma dança.
P1 - Foi dia de festa.
R - Foi festa. E tinha um cantor aí, que era cunhado de meu marido. Era um tambor de lata. Meu irmão, esse Nonato, tinha um banjo. Ah, tocava no banjo e dançava.
P1 - Todo mundo dançando?
R - Era.
R2 - Foi uma festa, só eu perdi essa festa
P1 - Você não tava?
R - Ela só veio…
R2 – Eu? Sabe o que aconteceu nesse dia? Minha imagem não tá aparecendo, só a dela. Deixa eu te dizer, nesse dia, ela disse que ia pro cartório, pro tribunal, casar. Aí, eu agarrei e fui pro tribunal eleitoral. Fiquei a tarde todinha lá esperando. A tarde todinha lá esperando, não apareceram. Aí, eu voltei pra casa. Porque de lá a gente vinha pra cá pegar o barco lá e vim se embora pra cá, pra participar da festa. Aí, como eu perdi, perdi eles, não sabia mais por onde eles estavam. Aí, eu perdi o casamento. Não vim pra cá.
R – Mas mei casamento foi na... Não tem a praça Dom Pedro II. O cartório era ali, na praça do Dom Pedro II. Era cartório do Belo. Era aí que eu me casei.
P1 - E você estava animada? Estava feliz?
R - E com medo de chegar perto da minha mãe, que ela estava brava.
P1 - Por quê?
R - É, a mamãe estava brava e disse pra ele, “ó, ela só entra aqui se for casada. Se não casar, ela não entra.” Aí ele providenciou.
P1 - E como foi ficar grávida?
R - Foi fácil!
P1 - Não deu nenhum problema?
R - Não.
P1 - Você podia fazer tudo?
R - Era. Não tive pré-natal. Não fiz.
P2 - E pescava, grávida?
R – Ora, não! Pescava.
P1 - Então você começou a pescar com o seu marido?
R - Foi com o meu marido.
P1 - Qual que é o nome dele?
R - Era Pedro Treofilo Mendes.
P1 - E como você aprendeu? Como que vocês iam pescar? O que você gostava de pescar?
R - Olha, nesse tempo a gente não tinha... Botava rede malhadeira e deixava a maré vazar. Botava de maré seca, a maré enchia, quando a maré vazava, a gente ia tirar o peixe. Assim que era. Até hoje é assim. Mas nesse tempo era fartura. Que eu digo, era fartura mesmo.
P1 - Tinha o quê?
R - De peixe? Tinha gurijuba, guiratinga, pescada, camurinha. E todo tipo de peixe.
P1 - Mas aqui vocês pescavam e consumiam ou vocês vendiam?
R - Ele vendia. Ele ia vender pra comprar o resto das coisas que faltavam.
P1 - E aí assim que vocês pescavam, vocês tinham que preparar o peixe pra vender?
R - Era. Limpava o peixe e levava.
P1 - Ele que fazia isso?
R – Era.
Você não se envolvia?
R - Não, ele que limpava e levava pra vender
P1 - E você falou que seu pai pescava em alto mar, né?
R - Era, lá no interior.
P1 - Ele contava umas histórias de pescador, assim?
R - Não, não, não. Quando ele veio pra cá... Ele sabia a hora do peixe, acredita?
P1 - Como?
R - Ele dizia pra minha mãe, “faz o arroz aí que eu vou buscar o peixe.” Por causa da maré. Sabia o ponto do peixe. Esses aqui sabem, esse meu filho sabe. O Davi, o Duda, sabem a hora e onde tem o peixe. A hora que o peixe chega...
P1- Seu filho sabe?
R - Sabe. Vão na hora. Não vão ficar aí doido pescando. Sabe na hora. Meu marido também sabia. Ele tinha uma pescaria de peixe pedra aqui, ele só ia na hora.
P1 - Não ficava o dia inteiro?
R - Não, só ia na hora. Pra almoçar, ele só ia na hora aí. Aí, epois ele começou a ter canoa. Logo no começo não tinha canoa. Depois ele começou a ter canoa, aí ele ia pescar por fora.
P1 - Por que foi pescar lá fora?
R - Porque era certo, todo mundo que tinha canoa pescar lá fora. Pescava de linha.
P1 - Eram outros peixes que pescavam.
R – Outro peixe, é.
P2 - E como ele conseguiu a primeira canoa?
P1 - Ele que fez?
R - Não. Ele fez uma canoinha aí. Mas... Não, a primeira canoa que ele teve… Eu estava parida da primeira filha, e ele foi, alugou uma canoa lá no Boqueirão ali, do outro lado. E ele ia pro Bacanga passar tijolo. Dali do Bacanga pro Desterro, passar tijolo. Ele ia na semana e vinha no final de semana. Aí, nessa ida dele pra lá, um dia eu tava em casa, aí chegou uns homens lá em casa e me chamando assim, de madrugada. Aí, disseram, porque veio. Nesse tempo, quando o navio descarregava aí, vinha era nuns rebocador, que ia arrastando aquele rebocador cheio de material. Aí, o negócio que eles deixaram aí, Alvarenga, que eles chamavam, rebentou, daí foi parar lá atrás da ilha. Aí, que os homens quando desceram, que foram procurar a família, gente. Aí, vieram por aqui, beirando pela praia, a primeira casa que encontraram, nós morávamos ali. Aí, ele me chamou e disse… Aí, meu marido não estava. Aí, eles ficaram, botaram a encerada na sala e dormiram. Aí, quando foi de manhã… Foi num fim de semana já isso aí. Quando foi, meu marido chegou, aí pronto, começou a trabalhar com eles. Aí, comprou a primeira canoa. Essa canoa que ele estava alugada, ele comprou. Aí, a primeira canoa foi assim.
P2 - Dona Maria Helena, e como foi ter o primeiro filho, foi na ilha? Quem ajudou a Senhora?
R – Foi! Foi difícil. Quase que eu morro de parto.
P1 - Como?
R - Me deu dor, eu me soquei dentro de uma rede. Aí, minha mãe lá em casa. “Sai da rede mulher!” E minha mãe era toda nervosa. Aí, nada, passou a hora da criança nascer, e nada. Aí, meu marido não tava. Aí, quando ele chegou de noitinha, que foram buscar uma parteira no Boqueirão, aí na hora a parteira não deu conta. Aí, “é o jeito levar ela!” Que ela disse assim: eu não dou conta. E o jeito é levar ela. Senhora, me botaram no barco aí… Foi dia 20 de agosto. Era maresia. Nesse tempo a maresia era boa aí, que não tinha esses… Nós deixamos aqui debaixo de bateção de água, chega a Maresia cobria a canoa de água. Aí, quando chegou lá embaixo, a criança nasceu. Perto da guia.
P2 - Dentro da canoa?
R - Dentro da canoa. Só que ela estava morta. Porque mamãe, não tinha... Mamãe… Olha, no interior, que aí mamãe não tinha intimidade nenhuma em São Luís. Eu digo, essa aqui já estava mais acostumada. “Vamos embora, Socorro! Vamos embora, para tu resolver qualquer coisa lá.” Aí, nós viemos. Depois que eu tive a criança, a gente voltou.
P1 - Já voltou?
R - Nasceu. Voltamos.
P1 - E como foi esse momento para você?
R - Ai, senhora, eu já estava querendo que nego me largasse de mão. Me largue de mão. Que me viravam de cabeça pra baixo, fazia o diabo. Não deu certo. Que a parteira mandava. Aí, quando chegou na canoa, botaram na canoa, eu tive a criança. Voltou. Aí, ela disse assim… Pediu permissão, se dava pra ela puxar. Ela puxou e saiu.
P1 - Depois?
R - Ah, fiquei muito doente.
P1 - E como você se recuperou?
R - Ah, tomando remédio, aqui e acolá. Chá do mato que a parteira ensinou.
P1 - Não pode puxar a placenta?
R - Não! Mas ela teve que puxar. Se não puxasse, ia morrer. Aí, ela conversou com minha mãe e com meu marido. Se eu puxar… Ela puxou, passou coisa na mão e puxou.
P1 - E que remédio caseiro você tomava, você lembra?
R - Casca de caju. É remédio de farmácia.
P2 - Mas sem passar no médico? Como que a Senhora conseguiu o remédio?
R - Sem passar no médico. Nada. Farmacêutico.
P1 - E aí, como que seguiu a vida?
R - Seguiu. Quando eu fiquei boa. No outro ano tive um. Foi.
P1 - E aí, na hora de nascer o outro filho?
R - Foi rápido.
P1 - Mas você tinha medo?
R - Eu tinha. Aí, a outra menina foi rápido. Foi, Ana nasceu e Pedro. Tive 2 filhos que nasceram aqui, depois disso.
P1 - E de parteira?
R - De parteira. Aí, eu tive duas meninas gêmeas. Quando eu estava grávida, aí passou uma senhora aqui, que um barco bateu ali, aí o pessoal vieram tudo pra terra. Vieram para a casa da minha mãe. Aí, de tarde eu vim, ela me olhou buchudona, ela disse assim: minha filha, tu não quer pra mim reparar tua barriga? E eu só tava pensando em ir reparar a barriga, que tinha uma senhora que era… Conhecia essa aqui. A Domingas que era lá… Que Domingas levava a gente. De Alcântara. A minha cunhada levava a gente, pra olhar, reparar a barriga da gente. Eu estava só pensando em levar. Que o filho mexia pra cá, mexia pra cá, mexia pra cá.
P2 – O que é reparar a barriga?
R - Pra reparar a barriga, como a criança tava. Que posição a criança tava. Aí, mexia pra cá, tinha hora que dava nó pra cá, nó pra cá. Mas eu nunca imaginava que era dois. Aí, ela olhou… E também, pra mim, ela não me disse nada. Ela foi dormir na minha casa. Ela era uma parteira de Alcântara. Aí, ela disse assim: quando tu tiver perto de ter neném, tu não fica aqui, viu? “Tá bom!” Aí, disse pra minha mãe não me deixar aqui, mais papai, não me deixar aqui, me levar. Aí, quando foi… Eu tive elas em novembro, 24 de novembro. No dia 12 de novembro… E meu pai brigando com o meu marido, “tu vai levar essa mulher daqui. Tu vai levar essa mulher daqui.” Quando foi dia 12 de novembro, nós fomos lá para o Bairro de Fátima, lá que eu fiquei. Para casa de outra irmão. Aí, de lá, quando foi no dia 24, eu tive, as duas minhas.
P1 - E nasceram bem?
R - Nasceram. Só que uma era mais fraquinha, a outra era mais...
P1 - Mas foi nesse dia, no dia do nascimento, que você descobriu que eram duas?
R - Foi. Aí eu tive a primeira. A parteira: ainda tem mais outra. Aí, ela tirou a outra. Saiu a outra.
P1 - E foi uma surpresa? Como você se sentiu?
R - Foi uma surpresa pra mim. E na família do meu marido, tinha muitos que tinham gêmeos. E eu tinha uma tia que teve dois meninos gêmeos também. Aí, estava ligado nas duas famílias.
P1 - E foram as únicas gêmeas que a senhora teve?
R – Foi. Ah, daí quando eu engravidava, eu só pensava em ser dois. Mas não foi mais, só essas duas mesmo. Duas meninas.
P1 - Essas foram foi sua segunda gravidez?
R - A terceira.
P1 - E depois?
R - Aí, depois, eu fiquei grávida, tive outro. Depois das duas gêmeas, era César. Aí, depois de César, tive Elisângela. Depois de Elisângela, tive esse aí, Wellington. Aí de Wellington, ainda demorou. Aí, eu tive a outra, por nome de Adailma. Aí, Adailma estava com uns quatro anos. Eu pensava que eu não ia mais ter filhos. Aí, quando foi lá, eu engravidei do Davi. Ah, foi uma gravidez também muito polêmica. Eu ficava, assim… Chegava de noite, era uma agonia. Era uma agonia assim. Eu digo, aí, dessa eu tenho que correr pra ligar. Porque quando eu estava grávida desse menino... Não, eu já tinha tido esse menino, Wellington. Aí, veio um médico aqui, na ilha. Me perguntou se eu não queria ligar. Viu a nossa situação. Se eu não queria ligar. Mas eu tinha medo. Mas quem fazia medo? “Ah, a mulher que liga fica doente e tal.” Eu tinha medo.
Aí, ele disse, assim... Eu disse que não, que eu tinha medo. “Ah, vocês gostam é parir!” Aí, depois dele, eu ainda tive Adailma. Mas de Davi, não teve jeito. Eu corri para fazer o pré-natal. Aí, fiz tudo, pra fazer pré-natal, lá no centro de saúde, só que não deu certo. Aí, a minha irmã trabalhava no... Conheci uma médica, que era lá do Materno Marly Sarney. Aí, ela contou pra mulher lá, que ela era diretora lá no Marly Sarney. Aí, ela mandou eu ir pra lá, e me ligaram. Aí, eu tive o Davi, no outro dia me ligaram. Eu ainda ia ter mais filho, que eu tava com 36 anos. Não era? Era…
P1 - Ou seja...
P2 - Foram quantos?
R - Onze. Onze com a que morreu. A primeira.
R - Cozinhava na lenha, fazia carvão pra vender, pra se comprar o alimento da gente.
P1 - Como que é?
R - Fazia carvão de coco, de madeira, pra vender, pra comprar o alimento. Porque o peixe tinha aqui. Aí, se a gente quisesse remédio, café, açúcar, farinha, tinha que vim de lá. A gente fazia, me juntava com ele, nós fazia. Com os filhos, fazia e...
P2 – Aí, além de vender o peixe, vocês vendiam esses outros produtos?
R - Era. Carvão de coco, carvão de madeira.
P1 - E lá vocês traziam o que mais de comida?
R - Era o arroz, a farinha, o leite, café, açúcar.
P1 - O resto tudo daqui?
R - É tudo daqui. Ele fez um bananal lá pra trás, com um amigo que apareceu aí. Rra muita banana.
P1 - Era?
R - Era.
P1 - Que outras frutas que tem aqui?
R - É caju. Mais é caju.
P1 - Mais caju?
R - Tinha dois pés de manga ali. Pra ali.
P2 - E vocês faziam a castanha também?
R - Não, só pra comer na hora. Assar pra comer na hora.
P2 - Mas não pra vender?
R - Não, só pra comer na hora.
P1 - E a gente tava falando dos seus filhos, como foi criar eles aqui?
R - Aí, eles ficaram aqui. Aí, a minha mãe… Meu pai morreu. A minha mãe... Aí, meu cunhado veio aqui, combinou pra levar a minha filha mais velha para estudar. Ela estava com seis anos, por aí, cinco ou seis anos. Tudo combinado pra ela ir pra casa da minha irmã. Foi na época que meu pai morreu. A minha mãe foi pra lá. A minha mãe foi, levaram a minha mãe pra lá. E minha filha foi, minha mãe achou de tomar conta da menina. Aí, morava na casa da minha irmã com a menina. Aí, elas ficaram pra lá. Para estudar foi assim, pelas casas das minhas irmãs.
P1 - Seu pai morreu aqui?
R - Não, em São Luís. Lá no Dutra. Foi no Dutra que ele morreu?
P1 - No hospital?
R – Foi! Meu marido também morreu no Dutra.
P1 - E aí, como que foi, os seus filhos aprenderam a pescar cedinho?
R - Foi, a pescar cedinho.
P1 - Menino?
R - Iam com ele pescar. Aí, depois, essa aí foi para estudar. Aí, fiquei com os outros aqui. Depois, veio minha sobrinha, achou de levar, combinou pra levar. As duas gêmeas foram com ela daqui. Uma para morar com minha sobrinha e outra para morar com meu sobrinho. Para ficar com os meninos, para poder estudar. Com as crianças. Assim que foi. Elas estavam com nove anos, quando elas foram. Aí, depois, a outra foi pra lá. Ficou com o Cláudia, levou Eli pra estudar. Ela já tava também com nove anos, quando ela foi daqui. Aí, foi assim. Aí, a mais nova também foi pra casa da tia dela aqui na Vila Embratel. Ela e outro menino ficaram por aí, na Vila Embratel. Aí, depois… Esse aí nunca quis ir. “Eu não vou largar você sozinha.” Assim que ele dizia. “Vai Davi, pra estudar pra lá.” Eu não vou largar vocês só. Aí, sempre ficou por aqui com a gente. Aí, depois que meu marido morreu, que eu levei ele, para arrumar um colégio para botar ele. Ele não ficou. Ficava e saía, ficava e saía. Eu até entrei no colégio, voltei a estudar, para ver se ele ficava. Com esse negócio de vir para a ilha, hoje eu me arrependo de ter feito isso. De vir para a ilha. Que tinha os bichos aqui, os animais aqui. Aí, eu larguei o colégio. A minha vizinha, era mais atrasada do que eu, estudou, foi ser segurança não sei de onde. E eu parei.
P2 - Que animais que tinham aqui?
R - Era os bois. O porco e os bois.
P2 - E como que foi pra ter esses animais? Como chegaram? Vocês trouxeram esses bois, esses porcos pra cá?
R - A vaca meu marido achou na praia, uma bezerrinha aí.
P1 - Conta essa história pra gente. Como que foi?
R - Ele foi na praia pescar, quando veio de lá, dizendo, que tinha um... Achou pisada de boi. Aí, ficou. Nós tínha um cercado ali perto do poço. Olha, ela só vinha de noite, comia tudinho e não se via ela. Só o rastro. Aí, quando foi um dia… Ela passava, vinha aí pro lado do poço. Eu sei que ele começou... Onde ela passava mais, ele botava o laço. Quando foi um dia ela apareceu presa por aqui assim. Amanheceu presa. Braba! Aí, tinha barco aí, muito barco aí… Hoje que não encosta, mas antigamente encostava aqui. O pessoal vinha tirar caranguejo e ficava aqui. Daí eles depois iam pra São Luís. Aí amanhecia cheio de barco aí. Ele foi pedir pro pessoal ajudar ele a prender a vaca. Aí, eles ajudaram ele, botaram, laçaram ela, tiraram ela de lá, curaram, que ela estava com uma bicheira na rabada dela. Aí, curaram. Ela ficou amarrada nesse pau aí, ó. Ele botou um... Botaram um laço folgado, que ela rolava pra onde queria. E tinha uma corda pra ele puxar, pra ela ficar pendurada, pra poder botar água e botar comida. Assim que foi. Que ela era muito braba. Ela ficou lá um tempão amarrada. Aí, depois, que ela tava… “Ah, a vaca tá buchuda! Tu tem que soltar essa vaca.” Aí, ele soltou a vaca. Quando ela pariu, a vaca apareceu bem aí, nesses capins altinhos de jenipapo. Os capins eram altos, ela estava lá comendo com a filhinha dela. “Aí, a vaca tava parida.” Lá, ele foi reparar onde ela andava pra poder botar o laço. Ele agarrou ela foi no laço. Aí, botou o laço e tornou agarrar ela pra ali. Aí chamou gente e ajudaram a trazer ela pra cá, com a filhinha dela. Aí, nós morava pra ali, levou ela pra lá, botava ela lá. Aí, deixava a bezerrinha presa, ela vinha. Aí, botou um chocalho nela. Rapaz, quando essa vaca vinha. Ela saía pra comer, quando ela vinha, parecia uma louca... tá tá tá. Eu trepava os meninos tudinho, que ela era muito braba! Só que foi indo, foi indo, ela acostumou com ele. Aí, começou ele a tirar leite. Foi no tempo que a Dailma nasceu. Elas tomaram muito leite de vaca, ela e esse Davi. Foi no tempo que eles nasceram. Tinha vaca parida aí. Aí, melhorou pra eles.
P1 - Mas então você já pensou em sair da ilha?
R - Eu tinha vontade de ir. Mas ele não queria. “Eu não vou sair do céu pra ir pro inferno. Eu saio daqui por morte.” Ele até pedia pra enterrar ele aí por dentro dos matos. Eu dizia: eu não sou doida de fazer isso, porque... Eu vou te enterrar aí pelo mato, nego ainda vai dizer que eu te matei. Aí, ele chamou um amigo da gente. “Seu João, como tem que fazer pra me enterrar aqui?” Ele disse: você tem que ir no cartório e pedir pra você ser enterrado aqui. Deixar escrito. Não deu tempo. Aí, ele adoeceu, ficou internado. Porque ele bebia e fumava muito. Aí, ele ficou internado e morreu lá no Dutra. Quando nós saímos daqui, ele já estava sem jeito de viver. Porque ele era homem assim, que não gostava de ir pra hospital. Era. Ele não gostava de ir para hospital. Aí, só ia no caso muito preciso. Um dia ele adoeceu, aí o amigo da gente veio e levou ele pro Socorrão. Aí, o médico fez o exame nele, disse: Senhor Teófilo, se quiser viver, você tem que parar de beber e fumar. Aí, ele passou só uns tempos sem beber, mas fumava e fumava escondido. Nunca parou de fumar. Aí, quando ele adoeceu, foi. Já estava com o pulmão todo estragado.
P1 - E por que aqui é o céu?
R - Porque ele gostava que aqui era calmo. Ele dizia: eu não vou sair do céu para ir para o inferno. Aí, ele escutava, a gente tinha um rádio, escutava… Nesse bairro que a gente mora, zuado dele, “roubaram não sei o quê, não sei o quê.” Aí, ele: pra esse lugar que tu quer ir? Eu não vou sair daqui.
P1 - Aqui tem sossego?
R - Tem rapaz! Mas nesse tempo era melhor, antigamente, quando nós chegamos aqui. Era melhor, hoje não é mais assim.
P1 - O que mudou?
R - Ah, mudou muita coisa. As casas não eram trancadas, a gente podia sair, deixava tudo. Hoje tem que ficar no cadeado.
P1 - Vocês fecham hoje?
R - Fecho.
P1 - Vem muito barco pra cá?
R - Hoje… Agora não. Vem mais o pessoal daqui mesmo.
P1 - Mas antigamente vinha turista?
R - Vinha, vinha.
P1 - E como que era, assim, pra vocês?
R - Não, olha, hoje tá vindo um pessoal aí. Quando quer vir, contrata com o quadrado. Esse meu filho também, trazia um pessoal. Agora que ele não está trazendo por causa de mim. Trazia e vinha conhecer a ilha, pra fazer pesquisa aí na ilha. Lá por trás da ilha.
P2 - O seu filho que guiava eles?
R - Era, meu filho levava. O pessoal que ele trazia. Quadrado é esse cachorro dele. Chega, ele e vai levar direitinho.
P1 - Ele conhece tudo?
R - O cachorro? Chega a gente aí, ele vai, acompanha, vai embora, direitinho, sair na praia.
P1 - E aqui, tem um lugarzinho muito especial pra senhora?
R - Meu cantinho aqui.
P1 - E quando vêm ou vinham os pescadores, tem alguma história assim, com algum pescador?
R - Não, não. Não sei não. Não tem. Tudo daqui mesmo.
P1 - Tudo daqui? E essa você vai saber me responder. Tem alguma história da travessia de vocês que foi muito difícil?
R - Tem. Quando não tinha aquela ponta lá, o T5… O Boqueirão era falado, que a gente passava caladinho pra não... Maresia. Aí, eu tive um filho que morreu aí nessa travessia. Meu filho, morreu. Eu não gosto nem de puxar isso. Mas ele morreu aí. Saiu na canoa… Ele estava em casa, trabalhando, lá com a mulher dele. Ele morava ali. Aí, lá vem notícia de buscar um primo dele lá no cais.
Aí, foram buscar esse primo. Na hora, ao invés de vir pra casa, foram beber naquela outra praia lá, na praia do lado de lá, na praia do Amor. Quando vieram, já bêbados, ele tinha bebido. A mulher ficava muito brava quando ele bebia. Nem passou em casa, foi pra ali. Aí, a canoa foi ficando fora. E ela foi chamar ele, que a canoa estava ficando fora. Ele, foi sozinho. A minha revolta é que na hora de ir, os outros foram com ele. Então, qual era o deles? Ir junto com ele puxar a canoa… Mas ele foi sozinho. Aí, ele não deu conta. Já tinha bebido, não deu conta de puxar a canoa pra terra. Veio uma trovoada e um vento, levou a canoa. Quando a gente foi ver… Quando eles foram ver, a canoa… Que a trovoada passou, a canoa estava lá do outro lado. Naquela praia de lá, com um pano em cima. Aí, esperaram a canoa nadar, para ir atrás dele, chegou lá não acharam. Aí, foram avisar… Foram perguntar se ele estava lá em casa, não tava. Aí, nessa hora nós viemos pro cais aí, na Ponta da Espera, ficamos. Era canoa. Ele trabalhava numa firma, aí o pessoal da firma vinha deixar alimento pra todo mundo que tava procurando ele aí. Aí, foram achar ele com três dias. Ele já vinha descendo aí no meio da água. Ele subiu e desceu. Aí, eu não vi mais meu filho.
P1 - Faz tempo?
R - Faz. Foi em 2008 que ele morreu. Agosto de 2008. As filhas dele… Ele deixou três filhas, uma tinha seis, a outra tinha oito, a outra tinha onze. Já estão moças.
P1 - Elas moravam aqui?
R - Morava com ele. Mas moravam também na Vila Isabel. Ele morava na Vila Isabel e ele vinha. Aí, as meninas, a mais velha, já tem uma filhinha. A outra é professora. A outra terminou os estudos, faz faculdade na UFMA, de História, a mais nova.
P1 - Então, aqui o mar fica bravo?
R - Fica.
P1 - E aí, para fazer a travessia é difícil?
R - Ele sozinho ainda. Ainda tinha a bebida.
P1 - Mas quando você fez a travessia assim, teve uma vez que você ficou com muito medo já?
R - É, mas a gente vai acostumando. Hoje eu não tenho medo.
P1 - Não tem?
R - Não.
P1 - Independente do mar?
R - É. Não, da aquela coragem que eu fecho o olho e venho embora.
P1 - Por que que diminuiu?
R2 - Aquele trabalho feito ali, ó, amorteceu a força da maré.
P1 - O Porto?
R2 - O porto, amorteceu a Força da Maré. O Boqueirão não está mais como era. Porque o trabalho lá amorteceu a passagem.
R - E acabando com a ilha. Porque ali, desse lado ali, era uma ponta de mato, mas a maré vem tirando. Pessoal com as casas lá na beirada, já estão tudo subindo. Tá vendo?
R2 - Os peixes não vêm mais como era.
P1 - Tudo por conta do porto?
R - É. A água que jogava por aqui, joga é por detrás.
P1 - Então mudou muito a maré?
R - Mudou. Aí, acabou o pedaço da ilha aí. Aí entrou no mangue, aqui era mangue, virou mais areia. Se perdeu muito, o negócio de caranguejo, de pesca, tudo diminuiu.
P1 - E vocês sempre cuidaram daqui, né? A gente foi lendo o documento que vocês criaram. Ah, quer contar desse documento que vocês criaram? Acho que pode ser importante.
R - É, esse documento tem muita coisa boa lá.
P1 - Mas como foi esse momento de escrever essa história e registrar a história?
R - Foi meu sobrinho, chamou nós. “Vocês já estão ficando idosos, vocês têm que fazer uma... Escrever sobre a época que vocês chegaram.” Aí, chamou o Nonato, meu irmão, ele morreu, tá ali a foto dele. Ele já morreu. Tá com uns três anos que o Nonato morreu. Aí, nós fomos lá, e ele se lembrou das coisas, como foi que a gente chegou. Quando nós chegamos aqui, a Marinha chegava pra fazer serviço aí.. Tinha o farol, nesse tempo era o farol. Aí, era uma dificuldade para eles levarem o pessoal que vinha e deixava o acumulador aí, levando. Esse tempo era um ferro, era 100 quilos, 90 quilos, pra botar lá pra cima. Era uma dificuldade. Aí, meu pai, se encarregou de fazer com o meu irmão e meu cunhado. Eles que levavam esses acumuladores lá pra cima. Meu pai limpou o caminho do farol, fez uma estrada aí. Começou assim.
P1 - E o que é esse farol?
R - Era iluminação pra... Era uma base pro navio olhar, se guiar pra vir pro Itaqui. Tinha um farol aqui, tinha um no Itaqui. E tinha um em Alcântara. Por aí eles se guiavam pra vir. Mas depois com a tecnologia, foi mudando. Depois foi vir, foi diminuir, foi bateria. Eles botaram bateria e botaram a boia. Hoje é a boia que tem. Para mostrar onde é o lugar raso para o navio passar até lá fora. Mas nesse tempo era esse negócio aí que eles levavam.
P1 - E a Marinha que vinha?
R - A Marinha vinha. Aí deixava aí. Aí, depois, quando meu pai morreu, meu irmão tomou de conta. Depois meu irmão disse que foi pra lá, pra botar os filhos pra estudar. E o meu marido que ficou. Aí, nós assumimos de levar esses ferros pesados, era eu, ele, as crianças, tudinho, puxar, levar lá pra cima. Ia levando devagar. Eles botavam aí com tempo, viu? Depois a gente ia levando devagar, cada hora a gente puxava. Puxava, deixava. Quando eles chegavão já estava lá, para eles trocarem. Aí, eles trocavam. Aí, a gente trazia os outros de lá e levava e eles botavam lá.
P1 - Ainda existe o farol?
R - Existe. Hoje ele tá... Não tem a foto dele ali?
P1 - Tem.
R - Hoje ele tá caindo. Tá caindo as vasqueiras de ferro por cima. Tá quebrando. Aí, eles foram… Não se usa mais ele, não tá mais ativado o farol. Eles até recomendam pra não deixar a gente passar, com medo de ferro cair.
P1 - E vocês tinham um bom relacionamento com o pessoal da marinha?
R - Ah, tinha. Era muito bom.
P1 - Não tinha problema nenhum?
R - Não.
P2 - Dona Maria Helena, depois que o seu marido faleceu, que a senhora tinha vontade de sair daqui, né?
R - Eu tinha.
P2 - Depois que ele faleceu, a senhora resolveu sair daqui?
R – Aí, eu fui fazer minha casa, na Vila Ariri. Depois que ele morreu, fui fazer minha casa. Aí, eu estava pensando aqui, como eu ia fazer. Pensando em trabalhar, pra fazer essa casa. Chegou uma senhora aqui, me disse: Dona Maria, a senhora está recebendo alguma coisa? Eu disse: não. “Porque Senhora?” Eu disse, assim: não tem! Ele nunca quis… Ele começou a fazer negócio de pesca, mas nunca terminou. Aí, ela disse, assim: Senhora, vamos embora correr atrás. Aí nós fomos lá no Itaqui, falamos com um moço, levou uma carteira. Que ele tinha uma carteira de pesca de... Ele era mestre de barco. Tinha a carteira de mestre de barco. Estava atrasado. Aí, o moço disse: eu vou levar e tu vai lá em casa, segunda-feira, pra mim ajeitar… Nunca foi. Eu também pensei que não tinha importância, larguei de mão. Não aconselhei pra ir.
Aí, quando nós corremos atrás, que ele tinha morrido, o rapaz levou a carteira. Disse: ah, isso não existe mais. Senhora tem que trabalhar, pra pagar o INSS, para senhora. Rapaz, aí ela disse, assim: isso aí, vamos embora correr atrás. “Ele não era pescador?” “Era.” “Tem umas fotos de peixe aí?” Aí, tinha muita foto dele pescando. Aí, nós fomos lá, com os documentos, com esse que ele já tinha de pesca, aí deu tudo certo. As fotos dele estavam apagadas, o filho dela que
P1 - Colocaram tudo?
R - Tudo. Aí, com o atestado de óbito dele, que era de pescador, aí ajudou. Aí, ele... O primeiro dinheiro que eu recebi, eu comprei foi material pra fazer minha casa lá.
P1 - Lá?
R - Lá.
P1 - Aí, foi nesse momento que você mudou pra lá?
R - Foi nesse momento que eu fui pra lá.
P1 - E como foi sair daqui?
R - Ah, eu fui embora… Tinha os bichos aí, tinha resto de boi aí. Que ele queria acabar. Disse: menina, acaba com isso que tu não vai dar conta. Mas como ficou um bezerrinho aí pra trás. Rapaz, vou trocar por uma novelhinha e continuar. Aí, que eu continuei aqui. Mas hoje eu me arrependo. Antes tivesse feito qualquer coisa com isso aí. Hoje eu já não dou conta de ficar aqui. Se ninguém ficar aqui, os bichos ficam aí. Mas eu vou vender tudinho.
P1 - Você quer vender?
R - Eu quero. Você não quer comprar?
R - Hoje ainda tem seis. Parece que ainda tem. Esse cachorro mata bezerro, mata porco.
P2 - Esse cachorro mata bezerro?
R - Mata. Quatro bezerro meu. Eu acho que foi sim, porque a vaca pariu e não apareceu com filho. Foi. Aí, a gente vai conversar com ele. Ele: prende os bichos de vocês. Que o cachorro dele, ele não prende.
P2 – O cachorro não é da senhora?
R – Não, é dele. Daquele moço do barco. Aí, como é parente, parente dos meus fihos. Vi esse pequeno, quando nós chegamos aqui ele estava com 3 anos. Eu fico assim, preocupada de trazer policia, para dar parte dele e tal. Então, ele que devia ter consciência de prender o cachorro dele. Já comprei aquele negocio assim para prender, ele não quer, diz que não vai prender o cachorro dele. Aí, já matou muito porco da gente. Muito porco.
P1 – E ai, agora você vem pra cá de vez em quando?
R – É, eu venho. Agora ficou mais dificil pra mim, por causa da minha idade. Aí, venho quando vem gente, quando a minha irmã vem eu venho com ela. Ela vem com o marido dela. Às vezes, eu vou dormir lá. O meu irmão, o Zé dos Reis, que mora aí também, que eles estão mais perto. Que eu venho. Mas pra mim ficar aqui como eu ficava, não fico mais não.
P2 – E os filhos da Senhora, vem pra cá?
R – Trabalha. Só final e semana. Esse gordinho que vem mais, e esse Davi, que vem mais pra cá.
P1 – Eles gostam daqui?
R – Gostam.
P1 – Eu estava lendo o documento, e aí estava escrito que vocês fazem um trabalho de guardião da floresta, né?
R – É, meu pai.
P1 – Como que era?
R – Ele reparava ai o mato, ele trazia… Limpo o Farol, como eu digo, assim que ele fazia. Limpou o caminho do farol, para o pessoal andar para o farol. Era tudo cheio de mato aí. O pessoal da marinha quando vinha. Fez uma amizade com o pessoal da marinha.
P1 – E cuidava de tudinho daqui?
R – É!
P1 – Dos matos?
R – Não, só lá do caminho do farol, Aí, ele tinha uma canoa, por nome… O nome da canoa era Pirtininga. Tá no nome, né? Aí quando o pessoal da marinha não podia fazer o serviço, de trazer os simuladores. Meu pai ia buscar. Meu pai ia buscar, trazia e puxava lá para cima. Mais Nonato, meu irmão, o meu cunhado.
P1 - E por que que tinha esse nome na canoa?
R - Porque ele se agradou e botou esse nome na canoa.
P1 - Piratininga. E deixa eu fazer uma pergunta pra vocês. Por que essa ilha chama Ilha do Medo?
R - Meu amor, o que eu sei, que uma vez um sargento da marinha me contou, que ele me perguntou por que? Eu digo: eu não sei não. Porque no tempo que... No tempo, aqui não tinha ninguém, o pessoal vinha pra cá, e não tinha o porto certo pra encostar. Aí, o barco naufragava. E chegava aqui, eles também viam muita coisa na ilha, viu? Eles viam muita coisa. Aí, que eles botaram o nome de Ilha do Medo. Foi os franceses que botaram esse nome, de Ilha do Medo.
P1 - E vocês já viram?
R - Olha, na época que nós chegamos aqui, eu nunca vi nada. Só assobio.. Fiii... Cedinho, começava, dava umas 5h, eles assobiando aí na beirada. Mas hoje não existe. E também, o que eu já ouvi, foram uns gritos feios, dentro do mato. Era para aí, a primeira vez a gente escutou bem aqui, eu morava pra lá, eu escutei por aqui. Eu não queria vir pra cá, por isso. Aí, meu pai que morava pra cá, escutou uma vez e disse, pensava que era o homem que morava ali, eles chegaram e não viram. Aí, o grito pra cá. Eu fui pescar com meu marido, tinha um igarapé aí, eu fui pescar com ele e minha cunhada. Na hora, acabou, a maré secou, a gente dividiu o peixe. Ela foi pra lá e nós viemos pra cá. Ela com um menino que ela criava. Menina, quando eu fui sentando pra consertar o peixe. Deram aquele grito feio. Mas era uma coisa horrível, assim, sem explicar.
Eu já botei tudo dentro do cofo e voltamos, se deitamos. Aí, deu um aqui, um mais lá, outro mais lá dentro de um raio, escutamos longe, assim. Foram três gritos. Um pra cá, um mais lá, outro mais lá.
R - É uma coisa feia, assim, como... Não é nem como gente, como bicho, é uma coisa feia.
P2 - Vocês conseguem chegar caminhando do outro lado da ilha?
R - Consegue, consegue. A gente tem caminho por aqui, tem por aqui.
P2 - E do outro lado da ilha tem praia?
R - Tem praia. Lá é bonito.
P2 - E aí a água lá é mais limpa do que aqui na frente?
R - Não, é a mesma coisa. Aí, a maré fez um buraco na laje, é uma piscina. Aí, o pessoal chama de piscina. Chegam lá, tomam banho. Vamos pra lá pra essa piscina. É cheio de gente.
P1 - Ah, fica cheio de turista?
R - Pra cá, é.
P1 - Você estava contando que tem muitos turistas aqui. Como é a relação com eles? Eles cuidam?
R - Não, eles vêm. Eles levam o lixo deles, viu? Eles não deixam o lixo, eles tragam o saco.
P2 - Eles só vêm para passar o dia, para curtir esse poço que vocês falaram?
R - É, curtir a praia e vão embora. Mas eles levam, traz o saco e levam o lixo deles.
P1 - E vocês levam o lixo de vocês também?
R - Não, toca fogo. Aqui eu toco fogo.
P1 - E aqui quando faz muita chuva?
R - Tem muita muriçoca.
P1 - Mas nunca teve nenhuma história de invadir casa?
R - Teve uma vez que… Não. Teve um vento forte que passou aí, arriou a casa do meu irmão, aquela casa branca, não era assim, era outra casa. Arriou pra trás, passou por aqui, levo planta que tinha aí. Aquele barraco não era, estava em pé nesse tempo, derrubou, levou barraco, levou… Tinha um pé de árvore grande lá em cima, levou. Quando esse vento foi passando, foi derrubando, palmeira, tudo foi embora pra dentro do mato. Mas antes disso, sempre tem esse vento doido que passa.
P1 - Ah, é? Todo ano?
R - Não, às vezes, tem ano que não tem, mas tem ano que tem.
P1 - E seca?
R - Como?
P1 - Às vezes fica muito seco aqui?
R - Fica. Aí gente vem, os meninos vêm encher água para os bichos aí.
P1 - E quando vocês moravam aqui, a família toda, e alguém ficava doente, como vocês faziam?
R - Ia pra São Luís.
P1 - Ou vocês cuidavam também? Você tomavam remédio daqui, de planta? Ou não muito?
R - Não muito. A gente ia pra lá.
P1 - E a senhora tem alguma história engraçada de travessia?
R – Só triste. Lá de São Luís pra cá. Isso não foi daqui, foi lá de São Luís que nós viemos. Aí, era uma canoa pequena. Aí, ele ficou chateado porque esperou muito nós, nós demoramos. Por causa da maré que tava enchendo. Quando nós chegamos lá na Praia Grande, nós entramos dentro do barco, eles vieram, nos viemos. Menina, quando chegou, era cada rolo de água. Naquela ponta da guia, a água entrava dentro da canoa. Para nós secar, precisava, era com sapato, era com chapéu. Veio uma maresia que encheu, foi tudo. Essa aqui, não era testemunha de Jeová ainda. Vinha rezando, rezando... Na hora do perigo, “ó minha Nossa Senhora! Tanto que eu rezo e o Senhor não me atende?” E o velho, reze minhas filhas, reze mesmo!” Aí, ele ficou com medo também. Mandou a gente rezar. Até que nós saímos de lá. Quando nós chegamos, choramos. Quase que a gente não via mais nossos pais nesse dia!
P1 - E vocês já mais... assim, com idade adulta, vocês vinham pra cá e faziam alguma celebração com a família?
R - Não, vinha cada qual pra suas casas.
P1 - Cada um pra sua casa? E passavam um tempinho aqui?
R - Um tempinho aqui. Agora é assim. Quando meu marido era vivo, eu ficava aqui direto. Aí, aqui a gente conheceu muita gente boa, graças a Deus. Conheci muita gente boa. Aí, eles vinham. Teve um que deu até um terreno pra gente, que achava errado a gente ficar com as crianças aqui sem estudar. Aí, ele não queria sair, ficou por isso mesmo. Perdemos o terreno lá e não fizemos casa. Mas vinha muita gente boa aqui. Graças a Deus, aqui eu conheci muita gente boa.
P1 - Quem que a senhora lembra que foi muito marcante?
R - Aqui a gente conheceu médicos, conheceu doutor.
P1 - Mas eles vinham passear?
R - Doutor Antônio Dino. Eles vinham fazer aniversário.
P2 - Fazer festa.
R - Tinha um pé de árvore grande lá, eles ficavam lá embaixo, ficavam pra cá. Fazia aniversário na praia, fazia festa, trazia muita comida, muita bebida.
P2 - Aí eles convidavam vocês pra participar?
R - É, a gente participava. Eles davam pra gente. É, trouxe bode aqui pra criar.
P2 - Dona Maria, e época de festa, tipo Natal, como vocês comemoravam?
R - Eu ficava aqui, nunca fui.
P2 - Vocês comemoravam aqui?
R - Fazia um bolinho, quando podia, quando não podia a gente comia nosso peixe e pronto.
P1 - E quando vocês vêm pra cá, vocês sempre pescam?
R - Agora eu não pesco mais. Meu filho que pesca. E ele morreu, mas eu nunca deixei de comer um peixinho fresco. Esse Davi pesca, gosta muito de pescar. É a profissão que ele adotou. Não quis estudar, mas...
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