Programa Conte Sua História
Entrevista de Dilvana Silva Santos
Entrevistado por Lucas Torigoe
Colatina, dia 16/04/2025
Entrevista nº PCSH_HV1452
Realizado por Museu da Pessoa
Gravado por Alisson da Paz (Zoom)
Revisado por Bruna Pieira
P1 – Então, Dilvana, vamos começar com uma pergunta muito complicada, que é: qual que é o seu nome completo? Que cidade você nasceu? E que ano que foi, por favor?
R – Então, a minha cidade, que eu nasci foi Ecoporanga. eu nasci em 1976, num cantinho de roça chamado Paraíso. Foi ali que eu nasci.
P1 - E o seu pai, sua mãe, os seus avós, eles falaram pra você como é que foi a gestação, o dia que você nasceu, ou não?
R - Não. Era muito sofrido, minha mãe trabalhava na roça, meieira, mas o meu pai. Ela teve uma gestação, aí eu só soube a partir do momento depois que eu nasci, que ela contou que ela trabalhava, ela me levava perto do café e teve um dia que eu rolei, rolei, rolei e fui parar lá embaixo. Aí diz ela, quando ela chegou perto de mim, sendo que eu estava machucado, disse que eu estava rindo para o lado dela. Mas eu acho que foi tranquilo, porque é roça. Só não foi tranquilo a gravidez dela, que meu pai judiava muito da minha mãe na época.
P1 - E judiava como? Maltratava, batia, é isso?
R - Era um pouco rude. Antigamente os homens achavam que pegava uma filha de família pra casar, aí estava achando que estava pegando uma filha. Então, acabava os maridos judiando muito das mulheres. Então, meu pai judiou muito da minha mãe, batia nela. Quando ele chegava bêbado em casa, ela tinha que sair correndo comigo no colo, grávida do meu outro irmão, entendeu?
Então, assim, eu fiquei até com receio do meu pai, na época, porque ela contando uma história que ela tinha pulado uma janela, aí ela estava grávida do meu irmão, e eu nenenzinha, no colo dela. E eu e meu irmão, tem diferença uma diferença de 1 ano. Então, assim, eu peguei um ranço do meu pai e fiquei assim com raiva...
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Entrevista de Dilvana Silva Santos
Entrevistado por Lucas Torigoe
Colatina, dia 16/04/2025
Entrevista nº PCSH_HV1452
Realizado por Museu da Pessoa
Gravado por Alisson da Paz (Zoom)
Revisado por Bruna Pieira
P1 – Então, Dilvana, vamos começar com uma pergunta muito complicada, que é: qual que é o seu nome completo? Que cidade você nasceu? E que ano que foi, por favor?
R – Então, a minha cidade, que eu nasci foi Ecoporanga. eu nasci em 1976, num cantinho de roça chamado Paraíso. Foi ali que eu nasci.
P1 - E o seu pai, sua mãe, os seus avós, eles falaram pra você como é que foi a gestação, o dia que você nasceu, ou não?
R - Não. Era muito sofrido, minha mãe trabalhava na roça, meieira, mas o meu pai. Ela teve uma gestação, aí eu só soube a partir do momento depois que eu nasci, que ela contou que ela trabalhava, ela me levava perto do café e teve um dia que eu rolei, rolei, rolei e fui parar lá embaixo. Aí diz ela, quando ela chegou perto de mim, sendo que eu estava machucado, disse que eu estava rindo para o lado dela. Mas eu acho que foi tranquilo, porque é roça. Só não foi tranquilo a gravidez dela, que meu pai judiava muito da minha mãe na época.
P1 - E judiava como? Maltratava, batia, é isso?
R - Era um pouco rude. Antigamente os homens achavam que pegava uma filha de família pra casar, aí estava achando que estava pegando uma filha. Então, acabava os maridos judiando muito das mulheres. Então, meu pai judiou muito da minha mãe, batia nela. Quando ele chegava bêbado em casa, ela tinha que sair correndo comigo no colo, grávida do meu outro irmão, entendeu?
Então, assim, eu fiquei até com receio do meu pai, na época, porque ela contando uma história que ela tinha pulado uma janela, aí ela estava grávida do meu irmão, e eu nenenzinha, no colo dela. E eu e meu irmão, tem diferença uma diferença de 1 ano. Então, assim, eu peguei um ranço do meu pai e fiquei assim com raiva dele mesmo, entendeu? Mas hoje eu já perdoei ele, ele tá com Deus, e eu já perdoei, porque às vezes as coisas assim acontecem, né? A minha mãe, sofria muito, muito mesmo na vida dela com ele.
P1 - E me conta um pouquinho. Como é que eles se conheceram, você sabe?
R – Nossa, foi assim: quando minha mãe conheceu ele, minha mãe já tinha um filho, meu irmão mais velho, o nome dele é Sival. Aí, ela conheceu ele, que ela precisava lavar... Que era muito difícil lá nesse lugar, em Iporanga, na época. Então, quem não sabia ler, esses negócios... Minha avó, ela era muito, na época lá, ela era assim, muito, tinha muitos filhos. E acabando, ela teve que repartir esses filhos, para casa de cada um, quando a minha mãe perdeu o pai dela, quando minha vó perdeu o marido. Então, a minha mãe já arrumou esse filho, e aí ela começou a lavar roupa para fora. Aí, quando ela começou a lavar roupa para fora, ela conheceu o meu pai na cadeia, em semi aberto. Aí, ela começou a ter um relacionamento com meu pai, meu pai trocava o negócio das marmitas deles lá, que eles comiam, aí dava para ela, entendeu? Aí, ele saía... Então, assim, ele começou a ajudar minha mãe de dentro da cadeia, aí ela se interessou por ele e eles acabaram casando.
P1 - Entendi. E me conta uma coisa. Qual que é o nome do seu pai e da sua mãe? E como que é a família deles? De onde é a família dos dois? Se possível.
R - Meu pai chama Carlos Pedro de Santo, minha mãe, Maria de Lurdes Silva Santos. Ela adquiriu o Pereira, depois do outro casamento, mas aí, no caso, assim, pai meu e mãe era Maria de Luís Silva Santos, tá?
P1 – Entendi! Bem, você nasceu, então, lembra que você desceu rolando o barranco, né? Quais são as primeiras lembranças que você tem de infância, assim?
R – Ai, minha lembrança, eu aguei quando eu era criança. Hoje eu sou uma mulher grande, hoje estou gordinha. Mas quando eu era criança eu aguei, assim, porque o meu pai também, além dele ser ruim assim com a minha mãe, ele era carinhoso também com a gente. Aí, assim, ele ficava colocando eu na mão, assim, dele, e falava assim: “Olha aqui minha neguinha. Cadê a minha neguinha?” Então, assim, essas são as coisas assim que a gente vai lembrando, né? Aí, eu fiquei com esse apelido de neguinha, por causa dele. Mas depois, quando eu fiquei um pouquinho velhinha, depois dos 15 anos, eu tirei esse apelido, que eu não gosto dele. Aí, eu acabei tirando esse apelido e falei pro meu pai. “Não me chama mais assim não.” E ele aprendeu me chamar pelo nome que eu tenho no registro.
P1 – Entendi. Te registraram por Gilvana, porque, você sabe? Homenagem a alguém, enfim?
R – Não. Porque eu tinha um irmão com nome de Sival, aí nasceu uma irmã minha e o nome dela era Silvana. Minha mãe gostava de pegar os início das letras, entendeu? Aí, logo após, veio eu, aí ela pegou e colocou Dilvana, mas nada, assim, por... Ela nem conhecia. Eu até agradeço a Deus todo dia por esse nome, que eu acho esse nome lindo, maravilhoso. E assim, talvez se ela me colocasse um outro nome, eu nem ia gostar tanto. Aí, hoje eles falam, assim, que eu sou... E nome de italiano. Não tem? É italiano, às vezes, eu chego no lugar, eles ficam falando: “Giovana, Giovana. Desse jeito comigo.
P1 - E me conta um pouco mais, assim, da sua casa que você morava, você falou que você morava na roça. Como que era? Descreve para mim como que era essa casa?
R - Eu não lembro muito dessa casa, entendeu? Porque pelo que minha mãe falava, era uma casa... Você já viu tuia? Casa assim, tuia?
P1 – Não, acho que não.
R - Casa de madeira, que é aquelas casas assim, que tem os pés alto no chão, e é alto. Então, foi dessa janelinha que a minha mãe pulou com o meu irmão na barriga e comigo no colo. Pulou dessa janela. Por isso, quando ela me contou esse caso, ainda fiquei assim, meio com meu pai. Mas fazer o que? Foi uma vida deles passada. E era um lugar bom assim, pelo que eles falavam. Mas quando eu me entendi por gente, eu já morava em Santa Terezinha, que é logo após dessa terra onde eu nasci, entendeu? Quando eu me entendi por gente, assim, que já morava lá num patrimônio chamado Santa Terezinha. Que aí, lá sim, eu lembro da minha infância.
P1 - Entendi. E como é que era Santa Terezinha? Vocês brincavam, trabalhavam já, enfim, como é que era?
R - Santa Terezinha era maravilhoso. Porque a gente não conhecia lugar... Lá não tinha água encanada, lá não tinha banheiro, mas a gente fazia aquelas casinha de antigamente, que chamava privada. Então, assim, a gente ia nesses banheiros. E água a gente buscava no rio. Aí, a gente, a molecada, minha mãe trabalhava, mais o meu pai, e aí a gente ia buscar essa água no rio, colocava na cabeça assim, aí eu costumava carregar solto na cabeça. E levava pra casa. E depois nós tínhamos um horário de ir pra escola. E tinha vez que a gente ia ainda na roça com eles, assim, levar comida pra eles, entendeu? Apanhar café, entendeu? Isso aí. Então, assim, foi um lugar, assim... De vez em quando eu passo lá, eu gosto de passar lá dentro da cidade pra mim ver as minhas origens de Santa Teresa. A gente estudou, a gente brincava. Era a época da rodinha, não tem? Cirandinha, época de cantar verso, era essa época aí. Como não tinha energia na nossa casa, juntava as criançadas e ficava ali, contando história, cantando o verso, brincando de cirandinha, pique de esconder. Então, foi isso aí! Pelo menos isso que eu tive na infância, né? Que hoje os meninos já nascem com o telefone na mão.
P1 - É verdade. E quem contava história pra vocês? Eram os mais velhos? Que histórias que vocês ouviam de infância?
R - Minha mãe, vou te contar. Minha mãe contava uma história da boneca preta, que ela virava princesa depois. Nossa, eu gostava quando contava aquela história pra nós. Mesmo com tudo aquilo que ela passava, que trabalhava na roça, ela ainda tirava um tempinho pra contar a história pra gente.
P1 - Como é que é essa história? Você pode contar pra mim, pra gente, por favor. Da boneca preta.
R – Então... Eu acho que eu não vou lembrar, assim, em detalhes dela, entendeu? Mas assim, ela contava que tinha uma casa bonita, que aí aquela menina trabalhava naquela casa, aí, assim... Aí, todo dia ela trabalhava, mas ninguém sabia o que que ela era, entendeu? Ninguém sabia o que era aquela menina. Então, ela tinha uma capa preta. Aí, um dia eles se esconderam e olhou de noite, assim, que ela tirou aquela capa preta dela e ela se transformou numa linda mulher. Aí, eles pegaram e colocou, assim, a música... Aí, tem uma música da boneca, não tem? Que diria que era a princesa do rei. Só que aí, assim, é uma coisa, assim, que eu já esqueci. Mas só que a gente passou por essa infância, eu tinha essa história na minha cabeça muito tempo, dessa boneca preta, pra mim ela existia, entendeu? De tanto que a minha mãe contava ela. É assim: Nunca vi filho de rei ser pastor e de fato... Então, assim, ela era pastor de fato, mas só que ela era filha de rei. Só que ninguém sabia que ela era filha de rei.
P1- Que linda história dela. E marcou você, então?
R – Marcou, essa história marcou. De vez em quando ainda pergunto pra minha mãe. “Mãe, conta essa história para mim?” Só que tem tempo agora que eu não pedi ela para contar. Se eu soubesse que ia falar ela aqui agora, eu tinha pedido a ela. Me conta uma coisa, vocês tinham rádio, alguém tinha rádio na região? Vocês ouviam música?
R – Rapaz, eu fui conhecer fogão a gás quando eu tinha 12 anos, o meu pai comprou um fogão a gás. Mas, assim, já existia, família que era mais, né... Tinha terra, trabalhava meeiro. E o meu pai só trabalhava assim, de coisa mesmo. Então, já existia, só que fogão mesmo eu fui conhecer quando eu tinha 12 anos. E eu não tinha televisão na minha casa, a gente curia, nós ia muito na igreja, que era sembreiano. Minha mãe sempre foi sembreiano. E aí, a gente ia na casa de uma mulher assistir televisão, até enquanto ela deixava. E depois a gente saía e ia embora. Mas de vez em quando ela deixava a gente assistir, lá na casa dela. Já existia, só que a gente não tinha dinheiro pra comprar.
P1 - Me conta um pouquinho de você na escola. Você ia com o seu irmão? Vocês estudavam na mesma classe ou não? Como é que foi a escola pra você nessa época?
R - Então, nos era quatro, da minha. Então, a gente ia pra escola, primeiro fazia todas essas partes, aí... Eu estudava à tarde, eu lembro, a gente fazia essas partes tudinho aí, depois ia pra escola. A gente nunca perdeu a escola, entendeu? Sempre a gente ia. Antigamente era na sacolinha, que você levava, na sacolinha de arroz, você não tinha mochila pra ir. É igual eu estou te falando, já existia mochila, mas nós não tinha, pelas condições que a gente vivia, a gente não tinha a mochila pra ir. Então, levava na sacolinha de arroz para escola. Foi assim. Eu gostava muito dos meus professores. Lembro muito de uma professora chamada jesuíta, maravilhosa. Gente, ela me chamava de estrupício, você acredita? Que eu era muito atentada, então ela me chamava de estrupício. E eu levei o estrupício como um apelido. Por ela falar, porque ela gostava de mim, então assim, eu gostava que ela me chamava de estrupício. Hoje eu sei que estrupício não é uma coisa muito boa, mas naquela época lá eu gostava que ela falava, não importava, entendeu? Mas era assim, uma infância boa. Todos nós estudamos, nós quatro. Até enquanto pode, aí depois eu parei de estudar, porque eu já estava com 15 anos, eu não quis estudar mais. Aí, eu já estava aqui em Colatina, já, entendeu? Mas antes, lá na roça, a gente estudou, até o quarto ano, até quando veio pra cá, para Colatina, a gente estudou.
P1 - Vocês foram pra Colatina por que? O que que aconteceu?
R – Então, o meu pai, ele era uma cara terrível, ele era pistoleiro. Então, um dia, o meu pai fez gracinha lá, com a comadre dele, lá conversando os dois. Então, o amante da mulher ficou com ciúmes do meu pai. Então, ele deu um tiro na perna do meu pai. E nós ficou doido na igreja, nós socorremos, pra poder ver esse negócio do tiro que ele tinha tomado, aquele monte de sengue assim ó. Aí, quando chegou lá, o pai lá sentado e a amante do cara assim, que era a comadre do meu pai. E o meu pai, eu acho que o meu pai pegava a comadre, só pode, entendeu? E o outro também. Porque ele não ia dar um tiro assim. Porque o marido da comadre era deficiente de cima da cama. Então, foi isso que aconteceu. Aí, o meu pai ficou afastado de Ecoporanga. A gente saiu de Santa Teresa e ele me levou para a Ecoporanga para tomar conta dele. Aí, lá eu estava tomando conta dele, ficava lá com ele, não podia sair de lá, aí um dia eu vi uma bagunça assim, no quintal. Eu falei: “Pai, nós temos que sair daqui, porque esse negócio não tá legal não, alguém daqui está querendo fazer alguma coisa com o senhor.” Aí, nós pegamos e fomos lá pra casa da minha vozinha. Quando chegou lá na casa da minha vozinha, a vozinha acolheu a gente. Depois a gente pegou e viemos pra Colatina por necessidade, porque já estava difícil, meu pai não conseguia trabalhar, depois do tiro. E assim a gente chegou em Colatina. Com ajuda de um tio meu, também, falecido, que é o tio Luiz, que ele trouxe a gente pra Colatina, arrumou um emprego pra minha mãe trabalhar e arrumou uma casinha de aluguel aqui em Colatina pra gente. Isso eu já estava mais ou menos 15 anos.
P1 - E você foi trabalhar, trabalhar no que, o que que você foi fazer em Colatina?
R – Então, aí eu com 15 anos, ajudava a minha mãe. Nessa casa onde ela trabalhava, o homem cedeu em cima pra gente morar. Ajudava a minha mãe ali na casa dela, trabalhando na casa dessa senhora. Aí, depois eu consegui um serviço, fui trabalhar também. Mas como todos os jovens, gosta muito de namorar, aí eu acabei saindo do estudo e arrumando um namorado. E esse namorado assim, ele tinha 25 anos, eu tinha 15, tinha quase acabado de fazer 15 anos. Então, ele colocou na minha cabeça, pra poder ir embora com ele. Aí, eu fui embora pra Vitória, fiquei em Vitória lá, com a família dele, ele falou comigo... O conselho que eu dou para essas meninas... Mas hoje não tem menina boba não, é impossível. “Ah, vamos lá pra casa da minha mãe, que todo dia minha mãe levanta cedo, coloca aquela roupa bonita e vai comprar pão na padaria, entra no carrão dela e ó, vai lá comprar pão.” Na minha mente, eu falei: gente, essa mulher deve ser bem de vida, eu estou saindo da ruína. Botando a minha cabeça aqui pra fugir. Então, acabando, eu peguei minha roupinha, coloquei, e fugi de casa, fui parar lá em Vitória com esse homem. Quando eu cheguei lá em Vitória. Você acredita? Era uma casa, na frente assim, de tijolinho, e atrás tinha uma casinha, bem, tipo assim, feito daqueles tijolinhos batidos de barro, de antigamente. Foi lá em Itanhenga. Foi lá em Itanhenga, lá na Nova Rosa da Penha. Falei: Meu Deus, onde eu fui entrar? Coitadinha da velha. A velha não tinha nada que ele falou. Tadinha da senhora, ela sofria, tinha um marido também ruim para ela, que bebia, bebia, bebia, ficava fazendo escândalo no meio da rua. E com isso ela sofria muito com ele. E ali eu continuei com esse rapaz, engravidei dele. Hoje eu tenho um filho, dois filhos dele, só que ele reconheceu só o primeiro. O segundo ele não correu atrás de registrar, e ele sumiu no mapa. E agora, depois de muitos anos, os meus filhos quiseram reencontrar esse pai deles, esses dois filhos que eu tenho. Aí, sim, aí começou a entrar na internet, pra poder encontrar. Que até encontrou o pai. Aí, ele pegou e marcou um dia pra poder vim conversar com eles. Aí, ele veio, foi lá na minha casa, foi na casa do meu filho. Só que assim, a gente pensava que ele tinha morrido, só que ele não tinha morrido, ele estava morando no mesmo lugar. Porque eu tinha visto uma reportagem, que o Delcy tinha morrido, só que ele não tinha morrido. Então, eu não procurei, não fui atrás, criei meus filhos sozinha. Mas hoje, mesmo assim, um filho meu, que é o mais velho, ele tem muita dedicação com o pai. A outro gosta, mas não gosta assim tanto, igual o outro que sim, gosta muito dele, entendeu? Então, foi essa minha vida lá em Vitória. Fui pra Vitória também, fiquei lá. Ele me abandonou lá. Você sabe que homem, às vezes, tem alguns que não tem juízo. Me deixou lá jogada, veio embora, e eu barriguda da minha segunda filha, dele. A minha mãe saiu daqui, foi lá me buscar, lá em Vitória. Quando chegou lá, deparou comigo numa casa de um homem. Aí, quando ele me deixou sozinha lá, aí eu procurei ajuda. Esse homem da casa me levou pra casa dele, só que ele tinha 5 filhos, certo? Tinha meio cômodo só de roupa pra lavar. Que acho que como ele era viúvo, sei lá. Só que aí já queria ter uma intimidade. Aí, eu já não quis o intimidade, que ele estava me ajudando. Aí, a outra pegou, do pastor, me chamou pra morar na casa dela. Aí, foi onde que eu fui na casa dela morar. Fiquei morando na casa dela, até que um dia minha mãe chegou lá. Aí, minha mãe pegou meu filho mais velho, meu filho estava assim, com uma barrigona de lombriga, pura lombriga. E aí, que o homem, ele só dava mesmo mingau de fubá, para os filhos dele também. No caso eu estava no meio de uma família que também não tinha nada, igual eu. Estava tentando ajudar, mas... Entendeu? Mas sem ter muitas condições. Aí, minha mãe passou a mãe no meu filho, que meu pai mandou, levou embora, levou embora para Colatina. Que eu estava em Vitória, levou embora para Colatina. Quando ela chegou lá, no outro dia, aí disse que o menino ficou querendo eu, e tal. Aí, o meu pai falou: “Não, vai buscar ela.” Aí, mandaram me buscar. Aí, eu já vim com a barriga grande, com seis meses. Aí, eu ganhei minha filha em Colatina, eu ganhei. Que é a minha segunda filha da Dediele, entendeu? Hoje ela me deu duas netas. Eu tenho uma neném recém nascida dela, entendeu? E assim, essa senhora queria muito pegar minha filha. Então, assim, eu sofria, eu estava na casa, eu não queria dá minha filha, e eles querendo pegar minha filha porque estava me ajudando. Só que aí minha mãe chegou a tempo de salvar o resto que ficou para trás. E foi isso.
P1 - Quanta coisa você passou. Você teve os seus filhos, você tinha quantos anos?
R - Eu tive o primeiro filho com 17 anos, engravidei quase fazendo 16 anos. E ganhei meu filho em dezembro, dia 4 de dezembro.
P1 - E a sua filha um pouco depois, como foi?
R - É, foi dois anos só de diferença, os dois. Um ano e onze meses, mais ou menos. Porque você sabe como é que é mulher, não está dando certo, às vezes, pensa que vai consertar a pessoa, quer ajudar. Eu acho que eu estou no mundo da ajuda até hoje, porque ainda não consegui consertar um relacionamento. Você acredita?
P1 - Como é que foi pra você ser mãe? Mudou muita coisa ou não? Como é que foi na sua cabeça na época?
R - Pra mim, assim, eu gostei muito de ser mãe. Parece, assim, que eu já nasci pra ser mãe, entendeu? Meu primeiro filho, assim, foi muito desejado, eu novinha, porque eu ganhei uma boneca lá, um parapeso, aquilo assim... Ficava dando banho naquela boneca, limpando todinha, entendeu? Colocando roupinha. Então, eu gostava muito dessa parte. Então, meu pai arrumou um bonequinho, assim, que ele tinha um peruzinho, aqueles que saia água. Aí, a gente ficava brincando com esse boneco, brincava de pai e mãe, tipo assim, da roça, fazia comidinha, esses negocinhos. E eu cresci com aquilo. Ser mãe. Meu primeiro filho seria homem, eu falava. Então, acabando, eu fui mãe não só dele, mas de 7 crianças. E foi bom para mim. Eu até hoje gosto de ser mãe, eu adoro os meus filhos. Pra mim, se os meus filhos estiverem bem, eu também estou bem. Se eles não tiverem bem, eu não estou bem. Se tratar meus filhos bem, para mim tem tudo. Se não tratar, eu não consigo enxergar na pessoa que está tratando meu filho mal, entendeu? Ou uma filha minha. E também não deixo eles tratarem ninguém mal, que eu sempre eduquei eles assim. Nunca tratar ninguém mal, entendeu? Mesmo que a pessoa está errada, deixa ele errado pra lá. Falou uma vez, falou duas, não deu certo, não, deixa pra lá, entendeu? Então, meus filhos assim, são meus orgulhos. É meu orgulho. Aqui em Colatina, depois que eu fui mãe desses dois aí, depois eu arrumei um outro relacionamento, de um outro marido, aí eu adquiri dois filhos também. Aí, eu estava trabalhando na casa de família... Depois desses dois que eu tive, aí foi essas duas crianças, só que o outro sofreu muito, entendeu? A Geisa, no caso, que é abaixo dessa que eu te falei. Então, a Geisa sofreu muito, tadinha. Porque na época da Geisa, eu trabalhava e levava ela pro serviço, então ela ficava lá no serviço, deitadinha, nossa, dava dó dela. Eu fiquei lá, só me deram um mês só, como não era carteira assinada, então eu fiquei trabalhando lá. Aí, a menina da casa, que era dona, até colocou o nome dela de Chiquita. Às vezes, ela ficava brincando com ela. Sim, foi uma experiência, e depois, esse meu marido, acabou ele arrumando uma bagunça, que ele não era flor que se cheire também. Que eu nunca vi ter um dedo podre para escolher homem igual a eu, entendeu? Aí, ele pegou e foi embora para Belo Horizonte. E nós já tinha uma casinha. Aí, eu peguei e fui atrás dele em Belo Horizonte, depois, larguei o serviço, larguei tudo. E esse meu menino, que é o Gerson, que é o quarto filho, ele afundou isso aqui e afundou a cabeça. Aquilo, ele ficava ruim, nossa senhora. A minha tristeza maior foi quando eu cheguei lá nesse lugar, aí a Geisa estava passando mal, que é a minha filha, que tem a diferença desse de um ano. Ela estava passando mal. Então, eu levei os dois no médico. Chegou lá, o médico passou um remédio pro meu filho, que era subitamol, era um xarope. Aí, ele tomou esse xarope. Ao invés dele melhorar, ele foi definhando cada vez mais, ele foi emagrecendo, e isso ele estava com dois mesinhos de vida. Quando eu fui na casa da minha tia, que estava morando lá em Belo Horizonte e tal, cheguei na casa da minha tia. Quando eu cheguei na casa da minha tia, a tia falou assim: Gilvana, seu neném está passando mal. Falei: Tia, tá passando mal sim. Mas o médico passou esse remédio aqui pra ele, mas só que quem está passando mal é a Geisa, não é ele. Só que os meus olhos não estavam vendo que ele estava passando mal, entendeu? Os outros que estavam vendo. Aí, passou, vim pra casa, dei o remédio pra ele, pra ela. E de repente a minha tia falou assim: “Ah, vou visitar a minha sobrinha.” Aí, ela chegou lá, só tinha a minha tia lá de parente. Aí, ela chegou lá. Aí, eu fiz uns biscoitinhos e tal pra ela, e aquele menino que era uma gracinha, você precisava de ver que menino lindo. Eu vou falar, eu sou a negra assim, mas eu fiz uns filhos lindos, tá? Aí, eu peguei esse menino, a tia chegou e falou assim: Gilvana, o que está acontecendo? O seu neném não está bem, está passando mal. Parece que depois que a minha tia falou isso, o neném começou fazer assim: ai, ai, parece... Entendeu? Ele ficou assim. Ele não tinha mês para falar ai, mas de repente ele ficou assim. Aí, eu falei assim: “O Tia, então vamos levar ele no médico junto comigo, que eu não conheço nada aqui.” Minha tia botou ele no carro e levou. Quando eu cheguei lá tinha uma fila enorme. Aí, eles falaram assim: “Ó, passa na frente que seu neném está ruim.” Mas pra mim eu não acreditava nisso, entendeu? Pra mim ele estava de boa. Só que aí quando eu cheguei na frente, já foram chegando, fazendo a ficha, levando lá para dentro, colocando no berço quente, colocou uns negocinho assim no dedo, e ficou ali. E falou assim: “Mãe, você reza para aparecer um hospital pro seu filho infantil, porque senão ele não passa dessa noite.” Aquilo, eu cai no choro. “Como assim, meu filho não passa dessa noite?” Ele falou assim: “Não passa.” Aí, eu fiquei rezando, orando, orando, orando, pedindo a Deus, fazendo tudo quanto é tipo promessa ali, que meu filho tinha que voltar pra mim. Eu fiquei em cima, pedindo. Aí, na hora que deu 3 horas da manhã. “Mãe, saiu a vaga.” Aí, começou a tirar tudo. Na hora que nós saímos, desceu, aí ele falou: “Mãe, não tem vaga mais, volta.” Aí, nós voltamos pro quarto, quando deu 5 horas da manhã, saiu a outra vaga. Aí, nós fomos pra lá, conseguiu ficar com ele lá. Quinze dias, ele ficou no hospital, graças a Deus, meu filho ficou comigo até 18 anos. Aí, eu acho assim, que eu pedi tanto aquela hora, tanto. Que eu não deveria ter pedido, entendeu? Pro meu filho ficar, ele não tinha pecado nenhum, podia ter deixado Deus levar. Mas mãe nenhuma aceita essa parte de pedir. Com 18 anos, aqui em Colatina, eles tiraram a vida do meu filho. E foi uma dor enorme que eu tive, porque eles colocaram ele dentro de uma água e tampou com uma coberta. Eu fiquei 7 meses, 6 meses e meio pra enterrar o meu filho, pra saber que ele era o meu filho, e mais 3 meses pra enterrar ele, porque até saber se ele era o meu filho, ou não, entendeu? Mas era o meu filho. Então, com isso eu tenho os outros dois, eu fico lutando para eles não irem pra essa outra parte, entendeu? Pra não ir para essa outra parte de mexer com drogas. Meu filho começou a mexer com drogas, entendeu? Então, isso levou ele. Ele era um menino muito educado, ele não respondia, tudo que você falava pra ele, sim. Ele não foi um menino assim, feito para ir para esse lado, mas só que ele preferiu o mais curto, entendeu? Só que acaba levando para a cadeia ou para o cemitério. Se tivesse na cadeia, eu estava vendo meu filho, mas Deus tirou ele. Na verdade, nem foi Deus, foi as pessoas más que tirou. E eu sofro muito com isso, entendeu? Mas é isso, a minha história daqui de Colatina. E aí, eu penso assim: quando eles estavam tudo pequeno, eu arrumei um esposo, depois desse marido que eu falei que é pai desses dois, fui morar na roça, fiquei onze anos morando na roça, cuidando dos meus filhos. Mas assim, era tudo reclamado, comida, tinha cinco filhos, fui morar com ele. Aí, ele era uma pessoa boa, que ele trabalhava, botava tudo dentro de casa, mas ele reclamava o que dava, entendeu? Aquilo que eu conseguia de graça lá, que era o leite, o vaqueiro sempre dava o leite, aquilo que eu consegui ali, ele não tinha com o que reclamar. Aí, como eu fui pra lá a mercê dele, aí tudo que eu precisava, ele negava. Que é a parte de caderno, lápis, a mochila. Nesse tempo que meus filhos levavam na sacolinha de arroz, como no caso que eu levei. Mas só que Deus sempre colocou pessoas boas pra me ajudar. Foi um vizinho, o Rogério e a Jaqueline, na época, um vaqueiro, foi lá e comprou chinelo e comprou o material dos meus filhos. Eles eram quatro. Que aí eles começaram a estudar. Aí, eu comecei a pegar o bolso família, o bolsa família me ajudava, aí eu comprava os negócios pros menino. Eles ficaram revoltados ainda, com o pai desses dois meus, os últimos. Porque eles sabiam que eu tinha os filhos, mas também assim, às vezes nem pode julgar, a pessoa ganhava um salário em meio com 4 filhos para cuidar, dava o dinheiro da compra. E eu acho que ele já tinha até arrependido, que ele tinha pegado uma carga pra ele. Mas nada justifica o que ele fazia, que era beber, beber e querer judiar. Ás vezes, de mim. Teve um dia que minha filha pegou um copo para tomar água e ele estava bêbado, aí ele pegou, levantou, meio bêbado, meio caindo, pra pode bater na mão dela, por causa do copo. Aí, eu entrei na frente, aí ele me deu três nas costas. Aí, eu falei com ele, que eu só não se separava, que eu não tinha para onde ir, que minha mãe estava com muita dificuldade também. Não tinha onde ir, então tinha que ficar ali, aguentando. Até que um dia, em 2009... Eu juntava o dinheirinho de bolsa família, para poder ir na casa da minha mãe em Colatina, tinha dificuldade da minha mãe, ela não podia ficar comigo, que aí já era sete filhos que eu estava. Aí, eu vim em Colatina. A minha mãe falou assim: Filha, eles estão fazendo o cadastro da casa, vai lá e faz seu cadastro. Aí, eu fui, em 2009, fiz o meu cadastro. Aí, não fiquei lá em Colatina, voltei pra roça de novo, porque minha mãe não tinha condições de cuidar de mim, dos meus filhos. Aí, fiz e voltei pra roça. Em 2011 eles me ligaram, que tinha saído a casa. Foi uma bênção na minha vida, minha casa, para cuidar dos meus filhos. E eu peguei, vim embora pra Colatina e deixei ele lá na roça. Para morar com meus filhos, para receber a minha casa. Quando a minha mãe ligou, nossa, os meninos, todo mundo gritava, entendeu? Querendo assim, agradecimento a Deus, eu bati o joelho no chão, porque era o que eu estava esperando, de ter minha liberdade. Aí, fiquei ali na minha mãe, até alugar uma casinha, para poder depois ir para casa, e fui. Daí a pouco ele veio morar comigo aqui. Aí, quando chegou aqui em Colatina, ele quis fazer a mesma coisa, mas aí eu já estava empoderada. Aí, eu já era uma mulher empoderada, eu já tinha minha casa, já tinha meu emprego, comecei na reciclagem, que não era a associação, entendeu? Era um trabalho de reciclagem em uma firma normal. Na época era RT. Aí, eu falei com ele: “Você quer ficar comigo como homem, você vai ficar. Agora, aqui você não vai fazer isso comigo.” Aí, ele levantou o capacete para me dar uma capacetada. Eu falei assim com ele: “Eu quero que você de essa capacetada na minha cabeça, mas eu quero que você de pra mim cair, porque se eu não cair, eu vou levantar, eu vou te pegar.” Aí, abaixou a moral dele, ele ficou. Meus filhos já estavam grandes. Passei uma dificuldade com ele, porque às vezes ele bebia muito, aí ele falou comigo... Que a gente ficou separado, a gente separou umas duas vezes, que é o pai dos meus dois filhos menores. Hoje ele está com 20 anos e o mais novo está com 15 anos. E aí, ele quis voltar, eu falei com ele que não, que não voltasse, porque para mim já chega, que eu já tinha dado a oportunidade para ele e nossas vidas não era muito bem do jeito que ele fazia, entendeu? Então, como eu já tinha os outros filhos, que ele às vezes reclamava, e os meus meninos já estavam de maior. Aí, ele levantou, voou em mim para pegar o meu telefone, aí quando ele voou em mim, meu filho chegou, que já estava grandinho, ele já estava com acho que 18, sei lá. Agarrou ele assim pelo meio, porque meus meninos, não judiava dele, que meus meninos tinha consideração dele como ser um pai, mas ele não tinha consideração como filho, ele só gostava dos outros dois dele mesmo, que ele gerou comigo. E falou que ele não podia fazer aquilo. Aí, ele foi embora pro Ceará, que ele era de lá e tal. Mas depois voltou, voltou pra cá e ligou. “Posso voltar?” Eu falei: “Claro que não, você volta pro seu serviço.” Aí, ele voltou, ficou no serviço... Ligação comigo e eu falei com ele: “Não dá para ter uma ligação, porque você fica falando coisa que não tem nada a ver.” Que ele falou que ia pegar minha mãe e ia socar ela dentro do vaso de cabeça para baixo. E quando ela morresse, que ele ia enterrar ela de cabeça para baixo. Então, quando atinge a mãe da gente, a gente não vai aceitar. Então, assim, a vida com ele foi muito difícil. Aí, mas mesmo assim, eu separei dele. Mas hoje eu tô aí com outro relacionamento, ele não é pai de nenhum dos meus filhos, mas sobre a minha vida, ele me trouxe alegria, me trouxe flores, me trouxe, assim, quando eu estou fazendo aniversário, ele tá sempre presente. Só que ainda é um pouco conturbado, mas eu sou uma mulher hoje empoderada, eu não deixo ninguém me atingir, entendeu? Já sou um escape. Eu sou uma pessoa assim, que hoje, se alguém falar assim: eu nunca vou levantar a mão pra você. Eu falo: é bom mesmo! Não levanta não, porque hoje tem todas as leis. E lá na roça eu estava à mercê do homem, não tinha nem como sair de lá. E eu vivo bem com eles, com esse meu marido agora. E é uma vivência assim, conturbada porque ele é meio assim, maluquinho, ele trabalha, trabalha, muito trabalhador, ganha muito dinheiro, na época do café, então, você precisa de ver como é, ele já pegou 25 sacas de café dentro de 2 dias. Só que entra aqui nessa mão e sai nessa. Ele tem dificuldade de guardar, entendeu? E eu peço a ele para guardar. Talvez um dia ele vai conseguir. Mas hoje... Assim, a minha vida hoje tá melhor do que antes, do que eu já passei para trás.
P1 - Gilvana, enquanto você estava fora, Colatina, você falou da sua mãe, né? Que ela conseguiu ver a questão da casa e da reciclagem. O que ela estava fazendo enquanto isso? Como que estava a vida dela?
R – Então, a minha mãe lavava roupa, né? Para as pessoas, para poder ajudar dentro de casa. Quando voltei para dentro da casa da minha mãe, com as outras duas crianças que eu vim para dentro da casa dela. Aí, nesse meio de tempo, ela perdeu meu pai, meu pai faleceu, então ela ficou sozinha pra poder dar conta, pra me ajudar a criar as crianças, porque era mãe solo, no caso, sem marido. Então, ela me ajudava. Aí, passou mais uns 2 anos depois, aí ela perdeu o meu outro irmão, que é o mais novo do que eu, o que eu contei o caso que ela pulou da janela, entendeu? Aí, tiraram a vida do meu irmão. E aí, foi passando, passando, passando, ela mudou pro Ayrton Senna, onde a gente mora, e lá no Ayrton Senna, que ela conhecia uma vizinha do lado assim, e ela trabalhava no lixão. Trabalhava, não, ia lá só catar roupa, esses negócios assim. Vinha cada cortina bonita. Me interessei nesse trabalho, trabalhar também. Só que aí foi quando eu fui pra roça. Aí, quando eu voltei da roça, depois de 11 anos lá, quando eu voltei, minha mãe já estava trabalhando nesse lixão. Nesse lixão lá onde ela trabalhava, ela tinha quatro crianças, quatro, três do meu irmão e um desse meu irmão que morreu. Eram quatro crianças que ela dava conta. Ali ela trazia os mantimento de lá pra ajudar. Aí, quando eu cheguei, que eu fui fazer, fui trabalhar junto com ela também no lixão. Aí, pra mim ter um dinheirinho, eu trabalhava três dias no lixão e dois dias na casa de família. É lixão a céu aberto, tá? Quando eu falo. Três dias no lixão e dois dias na casa de família. Pra dar sustento pra minhas crianças e ajudar a mãe com as outras crianças dela também. Aí, lá a gente achava macarrão fechado, achava carne que jogava lá, a carne empacotada que ia vencer, eles jogavam lá também. Então, a gente levava aqueles mantimentos pra casa, pra poder ajudar, pra criar os nossos filhos, que é os meus filhos e meus outros quatro sobrinhos. Ali que nós tirava os mantimentos, além de vender o material, que a gente levava também, que tinha as outras coisas, dívida pra poder pagar. Então, a gente fazia essa parte lá no lixão. E era muito complicado o lixão. Porque era aqueles montante de coisas assim, ainda não era aterrado, aí depois que foi pra época do aterro, que foi mais complicado ainda, que a gente ficava lá andando, era a noite que nós trabalhava. A gente trabalhava à noite. Até que um dia eles quisera tirar nós de lá. Até tiro de borracha eles deram, entendeu? Aí, nós queimámos pneu para poder continuar no nosso trabalho, para poder a prefeitura não tirar da gente, porque eles queriam tirar o pessoal do lixo e dar uma vida melhor de uma outra reciclagem. Então, ia lá as pessoas que eram parte da prefeitura pra poder tirar, e vinha psicóloga, ia um monte dessas pessoas que eu não sei falar o nome, pessoas responsáveis por tirar as pessoas de lá daquele lugar. Que são as pessoas no caso. Aí, foi onde que surgiu esse trabalho da RT. E nesse trabalho da RT, ficamos trabalhando lá três anos. Só que a minha mãe teve que fazer uma escolha, ou era ela que trabalhava ou era eu que ia trabalhar, porque alguém tinha que tomar conta das crianças. Então, a minha mãe ficou com as crianças pra mim. E porque tinha as outras também, que era dela. E eu fui trabalhar nessa empresa. Aí, ficamos trabalhando lá esses quatro anos, até que saiu a lei, “Fora lixão”. Que não podia ter lixão mais. Aí, foi em 2014 já, que eles pegaram e juntou com uma turma pra fazer uma associação. Mas antes dessa associação hoje, tinha uma outra associação que é Aricicol, que eu entrei trabalhando nela também primeiro pra ver se dava rumo na vida. Mas só que lá não foi pra frente, lá acabou. Aí, foi onde que nós fomos para essa. Aí, depois dessa que nós viemos pra essa associação aqui agora. Mas os meus filhos foram criados com comida do lixão, meus sobrinhos, entendeu? Roupas, meu filho que nasceu, roupa era de lá, entendeu? Então, foi assim, a gente passou uma vida muito explorada nessa parte assim, mas para nós não era exploração. Nossa, quando falava assim, a fulana é vulnerável. Aí, a gente não aceitava que a gente era vulnerável, pra nós, nós estávamos lá no patamar. E era difícil, porque a gente trabalhava assim, tinha que subir um morro com o material, tinha dificuldade, que às vezes as pessoas iam lá, o material que a gente colocava do lado de fora, porque a gente descia o morro com carroça, os outros iam lá, botavam fogo nos plásticos. Às vezes, roubava o material, roubava o ferro velho. E às vezes a gente passava necessidade por causa disso aí, por causa do roubo, que eles pegavam as coisas que a gente trabalhava. E era uma luta com os urubus, porque eram muitos urubus, às vezes você pegava um negócio, eu peguei uma vez, puxava o plástico e o urubu puxava do outro lado. Catando assim, urubu picando até a bunda da gente. Entendeu? Então, assim, foi uma aventura, que nós fizemos por necessidade. Não foi uma aventura de estar lá porque quer, foi uma necessidade. Porque como eu tinha muitos filhos, ficava até difícil poder pagar uma pessoa pra tomar conta dos meus filhos, pra mim ir trabalhar, porque era praticamente tá dividindo ali o salário, ou às vezes só pagar a pessoa, porque não tinha como. Então, aí foi onde surgiu essa associação que hoje nós se encontra nela trabalhando.
P1 - E essa associação, a Asccor, ela é formada por quem? Quem que está liberando? Como que deu certo? Porque a outra não deu, né? Mas como que está dando certo agora? Como que vocês trabalham?
R – Aí, a segunda deu certo porque entrou várias pessoas querendo nos ajudar. Aí, eu saí dessa RT, peguei o meu seguro, fiquei em casa três meses, porque não podia entrar logo de cara assim na associação, porque associação tem várias regras dentro da associação. Faltava um mês só para acabar o que eu ia receber. Comecei a trabalhar, aí a menina que estava lá como presidente teve um problema, eles logo de cara, passou uns meses, me colocaram como presidente da associação. Fiquei ali carregando a associação um bom tempo nas costas, acho que uns 2 anos. Porque é 2 anos de cada, até hoje a gente faz troca da presidência, de 2 em 2 anos. Era muito dificultoso, mas mesmo assim ali estava melhor, porque ali nós estávamos ganhando um salário digno e também estava debaixo de uma tampagem. E ali a gente ganhava, não chegava a um salário, R$400,00, R$500,00, entendeu? E nós ainda pagava ônibus pra chegar nesse lugar. E mexer com gente também, você sabe como é que é, né? Que tem atrito, eles acaba assim, não respeitando muito, que é uma pessoa igual a eles mesmo. Aí, entrou o apoio da pessoa psicológica pra poder estar conversando. Tinha umas outras pessoas que faziam reunião com nós pra poder a gente interagir. Tem uma amiga, Ângela, aqui nessa associação também, que ela ajudou muito nós com a convivência com as pessoas, como saber lidar com as pessoas. Foi até importante quando ela entrou pela primeira vez, que ela já ajudava nós de longe. Aí, ela entrou já, nós já tinha um ano e pouco lá, aí ela já entrou organizando a gente para tirar férias, entendeu? Organizando para poder ter as papeladas, para poder a gente entregar para o contador. A gente pegava, colocava no envelope, e a gente nem queria saber como é que era aquilo lá, se estava certo, se estava errado. Mas aí quando ela entrou ajudando nós, acabou, a gente entendeu muita coisa e conviver com as outras pessoas, porque às vezes a gente acaba não convivendo bem, não tem uma vivência boa, não sabe tratar, porque caiu no seu colo assim, rapidinho, entendeu? Cai no seu colo, você não sabe fazer nada. Mas aí hoje, graças a Deus, hoje a gente está num lugar melhor. E lá estava caindo aos pedaços, teve que entrar na justiça, poder tirar nós de lá, botar pra cá. Aí, antes nós não tinha coleta, a coleta eles mesmo que traziam, a coleta pra dentro da associação, a prefeitura que trazia, hoje não, hoje nós mesmo faz a coleta na rua, entendeu? Nós mesmos fazemos os nossos pagamentos. Eu tinha que ir longe pra poder chegar lá, e assim, como eu sou assim, ignorante, vamos dizer, mas não é ignorante, é porque não sabe falar, não sabe conversar. Então, chegava: eu quero isso aqui e pronto, eu não sei fazer, é assim, é simples assim. Eu quero! Não é vocês que tem que fazer? Porque eu não sei, então vocês fazem pra mim. Mas aí dava aquele bafafá. Eu não sabia chegar.
“Tem como fazer?” Não! Eles queriam engolir a gente com casca e tudo. E aí, eu não sabia que eu tinha que falar. “Não, gente, eu vim porque eu não sei fazer. Já que eu tenho que dar conta, então vocês podiam me ajudar, por favor.” Não, a minha fala não era essa. Então, por causa disso... Então, hoje, eu passei já por três vezes, como presidente aqui da associação, já aprendi muita coisa, graças a Deus. Hoje eu abri mão, porque de dois em dois anos troca, eu falei, não, eu não quero voltar, vamos colocar sangue novo. Aí, hoje a gente tem outro presidente na associação, são três, o diretor presidente, o financeiro e o administrativo. Então, hoje a gente divide muitas tarefas aqui. Mas para chegar até aqui a gente sofreu bastante para chegar até esse patamar que nós estamos hoje. Até apresentei pra Carol ali e falei com ela, tá pequeno agora pra nós. Antes era pequeno, agora está mais pequeno ainda, chega muito material por dia aqui, entendeu? São quatro carros, dois de manhã, dois à tarde e dois à noite. Chega mais de seis toneladas de material aqui na associação.
P1 - As pessoas da associação, a maioria são mulheres ou são homens, é misturado, como que é?
R - É meio a meio. Acho que hoje deve estar com uns três homens a mais, eu acho, mais ou menos. Nós somos 41 pessoas.
P1 – Muita gente, né? E vocês reciclam o que, como que funciona? Tem maquinário aí? Só pra quem não conhece, se você puder explicar pra gente.
R - Antes não tinha maquinário. As máquinas que ficou pra associação, foi as máquinas que era dessa firma particular que a gente trabalhava reciclagem. Então, essas máquinas ficaram um bom tempo, acho que foi um ano, mais ou menos, aí dentro de um ano o rapaz veio, e tirou, só deixou uma prensa, que era uma prensa velha da prefeitura, que está aqui hoje ainda. Mas a bichinha é guerreira, tá? Trabalha até hoje. E levou a esteira, mas aí a gente já tinha ganhado no projeto uma esteira do Tetra Pak, então essa esteira ficou para nós trabalhar e eles cederam para nós o bebedor. Então, tinha cozinha, cadeira, entendeu? Tudo eles cederam, só levou mesmo a esteira embora. Aí, com a entrada da Ângela nos ajudando, ela fez projeto, aí nós ganhamos pelo Banco do Brasil, nós ganhamos na época, nós ganhamos prensa, ganhou elevador. Nós ganhamos um monte de material para ficar trabalhando dentro da associação. Então, hoje tudo que tem ali foi projeto. A gente trabalhou em cima disso, quando a gente sabia que tinha alguma coisa. Aí a Ester mais a Ângela vinha, fazia o projeto e nós ganhamos. Na época foi quatrocentos e setenta mil, que deu para comprar prensas, paleteira. E até hoje, quando tem alguma coisa a gente já corre atrás para buscar, para dentro da associação.
P1 - E vocês trabalham com que tipo de material? Como é que vocês entregam? Pra quem que vocês vendem? Enfim, você puder explicar pra mim?
R – Então, igual eu te falei, antes a gente não fazia coleta, hoje a gente faz a coleta, o caminhãozinho sai, faz a coleta e traz aqui na associação. Aí, tem as mulheres na esteira, aí joga lá em cima de uma rampa e desce o material e as mulheres faz separação por cor, pet azul, pet verde, pet fantasia, PAD. PAD colorido, branco. Talvez você não sabe o que que é, você não trabalha nessa área. É litro de kiboa, litro de amaciante, entendeu? Esses negócios assim, a gente separa por cor, entendeu? Litro de iogurte. Aí, vem também aquela separação do pet óleo, jornal, papelão, papel branco, papel colorido, branquíssimo, entendeu? Então, tem 28 tipos de materiais que a gente separa nessa esteira. Esse trabalho para nós caiu do céu, entendeu? Tanto para mim, tanto para as outras famílias que tem aí dentro, porque nós hoje, assim, era tudo vulnerabilidade social, porque essas pessoas vêm de dentro do CRAS hoje, pessoas que já tinham trabalhado no lixão. Outras pessoas não aceitaram vim para associação porque elas não aceitavam regras, e no momento que você tem um grupo coletivo, você tem que ter as regras dentro da associação, porque senão você não consegue conduzir aquilo ali. No momento que nós conseguimos colocar regras na associação, e também colocamos responsabilidade nos grupos, da diretoria, cada um é liderança de algum lugar, assim, do papel branco, da esteira lá de trás, entendeu? Da rota, que é onde pega os papeis. Então, isso melhorou muito dentro da associação. Que antes era só eu no caso, para mim sair de dentro da associação para resolver alguma coisa, tinha que voltar 2, 3 vezes dentro da associação, para poder eles não deixarem nada sem fazer. Hoje, não, hoje a gente já melhorou isso. Também foi com muita ajuda. Tem um pessoal, que é da Vale, rapaz, vou te falar, quando eles vieram aqui fazer a estrutura, palestra. Tem uma senhora chamada Maria, muito inteligente a Maria. E ela é uma pessoa que sabe e tem firmeza naquilo que ela fala. Um dia ela falou: Vocês vão chegar a ganhar R$3.000,00. Ela falava. A lágrima não parava de cair, porque é onde você tira o seu rendimento. Eu pensava, meu Deus, o que eu vou fazer com essas pessoas aqui de dentro, o que eu vou falar? Não tem como eu falar: Gente, acabou o contrato, está todo mundo na rua. Não tem como! Mas nós lutamos, nós lutamos ali, como o apoio do pessoal que trabalha aqui com a gente. E eles não assinaram contrato, mas nós ficamos uns três meses, até nós conseguirmos de novo. E hoje a gente já tem o contrato, graças a Deus, com eles. Tem dificuldade? Sim! Na hora de ir lá? Tem dificuldade. Mas você sabe quando você vê um trem que você tirou do chão. É igual uma casa, você sobe uma casa, você tirou do chão, daqui a pouco... Então, assim, você acaba se sentindo mal por ver nem tanto você não, por ver as outras pessoas em volta que precisa daquele salário para levar mantimento para dentro de casa. A maioria das pessoas aqui paga aluguel, a maioria das pessoas aqui tem filhos, precisa comer. Mas nós conseguimos, com apoio nós conseguimos. A associação pra mim é tudo, entendeu? Eu fico com dó, de chegar um dia, eu ter que sair, porque praticamente isso daqui vira uma família. É uma família, a gente passa o dia todo, semanas, meses, com as mesmas pessoas. E hoje, assim, cabeça, eu penso que a gente deve virar uma empresa melhor. Como é que fala? Uma cooperativa. Como é que fala?
P1 – Uma cooperativa.
R – Isso! Que nós somos uma associação. Mas eu penso que uma cooperativa ia ser bem melhor. A gente precisa hoje de espaço físico para estar colocando todos esses tipos de material que tem. Que está apertado. A gente está aí na luta pra ver se consegue ganhar um lugar pra gente. E é daqui que eu tirei os mantimentos dos meus filhos, esses anos todos eu pude comprar o leite, o arroz, pude comprar carne diferente para os meus filhos. Hoje adquiri um diabete. Foi muito emocionante pra mim a diabete. Quando eu soube que eu estava com diabete eu chorei. Falei: Gente, lá atrás eu não podia comer, porque eu tinha meus filhos para dividir, para dar para eles comerem. Mas hoje eu não vou deixar de comer por causa da diabete, eu vou comer o que eu quero comer. Porque eu não podia, hoje eu tenho condições de comer e não vou comer? Atrás da diabete vem a pressão alta, à vezes ele está trezentos, às vezes ela está duzentos e sessenta. Mas assim, não está me prejudicando em nada. Mas eu procuro comer um pouquinho de cada coisa, se eu ver um doce... Eu não compro doce na minha casa, que eu não posso comer, mas antes eu já nem comprava, que eu sei que na família tinha. Então, assim, eu não compro, mas se alguém come, está ali, me deu, eu vou comer, entendeu? Porque, à vezes, quando eu vejo também, eu quero comer uma coisa doce, eu compro, mas não é sempre. Mas eu não vou deixar de comer por causa da diabete. Aconteceu um emocional, perdi a minha irmão aqui também. Aí, depois que a minha imã morreu, ela trabalhava aqui também, aí eu fiquei doente, com a diabete. E a minha filha tem um problema, psiquiátrico, porque ela viu a minha irmã morrendo, não conseguiu chegar com ela no hospital, aí parou com ela num posto. Aí, depois disso, tem dois anos que eu faço tratamento com a minha filha, em psiquiatra. Até hoje ainda faço tratamento com ela. E ela, tem dois anos, eu acho que ela estava trabalhando com a gente, que ela veio trabalhar, ela apanhava do marido em Vitória, ela fugiu, uma criança especial, e veio para Colatina. Ela ficou um tempo em Pirassu, e depois ela veio trabalhar com a gente. Aqui ela foi acolhida. Ela faleceu e deixou um filho especial, e ele está comigo, com a minha mãe junto. Quando ela terminou a casinha dela, que ela estava fazendo em cima da casa da minha mãe, ela ficou só um mês lá e Deus levou ela, trombose, deu na perna dela. E até então, eu não sabia que trombose matava. Subiu na perna dela, ela foi no médico um dia de sexta-feira, quando foi na segunda-feira, eles me ligaram. Eu não estava nem acreditando. Ela tinha me chamado na casa dela uma domingo pra eu ver a perna dela. Eu falei: _____, vc tem que fazer doop. Já estava tudo marcado para fazer, mas ela não conseguiu. Ela não conseguiu lutar pela vida dela mais. Então, assim, a gente passa altos e baixos. Aqui dentro a gente teve perdas também de associados, sem ser minha irmã. Pessoas que andavam comigo na luta, Dona Penha, o Carlinhos também. Foi acidente de moto, o do Carlinhos. Da Dona Penha, foi infarto, que ela deu, na cada dela, mas ela trabalhava com a gente. E é isso. É complicado. A vida a gente vai_____
P1 – Agora você tem uma casa, né? Você quer me contar como ela é? Como que ela era quando você chegou? O que você mexeu nela? Como ela está hoje?
R – Então, tem essa casa. Eu fiz quatro cômodos atrás dela e um banheiro. Hoje eu tenho um banheiro dentro do meu quarto, pra mim. E fiz mais quatro cômodos em cima da casa, cozinha conjugada e dois quartos com banheiro. Aí, lá eu tenho que acabar de fazer ainda. E assim, pra mim foi ótimo que eu sai do aluguel, vim pra cá com os meus filhos. Mesmo eles sendo grande, separa, vai lá pra casa, entendeu? Então, assim, a minha casa pra mim foi tudo de bom que eu tive na minha vida também. Você sabe que ultimamente, depois da casa, e emprego, trabalho, assim, vem acontecendo coisa boas. Aconteceu coisas ruins, mas aconteceu coisas boas também, que a vida e de altos e baixos, um dia você está triste, uma hora você está com o temperamento ruim, outra você está com o temperamento... Então, assim, não é que você tem duas caras, é a vida durante o seu dia a dia. Acaba você sendo várias carinhas no mesmo dia, entendeu? E com isso a gente vai aprendendo, que também você não viver só de... Você vai num velório, você vai ficar rindo? Não, né? Você não vai rir. Você está ali tristinha também. Agora você está onde está todo mundo alegre, você está alegre também. Então, assim, a gente tenta levar a vida do jeito que dá para levar. Eu acho também, por exemplo, a minha mãe também foi o intuito de eu estar hoje onde eu estou, porque ela é uma mulher guerreira, maravilhosa. Ela é uma pessoa que não desiste nunca. Se está bom... Ela passou mal dois dias, ela passou sábado e domingo mal, segunda-feira ela ficou em casa contra a vontade dela, mas terça-feira ela já estava aqui. É uma pessoa que não falta, só com muita necessidade, entendeu? Então, assim, eu sou o exemplo da minha mãe? Minha mãe é o meu exemplo. Minha mãe é o meu exemplo de vida. Ela sempre me ajudou muito. E eu acho que se todas as pessoas que entrassem aqui, desse valor ao trabalho igual eu, minha mãe e algumas mais, esse negócio aqui ia pipocar, entendeu? Na minha casa, hoje eu moro com o meu menino, meu marido, no caso minha filha, que depende de mim. Somos cinco pessoas que mora na casa. E mais o menino que eu te contei, da minha irmã, que eu pego ele todo final de semana pra ele ficar comigo, pra não ficar só em cima da minha mãe, então eu pego ele pra ficar comigo também. É uma pessoinha que ela deixou, que nós temos que cuidar. E a gente está cuidando.
P1 – Eu queria agora, infelizmente, ir para as últimas perguntas. Até pelo nosso tempo, a gente vai almoçar e tal. Mas me fala uma coisa, tem alguma coisa que você queria falar, ou alguma história, ou alguma mensagem que você queria passar, alguma coisa que você queria lembrar? Antes da gente ir para as perguntas finais. Ou você acha que a gente falou de bastante coisa.
R – É, a gente falou de bastante coisas. Mas você quer que eu fale sobre a conscientização? Porque eu gosto de falar da conscientização do mundo, porque a gente, hoje, por exemplo, a maior riqueza do mundo, a gente joga fora no lixo. E hoje nós temos compromisso com o meio ambiente. E eu gostaria que todo o ser humano tivesse compromisso com o meio ambiente. Pegasse essa doença de catar o material, de não deixar lixo na rua. Que o que não vale para um hoje, vale para outro. Que o lixo é um luxo, você olha nele, você não vê nada, mas ali está uma história, naquele material ali. Você junta aquele material ali, dá uma história de vida pro catador. E não é só o catador daqui de dentro não, é o catador de rua também, quem tem muito catador de rua também. E esse catador de rua, às vezes, precisa mais de ser olhado ainda que a gente que está aqui dentro, que tem um lugar local para trabalhar. E assim, eu vejo... Posso apresentar minha mãe para você? Vou te apresentar agora a fundadora da associação. Vem cá mãe! Vem cá mãe, está bonitinha assim. Ela está se escondendo por causa do cabelinho. Meu Deus! Ela foi lá arrumar o cabelo dela, você acredita? Vou chamar ela para contar a história. Ela vai te falar. Está bonitinha mãe. Vem cá que eu vou apresentar a senhora para o Lucas. Esse é o Lucas.
P1 – Oi! Tudo bom? Bom dia! Como está a senhora?
R2 – Eu estou bem, graças a Deus.
P1 – Prazer conhecer a senhora, viu! A sua filha falou muito bem de você.
R2 – Igualmente.
R – E meu exemplo, né mãe. Meu exemplo vida, essa daqui.
P1 – Como é que é essa história da princesa preta, da capa?
R – Está falando da princesa preta, da filha do rei. Conta essa história pra ele, que ele queria saber um pouquinho.
R2 – Eu já esqueci já.
R – Senhora esqueceu não, a senhora contava para nós.
R 2 – Deixa eu ver como é que é.
R – Vai ver como é que é.
R2 – Não lembro mais não.
R – Nem um pedacinho? Xó, xó, nunca vi filho de rei ser pastor... Não é isso?
R2 – É isso mesmo. É verdade mesmo. A princesa, era uma princesa, que era filha do rei, aí ela pegou e saiu, foi passear, uma pessoa pegou ela e pôs ela para trabalhar. Aí, ela estava querendo chegar perto de uma pessoa muito estimada, que ela tinha um sonho, chegar perto de uma pessoa, e aquela pessoa estava longe do caminho dela. E ela tinha que sair para ver aquela pessoa, aí quando chegou no riacho muito grande, aí começou uma pessoa lá e falou com ela: Você vai pra minha casa e ali você vai trabalhar. Aí, pós ela para tomar conta de patinho. Aí, ela ia para o rio tomar conta de patinho, aí ela cantava: Xó, xó pato, nunca vi filha de rei ser pastora de pato. Aí, ele viu ela cantando assim. Todo dia ela cantava essa música. Aí, um dia a mulher viu ela cantando. Essa mulher falou assim: Mas por que você canta essa música? É porque eu sou filha de rei, eu não sou filha de qualquer pessoa. Aí, a mulher pegou: Mas por que você esta aqui? Não, porque eu quero chegar perto de uma pessoa e essa pessoa, eu dependo dessa pessoa. Aí, essa pessoa chegou, ela chegou perto da pessoa, a mulher. Pra você chegar perto dessa pessoa, você vai ter que dormir três noites, tem três portas antes de você chegar nessa pessoa. Aí, essa pessoa pegava e falava assim: Tá bom, então você vai deixar eu dormir na sua porta. Que ela pediu o patinho pra ela, né. Aí ela falou: Não, eu só te dou esse patinho se você deixar eu dormir na porta da sua cozinha. Ela falou assim: Então tá bom, leva os patinhos e você pode dormir. Aí ela dormiu. Aí, quando foi de noite ela cantou. Aí já não cantou aquela musiquinha, já cantou outra musiquinha, que a pessoa conhecia. ______Aí passou, ai no outro dia ela já foi com os outros dois patinhos. Ai chegou lá outros patinhos mais bonitinhos, pôs para brincar no riacho. Aí a mulher está lá conversando. “Ah, fulana, outro patinho mais bonitinho, dá ele pra mim?” “Não, eu só dou esse patinho se você deixar eu dormir na porta do meio. “Não, pode dormir que eu te dou.” “Pois eu deixo eu dormir.” Ela pegou e deu o patinho. Aí, ela foi e dormiu na porta do meio. Aí de noite acordou com outra musiquinha. Ai quando foi na terceira noite, de novo. Aí ela conversando com ela, foi pro rio de novo, chegou lá, estava brincando com os patinhos dela. “Ah fulana, mais bonitinho, me dá esse patinho pra mim.” “Não, só dó esse patinho se você deixar eu dormir na porta do quarto.” Porque ela cantava e ele não tinha ouvido. Ai ela pegou e deixou. “Então, pode dormir.” Deu a oportunidade dela dormir nesse lugar. Aí cantou musiquinha de novo _______. Aí, quando ela cantou três vezes, ele escutou. Ai ele escutou e veio até ela, entendeu? Aí ela achou o príncipe dela e viveram felizes para sempre. Mas menino faz a gente lembrar de cada coisa.
R – Eu estava contando pra ele mãe, que puxou lá pra trás da minha vida. Lá do Paraíso, onde eu nasci. Eu estava contando pra ele as histórias.
R2 – Paraíso abençoado.
R – Você viu que ela falou que é abençoado.
P1São duas princesas que estão aí na verdade, né? Duas princesas.
R – Nosso príncipe.
P1 – Ah, é ruim! Eu não estou nem aos pés de vocês. Mas, olha, queria perguntar pra você, pra gente terminar com chave de ouro. Como é que foi contar um pouquinho da sua história pra gente? A história da senhora sua mãe que está do seu lado? O que você sentiu?
R – Então, pra mim foi bem graduado, amei! Gostei muito! Assim, eu gosto quando as pessoas se interessam pelo meu trabalho. Eu sou muito falante sobre a minha vida, sou uma pessoa falante sobre a minha vida, mas tem coisas que a gente não fala, você viu que não teve como chorar. É até bom que faz parte também. Mas assim, quando a pessoa interessa pelo o que a tente faz, isso é importante. Isso é importante e vocês deixam a gente importante, porque está se interessando por um trabalho da gente, pela vida da gente. Não é mesmo mãe? Porque a vida da gente, a gente não sai contando para qualquer um não. Vocês que pediram, né? Vamos conversar um pouquinho. Mas na verdade eu pensei que eu ia falar só mais do trabalho, entendeu? Aí, assim, eu não sabia que pegava desde lá do início, tal, esse negócio não. Mas eu achei interessante essa parte que vocês fazem as pergunta, interessa pelo trabalho, pela família. É um aprendizado. E eu estou aqui cada vez mais, que eu preciso aprender, eu vou aprender, tudo que eu aprendi com a minha mãe, entendeu? E agora também aprendendo mais com vocês aí, vocês ainda querendo saber se está bem, se não está bem, entendeu? Isso é importante pra gente, a gente se sente assim, empoderada. Eu estou me sentindo empodera, viu! Por essa entrevista, eu vou te falar a verdade. Eu sou já uma mulher empoderada, agora, depois dessa entrevista, eu estou mais empoderada ainda, você nem sabe.
P1 - Maravilha, Gilvana, obrigado, viu! Na verdade é a gente. Eu e o Alisson, que agradece. O museu da pessoa agradece, a gente é um museu em que a obra de arte que a gente guarda é a vida das pessoas, é a vida sua, de pessoas como a sua mãe também. Então, todo mundo tem uma história importante de contar, de ouvir. E foi uma honra, na verdade, ouvir.
R – Deixa eu te apresentar a Ângela que mencionei pra você.
P1 – Ah, ela está aí também.
R – Vem cá! Não, eu estou arrodiada de mulher bonita aqui.
P1 – Olá! Tudo bem?
R3 – Tudo bem! Prazer em conhece-los.
R - Essa aqui que é o foco da associação, a mulher dos projetos, que traz as coisas pra dentro da associação. E além disso, ela é nossa conselheira. E ela é meu amorzinho de pessoa também.
P1 – Maravilha! Muito importante. Parabéns pelo trabalho seu também Angela.
R – Obrigada! Parabéns pelo trabalho de vocês, por valorizar o trabalho dessas mulheres, que para mim é inspiração de trabalho, de força, de resistência. Tem toda uma história de muita luta e muito desafio. Então, valorizar essa história para mim é muito bom.
P1 - Agora a história da Dilvana vai virar peça de exposição.
R – É isso aí! Fico feliz.
P1 - Tem muita gente aí, então, né? Você contou, se emocionou, chorou, mas....
R – E eles tudo escutando do outro lado. Não é só Carol que estava aqui não, tem mais ali ainda. Verônica?
R3 – Está lá fora. Só o Tales e a diretoria.
R - Vou deixar a diretoria quietinha lá.
1:41:44 - Você foi muito corajosa de contar tudo isso assim, a gente mal se conhece, eu não conseguiria falar desse jeito assim com a minha mãe, Carol aí.
R - Eu consigo, eu consigo, que eu acho que estava precisando sair mesmo. O Alisson, você é tão feliz, eu estou gostando de ver seu sorrisão também, tá.
R2 – Eu quero falar também que essa historinha que eu contei pra ela, e a historinha que a minha mãe contava pra nós quando eu era criança.
P1 – Olha, tem mais de 100 anos essa história, né?
R - E eu nunca esqueci dessa história, sempre lembro dela, dessa história. Minha mãe é muito guerreira, ela tá aqui em pé hoje, viva. Viva, hoje, ela tem que agradecer muito a Deus e nós também, por ela cuidar de nós. Mas meu pai judiava muito dela, até na cabeça da minha mãe o meu pai... Para mãe, é a minha vida. Mas só que ele não deixava de levar as comprinhas pra dentro de casa. Mas ela achava que estava bem. Você está vendo? Ela achava que ela estava bem, mas ela não estava bem também, ela também estava sendo assim, maltratada, sem perceber que era maltratada pelo meu pai, entendeu? Então, assim, hoje, assim, hoje ela é uma mulher solo, mas hoje ela já é uma pessoa que sabe se defender, entendeu? Antes ela não sabia. Um monte de filhos também. E acabou se arrastando, todas as mulheres da família foi passando quase igual a mesma coisa, entendeu? A repetição dela, do esposo que estava na cadeia. Aí, eu passei por isso também, tá? E o resta também. Meu último relacionamento que eu estou, tá bom?
P1 - Mas vocês estão libertas hoje, né? Estão com autonomia.
R – Hoje nós estamos empoderadas. E o trabalho traz isso também. Nós trabalho aqui, aí nós temos psicólogo, se a gente precisa, a gente vai na psicóloga conversar, entendeu? Não é que tem aqui, aqui a gente, a diretoria convence as pessoas vim fazer tratamento, pra poder não sofrer, né? Então, assim, nós não fica à mercê assim, igual lá na roça. Lá na roça não tinha ninguém para ajudar a gente, entendeu? Hoje não, hoje você está rodiada de pessoas que querem te ajudar. Talvez você tenha um problema que você não identifica, mas um colega seu vai identificar aquele problema, entendeu? Então, assim, hoje a gente, graças a Deus, a gente pode dizer, né mãe, que hoje a gente está...
R2 - Só está faltando um pouquinho para eu chegar no céu.
P1 - Está nada.
R2 – As provas de vida eu já passei tudo.
R - Deus só dá a provação para aquele que consegue se libertar nela. E consegue lutar e vencer ela. Porque senão Deus não dava, tá. Por várias vezes, você tem um problema aqui, aquele problema não surgiu do nada não, porque você vai conseguir vencer aquela pedra que está ali, entendeu? E o meu obstáculo é esse, eu enfrento uma hoje, pode vir 2, 3 amanhã, que eu enfrento também, sou igual leão.
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