P - Vilma, pra começar eu queria que você dissesse o seu nome completo, a data e o local onde você nasceu?
R - Meu nome é Vilma Aparecida Alves dos Santos, eu nasci no dia 31 de agosto de 1973, em Belo Oriente, Minas Gerais. Fica próximo à Governador Valadares, Ipatinga, são hoje as mais conhecidas.
P - A sua família é dessa região, Vilma?
R - É, minha família é de lá, de Joanésia, lá “nas proximidades”.
P - Oquê você sabe da origem da sua família? Por parte de mãe e depois por parte de pai?
R - Olha, por parte do parte do meu pai eu não sei muita coisa. Da minha mãe eu conheci a minha avó, que por sinal era uma pessoa extremamente difícil de lidar. A gente teve pouca convivência com ela, não era aquela vó muito próxima da gente. Se chamava Maria Bernardina. Ela viveu até o ano passado. Ela era uma pessoa boa. Só que não tinha “aquele contato com os netos”. E a minha mãe teve pouco contato porque ela era muito doente e trabalhava muito na roça, ela veio a falecer, eu tinha uns 6 para 7 anos, então, o meu contato não foi muito com ela.
P - Como ela se chamava?
R - Maria de Lourdes.
P - Mas, você sabe um pouquinho da infância da sua mãe? Você falou que eles eram da roça?
R - Era. É uma história, da minha avó é muito pouca coisa. Porque, o que eu sei é que a minha bisavó, parece que veio de uma família de índio. Que foi pega no laço e daí veio a minha avó, só conheço assim, as coisas bem poucas, porque a minha mãe faleceu muito cedo, eu não tive muito contato com esse lado familiar. Eu fui mais crescida no mundo sozinha. Fiquei com o meu pai, meus irmãos.
P - O seu pai como se chamava?
R - Antonio Alves.
P - E ele contava alguma coisa da infância dele?
R - Não, só quando a gente fazia alguma travessura, que ele reclamava, dizia que nunca tinha feito aquilo, que era um bom filho. Que nunca imaginou que a gente fosse tão travesso como era, mas nunca foi de falar muito, aquelas pessoas...
Continuar leituraP - Vilma, pra começar eu queria que você dissesse o seu nome completo, a data e o local onde você nasceu?
R - Meu nome é Vilma Aparecida Alves dos Santos, eu nasci no dia 31 de agosto de 1973, em Belo Oriente, Minas Gerais. Fica próximo à Governador Valadares, Ipatinga, são hoje as mais conhecidas.
P - A sua família é dessa região, Vilma?
R - É, minha família é de lá, de Joanésia, lá “nas proximidades”.
P - Oquê você sabe da origem da sua família? Por parte de mãe e depois por parte de pai?
R - Olha, por parte do parte do meu pai eu não sei muita coisa. Da minha mãe eu conheci a minha avó, que por sinal era uma pessoa extremamente difícil de lidar. A gente teve pouca convivência com ela, não era aquela vó muito próxima da gente. Se chamava Maria Bernardina. Ela viveu até o ano passado. Ela era uma pessoa boa. Só que não tinha “aquele contato com os netos”. E a minha mãe teve pouco contato porque ela era muito doente e trabalhava muito na roça, ela veio a falecer, eu tinha uns 6 para 7 anos, então, o meu contato não foi muito com ela.
P - Como ela se chamava?
R - Maria de Lourdes.
P - Mas, você sabe um pouquinho da infância da sua mãe? Você falou que eles eram da roça?
R - Era. É uma história, da minha avó é muito pouca coisa. Porque, o que eu sei é que a minha bisavó, parece que veio de uma família de índio. Que foi pega no laço e daí veio a minha avó, só conheço assim, as coisas bem poucas, porque a minha mãe faleceu muito cedo, eu não tive muito contato com esse lado familiar. Eu fui mais crescida no mundo sozinha. Fiquei com o meu pai, meus irmãos.
P - O seu pai como se chamava?
R - Antonio Alves.
P - E ele contava alguma coisa da infância dele?
R - Não, só quando a gente fazia alguma travessura, que ele reclamava, dizia que nunca tinha feito aquilo, que era um bom filho. Que nunca imaginou que a gente fosse tão travesso como era, mas nunca foi de falar muito, aquelas pessoas daquela época, eles não eram muito de comentar sobre a vida deles. Acho que eles tinham medo de passar aquilo pro filho. Ele não era muito de comentar, era muito pouca coisa.
P - Ele trabalhava com o quê, o seu pai?
R - Ele trabalhava na roça, ele era trabalhador rural. Ele era aqueles marmitinha que a gente tinha mesmo. Trabalhava o dia-a-dia pra sobrevivência. A gente plantava milho, arroz, feijão. Eu ajudei muito nessas tarefas. Quando a minha mãe faleceu, eu fiquei com a minha irmã na cidade de Ipatinga, um período. Aí eu acabei fugindo da casa dela e indo embora pro meu pai, porque eu não me identificava muito bem com ela, eu tinha 7 para 8 anos, eu quis estudar. Eu fugi pra casa do meu pai, e quando eu cheguei lá, meu pai me colocou na escola, eu fui estudar e não quis mais voltar. Aí fui viver aquela vida ali de criança que podia tudo. Podia tudo e vivia de qualquer jeito. Não tinha ninguém pra controlar, não tinha ninguém pra mandar fazer nada, quer dizer, a gente era dona de si própria, aprendeu a crescer por si só. Meu pai também, não era aquele pai muito presente. Então, a gente ficou, eu e meus dois irmãos, que era o Joel e o Zé Eustáquio.
P - Quantos irmãos são?
R - 9. Éramos em 9. A mais velha é a Maria da Penha, que essa é a única história que a gente sabe, que antes de casar, ela levou uma bela de uma surra que o meu pai deu, porque ele não aceitava o casamento, mas mesmo assim ela insistiu em casar e foram ser felizes. E depois tem a Maria de Lourdes, depois tem a Cleusa, a Célia, José Eustáquio, Joel e Vilma. E temos um outro irmão, que é o José Alves, que esse era filho de uma irmã do meu pai, a minha mãe pegou com 1 mês de idade criou, então, esse outro irmão da gente, ao todo somos 9. Eu sou a mais nova.
P - A mais nova desses primeiros anos. Quado a sua mãe estava ainda viva, oquê que você lembra, desse começo de infância?
R - Eu lembro muito da parte em que ela era muito doente, quando ela ia pro hospital, a ambulância buscava. Eu sempre ia correndo atrás da ambulância. Ela tinha bariga d’água, ela não podia ficar trabalhando serviço pesado. Só que ela chagava do hospital e ia pra roça. Trabalhar pra sustentar a gente. Quando ela ia pro hospital, a minha irmã Maria, que mora em Vitória, ela me buscava, ela trabalhava em Ipatinga, pra mim ficar na casa dela enquanto a minha mãe estava internada no Marcio Cunha, no hospital Marcio Cunha. Eu ia visitar a minha mãe, ela vinha pelo corredor, pra mim ficar fora. As pessoas sempre falaram que ela tinha muito contato comigo, que ela gostava muito. A última vez que eu fui visitar a minha mãe, eu cheguei no hospital e eles não deixaram eu entrar pra ver ela, falaram assim, que não podia. Então... Ah gente, desculpa São coisas que estavam guardadas a tantos anos. Eu me lembro que tinha uma enfermeira na porta, eu queria entrar a enfermeira não deixou. Eu encostei na porta, comecei a chorar, chorar, aí ela falou assim: “Não, você não vai entrar, se você insistir pra entrar eu vou colocar você lá, vou te aplicar um monte de injeção”. Eu falei: “tudo bem, desde que eu fique com a minha mãe, pra mim tudo bem”. Ela falou: “Não, mas eu não vou deixar a sua mãe aqui, sua mãe vai sair daqui”. Eu falei: “ela vai deixar eu junto com a minha mãe?”, eu fiquei um tempo lá chorando, esperando, pedindo a ela pra deixar eu ver a minha mãe, que nesse dia minha mãe não podia vim cá fora me ver, que ela estava com soro nas pernas. Eu fiquei lá chorando, até hoje eu imagino que foi uma coisa de Deus. De repente ela entrou numa porta, quando ela entrou eu entrei correndo por aquele corredor. Entrei na porta do quarto, subi correndo em cima da cama, pulei em cima da minha mãe, criança, né? Abracei ela, minha irmã me trouxe de volta pra fora. Nossa, foi o tempo deu chegar cá fora ela chegou também, a enfermeira. Ela dizia que ia fazer um monte de coisa comigo, me amedrontando pra eu não entrar. Quando eu estava cá fora, ela falou: “Ah, você parou de chorar agora? No próximo final de semana você vai ficar com a sua mãe. Sua mãe vai embora”. Falei: “não, minha mãe não vai embora”. Ela falou: “vai, no final de semana ela vai ficar com você”. Falei: “ela não vai sair daqui”. Nem nunca imaginei porque eu estava dizendo aquilo. Fui pra casa, passou a semana, no final de semana minha irmã fez um frango com quiabo, que minha mãe gostava muito. Só que na noite anterior eu tive um sonho horrível, um pesadelo muito estranho, que eu me lembro dele até hoje, como se fosse hoje. Minha irmã me acordou de madrugada, assustada, me molhando perguntando o quê que estava acontecendo. É como se a minha mãe tivesse vindo se despedir de mim naquela noite. Quando foi as nove horas da manhã ela foi pro hospital, ela falou: “vou levar comida pra mamãe”. Falei: “mãe não vai comer, que mãe não estava lá”. Ela tinha mania de me beliscar. Ela falou: “não fala assim da mamãe”. Ela pegou e foi embora, até chegar no hospital e tocou de volta, avisando que minha mãe tinha falecido aquela madrugada. Daí pra cá eu fui ficar com o meu pai, foi onde eu fugi da casa da minha irmã, fui ficar com o meu pai. O meu pai dizia assim: “pra escola do mundo, ensina”. E eu fui aprendendo o que eu pude.
P - Você falou que gostava de estudar. Foi uma época quê você voltou pra escola?
R - Eu queria estudar, porque depois disso tudo eu pensava em ser diferente. Eu pensava de não falar com aquele sotaque regional, eu não gostava. Eu começava a ler os livros e perguntava: “mas por quê que as pessoas tem que falar dessa maneira se o português que está no livro não é assim? Então, eu sempre quis mudar essa história. As pessoas falavam: “Vilma, você vai crescer, vai ser que nem as suas irmãs, vai embora pra São Paulo”. Aí digo: “não, não vou, vô ficar aqui”. Acabou que, com 13, 14 anos eu liguei pra minha irmã e pedi a ela pra me buscar, pra mim vir.
Eu estudava em uma escola pública, escola municipal lá da roça mesmo. Os professores de lá eram muito bons, muito rígidos, era aquela coisa meio de mãe. Quem ia nas minhas reuniões era a própria diretora da escola, que me dava bronca, quem me chamava atenção. Foi uma época difícil pra mim, porque eu não tinha o auxílio de família, quem me ajudasse a me dar nada. Pra mim ir pra escola mesmo, quer dizer, a gente lá na roça a gente ia descalço, sem o chinelo no pé. Eu cortava calça jeans do meu pai, abria, pegava linha de nylon costurava do lado, pegava com a faca cortava, fazia uma cintura vestia pra ir pra escola. Eu fui estudando, mas quando chegou no ginásio na 5ª série, veio a necessidade de não continuar. Porque eu já estava ficando mocinha, já não tinha como eu ir mais descalça pra escola, de ir com qualquer roupa, que eu costurava lá de qualquer jeito, eu fui ficando com vergonha e eu tinha muito medo de repetir de ano, levar bomba, nossa Isso pra mim sempre foi uma coisa muito assustadora, não podia acontecer isso comigo.
Quando eu estudava de manhã, eu ia pra escola de manhã, saia da escola meio dia e já ia direto pra roça pra plantar milho, plantar feijão, plantar arroz no barro. Meu pai ia com um enxadãozinho cavando na frente, fazendo as covas, e eu iá jogando, contando 5 grãos de milho em cada cova e tampando. Feijão a mesma coisa, era 3 grãozinhos em cada cova com espaço de 50 cm de uma cova pra outra. O arroz também, a gente ia e plantava, só que era mais na parte de lama mesmo. Eu chegava a trabalhar com a lama até a cintura, dentro da lama, plantando arroz.
P - Era terra de vocês Vilma?
R –Não era nossa não. A gente planta lá à terça ou à meia, por exemplo, a pessoa tem a terra, ele dá a terra e a semente, aí a gente planta à meia, a gente entra com a mão de obra e quando na colheita, fica metade pra ele e metade pra gente, ou se ele dá só a terra, a gente compra a semente aí fica com a terça parte pra ele e pra gente, entendeu?
P - E as suas irmãs eram casadas?
R - Minhas irmãs todas já tinham ido embora, tinha poucas em casa, quando a minha mãe faleceu foram todas embora. Só fiquei eu, com uns 7 anos, meu irmão com 9, Joel com 9 e Zé Eustáquio com 11. Aí quando Zé Eustáquio completou 13 anos ele caiu fora, aí ficou eu e o Joel.
P - Tinha o estudo, tinha o trabalho, tinhas as bricadeiras também? Quê que você lembra de gostoso dessa época?
R - Tinha muita travessura, nossa, era muito bom. Ah, eu sempre falo assim, que se fosse aqui eu seria presa. É, porque naquela época a gente era criança muito livre. A gente ia buscar lenha no mato, pra fazer aqueles feches de lenha, jogava na cabeça e trazia pra casa, também punha os cachorros pra trazer lenha, amarrava nos cachorro pra trazer lenha.
Era fogão à lenha. A gente ia buscar bambú em outra montanha, pra fazer cerca, pro gado não comer as plantas, as plantações. Então, tudo aquilo, matar passarinho, tudo aquilo pra gente era uma diversão, tudo que a gente fazia, a gente tinha brincadeira. A gente não tinha aquela coisa de boneca, carrinho, não. A gente inventava as brincadeiras. Sem contar que pegava aquelas coisas de coqueiro e ficava se arrastando morro a baixo no meio da terra.
P - Quê imagem você lembra dessa tua casa, desse lugar aonde vocês moravam?
R - A minha casa era muito simples, uma casa de sapé. Não sei se vocês conhecem o quê é sapé? É feita de pau a pique. Não era tijolo, era feita de barro. Então, de vez em quando eu dava a louca, eu ia lá tirava o barro branco e caiava toda a casa, ficava bem branquinha. Se usava muito no chão, eu gostava muito de passar cocô de boi, que ela ficava bem verdinho o chão, depois varria ficava bem verdinha. Então, eu fazia desenhos na casa pra ficar bonita. Desenhava sempre flores. Eu sempre gostei de desenhar flores em casa, no chão, eu fazia as flores, como se fossem umas pétalas com o branco. E dentro de verde, sabe? Que era o que a gente usava lá na roça, lá naquela época. ficava como se fosse uma pintura. De uma semana pra outra. Eu não tinha o cuidado de fazer isso sempre, era só de vez em quando, eu queria dar uma de mocinha e limpar tudo.
P - E a cidade mais próxima, qual era, Vilma?
R - Ipatinga. De Belo Oriente, a gente ia, são duas léguas e meia, de lá pra cá.
Ia sempre, principalmente vender manga, a gente saia de madrugada, eu, meu irmão, com 150 mangas dentro do balaio e ia vender na cidade, pra comprar alimento. Vendia na rua, na cidade, porque como a gente morava na roça, a manga é mais doce, tem mais variedade. A gente ia, vendia. Levava na cabeça, o pescoço entrava pra dentro de tão pesado. A gente vendia ia lá comprava arroz, sal, óleo, feijão, quando não tinha de colheita, principalmente época que não tinha colheita. O que sobrava ia comprar pão, bala, cigarro, pela rua. A gente levava já pra comprar pão, meu irmão gostava de fumar, aí a gente juntava tudo e ia gastar.
P - E além do centro, tinha algum lugar que vocês gostavam de ir? Quê que você lembra da cidadezinha?
R - Na cidade a gente não gostava muito de ficar, tinha minha vó que morava, que ia chamar a atenção da gente se visse alguma coisa. Tinha muitas pessoas que conheciam a minha mãe. E eu tinha muito medo de polícia naquela época, então, eu não gostava muito da cidade. Em casa tinha uma espingarda, e a gente vivia treinando com ela, matar passarinho, atirando em bicho e falavam assim, que quando fosse tirar a identidade, a digital ia estar lá, iam me prender. Eu cresci com muito medo da polícia e vim pra cidade. Às vezes eu estava andando de cabeça baixa, quando eu olhava tava de frente, aí eu: Nossa Eu saia correndo, eu tinha pavor da polícia.
P - Você falou que sua vó morava aonde? Eu não entendi.
R - Ela morava lá em Belo Horiente, na cidade...
P - Em Belo Horiente. No centro?
R - Isso, no centro, uns anos depois ela veio morar no centro, lá na cidade. As pessoas falavam que ela ficou muito chateada depois que a minha mãe morreu e ela não se sentia bem lá em casa. Ela não gostava de ir lá em casa, que lembrava muito a minha mãe, foi uma vida muito sofrida, lá no meio daquele mato, imagina? Mas eu gostava.
P - Você tem uma lembrança? Qual a lembrança, mais feliz quê você tem da sua mãe, Vilma? Assim de momento?
R - Ah, eu sempre deitada com ela, ou então, ela mandando as meninas limpar arroz, porque era tudo no pilão, não sei se você já ouviu falar de pilão?
P - Hã hã, sim.
R - A gente limpava arroz no pilão. Batendo ele até limpar, quando ela mandava as meninas limparem arroz pra mim fazer comidinha no fogãozinho de lenha lá fora que tinha. Como eu era pequena, elas mandavam fazer, eu fazia o fogão, elas faziam o fogão e limpavam o arroz, e tirar pedra do arroz, pra mim fazer lá, pra depois não dar pra elas. Ah, uma coisa que eu lembro, isso era legal.
P - E como é quê foi essa saída de lá? Você veio pra São Paulo?
R - Isso. Logo com 12 anos, com 11 anos eu parei de estudar, foi a parte que eu parei de estudar, fui trabalhar numa fazenda, eu trabalhava na fazenda, eu ficava lá. Depois o meu pai, eu fui perdendo o contato com o meu pai, que meu pai não ia lá me ver, então, eu trabalhava e dava o dinheiro pra ele, pra ajudar ele, mas aí começou a ficar pouco, não ser o suficiente. Num lugar que eu vivia trancada ali dentro daquela fazenda. São pessoas maravilhosas, que me ajudaram muito. Foram pessoas que foram uma mãe pra mim. Nessa época não tinha o menor contato com as minhas irmãs, só com uma.
P - O Quê que você fazia na fazenda?
R - Eu ajudava ela na casa, limpava, varria o quintal. Tratar, cuidar dos bichos. Tinha muita galinha, muito pato. A Maria Augusta era uma pessoa que tinha, ela era uma professora e ela tinha câncer, então ela não podia fazer muito esforço. E o pai dela também já era um senhor muito doente, que quase não andava, e ela cuidava dele. Eu ficava lá ajudando ela. Eles meio que me adotaram como uma filha, porque eles não foram os patrões. Depois, o meu pai começou a, sei lá, viver a vida dele clandestinamente, eles não acharam justo que eu continuasse dando dinheiro pra ele. Antes eu ia e vinha todo dia com um boiadeiro que tinha lá, só que eles tinham umas brincadeiras muito chata, eu cheguei pra eles e falei, eles chamaram meu pai, que conversou com eles e falou que eu não ia mais, que eu ia ficá lá, que se ele quisesse me ver que ele fosse lá. Naquela época eu não entendi o quê que era, mas ele sabia o que estava fazendo. Depois, quando eu fui pra casa do meu pai, que eu já estava com 14 anos, 13 anos, eu voltei pra casa do meu pai. Mas aí eu já tava adolescente, mocinha, já queria viver, foi quando eu liguei pra minha irmã e pedi pra ela ir me buscar, que eu queria passar uns tempos aqui. Ela foi lá me buscar, eu vim..., só que depois eu queria voltar.
P - Você lembra dessa viagem de vinda pra São Paulo?
R - Lembro, lembro sim. Nossa Foi a última vez que eu dormi no mato.
Eu vim com a Creusa minha irmã. Porque ela foi me buscar e ela levou uma saia amarela pra mim. Uma mini-saia amarela, uma blusinha branca, um perfume da paulista, como é quê chama aquele perfume, que era com alguma coisa de São Paulo? Nossa Paulista Um perfume paulista pra mim, um tênis, nossa Foi uma alegria, foi num sábado de Alelúia e a gente foi pra festa, queimamos o Judas, passei a noite na festa, no outro dia meu pai ficou muito bravo.A gente queria dormir, não podia, chegamos a dormir na bananeira, no meio das folhas de banana, eu e meu irmão. Aí eu vim, nessa época foi em 87, quando eu vim pra cá, foi em abril de 87.
P - Essa festa foi antes de você vir pra São Paulo? Foi na noite anterior?
P - Você lembra dessa sua chegada em São Paulo? Qual a imagem quê você tinha de São Paulo? Uma cidade nova...
R - Então, eu imaginava uma cidade onde não tivesse árvore, onde não tivesse pedra, eu imaginava que só tinha coisas muito bonitas, que não existia periferia, quer dizer, eu não sabia o quê era isso. Sabia o que era a roça e a cidadezinha que era Belo Oriente, Ipatinga. Eu imaginava que quando eu vinha de lá pra cá eu ficava deslumbrada. Nossa Aqui tem árvore, aqui tem terra. Então, eu imaginava que a cidade era uma coisa que não existia. Quando eu cheguei aqui. Nossa Muito tumulto, muita gente. No começo foi legal, que eu comecei a conhecer as minhas irmãs, que tinha uma irmã minha que desde que minha mãe faleceu eu nunca mais tinha visto. Eu fui vê-la, quando eu fui conhecê-la de novo. A primeira semana, o primeiro mês, foi legal, mas depois...
P - Quê bairro é? Você lembra, que bairro era?
R - Nesse mesmo que eu moro hoje, Alto do Riviera. Fica depois do Jardim Angela, conhece o Jardim Angela ou Santo Amaro? Pra aqueles lados, zona sul.
P - Quando você chegou nessa época, lá era bem afastado? Lá tinha bastante mato, árvore, terra, parecia um interiorzinho?
R - Tinha, tinha sim. É perto da represa. Não sei se já ouviu falar do Parque Ecológico de Guarapiranga? Fica bem do lado, a gente vai a pé, 10 minutos da minha casa até lá, bem pertinho.
P - E o quê que você começou a fazer aqui em São Paulo?
R - A minha irmã trabalhava em casa de família, dormia no emprego e tinha dois filhos. Eu ficava na casa dela cuidando deles pra ela trabalhar. Ela só vinha no final de semana pra casa. Eu ficava, ela vinha. Depois eu fui trabalhar em casa de família, dormia no emprego também, vinha em casa só de 15 em 15 dias, até os meus 17 anos.
P - E além do trabalho, que outras coisas você foi descobrindo em São Paulo?
R - Olha, eu vivi bem menos do que lá em Minas, lá eu tinha muito o que fazer, aqui não, aqui eu nunca gostei, as pessoas gostavam muito de sair, me chamavam muito pra salão, pra sair, mas eu não gostava. Meu negócio era ouvir música, era só ouvir música no último volume. Isso era o que eu gostava, do rock, samba, rock, até hoje são as música que eu curto mais.
P - Quem eram os teus favoritos lá, nessa época, você lembra?
R - A Cyndi Lauper, Elvis Presley, a gente ouvia muito, Martinho da Vila, eram os meus favoritos. Depois eu fui trabalhar em casa de família, fiquei trabalhando um tempo, dormia no emprego. Depois eu fui morar com o pai da minha filha, que é essa que vai fazer 16 anos agora.
P - Como ela chama?
R - Juliete. Fui morar com o Zé Maria, foi uma pessoa muito boa pra mim. Fui morar em São Bernardo do Campo, foi o tempo que eu fiquei afastada desse lugar que eu moro hoje, foram 7 anos que eu morei em São Bernardo do Campo.
Meu ex-marido era amigo da minha irmã, eles também são de Minas. Eu conheci a família dele, que por sinal foram pessoas muito legais, acho que quem não deu muito certo fui eu. Acho que eu era muito nova quando me envolvi com ele. Ele tinha uma história parecida com a minha. O meu problema maior na vida é que eu nunca tive coragem de dizer não. Eu sempre ficava pensando que eu não podia magoar ninguém, eu tinha que sempre dizer sim, eu nunca podia dizer não. Aí fui viver com ele, tive a minha fillha Juliete. Quando ela tinha 4 anos eu estava com 21 anos, eu queria trabalhar, eu queria viver um outro mundo, que nem quando eu queria vir de Minas pra cá. Aí juntei minhas coisas e fui embora, eu estava trabalhando, fui pagar aluguel.
P - Conta um pouquinho do nascimento da Juliete, como é quê foi a sua fase de gravidez, o nascimento dela?
R - É uma coisa que eu queria muito, desde criança eu sonhava em ter uma menina, desde quando eu ia visitar a minha mãe no hospital e tinha aquele monte de crianças chorando, gritando mãe, eu sempre queria uma menina, eu sempre pedia para pegar uma menina pra mim. Foi muito bom, porque minha primeira filha foi justo uma menina. Mas hoje eu tenho consciência que foi muito nova, eu tinha 17 anos, quando ela nasceu eu tinha 18 anos. Hoje eu tenho consciência que não é uma idade legal para se ter filho, a gente não tem muita noção de muita coisa não.
P - Por quê o teu di-a-dia mudou com o nascimento dela?
R –Não que tenha mudado, mas eu acho que por mais que eu tivesse responsabilidade, as pessoas me diziam que eu era uma pessoa muito responsável, tudo. Eu sabia cuidar direitinho, mas não tinha aquela coisa de ser mãe. Aquele amor de mãe. Eu acho que não sabia diferenciar isso. Cuidar, dar as coisas na hora certa, deixar tudo bonitinho, isso aí tudo eu sabia, não deixar acontecer nada, mas faltou aquela coisa de mãe. É o que eu sinto que faltou nela, foi isso.
Eu não trabalhava, eu ficava com ela. Eu comecei a trabalhar quando ela já estava com quase 1 aninho, porque aí eu via a necessidade de trabalhar pra ajuda em casa. Porque ele sozinho não estava dando conta, já tinha uma criança ali que precisava de roupa, calçado. Eu queria que ela vivesse bem, eu não queria que ela passasse nem perto daquela infância que eu tive. Então, eu comecei a trabalhar, pagava pra vizinha cuidar dela e vinha, trabalhavar, morava em São Bernardo do Campo e trabalhava aqui na Praça da árvore, São Judas. Trabalhava de diarista, parei de dormir e passei a ser diarista. Fiquei um bom tempo trabalhando como diarista, depois eu parei de trabalhar como diarista. Trabalhava aqui na Vila Mariana, escritório da Matel, fazendo faxina, pessoal também que eu tenho contato até hoje.
P - E quando você parte para essa nova fase? Que você falou que teve uma época que você saiu de São Bernardo? Você e sua filha?
R - Quando ela estava com seus 4 aninhos, eu comecei a ver que aquilo não era mais um mundo pra mim. Quis mudar alguma coisa, aí juntei minhas coisas e vim embora, falei: Filha você quer ir com a mãe? Mãe vai embora, você quer ir comigo ou quer ficá com o pai? Falou: “Não mãe, eu vou”. Então, “vam bora”. Catei ela e me mandei, só com a roupa do corpo e ela.
Eu estava trabalhando já em Santo Amaro, numa casa de família, mensalista. Eu peguei o dinheiro, aluguei um quarto, um cômodo só. Aluguei, fui nas Casas Bahia, tirei um fogão, passou um mascate na porta eu comprei um colchão, comprei um jogo de panela. Saia com ela todo dia cedo, deixava na EMEI e ia pro trabalho, saia do trabalho, pegava, levava pra casa. Final-de-semana eu levava ela pra ver o pai, que eu sempre falava pra ele que quem tinha separado dele era eu e não ela, que era importante ela ter o contato com ele. Fui vivendo assim, até que depois disso a minha irmã, essa que me trouxe de Minas. Lá perto da casa dela tinha um cômodo, que estava vendendo, ela tinha feito uma cirurgia nas pernas, de varizes. Ela tinha recebido o dinheiro do INSS, ela pegou e comprou. Ela falou: “Oh Vilma, eu vou comprar aqui pra você sair do aluguel e depois você me paga, né?”. Nunca paguei, até hoje.
Era para terminar de construir, estava começado só. Eu comprei os materiais, construí e é essa casa que eu moro até hoje. Eu mesma carreguei areia, o bloco, cimento não, porque eu não aguentava. A gente carregou até duas horas da manhã, carregando material, fazendo massa. Ajudando o pedreiro a fazer, porque senão ia demorar muito mais tempo. Aí fechou, construiu, bateu a laje e a gente entrou pra dentro. Eu e a minha menina.
P - Como é que era esse bairro nessa época que você foi morar lá?
R - Não era dos melhores. Hoje não, hoje tá bom, porque a Prefeitura entrou, porque é uma área da periferia. A Prefeitura entrou, canalizou, foi na época do Pita. Aí fala assim: “o Pita foi muito ruim”. Falei: “bom, pra nós ele foi bom, porque ele foi o único que olhou pra aquele esgoto ali a céu aberto, aquela situação que a gente vivia”. Ele arrumou tudo, colocou água pra todo mundo, que não tinha, era tudo clandestinamente. Antes não tinha nem asfalto nem àgua encanada, eles puxaram de algum lugar pra lá, ela ia chegando em mangueira pra gente.
P - Dessa época alfalto não tinha, a água puxava, a parte de transporte, de luz, como é quê era?
R - O transporte tinha. Que era esse Nakamura, que sempre fez tanta coisa. Isso não tinha uns 30, 25 anos atrás, era mais difícil, quando eu cheguei já estava o ônibus lá. E energia também, clandestinamente, quer dizer, parte delas até hoje ainda é, né?
P - Saúde, educação?
R - Tinha..., tinha sim. Só que eu não frequentei, porque naquela época eu já vim naquela rebeldia. Quando eu voltei pra cá tinha sim. Tinha Posto de Saúde, que nessa época eu levei minha filha pra lá. Eu sempre optei por não deixar no bairro, o bairro também tinha muita... Eu não achava que dava pra ela ficar. Mesmo porque, num dava pra mim ir em reunião de escola, não tinha tempo deu chegar. Se acontecesse alguma coisa ir buscar. Eu não queria que ela tivesse muita amizade no bairro, porque, infelizmente era um bairro bem violento. Embora eu more lá a tantos anos e nunca vi nada, Graças a Deus Mas eu sei que era um bairro bem violento. Então eu fui criando ela assim, bem pra cá, nunca lá no bairro.
P - E como é que foi sendo o crescimento dela, como é que a tua vida continuou lá?
R - Eu dificilmente fui de parar em casa. Eu sempre, 5 horas da manhã no meio do mundo, só chegava em casa 6, 7 horas da noite. Eu dava jantar pra ela, punha pra dormir, no outro dia a gente começava tudo de novo. Desde os 4 anos de idade que ela segue essa rotina comigo. E de certa forma eu me sentia na obrigação de protegê-la de qualquer coisa. Enquanto ela estivesse comigo, ela estava segura. Eu deixava na escolinha e ia trabalhar, voltava, pegava, levava pra casa. Ela estava sempre comigo. Em 2000 eu voltei a estudar, ela estava com 5 anos. Eu voltei a estudar nesse mesmo colégio que ela estudava. Mas eu acabei desistindo, porque eu me envolvi com o pai da minha bebê e ele era muito ciumento, ele imaginava tudo, via história em tudo, eu desisti e parei de estudar. Aí voltei a ser aquela Vilma que trabalhava e ia pra casa.
Fim-de-semana não fazia nada, era só mesmo ali em casa. Os vizinhos, aquela coisa ali que não tinha o que fazer. Foi um período que a minha vida foi ficando mais difícil, fui tendo mais problemas em casa com o meu companheiro. A situação foi ficando bem crítica, agressões, foram acontecendo uma série de coisas, que no decorrer desse tempo eu já não estava vendo mais como viver, já não vivia mais pra mim. Eu só tinha em mente que a minha filha precisava de mim e eu tinha que fazer tudo pra protegê-la, eu não importava mais, nada mais tinha importância, o que desse, desse. Isso foi virando aquela bola de neve, cada vez mais eu me anulando. Eu me anulava a cada dia que passava, cada mês, ano eu ia me sentindo mais diminuída. Foi quando minha irmã começou a levar o filho dela pro Quixote e começou a ter fazer aquelas bolsinhas. Ela aprendeu a fazer os primeiros trabalhos e começou a me levar: “Vilma, vem me ajudar?”, “Ah, não vô”. Aí começou a ensinar pra gente. A gente ensinar a fazer. Eu comecei ajudando ela a fazer em casa, pra ela levar o trabalho pronto. Foi a atividade que eu passei a fazer no final-de-semana, ajudar ela a fazer as bolsas do Quixote, mas sem contato nenhum.
P - Você continuava trabalhando?
R - Continuava trabalhando. Morava eu, minha filha e ele. Eu continuava sendo o homem da casa. Como sempre o respónsável da casa fui eu. Quem tem filho, a mulher que tem o filho, ela tem que se virar, criar o filho e nunca deixar que ninguém maltrate. Então eu pensava que eu tinha que fazer tudo, que se não ele ia querer bater na minha filha, desfazer dela e não podia, isso eu não ia aceitar. Ele também foi se habituando a tudo isso. Desde a roça já aprendi a trabalhar desde cedo, pra mim ficar sem trabalho...”ichi”. Eu prefiro ficar sem diversão, mas não sem trabalho.
P - Conta um pouquinho melhor, como é que começa a relação da tua família com o Quixote?
R - A relação da minha família com o Quixote começou através dessa minha irmã, ela tem um filho, ele é hiper-ativo. Depois de muita procura, de andar muito em médico encontramos o problema que ele tinha. Eles encaminharam ela do Hospital São Paulo pro Projeto Quixote, do Projeto Quixote ali ela começou envolvendo a gente.
O meu sobrinho passava com psiquiatra. Passou a fazer tratamento lá, tomaram remédios controlados, estava com 13 anos, 13 pra 14 anos, por aí. Ele não dava sossego pra ninguém, ele era terrível.
Nessa época a minha irmã ia e também passava. O Quixote trabalha uma terapia não do “adoecente”, mas uma terapia familiar. Ele cuida não só da pessoa, mas da família em volta também, que precisa ter uma estrutura para suportar. E foi aí que ela entrou e em seguida eu entrei também. Porque com esses problemas que eu fui vivendo eu não me reconhecia naquele mundo. Eu comecei a ir e comecei a descobrir onde eu estava com um problema. E foi aí que eu conheci a Sueli, a Luciana, a Nice, a Simone. Foram as 4 primeiras pessoas que me deram uma sensação de segurança. Uma conversava comigo sem ser estranha, sempre me tratando, me ajudando ali. Comecei a fazer terapia lá também, comecei a passar, só que depois, a minha irmã chegou e falou pra Dona Jaci, que é oficineira, que eu sabia costurar e não tinha costureira para as bolsas. Então ela: “então você vai fechar as bolsas pra mim”. Falei: “Mas eu não sei costurar, eu nunca peguei na máquina”. Eu costurava na época da minha mãe. Aquela maquininha de mão, nunca mais tinha mexido. Aprendi a costurar e passei a fazer esse trabalho de final de semana, trabalhar durante a semana, final de semana costurar as bolsas do Quixote. São essas bolsas de amarradinho. Só que as pessoas faziam o amarradinho, mas não fechavam na lateral e não colocavam as alças.
O amarradinho são tecidos que a gente corta, pega e vai enfiando na tela, nos buraquinhos um por um e amarrando. Com os amarradinhos hoje faz tapete, a bolsa, não paramos mais de fazer, com versos coloridos, cheio de nozinhos. Que era doação, vinham diversas cores e a gente ia fazendo. Tem que cortar as tiras de mais ou menos, desse tamanho, assim, de um dedo de largura, vai cortando as tirinhas, depois vai colocando uma a uma em cada buraquinho e dando nozinho.
A minha parte era fechar, a de costurar e pregar o zíper, que também é manual. Depois vêm os redondinhos. Tinha que pregar o zíper na mão, fechar ela na máquina, pôr forro e pregar o zíper, que essa parte por enquanto, ainda sou eu que faço, porque ainda não tem ninguém que costure lá. Agora a gente vai capacitar outras pessoas pra costurar, mas ninguém se interessou ainda.
P - Mas você continuou trabalhando?
R - Continuei trabalhando.
P - Que horas? Como quê você conseguia trabalhar e participar do Quixote? Conta um pouco pra gente.
R - Geralmente eu trabalhava de segunda à sexta, quando eu trabalhava direto. Quando eu passei pra o Quixote eu ia só dia de sexta-feira. Entrava mais cedo no serviço, saia tipo uma hora e ia pro Quixote, porque o Quixote é a tarde na sexta-feira. Eu participava da oficina e levava pra casa o material e fazia no final de semana, depois eu passei a trabalhar por dia, eu tinha a sexta livre pra mim participar e tinha a terça-feira no corte e costura, pra mim aprender a costurar. Eu ia esses dois dias pra aprender a costurar e ia na oficina, que eu levava pra casa e aí passava a semana. À noite eu chegava do serviço ia costurando as bolsas. Tinha vezes que eu virava a noite costurando bolsa pra dar conta de entregar naquele dia certo.
P - Que era vendido pra quem, Vilma?
R - Às vezes internamente, as vezes alguma ia visitar, conhecia, gostava. Os próprios funcionários, que trabalhavam lá, gostavam do trabalho, ou ajudavam e levavam e a gente também tinha feiras. Às vezes tinha bazar em algum lugar, levava pros bazares e vendia.
P - Esse trabalho não é remunerado? Ele é mais pra fazer mesmo, pra vender e ficar com o Quixote?
R - Metade do que vende volta pras mães, hoje mesmo é assim, compra a matéria-prima, as mães fazem, 20%, se não me engano, é, 25, uma coisa assim, uma porção, eu sei que uma parte é pras mães e a outra parte pra matéria-prima, aquilo vai girando. A gente ganha pra fazer as bolsas. Tinha mãe que fazia e a outra que costurava. Quer dizer, acabava passando pelo processo de não ficar só, uma pessoa só. Passava as vezes por 3 pessoas, a outra que ia dar o acabemento final. Então, acaba pra todas ganharem. É uma que cortava o tecido, outra que coloca, amarra, a outra pra costura, então teve essa diversidade.
P - Como é que eram essas atividades no Quixote? Você começou em quê ano, Vilma?
R - Foi nessa época de 2000, 2002, por aí.
P - 2002, você começou indo às sextas-feiras, o quê que acontecia lá de sexta-feira?
R - A oficina onde ensinavam a gente a fazer tapete e a bolsa. Eu ia sexta-feira sim, outra não. Não ia toda sexta fielmente, eu sempre fui uma sim, outra não, às vezes ia duas seguidas, não ia na outra. Porque às vezes eu trabalhava de 15 em 15 na sexta, na semana que eu trabalhava eu ia na outra, ia revezando.
P - E como é que era esse grupo de mães?
R - É um grupo de mães, a gente conversa, a gente ouve as histórias uma da outra. A gente aprende muito. A professora ensina a gente a cortar o tecido, ela ensinava a cortar o tecido, como fazer e depois tinha a hora do lanche, começava das duas até três e meia, quinze pras quatro a gente guardava tudo, limpava tudo e era hora do lanche e a hora do bater papo, da conversa livre, cada uma contava um pouquinho da sua história, era gostoso, a gente ria, se divertia na roda. É uma oficina bem diversificada, tem de tudo,
P - Tinha uma pessoa, assim, que na hora dessa conversa, fazia essa parte?
R - Instruia tudo. Tem a Sueli até hoje. Dona Jaci e a Sueli que sempre estava com a gente, tinha também o assistente social que era era o Alberto, que também estava sempre com a gente, ajudando, orientando as mães. Se tinha uma que estava mais assim, eles levavam ela pra dentro pra conversar, como eles fizeram muitas vezes comigo, eles fizeram isso, me chamavam. As vezes não era uma coisa que a gente queria expor pra todo mundo, aí a gente ia com eles pra lá, conversava. A gente só aliviava, ali era o lugar de desabafar.
P - Você aprendeu a fazer o quê lá?
R - Eu comecei aprendendo a fechar as bolsas. Já fui direto, naquele objetivo de fechar bolsa. Aprendi a costurar, aprendi a fazer a costura reta, que eu não sabia. Aprendi a pregar o zíper. Depois abandonei, depois parei o curso pela metade, que eu tinha que trabalhar, não podia ficar faltando, apareceu um outro dia de serviço, mas continuei costurando nos finais de semana, pondo em prática aquilo que eu tinha aprendido.
P - E como é que foi esse envolvimento, foi evoluindo Vilma?
R –Eu posso dizer que o Quixote é uma mãe, essa mãe são aquelas meninas, Luciana, o Alberto, o Roberto, todos eles ali, falo: “São todos uma mãe, eles acolhem a gente. Eu fui numa feira, eu já estava participando das oficinas, costurando, fazendo esse “trabalheira”, depois a Sueli me convidou pra ir numa feira, foi numa época que eu estava muito em “deprê”, que eu tava bem mal mesmo. Eu estava fazendo acompanhamento lá com a Doutora Luciana. Com a Sueli e a Luciana, elas sempre procurando uma forma de me ajudar, de me colocar de pé. A gente foi para uma feira, ela me convidou pra ir no domingo numa feira, das flores? Na Paulista, lá do Banco Real? Rua das Flores? Ali gente estava, foi a Mabel que era assistente social, a Sueli falou: “Vilma, não deu tempo deu marcar pra você ter uma conversa com a Mabel, pra ver o que que pode ser feito no seu caso, de me ajudar naquela dificuldade que eu estava tendo em casa. Acabamos fazendo essa entrevista ali na feira. A gente foi pra feira, aí quando passou uma conhecida dela, que ela tinha feito o curso de PLP. “Pera aí, Vilma, já sei quem vai te ajudar”. Você vai fazer esse curso, de Promotora Legal Popular. Ela perguntou quando ia ter inscrição, a mulher deu todas as informação e foi bem no final de ano, logo no mês seguinte foi a época de inscrição. Isso foi há 2 anos, 3 anos atrás. Ela fez minha inscrição, eu fui lá, assinei tudo e comecei a fazer esse curso PLP, aqui no Pátio do Colégio na Sé. Eu ia todo sábado fielmente. Foi muito bom, porque aí que eu fui conseguindo me ajudar, porque eu fui vendo que o curso de Promotora Legal é uma coisa bem interessante.
P - O quê que você foi descobrindo lá que te ajudou?
R - Que nessa vida tem diversas coisas. Aquelas coisas da justiça, às vezes a gente se deparava com fatos muito difíceis. De casos que promotores, juízes, médicos, advogados da vara da Infância que davam aquela aula pra gente. Deficientes fisícos, tudo isso, eu vi que tinha jeito melhor de resolver a situação. E comecei a me interessar, a querer utilizar aquilo que eu estava aprendendo. E quando foi no meio do ano, fiz o curso lá, fiz 1 ano de curso, que terminou em dezembro, de fevereiro a dezembro. Eu voltei para a minha rotina normal de trabalhar. Frequentar o Quixote na sexta-feira. Quando foi em agosto, ano passado, a Sueli me chamou, me fez novamente a proposta de ficar lá na roda da cidadania, na loja social. Eu aceitei, ela já tinha perguntado pra mim antes, mas eu fiquei: “Ah, ficava assim, resolvi aceitar, trabalhar na loja social, fui ficar lá toda quarta-feira.”
P - Fazendo o quê?
R - Representando o Quixote e junto com as outras Ongs também, que cada dia da semana uma pessoa cuida do produto de todas. Cuida do dinheiro de todas, da venda de todos. Eu fiquei lá fazendo esse papel de vendedora, a plantonista. Quando foi novembro ela me chamou pra trabalhar com ela na oficina mais 2 dias, aí completou, ficou 3 dias na semana. Então eu fiquei naquela coisa, “vou ou não vou”. Eu trabalhava um dia lá e os outros dias eu trabalhava de diarista. Aí aquele medo, se não der certo eu perco o meu serviço e aí a minha filha vai passar fome, eu não vou conseguir outro trabalho. Teve uma série de coisas que eu tinha medo que acontesessem. Porque é experiência nova, fala: “Mas as mães, o quê que eu vou fazer lá? Não tem o que fazer”, ficava pensando, falei: “Sueli, não tem como eu estar aqui”. Eu já tinha voltado a estudar. Ela falou: ”Ah, Vilma, você já voltou a estudar, você tá estudando. Ninguém te mandou estudar. Você voltou a estudar, você está crescendo, então eu acho justo, a gente precisa de alguém pra ajudar na oficina e eu sugeri que fosse você.” Eu: “Puts, mas e agora? Não tem nada a ver comigo, eu sei lavar, passar, cozinhar, eu sei fazer um monte de coisa, mas esse não é o meu mundo, meu mundo é lá na cozinha”. Ela: “Não Vilma, você tem que ver que você está caminhando pra isso.” Aí tá bom Aceitei. Fiquei trabalhando na oficina com ela. Tinha que trazer pras mães o que estava acontecendo lá com os produtos que elas estavam fazendo. Como estava sendo colocado, qual era a aceitação, quem comprava, quem eram as pessoas. E nas sextas ajudar na oficina, a receber as mães, ajudar a dividir produto, a ensinar as mães novas que vem chegando a fazer os produtos. E aí fui levando assim, fui indo, né?
P - Como é quê foi essa volta pro estudo, Vilma? Você falou, que a essa altura já tinha voltado outra vez?
R - É, eu já tinha voltado, porque com todos esses problemas que me aconteceram anteriormente, eu fui me anulando, quando chegou uma hora, parece que eu disse assim, de repente eu olhei, falei: “Péra aí, eu preciso trabalhar”. Eu senti uma necessidade de ter um serviço fixo, porque eu comecei a pensar na possibilidade, eu não sou eterna, eu não vou aguentar por muito tempo, ainda mais as travessuras de criança, que mesmo na hora que a gente estava esquentando o fogo aqui, acendendo fogueira, a gente estava dentro d’água, cheio de reumatismo, então eu imaginava que ia ter uma necessidade de trabalhar registrada. Comecei a sentir vontade de trabalhar registrado, ter um salário fixo, não aquela coisa de hoje tem amanhã não. Comecei desesperadamente a soltar currículo, foi na época também que eu fiquei trabalhando só dois dias na semana, que era o que mais acontecia, quando eu mais precisava, as patroas: “Ah, eu tô sem dinheiro, preciso viajar, então, ficá só com 1 dia”. Então, fui cortada assim. Eu comecei a sentir que eu tinha que ter uma coisa fixa, tinha que fazer. Fui e fiz um curso de confeteira, comecei a soltar currículo, fazer currículo pra mim trabalhar. Eu queria de confeiteira, ajudante, qualquer coisa, mas que seja fixo, registrado. Descobri a necessidade do estudo, porque todos os lugares que eu ia era necessário estudo e eu não tinha. Como eu vou trabalhar se eu não tenho estudo. Eu conhecia o serviço, eu sabia fazer, até como cozinheira, como ajudante de cozinha, mas e aí? Eu não tinha na carteira, porque desde os meus 15 anos anos que eu trabalho, mas nunca tive registrado o que eu sabia fazer, e junto com isso a falta de estudo. Quando a minha bebê completou um ano eu resolvi voltar a estudar, eu falei: “Não, eu vou voltar pra escola, porque se eu não conseguir nada estudando, sem estudo, pior ainda.” Foi daí que eu voltei a estudar, voltei pra escola. Lá mesmo próximo de casa, no Clemente Pastore. Não sei se no Nakamura, Jardim Nakamura. Eu vinha, trabalhava e voltava, a noite já ficava na escola.
No começo foi difícil, mas depois eu fui vendo que, assim, em 2000 eu tinha voltado e desisti. Percebi que tudo tem o seu momento, acho que naquela época eu não estava preparada para voltar, com vontade, como eu voltei agora, eu estava voltando é porque eu queria sair dali e aprender. Não voltei ali pra brincar. Simplesmente pra sair com o diploma. Eu acabava debatendo com os professores isso, que eles falavam que sobre isso não tinham que ensinar. Falava: “Tem sim. E eu estou aqui pra aprender, eu não tô aqui pra levar um diploma pra casa. Ah, é só responder presença e tudo bem. Não, eu quero aprender.” Então, eu comecei a buscar muito aprender, encontrei um professor de Geografia, o Alessandro, ele me incentivava muito ali, inclusive, um dia ele chegou na sala de aula e falou: “Olha gente, eu sinto muito mas eu não vou poder continuar dando aula.” Ele tinha falado de um livro, que ele tinha pedido pra gente pegar pra ler, Vidas Secas do Graciliano Ramos. Ele chegou depois de uma semana pra dar tchau pra gente, eu estava com esse livro, ele parou, ele falou: “Não, eu vou continuar. Eu continuo, porque são essas coisas que me fazem continuar”. Eu achei que aqui ninguém queria nada com nada, mas pelo menos um eu tô vendo que.... Foi uma coisa meio emocionante. Daí pra cá eu passei a ler livros, quando eu terminava um, ele falava: “Vilma oh, tal livro assim é bom”. Eu pegava, lia. Se ele tinha o filme ele me emprestava, eu levava assistia o filme. Aquele filme Macunaíma, ele me dava. Os filmes, me dava dica do livro, minha filha vai na biblioteca e pega pra mim. Ela que pega pra mim, ela fez a carteirinha lá em Santo Amaro. Ela tem duas carteirinhas de duas bibliotecas, quando eu preciso de livro ela vai lá e pega: “mãe você quer ler algum livro?”. Ela pega pra mim, eu leio, devolve.
P - Quê livros você tem gostado de ler, Vilma?
R - Olha, eu tenho lido bastante, pra quem nunca leu um livro na vida. Eu li esses daí, li Macunaíma, depois a Sueli me deu o Código Da Vinci, li Dom Casmurro, acho que eu já li uns 15 livros. Eu sei que é muito pouco, mas diante do tempo que eu tenho e aquilo que eu nunca fiz na vida, então, eu acho bom.
P - Você continua como estudante?
R - Continuo. Saí de lá, estudei, fiz a 6ª, 7ª, 8ª, o ano passado e esse ano eu tô fazendo o 1º Colegial, agora eu tô no Dom Duarte do Socorro, é próximo do Largo Treze, porque em Santa Cruz não dá tempo de eu chegar na escola, que no final eu tive problema pra tá chegando na escola, mas os professores lá falaram: Não Vilma não vai ter problema, porque você faz o trabalho e sempre que a gente precisa você faz, então...”
P - Você falou que quando você voltou a estudar você já tinha a sua 2ª filha. Como é quê foi o nascimento?
R - Já tinha, ela estava com 1 ano. Foi uma gravidez difícil a da Viviam, ela nasceu dia 31 de janeiro de 2005. É, 2007 ela fez 2 anos, o meu furacãozinho. Foi uma gravidez difícil, eu diria, muito difícil, acho que a pior de todas. Porque como eu disse, eu tinha vivido com o pai dela 10 anos. No final dessa história toda, que a gente já não estava se dando bem, foi quando aconteceu de eu engravidar. A situação ficou pior ainda. Foi na época realmente que o Quixote, mais uma vez, me acolheu com as duas mãos e me ajudou muito. Eu fiquei sem serviço, praticamente só, trabalhando dois dias na semana. No começo as pessoas falavam: “Ah, porque você num tira”. Eu falo: “Tirar?”. Falei: “Pera aí, mas que culpa essa pobre criança tem?” Na época eu estava meio assim. Falei: “Não”. Eu nunca tive esse conceito, eu sempre achei inadmissível isso. Minha filha já está com 13 anos, se eu faço isso, o quê que eu tô ensinando pra ela? Por mais errado que seja o erro que a gente comete, a gente tem que assumir até o fim. Aí eu decidi tê-la, falei: “Não, eu vou ter, seja o que Deus quiser”. Foi difícil, a dificuldade do dia-a-dia, da convivência em casa, isso trouxe muita angústia pra mim. Toda semana eu tinha que passar no médico, duas, três vezes no médico. Vamos tirar seu bebê, não vamos tirar, sabe? Aquela coisa, eu sozinha aguentando aquilo sufocada, sem passar pra ninguém. Até que, graças a Deus eu consegui chegar ao final da gravidez. Com 7 mês, ela não tinha ganhado peso. O médico: “Nós vamos ter que tirar, mãe, não vamos deixar chegar até os 7 meses”. Ela não estava ganhando peso, eu estava inchando muito e a criança nada. Falei: “Seja o que Deus quiser, se tiver que ser minha, vai ser, se tiver que tirar, vai tirar sem ser obrigado.” Quando completou os 9 meses: “Mãe, vamos tirar, porque está com excesso de peso. Ela estava com três kilos e novecentos e cinco. Eu fui lá quinta-feira, falei: “Ah não, hoje não hoje eu não posso, minha filha está em casa sozinha, eu tenho que levar ela pra casa da minha irmã.” Inventei mil e uma histórias, falei: “ Hoje não dá.”, “Tá bom, então vai lá fazer o ultrasom e ver se dá pra segurar até amanhã.” Eu fui, ela falou: “Não, tudo bem, vamos deixar pra segunda-feira. Eu falei: Oh beleza, num quero passar o final de semana no hospital longe da minha filha. E aí segunda-feira eu fui cedinho, elas me levaram pro hospital mais a minha cunhada. Foi o dia que ela nasceu, dia 31 de janeiro. Foi difícil, porque eu tive que voltar a trabalhar logo no primeiro mês, com 12 dias que ela tinha nascido eu fui fazer curso lá em Belenzinho. Cesariana toda enfaixada, infeccionada, mas eu não queria perder o meu curso de confeiteira. Eu tinha que fazer. Eu fui lá, conversei com o professor, ele falou: “Olha, você fica aí assistindo as aulas, você senta, você fica em pé um pouquinho, você não faz esforço, quando ovcê não aguenter você senta e assiste. Era só no sábado, eu falei: ”Ah, na semana dá pra mim me recuperar, né?”. Aí fui fazendo assim. Com 1 mês nossa situação foi se agravando, eu falei: Não, vou têr que voltar a trabalhar, não dá pra ficar. Os dias que eu trabalhava, que era um rapaz solteiro lá na Cidade Jardim, eu não fazia muito esforço. Era muito infeccionado, eu precisava de remédio das coisas. Só que eu não falava pra ninguém também, falava assim: “Oh, a pessoa que tá do meu lado não podia me ajudar, então, quem era obrigado era eu, mas ninguém, é minha cruz e pronto.” Aí eu fui trabalhar, punha bastante gazes, trocava, que aquela infecção eu pensei que não ia sarar nunca mais, muito infeccionada. Eu fui, trabalhava, tirava o leite com a bombinha, deixava. Enchia as 3 mamadeirinhas que ela ia mamá enquanto eu estivesse fora. Eu ia bem cedinho pra voltar a tempo de não acabar o leite, mesmo assim eu deixava sempre o leite reservado pra ela, minha cunhada completava. Eram só 2 dias da semana, aí eu comecei, fui voltando até que voltei de vez.
P - Sua cunhada é que cuidava dela?
R - É, minha cunhada.
P - E nessa época você já estava no Quixote, quando ela nasceu? Na oficina?
R - Na oficina sendo atendida, aí eu era paciente. Fazia terapia, porque a essas alturas do campeonato as coisas tinham ficado difíceis, a minha mente já não conseguia mais lidar com o dia-a-dia. A agressividade, o machismo. Eu sempre fui uma pessoa de se jogar pra fora, sempre de guardar comigo, então, isso foi me fazendo muito mal.
P - E ela foi crescendo, foi quando você foi se envolvendo mais e mais na oficina, depois na loja, depois foi pra oficina?
R - Não parei mais. Fui trabalhando de diarista, pegando trabalho do Quixote, fazendo final de semana, mais do que nunca. Não, aí eu afastei um pouco do Quixote porque ela era pequena, não podia vir com bebê que não tinha onde ficar na oficina, eu me afastei um pouco. Mas mesmo assim, eu mantinha contato, pra eles darem material, minha irmã levava pra mim, eu fazia ela trazia. E fazendo assim mais ausente, depois eu comecei a frequentar novamente, quando ela estava já maiorzinha, eu comecei a frequentar, voltei a fazer terapia e voltei, comecei a enchergar minha vida, que eu já não estava conseguindo mais. Essas alturas já não conseguia destinguir o certo da realidade, da ficção, já achava que tudo ali era uma bola de neve. Quando foi em dezembro, antes dela fazer um aninho, eu fui pra casa da minha irmã no sítio, aquela foto que tem no sítio, que eu fui pra casa da minha irmã lá, que minha irmã não mora lá, eu fiquei lá uns dois meses, pra ver se eu conseguia me afastar de tudo aquilo que estava me acontecendo. Falei com a Sueli, a Sueli: “Vai Vilma. Ela me deu a maior força. Me ajudou, me deu uma cesta, essas coisas lá e eu me mandei pra lá. Fiquei lá dois meses.
Um dia eu fiquei esperando, lá em Embu Guaçu, também dei currículo, fiquei esperando, aquela coisa de trabalhar, que eu precisava trabalhar, porque até aí eu fiquei sem nada. Mas eu levei trabalho pra fazer do Quixote lá no sítio, levei minha máquina. Eu tinha comprado uma máquina, levei pra lá e fui fazendo as encomendas. Depois quando foi em janeiro eu voltei pra minha casa, falei: “Não, não dá.”. Era muito longe do centro, não dava pra mim vir, não tinha com quem deixar, era no meio do mato, eu falei: “Pras meninas ficarem aqui sozinhas, num dá.” Minha irmã queria que eu ficasse morando lá. Eu falei: “Não, não dá porque, como é que eu vô sair daqui 4 horas da manhã pra trabalhar nesse mato, sozinha com as minhas meninas? Vou deixar essa menina com quem? E a outra sair pra ir pra escola? Não dá. Não vou arriscar, se acontece alguma coisa com essa menina eu não vou me perdoar nunca”. E eu peguei e voltei pra casa e voltei para o Quixote, que tinha aquele recesso de 15 dias, voltei, falei com a Sueli, voltei a passar com ela, com a Luciana. Foi esse processo que eu já tinha feito e eu comecei a procurar alguma coisa que dava pra mim fazer. Ela sabia que eu estava dando currículo em todo lugar, então eu falei assim: Que o único lugar que eu não dei currícilo foi o lugar que me chamou pra trabalhar.
P - Volta pra sua casa?
R - Eu voltei pra casa e comecei a buscar emprego, a dar currículo, a fazer cursos, sei lá, eu queria fazer alguma coisa, queria trabalhar. Aí foi quando eu fui pra loja. Arrumei dois dias de serviço e comecei a ficar na loja, dois dias de serviço e no intervalo eu procurava outra coisa pra fazer. Foi quando a Sueli me ligou, me chamando pra ficar na oficina com ela, ajudar ela na oficina. Que deu aquele receio, aquele medo, mas tudo bem, depois eu aceitei, fiquei vindo 3 dias, mas sempre procurando mais alguma coisa pra completar na semana. Ela falava: “Oh Vilma, se tudo der certo, se você se adaptar e você gostar é a gente se identificar com o serviço, se conseguir fazer, vai ter mais coisa pra fazer, a gente...talvez, se a gente precisar, a gente contrata você pra mais uns dias” Aí foi quando, esse ano agora, em maio, quando o Quixote trocô de casa teve precisou de mais 2 dias. Aí eu vim, aí ela me ligou, a Simone me ligou pra eu ir lá, aí eu fui, fiquei lá auxiliando, fiquei uns dias, depois eles me contrataram. Já direto, completou uma semana.
P - E hoje você faz o quê? Quê que você faz hoje lá?
R - Hoje eu faço um pouco de cada coisa, eu cubro a hora de almoço de um, fico na recepção pra um, fico pra outro. Eu ajudo a fazer um lanche, eu gosto de ajudar em tudo. As meninas falam assim: “você tá em toda parte”. Eu falo: “Olha, eu acho que o trabalho tem que ser cooperativo, não importa se é a minha função ou não, mas se eu não tenho nada pra fazer aqui eu vou fazendo.” Faço cadastro dos produtos das mães, trabalho, fico na parte de olhar o dinheiro, buscar o dinheiro da loja pra fazer pedido, comprar material, nessa parte, eu ajudo muito. A cadastrar os produtos, a marcar todos os produtos das mães. Como a minha vida sempre foi muito agitada, eu não consigo ficar parada. Eu gosto de estar me metendo em tudo.
P - E o trabalho com as mães foi crescendo, Vilma? Como é quê esse grupo foi avançando?
R - Olha, o trabalho com as mães, cada dia vem mais uma. Cada dia aparece uma mãe nova, uma adolescente nova em busca de um curso, em busca de uma ajuda, de um cuidado. Cada dia que passa tem uma mãe pedindo socorro pra tirar o filho daquela situação, porque é a especialidade do Quixote. É de menores, adolescentes em situações de risco. A gente procura sempre trabalhar essa parte da família e muitas vezes trazer essa família para a oficina, porque é do jeito que eu falo: “foi bom pra mim”. É um momento que às vezes a gente esquece de pensar em tanta coisa, tanta bobeira, tanta besteira.
P - O projeto Costurar o futuro, você acha que ele tem qual papel na vida dessas mães?
R - Hoje eu vejo como uma terapia, também como uma fonte de renda, que muitas mães às vezes não podem sair pra trabalhar, o marido não deixa. A coisa do machismo ainda, a mulher às vezes também vai ficando ali, de repente se deu com uma situação que, fazer o quê da minha vida? Eu acho que ele ajuda muito nisso. É um projeto de geração de renda que dá autonomia. Ajuda a resgatar a identidade da gente, esse é o trabalho que eu acho que mais tem a ver com o Quixote. É você resgatar a autonomia, a identidade da gente, auto-estima, quando a gente entra naquela porta como paciente ou como mãe, às vezes a gente não tem mais. Eu saí de lá, a gente sai de cabeça erguida, de buscar aquilo que a gente perdeu, que é a nossa auto-estima, nossa autonomia. É como elas sempre falam, elas estão ensinando a gente não a ser as mães do Quixote, mas pra ser dona das nossas próprias vidas, pra gente poder ter autonomia de decidir e fazer.
P - Você acha que as coisas mudaram na sua vida, depois que você começou a participar do projeto?
R - Nossa, pra mim é como se eu tivesse num sonho, tô vivendo um sonho ainda, nunca por um instante parei pra pensar que isso poderia ser possível na minha vida, estar vivendo o que eu tô vivendo hoje. Poder estar estudando, olhando a minha vida. Parece que eu estou num outro degrau, parece que aquela vida de antes tá lá em baixo, eu tô daqui olhando aquilo tudo que eu vivi. Então pra mim é como se eu tivesse bem, não muito acima, mas sempre olhando pra nunca voltar a cair de novo naquele buraco, mas eu tenho uma visão assim, da minha vida.
P - Quê que foi mudando? Você voltou a estudar?
R - Eu voltei a estudar, eu voltei a viver. A gente vai se anulando, ao longo do tempo, do acontecimento, a gente vai se anulando, é uma palavra, é uma ofensa, você vai se diminuindo, perdendo a auto-estima, perdendo a vontade até de continuar vivendo, vivendo por viver, que era o que eu estava fazendo. Hoje não, hoje as pessoas dizem: “Ah, você está estudando pra quê? Você vai ser doutora, é? Você vai ser uma advogada?” Eu falo: “Não, vou ser simplesmente a Vilma, nada mais que isso”. “Então pra quê que você tá estudando?”, “pra mim, pra mim aprender”.
P - Como é que ficou a situação na sua casa, Vilma? Mudou?
R - Mudou, porque hoje eu aprendi a cuidar de mim, mudou muito. Eu aprendi a dar importância pra mim também, a olhar pra mim, que antes eu não sabia olhar pra mim. Eu só podia por um sapato no pé, quando aquele lá já não servisse mais, eu aprendi a olhar pro meu, eu aprendi a olhar pras minhas vontades, aquilo que eu quero fazer, eu aprendi a não fazer o que era bom pros outros, mas o que é bom pra mim.
P - E com as menininhas?
R - Com elas eu procuro sempre fazer tudo que está ao meu alcance com limite. A Juliete não, a Juliete é diferente, ela é uma menina muito tranquila, muito companheira, me ajuda muito. Ela que cuida da bebê pra eu ir pra escola, agora mesmo eu ia desistir, ela falou: “Não mãe, você não vai desistir”. “Minha filha, não dá.” Ela falou: “Não mãe, você não vai desisti, você vai continuar. É tanto, que eu vou, pego a bebê aqui, ela fica na creche aqui perto do hospital São Paulo, eu levo até Santo Amaro, ela sai da escola seis e vinte, ela pega ela, leva pra casa, eu vô pra escola. Ela dá banho, dá janta e põe pra dormir. Chego em casa meia noite, onze e meia, meia noite.
P - E quem mora atualmente junto?
R –Mora debaixo do mesmo teto o pai da outra ainda. Aquele, ainda está morando lá, ele falou que ia sair, e eu e elas. Mas a minha vida sou eu e elas duas. Então isso mudou tudo, resgatar a minha vida de novo, ter controle, coisa que eu jamais imaginei que iria fazer, nossa
P - Em termos de renda, o projeto mudou pra você também, essa perspectiva de trabalho, de renda?
R - Também, nossa Trabalhando como assistente de administração eu aprendi a administrar as minhas contas, minhas dívidas, o meu salário, a controlar aquilo que eu posso fazer, porque se eu ganhava duzentos, com dívida a situação, que tinha que acontecer naquele nível que eu não tinha controle das coisas, eu gastava seiscentos, então acabava me ”fundiando” muito. Hoje eu aprendi a controlar isso, a gastar nas coisas certas, divido, aprendi a colocar cada coisa no seu devido lugar, que antes não tinha muito aquela organização de um salário fixo, aquela coisa que eu buscava tanto, a certeza de que no final do mês eu sabia de onde vinha. Então isso mudou muito.
P - A gente já falou da sua história, falou do momento presente, eu queria te perguntar agora um pouquinho de futuro. Como é quê você vê o futuro desse projeto, do Costurar o futuro?
R - Eu acho que é um projeto muito bom. Eu creio que ele vai dar certo e que as mães vão fazer parte como eu fiz, de ter autonomia, de crescer junto com ele, porque é um lugar que se aprende, é um lugar que se brinca, é um lugar que se ganha. Você ganha não só o dinheiro em si como você ganha amizade, ganha a confiança das pessoas, ganha respeito, carinho. É muito bom receber pelo trabalho, mas eu estou feliz. Eu gosto do que eu estou fazendo, dessa nova vida que eu estou vivendo. Não sei se é um sonho, se isso vai passar, mas eu creio que as mães também vão ser muito bem vindas, muito bem recebidas. .
P - Quê que você deseja pra essas mulheres, Vilma?
R - Que elas acordem pra vida, que elas vivam, comecem a viver. Desejo que cada uma delas resgate do fundo delas a auto-estima. Aquela coisa que a dignidade de cada uma, porque todas nós temos um porque, um porém de estar ali, e eu quero ver que elas sorriem felizes, que hoje eu gosto disso, eu dou risada, eu brinco, eu olho no olho das pessoas, coisa que eu não fazia. Eu não conseguia encarar as pessoas, só de cabeça baixa, com medo, com vergonha do mundo e quem olha o mundo de cabeça erguida. Eu desejo que todas elas seja assim.
P - E pra você, o que que você sonha?
R - Continuar lá trabalhando, terminar meus estudos, se possível fazer ano que vem, tentar fazer um outro curso de enfermagem. Pra tentar auxiliar mais as minhas negas. O carinho que elas todas tiveram, a atenção que elas transmitiram pra mim e transmitem pra cada uma daquelas mães, é muito importante.
P - Tem algum momento, alguma cena que você possa contar aqui, que mostre isso que você está falando, do apoio que você recebeu, desse respeito?
R - Olha, toda a minha vida é baseada nisso, essa vida que eu tenho hoje. Se hoje eu tô aqui, eu consigo ver as coisas é exatamente por isso, porque eu senti, porque elas me deram esse carinho, essa confiança, me fizeram confiar, me ajudaram a confiar nelas e me ver como gente, quer dizer assim, antes eu achava que era uma coisa qualquer. Não, elas me fizeram acreditar que eu era uma pessoa e que eu podia ser. Muitas vezes elas me deram essa força ali na oficina. Agora mesmo pra trabalhar as mães: “ah, você, né? Quer dizer que uma mãe sai dali pra trabalhar pra...Pô, que é isso? É meio estranho.” Mas aí a Sueli chegou: “Olha gente, a Vilma está aqui e vai fazer isso pra mim. As mães olham assim, acham meio diferente, mas depois aceitaram numa boa, foi muito bom.
P - Continuou fazendo as bolsas?
R - Agora nós estamos fazendo, as bolsas nós demos uma paradinha, não estamos fazendo, porque antes, a saída era bolsa, nossa bolsa saía que era uma beleza, ia gente comprava, ligava, comprava. Todas as pessoas que visitam lá levavam pra mãe, pra irmã, pras cunhadas. Sempre alguém levava. A gente não tinha uma produção muito intensa, era o quê? Cada mãe fazia uma bolsa por semana, eram duas bolsas, três bolsas era o máximo por semana, de cada mãe. E nem todas faziam, então a produção era pouca, mas sempre tinha.
P - Você falou, duas bolsas por mãe?
R –No fim do mês, geralmente eu fechava 20, 15, 30 bolsas no mês. Depois voltamos pro tapete, começamos a fazer almofadas, também tinha as almofadas que eu fechava.
P - Vocês vão ter ou já estão tendo um curso pra qualificar o produto? Conta se já começou, como é quê é isso?
R - Agora surgiu com esse projeto do Wal-Mart. Porque antes as mães não tinham ajuda nenhuma de custo, a oficina de mães não tinha ajuda nenhuma de custo. Tinha o espaço que o Quixote dá pra oficina. Dava o rodízio ali pra gente, dava uma ajuda, o próprio Quixote pra oficina de mães, mas as mães iam se virando.
Lá na roda da cidadania existe muito isso, uma qualificação, eles querem uma modificação. A gente começou a sentir a necessidade de estar modificando. A pessoa comprou uma bolsa não quer mais bolsa, toda hora só bolsa, não dá. Então fazia as almofadas, mas e aí? Parou as almofadas, cada um foi lá comprou uma, parou. O chaveiro a mesma coisa, então, quer dizer sempre precisa renovar o produto, mas renovar como? Pra onde? Sem uma estrutura financeira pra isso. Aí sempre barrava nessa dificuldade. E sem também um conhecimento, porque ali as meninas são psicólogas, são psiquiatras. Então, são mães ali que estão passando por aquele processo, ninguém sabe coisa alguma, nada com nada.
P - Dessa parte?
R - Passamos a ter o conhecimento das meninas da Betina, da Sueli. Cada coisa, vamos ter curso, vamos aprender a fazer, mas fazemos para o Quixote, pra oficina de mães, dali estamos na roda, mas nada que tenha essa qualificação, essa coisa de entrar no mercado. Que no começo a Sueli falava sempre, que queria que as mães fossem uma cooperativa. Ela sempre falou isso: “ainda vou ver as minhas mães cooperativadas ganhando o seu próprio dinheiro pra se sustentarem.” Ela sempre falou isso.
P - O quê que falta ainda pro trabalho ir amadurecendo, você acha?
R - Agora eu creio que está faltando é encontrar as pessoas adequadas, as pessoas que façam esse trabalho, porque não foi infelizmente, nós não temos a menor noção. Alguém que conheça o mercado.
P - Pra o quê? Pra atualizar os produtos?
R - É, pra qualificar melhor os produtos, ver o que mais se adequa desses produtos, como modificar eles, pra eles ficarem melhores. Saber colocar preço, onde vai vender, como vamos vendê-lo, pra quem vender? Então, falta tudo isso.
P - E junto com isso continua essa intenção de virar uma cooperativa?
R - Então, me lembrei disso agora. Que ela sempre falava isso, agora já não sei te responder, mas eu creio que talvez nós viremos uma cooperativa, que eu acho que no fundo ninguém quer se desligar do Quixote. Acho que ninguém quer deixar esse lugarzinho.
P - São muitas mães no grupo atualmente?
R - São, é aquela coisa, é um rodízio. São em torno de quarenta e cinco a cinquenta mães, dificilmente chegam todas no mesmo dia, geralmente é um rodízio, um dia vai, aquela que não foi vai.
P - E todo dia tem? Aí as mães vão se revezando?
R - Anteriormente, tinha dois dias, as multiplicadoras, que a gente faz multiplicadoras da quinta-feira, que são mães mais habilidosas para fazer determinado produto, elas têm uma encomenda. Vamos começar a aprender isso aqui, pra ver se vai dar certo. Vamos fazer o fuxico? Vamos fazer o chaveirinho? Invenção dos produtos, pra ver o quê que dá pra fazer com aquele produto que temos, que é de quinta-feira. E na sexta-feira vamos ensinar pras outras mães. Aquela que quer fazer chaveiro, faz chaveiro, a que não quer faz tapete, a almofada, fica a opção das mães.
P - E essas mães, elas tem outro trabalho e outra renda, além da costura ali?
R - Algumas têm, algumas trabalham outras não, depende dos filhos também. As vezes trabalham informalmente como eu sempre trabalhei, que aquela coisa, trabalha e ao mesmo tempo a gente não tem como comprovar que faz tudo isso. Mas trabalha um dia aqui outro ali, faz também o acompanhamento. Tem diversas mães, tem mãe que trabalha e tem aquelas que não trabalham, tem aquelas também que estão em condições psicológicas e que não tem condições de trabalhar, precisam mais de estar sendo cuidada. Que eles visitam, vai em casa ver. Então, quer dizer, é o trabalho de cuidar mesmo. Então é atrás do filho, o professor ligou que não tá indo na escola. Por quê não tá indo? O quê que tá acontecendo? Traz pra conversar, então é esse trabalho coom as mães. Segunda e quarta eles trabalham com as mães, de trabalhar, conversar com elas pra elas se exporem. E a tarde tem oficina, na quinta e na sexta oficina, que agora, se não me engano vai ser três vezes na semana, quatro vezes na semana que vai ter oficina. Olha, com o projeto do Wal-Mart vai aumentar, vai melhorar, parece que vamos ter máquina pra aprender a costurar, sei de coisas que parecem boas que vão acontecer.
P - Por quê atualmente não tem muito equipamento?
R - Não temos. A gente tem aquela coisa que a gente vai pegando. Por enquanto não tem muita coisa. Falta máquina, instrumento de trabalho. Falta uma série de coisas. Agora, nessa outra casa tem o espaço pras mães que antes não tinha. Agora tem a sala, o espaço que cabem as mães todas ali, a gente tem mesas lá pra pôr, então, agora tá bem melhor.
P - E agora com essas novas condições do espaço, da máquina, do equipamento, quê rumo que você acha que esse trabalho com as mães pode ter?
R –Olha, eu tenho medo que perca aquilo que eu acho de melhor no Quixote, que é a parte do acolher. Eu tenho medo que se perca isso, porque o sucesso, como diz, não é um sucesso, mas a evolução, tudo isso acompanha. Eu tenho medo que se perca isso, essa parte do acolher.
P - Então, isso fica como um cuidado a ser tomado.
R - É, eu penso assim. Pra mim, sei lá, eu fico imaginando isso. Talvez não, pode ser que isso não aconteça, porque são pessoas que conhecem tão bem essa área, como ninguém.
P - Tá certo. Como é quê você se vê nesse projeto, no futuro dele?
R - Eu quero me ver como eu tô agora. Continuar assim, trabalhando, estar em tudo, mexendo em tudo. Eu não quero estar num lugar só, isolada num cantinho, quero estar na oficina, eu quero estar participando de tudo com eles. Quero crescer junto. E eu falo pra minha filha: “olha, mesmo que eu consiga fazer enfermagem, mesmo que eu for trabalhar, mas eu quero trabalhar a noite pra de dia estar no Quixote.”
P - Tem alguma coisa quê você gostaria de completar?
R - Não, só agradecer a todos vocês a oportunidade de eu estar lembrando de coisas que nem, relembrando coisas do passado. Eu só tenho muito a agradecer a Deus e a vida, sabe? E a todos eles.
P - O Quê que você achou de ter contato um pouco a sua história?
R - Olha, é o que eu estava falando pra ela, eu não vinha pra cá hoje, eu não pensei nessa hipótese. Eu fui levando, não tinha parado pra pensar realmente o quê que eu ia fazer aqui hoje. E foi bom. Eu não sei como vai ser a repercursão disso, a repercursão é que eu não tenho a menor idéia, mas foi gostoso, foi bom, uma experiência nova. Mas uma experiência nova pra mim guardar de lembrança.
P - A gente queria agradecer muito a sua participação. Com certeza a tua história ajuda a gente a contar a história desses projetos todos, o significado deles. Brigadíssima.
R - De nada. Eu que tenho a agradecer a vocês.
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