Projeto Conte Sua História
Entrevista com Boubacar Ndiaye (R/1) e Mbaye Papa De Thialaw (R/2)
Entrevistado por Karen Worcman (P/1) e Jonas Samaúma (P/2)
São Paulo, 24 de maio de 2024
Entrevista nº PCSH_HV1399
Revisão: Nataniel Torres
[Tradução da transcrição da entrevista do francês para o português]
P/1 - Em geral, para começar, eu faço um convite à pessoa - às pessoas - para fazer uma viagem até a primeira memória que você tem. Então, se fecharmos os olhos e respirarmos, e fizermos nossa memória viajar, procuramos essa primeira memória da nossa vida. Essa memória pode ser algo em ______, em toques ou palavras, mas vamos até ela. Deixamos a memória entrar, nos conectamos com essa memória, nos sentimos dentro dela. Pensamos se há outros sons nesse momento. Se há outros sentimentos. Tentamos estar lá. Como se fôssemos um bebê, talvez. Em um momento muito originário. Assim que nos encontramos lá, tentamos passear por essa memória, ver o que ela nos provoca como sentimento. É uma boa sensação? É uma angústia? O que nos vem quando estamos dentro dessa memória? E, lentamente, suavemente, muito suavemente, saímos desse momento e voltamos suavemente para nossa vida agora, no Brasil. Do Brasil, para o festival; do festival para o Museu da Pessoa; a casa, sua chegada aqui, nossa conversa, nossa imagem faz toda essa viagem para entrar nesses estúdios. Ajustamos coisas, as luzes, estamos sentados, vemos o quarto dos estúdios. E, quando quiser, quando essa memória que viajou até lá e veio até aqui, no momento que você quiser, pode abrir os olhos, e começamos. Bem, gostaria de convidá-los a dizer novamente seus nomes, cada um. De onde vocês vêm, onde nasceram? E podemos juntos contar um pouco dessa memória do seu primeiro momento na vida.
R/1 - Eu me chamo Boubacar. Meu sobrenome é Ndiaye. Sou griot, e assim que pronuncio meu sobrenome, isso me faz pensar e agradecer ao meu primeiro ancestral de sete séculos atrás. Ele se chamava Malo Ndiaye ______. O seguinte, Mape Ndiaye. Depois ______ Nbiaye. Boubacar Ndiaye e estou aqui, diante de vocês. Como uma árvore, com suas raízes, sem as quais a árvore não se manteria erguida. Mas sem fazer barulho, ela nos oferece seus frutos. Ela cria, ao mesmo tempo, um vínculo, a ida e a volta, o dar e o receber. Porque tudo o que retemos, ela sabe, a árvore, com o tempo, perderá a vida e apodrecerá. Se a árvore nos dá seus frutos, é para continuar viva. No meu papel de griot, tudo o que me ensinaram foi manter o vínculo para permanecer vivo, pois a eternidade está semeada no coração dos humanos.
R/2 - Eu me chamo Baichère Mbaye _____. Sou artista, músico, compositor, autor, nascido em Dakar. Vivo em Toulouse atualmente. Griot por parte de pai, por parte de mãe. Néjik ______, djembé, sabar, tama, percussões espirituais. O que me interessa, na percussão, é sobretudo a percussão espiritual. Poder compartilhar a alma da percussão me permite transmiti-la aos outros que estão diante de mim. Então, hoje, estou honrado e feliz de estar aqui diante de vocês com minha percussão tama.
P/1 - Obrigada. Agora, vocês podem usar a percussão para contar a história e podemos seguir um pouco. E minha sugestão seria entender um pouco: o que é essa tradição da sociedade, dessa geração? O que é essa tradição? Qual o papel de ser griot nessa geração? Como isso funciona?
R/1 - O griot usa a palavra para conectar o homem aos seus semelhantes. O griot fala de coração a coração e de corpo a corpo. O griot representa o guardião da memória. Seu papel é reter o que foi dito, o que aconteceu. E repetir de maneira mais agradável, mais suave, sem romper os vínculos, mas tecendo-os para elevar o homem para cima. O griot conta para se encontrar com os outros. O griot não fala com o ausente, mas com aquele que está presente. E assim, falamos com aquele que está presente repetindo os que estão ausentes, que repetiram em nossos corações. Nós os convidamos, ao mesmo tempo, a nos dar forças para estar em conexão com os outros. Então, na tradição dos griots, são aqueles que guardam a memória, que cantam, que tocam música, que contam a memória dos seres humanos. Podemos começar desde gerações. Dependendo da idade, a transmissão é feita de maneira diferente. De acordo com o que a criança faz, durante o dia, contamos à noite o que ela fez, uma história que corresponde exatamente ao que ela fez. Conforme a idade, podemos contar uma epopeia, grandes feitos, podemos contar histórias que constituem o fundamento de nossa vida. Para ajudá-la a se manter ereta, a conhecer suas raízes, sua história. Assim, o griot está lá através de provérbios, ditados, através de histórias, lendas, para nos falar todos os dias. Mas o griot também deve conhecer tudo o que o cerca, a história das famílias. Antes de contar, saber. Mas antes de conhecer a história do outro, dizemos que na África, o caminho mais longo é o caminho que percorremos dentro de nós mesmos. Para encontrar a chave que abre as sete portas, para nos permitir comunicar com as sete estrelas do céu. E aí, podemos abrir nossos braços. Então, o que é importante é o vínculo conosco mesmo. Assim que isso é feito, o vínculo com os outros se torna fácil. Porque, enquanto os inimigos internos não nos fizerem mal, os externos nada poderão fazer por você, para você, é o que nos dizem. Então, o griot conta. No contar, há histórias de animais, há epopeias, a história desses grandes feitos. E os griôs contam muitas histórias antes da chegada do colonizador. É aí que a África tem sua palavra. Essa palavra abafada, estamos aqui para contar. Desde gerações, repetimos. Contando uma história, repetindo uma história, a vestimos com nossas cores, as cores de nossos corações. É aí que uma história pode se transformar. Mas não temos o direito de mentir. Porque a palavra é divinamente exata. E é preciso ser exato com ela. Caso contrário, lidamos conosco mesmos, com a cadeia dos ancestrais, com a cadeia da transmissão. É por isso que nossa palavra vale mais que a vida.
P/1 - Como era esse treinamento, quando você era pequeno, na aldeia onde estava, como era a vida? Como acontecia?
R/1 - A palavra começa, estamos no ventre de nossa mãe. É lá que começa a comunicação, através de cantos, através de canções de ninar, através de orações, para manter o vínculo que temos com essa criança. De zero a sete anos, estamos na escola da mãe. A primeira escola é a escola da mãe. Aprendemos tudo no pátio. A mãe que nos observa, antes de nos receber, já através de seus cantos.
[canto]
A criança chega, e a recebemos com cânticos. O canto marca nossa vida. A esperança é sempre a chave que abre todas as portas. Independentemente da situação da vida, a recebemos com crença, como um presente que a vida nos oferece. Portanto, a criança que está aqui, todos a recebem. A criança cresce, todos cuidam dela. A criança que quer dançar, mesmo que comece a andar, o que fazemos é ajudá-la a dançar com ritmos, ajudá-la a encontrar seu lugar, a encontrar seu ritmo, a confiar nela mesma. Portanto, até os 7 anos. E de 7 em 7 anos, porque a vida é dividida em partes de 7 anos. Aos 7, o segundo ciclo de 7 anos é aos 14 anos. Ela ainda está na escola dos pais, especialmente da mãe. E a partir desse momento, aos 14 anos, é quando começamos a questionar. Assim que nossa memória se torna como um tipo de cuscuzeiro. E é aí que, normalmente, na África tradicional, somos levados para a iniciação na floresta, para nos conectar com o mundo vegetal, animal e mineral e, lá, com a verdadeira religião, com a espiritualidade africana. Isso é se conectar com tudo isso. E ao retornar, temos 21 anos para aplicar o que aprendemos. Aos 42 anos, temos o direito de falar. Antes disso, não temos o direito de falar. Ouvimos, na tradição africana.
P/1 - Então, vocês vão juntos com outros griots mais velhos, é isso? Para ouvir?
R/1 - Sim, ouvimos. Na África tradicional, é o direito dos _______ assim que chegamos, aquele que foi iniciado, quando ele fala, nós nos calamos. Ouvimos e frequentemente até baixamos os olhos. E isso é para aprender, ou seja, aprender. E de 42 anos a 63 anos, devemos devolver o que aprendemos.
P/1 - E depois?
R/1 - E depois, somos como uma estátua. “É a idade da aposentadoria na África tradicional”, como bem repete Amadou Hampâté Bâ, é a África de antes. Essa África foi transmitida desde os tempos antigos pelos griots, pelas pessoas de idade avançada. E essa África é antes da chegada do colonizador. E nós, essa África é a que nos fala. Essa África é a que nos sustenta. Essa África é a que nos salva a vida. Sua missão é repetir o que fazia com que o homem mantivesse sua dignidade. Repetir o que fazia com que o homem ficasse de pé. Como griots, estamos aqui para repetir tudo isso. Vá buscar, ouça os personagens mais velhos e repita agora. Cante isso através das histórias. Como a vida é uma história. [fala em wolof ?]
P/1 - O que isso quer dizer? [risos]. O que você tem a me dizer?
R/1 - Ele diz: "Tudo o que você diz, eu acho que é importante". Eu queria que ele se expressasse através da música. Ele diz: "Mas já, o que você está dizendo é tão importante que eles precisam ouvir".
R/2 - Sim, porque o instrumento, é um instrumento que vem de Waalo. Waalo é no norte do Senegal. Chamamos isso de Tama. É um instrumento muito respeitado. Se hoje estou aqui, tendo a oportunidade de estar entre vocês, e não mencionar esse nome, nem de onde ele vem, quando eu dormir essa noite, não vou dormir bem. Então, eu preciso explicar que vem de Waalo, que vem do Senegal. Quero que ele toque porque é um tambor com pele de varano. É um tambor muito respeitado, muito frágil. Se você fizer uma nota errada, a pele se rompe.
P/1 - Uau! Então, como é a formação para ser um griot musical? O que é isso? Como foi a sua história?
R/2 - Na minha história, eu acho que foi o pai cantor que me levou para a família dos griots. Eu nasci em uma família de griots muito espiritual. Meu pai é griot espiritual. Na família griot, um griot percussionista, contador de histórias, dançarino, cantor... E cantor espiritual. Meu pai faz parte dos griots cantores espirituais. Meu avô também fazia parte dos griots cantores espirituais, o que chamamos de Sheikh Djalao [?]. Minha família decidiu que eu seria o griot percussionista.
P/1 - "Eles" decidiram isso.
R/2 - Eles decidiram isso por mim. E, nesse caso, carrego um peso, porque foi o que decidiram para mim. Eles me disseram: "Você é o griot das percussões". Por isso, não sei cantar. Não tenho histórias para contar. E as histórias, eu conto com a minha baqueta na mão. [toca o tama] Essa é a minha história.
P/1 - É muito bonito. Então, assim que começamos, porque os 7, eu acredito que são até os 14 anos nessa formação, você (Boubacar) disse que é a mãe. E você (Mbaye) disse que é o pai.
R/2 - E a mãe.
P/1 - E a mãe. Então, gostaria que você me falasse um pouco sobre sua mãe e seu pai. Porque eu li que você tem duas mães. Como era isso, como era a presença da mãe e do pai quando vocês eram pequenos? O que você lembra de tudo isso? Porque vocês são pais, mas cada um estava em uma parte da família, certo?
R/1 - Quando falamos de família, é a grande família. Não necessariamente o mesmo pai, a mesma mãe, os irmãos mais velhos, os mesmos primos. Porque a família africana é grande. Muito, muito grande. Eu não conheci meu pai. Mas graças a duas mães, eu não senti a ausência de um pai. Ele era polígamo. Tinha duas mulheres. Ambas eram amigas antes de serem co-esposas. Quando eu tinha seis anos, ele partiu para o país dos ancestrais, ou seja, mudou de residência, o que significa morrer. Deixando cerca de 30 filhos.
P/1 - Com duas mães?
R/1 - Com duas mães. O que conto em "Mulheres, minha escola". Quando você chega na minha casa, não há porta. Não precisa bater ou chamar, você está em casa. Chegando lá, no pátio, há muitas crianças. Muitas mulheres, porque entre os 30 filhos, apenas 5 são meninos. Todos os outros são meninas. Todas essas meninas, minhas irmãs, se tornaram mães. Com filhos, mas não tanto quanto Yaï Fatou e Yaï Nabou. Yaï Fatou é minha primeira mãe. Yaï Nabou, minha segunda mãe. Assim que você chega em casa, você não pode deixá-la de ver. Yaï Fatou. Eu posso apresentá-la. Ela é alta, cor de ébano. Para nós, ela é o homem da casa. Você chega e não pode deixá-la de ver. E seu olhar nos seguia por todos os lados. Até no banheiro, tínhamos a impressão de que ela nos via. Ela tinha um poder sobre nós. Porque ela tinha uma conexão com o mundo dos gênios, dos marabôs. Quando uma criança vai nascer, é ela que vai consultar os ancestrais para saber se seu tótem vai trazer sorte. Tudo o que ela transmitia era a parte espiritual, a parte rigorosa, a parte Baye Fall, que é um pouco o sufismo do Senegal, através de seus cânticos. Tudo o que ela contava girava em torno disso. Para mim, ela é o homem da casa, que à minha direita, ela se chama Yaï Nabou. Ela também é alta. Ela é muito bonita, com uma voz de pássaro. Ela nunca nos repreendia. Era nossa amiga. Brincávamos com ela. Mas só não podíamos tocar seu pescoço, senão ela entrava em transe. Ela tinha uma força estranha, e apenas sua garrafinha de água misturada com gris-gris podia acalmá-la. Ela também caía em transe quando recebia uma boa ou má notícia de maneira brusca. Sempre tínhamos que passar por Yaï Fatou. Apenas ela sabia como falar com ela. Ela era como sua irmã mais velha. Aliás, ela sempre a chamava de "irmãzinha". Mas ela, ela nos contou muitas histórias. Ela cantava. E ambas me chamavam de "pequeno Doutor Ngom" [?].
P/1 - Doutor?
R/1 - Doutor Ngom.
P/1 - O que isso significa?
R/1 - Eu pedi pela infância, mas quando era criança, me chamavam de Doutor Ngom. Na escola, na vila, todo mundo me chamava de Yaï Boubacar, mas em casa, me chamavam de Doutor Ngom. E eu não entendia [porquê]. Quando um colega de classe vinha perguntar pelo nome Boubacar, diziam-lhe: "Não, Boubacar não mora aqui". Eu não entendia, então fui consultar meu dicionário que fala minha gramática (avó). Ela sabia responder a todas as perguntas. Ela tinha tempo. Ela me disse: "Ngom é o nome do melhor amigo do seu pai". Na realidade, ele era doutor, veterinário, e viajava de vila em vila para tratar dos animais doentes. "Todo mundo o conhecia, e seu pai, para imortalizar a amizade com essa pessoa que tanto o amava, te deu o mesmo nome". Eu sempre dizia: "Mas vovó, eu não sou doutor, eu sou dançarino". Ela sempre me dizia: "Então, dance. Sempre que você quiser algo, então, dance. Dance". E depois ela me disse: "Você é dançarino, mas também doutor, porque você sabe fazer o bem com o coração, você pode curar". Eu sentia que tinha recebido uma resposta iluminada. Fui ao mercado para comprar nozes de cola para ela. Ela as prova depois de ralar, claro. E é aí que, porque os avós, as mães, no dia a dia, o que eu dizia antes, observam o que você faz e, como criança, um simples gesto poderia ser o suficiente para que eles contassem uma história relacionada ao que você acabara de fazer. Isso também é a tradição oral. Falam sobre a árvore Apalab [?]. Poderíamos chamá-la de árvore da vida. Pode ser na frente de uma cabana. É o momento da transmissão. Mas antes de transmitir, antes de contar, é necessário viver com a pessoa. E isso é o que é importante nessa tradição, no que diz respeito à arte de fazer. Porque lá, dizem que a orelha, todo dia, vai à escola. E o simples fato de dizer algo, elas podiam nos contar uma história. Especialmente os avós. Nós, somos camaradas dos avós. Os netos podiam perguntar tudo. Geralmente, os avós têm mais tempo. Por isso, a maior parte dos africanos diz: "Minha avó, meu avô". Porque eles tinham muito mais tempo. Eles não eram excluídos. Eles viveram. Eles viram. Sempre dizemos, na África, antes de falar: "Pergunte a quem viu o sol antes de você, quem viu a luz antes de você". Essa organização é importante. Para nós, isso também nos fala. Então, é aí que eles poderiam contar uma história de acordo com o que fizemos, conforme uma pergunta, uma história surgia. Geralmente, são lendas, histórias sobre animais. Contamos muitas histórias sobre o mundo animal. Porque a tradição africana diz que o homem é um animal vertical falante, que gosta de ouvir críticas sobre os outros. Ele se sente feliz. E assim que o critica diretamente, ele não gosta. Por isso, para não ofender o homem, passamos por meio de uma história para falar com ele. O homem também gosta que digam: "Você é o mais bonito, você é o mais forte". Isso não vai despertar sua sede de aumentar nosso ego. Passamos por meio de uma história para falar com o homem. O fundamento dessa tradição é isso, de coração a coração e de corpo a corpo. Sempre com uma moralidade. Quando não há tempo, um único provérbio pode ser suficiente para dizer o essencial do que queremos transmitir.
[fala wolof?] Se você não souber mais para onde vai, volte de onde veio.
[fala wolof?] Nunca se abaixe para olhar por trás de alguém. Caso contrário, outra pessoa se abaixará e olhará no seu.
[fala wolof?] Por mais alto que seja a árvore, suas folhas sempre cairão no chão.
[fala wolof?] A língua não tem ossos, mas com a língua podemos quebrar ossos.
[fala wolof?] Na floresta, seja os animais ou os elefantes brigando ou fazendo amor, é sempre a grama que é esmagada.
[fala wolof?] É bom ser bom uma vez, duas vezes. E isso é bom, é o suficiente. Três vezes, você se torna bom demais. Bom demais, você se torna doce. E doce, te comem.
Podemos continuar até amanhã, provérbios que podem retornar. Isso quer dizer que tudo isso é também uma maneira de repetir sem impor imagens. Porque a palavra africana, a oralidade, tem como objetivo humanizar o homem. Que ele permaneça no vínculo. Não apenas o entendimento da mente, mas o entendimento de todo o corpo. E em cada país, antes de contar uma história, há uma fórmula no Senegal. Na França, dizemos “era uma vez”, mas no Senegal, antes de contar, há uma fórmula muito importante.
P/1 - O que é?
R/1 - Dizemos "Léeboon" e você responde "Lippoon". Léeboon - Lippoon. Isso significa “um conto”. Lippoon significa “conta”. Mas não termina aí. Adicionamos "Amon na fi répété Da na am". Amon na fi – Da na am. Amon na fi significa "Era uma vez". Da na am significa "Sempre foi assim no passado".
[fala wolof?] Você estava lá quando era assim? É você quem conta e nós estamos ouvindo.
[fala wolof?] Você não perde seu tempo ouvindo apenas contos.
E geralmente, antes de contar uma história, primeiro ouvimos a palavra do silêncio. Assim que o silêncio se convida, podemos começar a contar. Porque no silêncio, pensamos nos ancestrais. No silêncio, pensamos nos ausentes que se convidam para nos dar força. É aí que não temos o direito de mentir. É aí que não temos o direito de brincar. Porque brincar nos leva a ficar cansados na vida. Ela sempre dizia: “A vida é muito curta para se parecer com quem você não é”. E tudo o que está no coração aparece claramente no rosto. Então reaja, e rápido! Antes de perder o sabor dessa vida que só passa, vestida de várias cores, ela nos pede apenas para abraçá-la”. E antes de falar, nos pedem para girar a língua sete vezes. E especialmente fazer sete perguntas.
P/1 - Quais?
R/1 - O que acontece com o mundo se eu não contar? E depois que eu contar, como será o mundo? O que contar para o mundo de tudo o que sei? E o que as pessoas vão contar sobre o que eu contei? E então, o que contarão sobre essas pessoas? É necessário fazer isso? Eu tenho o status? Fui bem treinado? Se eu não tenho o status de um griot, treinado para falar, ouvir antes de falar, eu me contentarei com as histórias dos animais. Se não devo contar as epopeias, a palavra que fundamenta uma sociedade, eu devo me calar. Para não usar a palavra que quebra os vínculos, que divide. A palavra humilhada. Assim que respondemos a todas essas perguntas, falamos, e de todos os órgãos do ser humano que estão na cabeça, um só tem duas barreiras: é a língua. A primeira barreira são os dentes. A segunda barreira, os lábios. Antes que a língua ultrapasse essas barreiras, a cabeça deve refletir que a língua deve continuar a tecer vínculos e cuidar, ao invés de fazer mal. Os olhos estão expostos. O nariz exposto e os ouvidos. E sempre nos dizem: “vocês sabem bem, por que temos uma boca e dois ouvidos?”. Não precisamos explicar. É porque devemos ouvir duas vezes e falar apenas uma vez. A tradição africana usa muito a simplicidade para que todos entendam de imediato. Não cortar a cabeça do corpo. Mas dizer, e assim que dizemos, o outro entende imediatamente. E assim que o outro entende imediatamente, estamos em vínculo. E assim que estamos em vínculo, todos ficam bem. A transmissão geralmente acontece à noite. A noite é reservada aos sonhos; onde a imaginação pode facilmente transformar a dimensão das coisas. À noite, não vemos a cor da pele do outro. À noite, não vemos se o outro é rico ou não. À noite, estamos todos juntos ao redor do fogo. A transmissão acontece assim, e cada um tem seu lugar. Repetindo as mesmas coisas, isso nos fixa e nos dá confiança de estarmos em uma única e mesma família. Cantando a mesma canção, nos sentimos juntos, é assim que nos damos força; força, seja qual for a situação. E a morte não é um tabu. Falamos muito sobre a morte antes de falar sobre a vida.
P/1 - O que é a morte? Como é vivida a morte?
R/1 - Vou repetir uma história que contei antes. Porque a morte é um retorno. Antes do nascimento, o que havia? Onde estávamos? Sabemos? É a história de um garoto, chamado Nda Amiakar [?]. Ele vive com sua avó; sua avó que o observa todos os dias. Tudo o que ele faz, sua avó observa, e à noite, ela conta uma história que corresponde ao que ele fez durante o dia. Assim, ouvindo sua avó, ele se instrui e cresce. O tempo passa. Uma noite, ele chegou e não viu sua avó sair de sua cabana. Será que era seu amigo? Ele se levanta, abre a porta de sua casa. Viu sua avó em sua cama, muito cansada. Podemos dizer muito doente. Tannu disse: “Mamboï, mamboï, khanar dânga ragaldé?” [?] "Vovó? Vovó, você tem medo de morrer?". Ela lhe disse: "Venha, tenho algo a te contar". Imediatamente, ela se levantou. "Veja. Antes do meu nascimento, eu estava na morada mais bonita da terra: o ventre da minha mãe. E um dia, antes desse dia, eu estava bem lá dentro, tinha tudo o que precisava. E um dia, me fizeram passar por uma porta para um outro mundo. No começo, eu não gostei, gritei, chorei. Mas com os braços estendidos para mim, os sorrisos... Logo gostei de ser uma criança, uma criança mimada, acariciada, e queria ser criança para sempre. E me fizeram passar por outra porta; para um outro mundo: o mundo dos adultos, que é uma parte que eu não gostava nada. Era uma parte deste mundo que eu amava: encontrar pessoas, um marido, amor, filhos, e viajar por aí. Queria ficar sempre linda, jovem e viajante, mas assim que quis ficar nesse mundo dos adultos, me fizeram passar por outra porta. Para um outro mundo. O mundo da velhice, da maturidade, como o fruto de uma árvore, pronto para ser colhido para alimentar o universo. Agora, estou no fim da minha vida, você me pergunta se tenho medo de morrer. Queria apenas te dizer que durante todo esse tempo, eu, sua avó, aprendi que me resta outra porta para atravessar e estou pronta". “Mas vovó, então você nunca partirá”. "Você sabe, é assim a vida. Crescer, morrer para renascer. Então, a cada momento, dance. E eu, quando você celebrar, estarei com você e dançarei com você. Dance. Dance. Dance". Assim termina o meu conto, indo cair no mar [?]. Quem respirar primeiro irá para o paraíso e todos nós... E se dissermos sim à vida, todos nós estamos no paraíso.
P/1 - Obrigado pela história. E você?
R/2 - A minha história é simples. Porque... Minha mãe é minha tia. Meu pai é meu tio.
P/1 - Quem é ela? O que é ela?
R/2 - Minha mãe é minha tia. Minha tia.
P/1 - Ah, sua tia. Ah, ok.
R/2 - Meu pai é meu tio. Meu pai casou com a sobrinha dele. E naquele momento, eles tiveram nove filhos juntos. E meu pai nos teve muito tarde. Só eu, ele nasceu em 1927, eu nasci em 1977. Então, ele nos teve tarde. E eu ainda tenho mais quatro irmãos atrás de mim. Meu pai teve uma filha que ele chamou de Bapst. Porque a pequena nasceu e não entendeu o que estava acontecendo naquela casa. Será que ele é o pai dela? O avô dela? Ela o chamava de avô. E meu pai, como eu disse, era imã da grande mesquita do nosso bairro em Dakar. Ele celebrava todos os casamentos, ele celebrava os mortos, as cerimônias de falecimento, ele celebrava os nascimentos das crianças que chegavam à Terra. Por isso, como eu disse antes, eu fui escolhido para ser o griot tradicional. Eles eram griots espirituais, e muito fortes, muito conhecidos e muito respeitados. E meu pai casou com minha mãe. Minha mãe era jovem, tinha 16 anos. Em 1949 e 1927, você vê a diferença também. Além disso, a sobrinha dele, ele teve que criá-la porque minha mãe era muito jovem. Mas ela conseguiu ter nove filhos. Seis meninas, três meninos. Para resumir, porque, como eu disse antes, todos eles são funcionários públicos. Eu sou o único griot, porque me incentivaram a ser griot tradicional. Aos 10 anos, comecei a praticar percussão, e já era conhecido no bairro. Um garotinho que tocava em todos os lugares, que adorava tocar o tempo todo no bairro. Era eu. E sempre minha mãe me incentivava. E quando eu tocava, ela vinha me vigiar para ver se eu estava fazendo certo. E meu pai, de longe, olhava. Nesse momento, eu cresci. Cresci com amigos de infância. E um dia, o irmão mais velho do meu pai me deu um instrumento de percussão. Um instrumento que eu não sei de quando datava, mas quando eu o vi, era um instrumento bem antigo. Foi uma sorte para mim. Eles todos me acompanharam para que eu fosse o griot do bairro. Manter a memória das percussões. Foi nesse momento que comecei a comprar percussões. E você sabe, quando tem percussões, isso atrai amigos. Todo mundo quer tocar. Todo mundo quer bater. E no Senegal, todo mundo que não tem o direito de tocar... Só os griots têm o direito de tocar percussão. Sabar, Djembé, Rin Soloba [?], e o tama. Só os griots têm o direito. E aí, todos os amigos de infância começaram a me procurar porque havia muitas percussões. No fim, criei um grupo. Chamava-se o grupo Bar Yaï. Bar Yaï significa "boa mãe" [em Wolof: Ndeye Bu Baax]. Naquele momento, começamos a atrair atenção, porque já estávamos tocando bem. Trabalhamos duro, ensaiávamos, fazíamos composições. E todo o Dakar começou a pensar em nós, a nos observar. E não é muito bem visto no Senegal quando você é griot e os outros que te acompanham não são griots. Eu era o único. E os grandes griots nos davam medo. Os mais velhos me davam medo, porque quando eu tinha uma cerimônia para animar, eles vinham atrás para me observar, para ver se eu estava fazendo isso direito. Isso me dava um pouco de medo. Mas como eu estava acompanhado de algo que eu talvez não tenha visto, talvez não conhecesse, mas ele me conhecia, e quando eu tocava, eram eles que saíam com o dinheiro, os mais velhos, e me davam para me recompensar; para simplesmente me dizer "Parabéns, felicitações". E no caminho, como eu disse, meu pai, sempre distante, mas de vez em quando me chamava para me dar duas ou três palavras sobre o griotismo. Mas sempre, minha mãe estava lá para me apoiar, para me dizer: "O que você fez ontem não foi bom. O que você fez antes de ontem foi bom". Porque estavam me ensinando a ser griot. Essa é a história da minha mãe e do meu pai. E nós, os nove filhos da minha mãe e do meu pai. Alguns trabalham no Banco Central de Dakar. Algumas são parteiras. Alguns trabalham na prefeitura de Dakar. Todos são funcionários públicos. Eu sou o único, sim, eu sei, na família. Naquele momento, eu me sentia sozinho e convidei meu irmão mais novo, que meu pai não queria que tocasse. Não, como eu disse, eu era o único. E eu o chamei e disse a ele: "Venha me ver. Não me deixe sozinho. Ele quer que você seja carpinteiro, alfaiate, o que você quiser... Mas eu quero que você seja um griot como eu". Fui comprar uma percussão. Eu lhe dava todos os dias para que ele viesse me acompanhar. Mas de forma secreta. Ele se escondia, não queria que meu pai o visse porque meu pai não queria que eu... A vida continua. Conseguimos viver na mesma cidade em Toulouse, com esse irmão, com uma voz maravilhosa, um grande homem, espiritual. Escutem bem, um dia ele me disse: "Vou parar de tocar no palco, vou me tornar um griot espiritual. Então, a herança... Como meu pai, ele não queria que meu irmão tocasse percussões, porque meu pai queria que meu irmão fosse um griot espiritual. E mais tarde, meu irmão sentiu que ele era um griot espiritual, então ele parou de subir ao palco. Ele parou de tocar. Tinha uma voz de ouro, alguém muito amado, um grande artista. Um dia ele me disse: "Foi só para te acompanhar. Mas você é o griot. Vou parar com a música". Ele parou com a música e se tornou um griot espiritual. Então, essa é a história do lado paterno. Do lado materno, minha mãe... Meu avô era um griot como Boubacar, contador de histórias, muito conhecido, na época de Alun Fal [?], conhecido em Dakar, em N´Gor. E do lado dele, havia muitas cantoras. Minha tia, irmã mais nova da minha mãe, muito conhecida no Senegal, é uma grande cantora e uma grande dama, muito conhecida no Senegal, ela é a irmã mais nova da minha mãe. Isso é do lado da minha mãe, eles são mais praticantes, griots tradicionais, griots cantores, griots dançarinos e griots percussões. Do lado do meu pai, são griots realmente espirituais, conhecidos e respeitados. Então, eu tenho os dois.
P/1 - Que força!
R/2 - Então, eu tenho a escolha. Mas os dois estão comigo. Eu tenho duas heranças. Tenho a herança materna, tenho a herança paterna. Mas, por enquanto, prefiro a herança materna. Porque a herança paterna é tão pesada. No meu sangue paterno, eu deveria ser um imã. Eu deveria ser um guia espiritual. Está no sangue do meu pai. Vou deixar isso com meus irmãos. Se todo mundo for guia, quem vamos guiar? Está bom? Antes de falar durante o dia, é preciso falar à noite. Todo mundo é guia. Quem vamos guiar? Então, prefiro que me guiem. E eu os deixo me guiar. Sou discípulo deles. Um mais velho [?], sim. Mas sou o griot deles. Minha história é esse resumo.
P/1 - Sim.
R/2 - Eu sei dizer, mas sou mais… Com os meus dedos. E nunca aprendi percussão. Ninguém nunca me ensinou.
P/1 - Ah é?
R/2 - Nunca. Não tem ninguém que tenha me dito: "É assim ou é assim". Nem uma pessoa. Era um djembê. Eu era o solista do grupo e deveria ir para a Europa. Primeira vez. Na Bélgica, em 2001, montamos um programa de balé. Eu era o solista. E havia outro. Eu não conseguia fazer isso no djembê. Sempre me criticavam: "Não é assim, não é assim!". E quando voltava para casa, eu não dormia. Pensava: "Preciso conseguir fazer isso": Fui ver alguém chamado Morniaï [?]. Peguei um trocado e disse a ele: "Só quero essa nota. Em dois dias, quero conseguir essa nota". Foi ele quem me indicou a ir para a turnê na Bélgica. E nunca aprendi percussão.
P/1 - Bom, e depois disso, você foi várias vezes à Europa porque agora você mora lá, não é? Como foi isso?
R/2 - Exato. Ser griot depois… Nascemos griôs, mas depois eu prefiro ser um artista. Porque, no meu caso, eu penso que está na arte o meu griotismo, está no meu sangue. E o meu artista está na criação. Agora, estou mais na criação. Estou mais na música moderna. Em todos os casos. Gosto de misturar o coral e a guitarra. Gosto de misturar o trompete e o balafon. Gosto de misturar o tama e a bateria. Gosto também de fazer o tradicional. Mas neste momento, eu gostaria de... Eu já sou griô. Griô, nasce-se griô, não se torna griô. Eu já nasci griô. Mas o que resta agora, eu quero me tornar um artista sem fronteiras, para poder abrir outros caminhos, para poder abrir outras portas, para descobrir o que eles têm na bagagem deles, como música? Quando você diz que é griô percussionista, dizem: "Ah, ele é griot músico". Se você não tem bagagem suficiente, você é apenas um griô, mas não é um músico. E neste momento, sou artista. Vou continuar esse caminho porque temos muitos herdeiros, nossos filhos, que nasceram na França, que têm mães francesas. São filhos mestiços, pai griô, senegalês, africano. Para transmitir essa tradição, é preciso passar pelo moderno. Por isso, eu tenho instrumentos de corda [?] em casa, violoncelos e pianos. Se eu não modernizar meu trio e meu artista, eles vão ficar bloqueados. Então, como percussionista, sou obrigado a modernizar meu caminho musical para meus filhos, que chamo de filhos mestiços. Eu lancei um álbum chamado "Enfants Métis". É para eles. Não os forcei a tocar o tama, mas eles nasceram griôs. Tem guitarra, tem piano, tem bateria. Tem trompete, tem o bijondo [?] com todos os instrumentos modernos que existem. Então, você pode expressar seu griotismo com esses outros instrumentos. Depois, neste momento, eu gostaria de atrair os griots mestiços para [?] domino. Um negro, mãe branca… Eles têm os dois, porque são filhos do mundo. Essa é a minha história resumida.
P/1 - Sim, perfeito. Muito bem. Vamos voltar. Vou fazer outra pergunta: por que você foi viver na França? O que aconteceu?
R/2 - Por que? Foi por meio dos estudos. Cresci no Senegal até os 24 anos. Toda minha infância foi lá. E sou a única pessoa - e aqui também é interessante - porque, na minha família, sou o primeiro a ter o Bac (Baccalauréat).
P/1 - Então, a escola era uma escola francesa?
R/2 - Ah, sim, no Senegal… a escola francesa e tudo isso. Mas, na família dos griôs, a maioria desiste da escola muito cedo. Principalmente, tenho uma família com muitas mulheres, muitas meninas. Minhas mães não foram para a escola. Lembro-me da minha infância, quando voltava para fazer os deveres, minha mãe me perguntava: "Você aprendeu suas lições?". Eu dizia: "Sim" . "Vem recitar". Ela pegava meu caderno. Eu recitava e, dependendo de como eu recitava, ela via que eu não dominava, dizia: "Não, vai aprender". Ela queria que eu tivesse o Bac. Mesmo que ela não soubesse nada. Mas depois percebi... Percebi depois que ela não sabia ler. Para mim, ela sabia tudo. Porque ela pegava meu caderno, dizia: "Vai lá, estuda. Vai, me diga sua lição". E dependendo de como [eu recitava]... Ela sabia de imediato: "Ah não, ele não dominou essa lição". Porque eu estava muito... Seja no primário, no colégio, eu estava sempre nas trupes de teatro, que chamamos de teatro total. Muito cedo, eu liderava, é uma expressão assim, onde eu gostava, em torno de uma história, de colocar dança, canto, e fazíamos um pequeno sketch encenando aquele conto ou história. E durante as aberturas do que chamamos de festas de bairro, ou seja, mais no colégio, associações de alunos, onde todos os alunos estavam presentes, e apresentávamos algo. E era assim que me conheciam, e ao mesmo tempo eu fazia os estudos. Em certos momentos, lá onde eu morava em Tivaouane, a parte artística ocupava muito espaço. Ela me mandou para alguns quilômetros de onde morava, para ir à casa da irmã dela, com a ideia de que eu pudesse ter o Bac, pois o lado artístico estava tomando a dianteira. Quando fui para lá, depois, também depois do CM2, eu andava quase cinco quilômetros para ir a esse colégio, sempre a pé. E lá também, essa parte artística tomou o controle. Concluí o bacharelado, fui para a universidade.
P/1 - No Senegal.
R/1 - No Senegal. E depois de um doutorado em Direito, vim continuar meus estudos na França. E eu te digo, ela viu isso, que graças aos estudos eu poderia partir. Porque se eu não tivesse feito os estudos, eu não estaria aqui. Para mim, até para falar francês, traduzir tudo o que elas me transmitiram hoje. E quando cheguei aqui, eu estava aprendendo para conseguir os papéis, mas sei que isso não estava realmente me atraindo, os estudos. Porque eu fazia isso pela família. Porque eles contribuíram, entende? E você volta com grandes diplomas para ajudar a família. Depois de três anos, parei tudo. No começo, eles pensaram: "mas espera, ele perdeu a cabeça, nosso filho foi até amarrado". A família estava esperando. Mesmo pessoas pegam a “pirogue” correndo o risco de morrer para ir para a Europa. Eu fui embora e depois parei tudo para dizer… Porque as perguntas que as pessoas me faziam, tanto na universidade quanto em outros lugares, em associações, ao redor da cultura africana, tudo isso me levou… foi isso que me impulsionou a criar o que chamamos de “Le puits à paroles”, essa associação em 2007. Essa necessidade de contar. Mas contar, é antes de tudo… Antes de se casar, é preciso se casar consigo mesmo. Quando parei tudo, no começo foi difícil, mas era necessário mostrar aos meus pais que eu conseguiria. Por isso, quando contei para as 350 mães francófonas com a carta do prefeito de Paris, fiquei orgulhoso de mostrar isso aos meus pais. Eu fiz um pequeno papel com Omar Sy, em “Samba”. É um pequeno papel, mas tudo isso, quando vemos no cinema, é como se nosso filho tivesse conseguido. Mas para mim, não é isso que procuro. Procuro ser um griô que conta histórias. Não estou buscando ser um ator de cinema. O que procuro é estar nas estradas do encontro, como faziam meus antepassados. Meu tio, Abdoulaye Ndiaye, Tio Sam, é alguém conhecido, que acompanhou Léopold Sédar Senghor, quase todos os presidentes. É um griô famoso em todo o Senegal. Ele partiu não faz muito tempo. Ele também, aprendi muito com ele, por meio de sua transmissão, porque eu também coletava com ele. Então foi isso que me levou, minha vida através das viagens, através da escola, a escola me permitiu, de qualquer forma, viajar.
P/1 - Agora, acho que uma última pergunta. Falamos sobre histórias de música, família e morte. Qual é a relação de tudo isso com a fé? Porque seu pai era imã, não é? Isso é forte. Qual é a fé na sua formação? Como você viveu isso e como vive isso na França? Porque a França é tão diferente, não é?
R/1 - Mas a fé é o nosso fundamento. Acreditamos no outro mundo, acreditamos em uma força que criou o mundo e que nos acompanha na nossa vida cotidiana. E isso repetimos tanto que faz parte de nós. Agora, sabemos que cada um à sua maneira, como chama, tantas línguas nesta vida, tantas maneiras de considerar ou de chamar Deus, de chamar essa força. Aqui, é nossa cabeça que pensa sobre isso e explica isso. Somos crentes. E sabemos que a expressão de Deus na Terra é a natureza. Então, para mim, é difícil acreditar, até aceitar, pessoas que destroem a natureza e rezam a Deus, por exemplo. Destruir a natureza é como insultar a Deus. Porque a natureza é a expressão de Deus na Terra. Então aprender… Ir à busca do saber... O que dizemos na África, a maior riqueza das riquezas, que se pode dar a alguém que não tem e que se torna tão rico quanto você sem empobrecer, é o conhecimento. Todos os dias, buscamos isso para nos preencher, porque estamos meio cheios como seres humanos. Ao encontrar outros seres, nos preenchemos com eles e continuamos nosso caminho. A fé de que amanhã, vamos servir e passar [?] para o outro lado também. E fomos muito ensinados. E isso já está integrado. Até a palavra "medo" da morte, isso não nos acontece. Eu devo exagerar sobre isso. Mas eu te digo, eles conseguiram, os pais, eles conseguiram. Porque a morte não nos dá medo. Nós a acolhemos. E é isso que queremos ensinar aos nossos filhos. É acompanhar as pessoas. No Senegal, assim que anunciam o falecimento de alguém, você o conhece, não o conhece, você se prepara para acompanhá-lo em seu último lar. Esse lembrete constante, acho que é importante. Uma maneira de dizer isso, mas ele está lá. É a roupa que todos usarão um dia. Mas antes de morrer, é preciso viver. Nosso guia, Selim Touba [?], sempre nos dizia: "Trabalhe como se você nunca fosse morrer. Reze a Deus como se fosse morrer amanhã". E eu digo que o medo dá mais força àquele de quem se tem medo. Uma memória nunca adormece. Só aquela que é impedida, sufocada, mergulha no esquecimento. Se for pesada, pode nos arruinar a vida. Por isso, no Senegal, na família dos griôs, o deficiente não é aquele que não sabe andar, mas é aquele que tem algo a dizer e nunca ousa se expressar. Enquanto você não falar, ninguém vai te conhecer. Assim que você abrir a boca, você se revela. E você responde presente a esse convite para o festival da vida que é o mundo. Qual papel você quer desempenhar? Espectador ou ator? Cada papel é importante, mas ficar ator todos os dias, com o tempo, eles tomarão seu lugar. Ouvimos muito, mas depois, quando for sua vez, você precisa se expressar. Assuma seu lugar.
P/1 - E você? Onde está você na fé?
R/2 - Sobre a fé, eu, a crença... Eu recebi meu legado de fé. Eu recebi meu legado de griô, o que eu te disse antes. E eu recebi meu legado espiritual. E meu pai, antes de partir, deu a cada um seu legado. Ou você o pratica e seu legado está lá, ou você não o pratica, e seu legado está lá. Meu irmão mais velho, ele não está longe de ser imã no bairro. Ele começa a fazer transição um pouco na mesquita, no seu legado. Meu irmão é um dos chefes de um grupo de busca espiritual do Senegal. Meu irmão é um dos chefes responsáveis no Bayefallismo na França, meu irmão mais novo. E eu sempre permaneci com a tradição. Mas meu legado espiritual está comigo. E porque eu tive a sorte de conviver muito, muito, eu era a mão direita dele. Tudo o que ele queria fazer, sou eu. Eu era seu secretário. Ele me deu muitos segredos. Mesmo seus próprios filhos, eles vêm me perguntar, até hoje, segredos que o pai deles me disse. Então eu recebi meu legado com ele. E isso eu vou guardar. Eu vou guardar. Eu nunca brincarei com isso. Ele está em algum lugar. Talvez um dia esse legado se vá. Mas hoje eu tenho certeza disso. E, se Deus quiser, eu gostaria que, um dia, esse legado tomasse seu lugar, cada coisa ao seu tempo. Mas eu recebi esse bom legado como todas as crianças.
P/1 - OK. Para terminar, eu gostaria de te convidar a fazer seus presentes, seja uma história ou uma música para o público brasileiro. Vamos gravar isso, vamos passar isso. […] Mas antes, ele gostaria de saber se você tem uma memória importante com os Baobás.
R/1 - Com os?
P/1 - Baobá, a árvore.
R/1 - A árvore, sim. Ah sim, o Baobá. É o tribunal africano. O Baobá é o lugar de transmissão. O Baobá, há muito tempo, também era o lugar onde os griôs eram enterrados. Lá dentro. Então, ele simboliza a transmissão. Ao redor do Baobá, também acontecem festas, casamentos e nascimentos. E em cada aldeia, geralmente, encontramos um Baobá no centro. E cada família, eu, na minha família, na minha aldeia de origem, Tivaouane, em Taíba N'Diaye, nossa aldeia de origem, tem a árvore de nossos ancestrais lá. Meus amuletos, eu os procuro lá. Eu venho, faço sacrifícios. Sacrificamos, seja um animal, cadernos, preparamos uma refeição para os ancestrais, levamos e eles voltam com um amuleto. Sempre que tenho um problema, quando procuro algo ou quando viajo para lá, vou pedir força aos ancestrais antes de partir. O que minha mãe também fazia, agora ela se foi. Somos nós que fazemos. Então o Baobá, além de dar, é uma árvore que dá frutos, com esse fruto, podemos fazer suco de Baobá, podemos comer como doces naturais, usamos as folhas do baobá, usamos a casca do Baobá. O Baobá é uma árvore que nos acompanha em todos os lugares. Mas diz-se que a força do Baobá está em suas raízes.
P/1 - Isso, o Baobá, é uma música.
[MBaye toca o tama – Boubacar cita provérbios em wolof e francês]
R/1 - Se você não conhece mais para onde vai, volte de onde veio. De tanto carregar coisas pesadas na cabeça, isso distorce feio seu andar. Se você não conhece mais suas origens, pare um instante e ouça seu coração. A palavra não tem pernas, mas ela viaja. Uma árvore sem raiz cai mais facilmente que uma árvore enraizada. [cantos em wolof?] Nós semeamos as sementes do saber. Abrimos, com um sorriso, os corações de mulheres e homens. Recolhemos feixes de madeira morta e acendemos a chama. Juntos, formamos um círculo na unidade e na diversidade, vamos dançar, celebrar em nome da memória. Pois uma memória nunca adormece. Cantando-a, os ancestrais se convidam para nos dar força, continuar de pé e ir até o fim. [cantos em wolof?]
P/1 - Uau, bravo, bravo, bravo, bravo. Obrigado.
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