Gilma Isabel Rego D’Aquino nasceu em Santarém, no Pará, em 1959, filha de uma grande família de nove irmãos. Cresceu sem energia elétrica e com uma infância repleta de brincadeiras ao ar livre como roda, pira-esconde e o que chamavam de "pular macaca" – algo parecido com a amarelinha.
Desde pequena, Gilma observava o cotidiano desigual dentro de casa: os homens tinham liberdade, enquanto as mulheres carregavam os cuidados da casa. Sua mãe, pouco escolarizada, acreditava que o destino das filhas era o casamento. Seu pai, funcionário do Banco do Brasil e figura respeitada na cidade por causa do futebol, era contraditório – incentivava o estudo, mas também cobrava casamento como segurança. Para Gilma, isso nunca fez sentido.
Com 17 anos, fugiu de casa para Belém, determinada a escrever sua própria história. Disse à família de uma amiga que estava só de férias, mas logo revelou sua real intenção: não voltar. O pai, apesar do choque, acabou financiando seus estudos em uma das melhores escolas da capital, o Colégio Nazaré.
Após terminar o ensino médio e não passar de primeira no vestibular para medicina, passou a trabalhar em bancos. Foram 15 anos nesse meio, onde enfrentou muitos desafios, inclusive assédio, e frequentemente trocava de local de trabalho para se proteger. A perda do pai, quando ela tinha 21 anos, mergulhou Gilma em quase uma década de depressão, mas também foi um momento de virada. Com ele, perdera uma espécie de amparo e incentivo – algo que sua mãe, presa a ideias tradicionais, não conseguia oferecer.
Foi em 1988 que sua trajetória se entrelaçou com a do Museu Paraense Emílio Goeldi, quando ela levou seu currículo e foi chamada para trabalhar como secretária da direção. Logo depois, participou de um processo interno que garantiu sua efetivação como servidora pública antes da obrigatoriedade dos concursos, graças à transição promovida pela Constituição de 1988.
A trajetória...
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Gilma Isabel Rego D’Aquino nasceu em Santarém, no Pará, em 1959, filha de uma grande família de nove irmãos. Cresceu sem energia elétrica e com uma infância repleta de brincadeiras ao ar livre como roda, pira-esconde e o que chamavam de "pular macaca" – algo parecido com a amarelinha.
Desde pequena, Gilma observava o cotidiano desigual dentro de casa: os homens tinham liberdade, enquanto as mulheres carregavam os cuidados da casa. Sua mãe, pouco escolarizada, acreditava que o destino das filhas era o casamento. Seu pai, funcionário do Banco do Brasil e figura respeitada na cidade por causa do futebol, era contraditório – incentivava o estudo, mas também cobrava casamento como segurança. Para Gilma, isso nunca fez sentido.
Com 17 anos, fugiu de casa para Belém, determinada a escrever sua própria história. Disse à família de uma amiga que estava só de férias, mas logo revelou sua real intenção: não voltar. O pai, apesar do choque, acabou financiando seus estudos em uma das melhores escolas da capital, o Colégio Nazaré.
Após terminar o ensino médio e não passar de primeira no vestibular para medicina, passou a trabalhar em bancos. Foram 15 anos nesse meio, onde enfrentou muitos desafios, inclusive assédio, e frequentemente trocava de local de trabalho para se proteger. A perda do pai, quando ela tinha 21 anos, mergulhou Gilma em quase uma década de depressão, mas também foi um momento de virada. Com ele, perdera uma espécie de amparo e incentivo – algo que sua mãe, presa a ideias tradicionais, não conseguia oferecer.
Foi em 1988 que sua trajetória se entrelaçou com a do Museu Paraense Emílio Goeldi, quando ela levou seu currículo e foi chamada para trabalhar como secretária da direção. Logo depois, participou de um processo interno que garantiu sua efetivação como servidora pública antes da obrigatoriedade dos concursos, graças à transição promovida pela Constituição de 1988.
A trajetória profissional de Gilma se consolidou no museu, onde trabalha até hoje, embora atualmente esteja cedida ao Ministério da Cultura. Foram anos de dedicação, aprendizado e resistência, sempre guiada por princípios sólidos de autonomia, dignidade e clareza sobre o que queria – e, principalmente, o que não queria.
Gilma nunca se casou – o que sempre foi motivo de incômodo para a família – mas viveu grandes amores e relações duradouras. De coração livre e mente afiada, ela construiu sua vida com coragem, enfrentando estruturas patriarcais, limites sociais e os próprios medos.
Em meio a tantos enfrentamentos, Gilma viveu uma das experiências mais marcantes de sua vida: a maternidade. Aos 34 anos, tornou-se mãe solo. A gravidez não foi planejada e o pai da criança não assumiu nenhuma responsabilidade, mas isso nunca a impediu de se entregar com tudo ao papel de mãe.
“Sou mãe solo. Mas mãe é mãe, como disse o Papa Francisco. Não é estado civil.”
A chegada da filha, Bianca, virou sua vida de cabeça pra baixo – para melhor. “A maternidade me mudou completamente. Eu era muito destemida, me jogava nas coisas... mas com ela, passei a ser mais cuidadosa.” Mesmo com as dificuldades de conciliar trabalho e criação de uma criança sozinha, Gilma viveu esse período com entrega total e lembra com orgulho de tudo que construiu.
Hoje, aos 32 anos, Bianca é o grande orgulho de Gilma. Uma mulher forte, independente e brilhante, que trilhou sua própria trajetória profissional com excelência.
“Minha filha é tudo na minha vida. Ela é potente, linda, uma profissional de ponta.”
Mas entre elas, como toda relação que amadurece, também houve um momento delicado:
“Um dia, ela me chamou e disse que queria me contar uma coisa: ‘Mãe, eu gosto de meninas.’”
Gilma conta que, por causa do peso das ideias tradicionais da família, Bianca teve medo de revelar sua orientação sexual. Mas, ao invés de julgamento, encontrou nos braços da mãe o que todo filho espera: acolhimento, escuta, amor inteiro.
“Vale muito a pena colocar teus filhos no colo do jeito que eles são”, disse Gilma, com os olhos marejados e o coração aberto.
E então, quase como quem revela seu maior propósito, ela completa: “Acho que eu vivi pra ser a mãe da Bianca.”
Palavras simples, mas carregadas de afeto, entrega e resistência.
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