IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Ford Campbell Williams, eu nasci em 28 de dezembro de 1921, em Nanaimo, na ilha de Vancouver, na British Columbia.
FAMÍLIA / PAIS
Meu pai é John Thompson Williams e minha mãe é May Barbara Grant. Os dois eram comerciantes. Minha mãe tinha uma loja em frente a nossa casa e meu pai tinha uma loja numa cidade a 20 km de onde nós morávamos. Não era comum a mulher trabalhar, mas ela tinha essa loja em frente a nossa fazenda, onde se vendia produtos, alimentos, roupas, fermentos para fazendas, comida para galinhas e gado, um pouco de tudo. Já a loja do meu pai era maior. Minha mãe ficou sozinha, mas o meu pai tinha seis empregados. Ele também vendia de tudo.
FAMÍLIA / IRMÃOS
Eu tinha três irmãos, uma irmã mais velha e dois irmãos. Eu sou o caçula.
INFÂNCIA
Eu morava numa fazenda, não tinha cidade. Era uma vila de 100 pessoas. A minha vida como criança era brincar com galinhas e gado. Eu não tinha brinquedos e coisas assim. Havia uma plantação que servia de comida ao gado, um jardim de vegetais e legumes, e um pomar de dois hectares. Eu comecei a trabalhar com 12 anos. Eu levantava às seis horas da manhã para tirar o leite do gado antes de ir para a escola. Eu não tinha muito tempo para brincadeiras, mas eu gostava muito de correr, de jogar bola de gude, de baseball e futebol. Não havia também crianças que moravam próximas, a que morava mais perto estava a dois quilômetros de distância.
ESCOLA
Eu lembro muito bem da escola porque eu andava três quilômetros, todo dia, até lá. Era uma escola que vocês não conhecem, de uma sala só, com oito classes, todas primárias e secundárias. Tudo isso era numa mesma sala. Eram mais ou menos 25 alunos. A professora tinha só sete minutos para cada classe. Dava aula para uma classe e já corria para a outra. Na maior parte do tempo, os alunos ficavam sozinhos estudando. E foi ótimo porque eu assisti a muitas aulas das classes mais adiantadas. Aprendi muito cedo...
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Meu nome é Ford Campbell Williams, eu nasci em 28 de dezembro de 1921, em Nanaimo, na ilha de Vancouver, na British Columbia.
FAMÍLIA / PAIS
Meu pai é John Thompson Williams e minha mãe é May Barbara Grant. Os dois eram comerciantes. Minha mãe tinha uma loja em frente a nossa casa e meu pai tinha uma loja numa cidade a 20 km de onde nós morávamos. Não era comum a mulher trabalhar, mas ela tinha essa loja em frente a nossa fazenda, onde se vendia produtos, alimentos, roupas, fermentos para fazendas, comida para galinhas e gado, um pouco de tudo. Já a loja do meu pai era maior. Minha mãe ficou sozinha, mas o meu pai tinha seis empregados. Ele também vendia de tudo.
FAMÍLIA / IRMÃOS
Eu tinha três irmãos, uma irmã mais velha e dois irmãos. Eu sou o caçula.
INFÂNCIA
Eu morava numa fazenda, não tinha cidade. Era uma vila de 100 pessoas. A minha vida como criança era brincar com galinhas e gado. Eu não tinha brinquedos e coisas assim. Havia uma plantação que servia de comida ao gado, um jardim de vegetais e legumes, e um pomar de dois hectares. Eu comecei a trabalhar com 12 anos. Eu levantava às seis horas da manhã para tirar o leite do gado antes de ir para a escola. Eu não tinha muito tempo para brincadeiras, mas eu gostava muito de correr, de jogar bola de gude, de baseball e futebol. Não havia também crianças que moravam próximas, a que morava mais perto estava a dois quilômetros de distância.
ESCOLA
Eu lembro muito bem da escola porque eu andava três quilômetros, todo dia, até lá. Era uma escola que vocês não conhecem, de uma sala só, com oito classes, todas primárias e secundárias. Tudo isso era numa mesma sala. Eram mais ou menos 25 alunos. A professora tinha só sete minutos para cada classe. Dava aula para uma classe e já corria para a outra. Na maior parte do tempo, os alunos ficavam sozinhos estudando. E foi ótimo porque eu assisti a muitas aulas das classes mais adiantadas. Aprendi muito cedo e pulei dois anos. Eu entrei no high school com 12 anos. A professora que eu ainda me recordo era a Miss Campbell, que tinha o mesmo nome que eu. Ela tentou melhorar minha escrita, mas não conseguiu. Até hoje eu escrevo muito mal. Eu gostava de todas as matérias, não havia nenhuma em especial que eu gostasse mais. Eu estudei nessa escola dos 6 aos 12 anos. Depois fui para a High school, que era a mesma coisa, uma sala com quatro classes.
HIGH SCHOOL
A high school ficava a 12 quilômetros de onde eu morava. Meu irmão tinha um carro e levava todo mundo da nossa vila para a high school. Ele dirigia muito mal (risos). Era muito arriscado. Ele gostava de fazer coisas que não se devem fazer. Ele corria. Ele tinha um Dodge antigo. Aquele modelo quadrado. Nós éramos seis estudantes e o meu irmão, que aceitava qualquer desafio no volante, virava aqui e ali(risos). Na high school o ensino foi mais forte. Novamente, você precisava fazer tudo sozinho, tinha 15 minutos ao invés de sete, a cada hora, com o professor. Mas eu acho ótimo Porque os alunos aprendem a ser independentes, a estudar sozinho. Para mim foi um choque porque eu cheguei na high school usando calça curta, com 12 anos. Nessa mesma sala, havia rapazes e meninas com 18 anos e eu, com 12, usando calça curta. Foi um choque. Os meus irmãos também estudavam junto comigo. Minha irmã já tinha ido para a universidade, numa cidade maior.
FORMAÇÃO
Eu não tinha a mínima ideia do que eu queria fazer. Eu estava muito mais interessado em esporte, porque com 16 anos eu fui o campeão em corrida, no British Columbia, nos 100 metros e 200 metros. Com 18 anos eu fui, talvez, o mais rápido do Canadá. Eu estava programado para ir aos Jogos Olímpicos, mas aí veio Hitler [Adolf Hitler] e acabou com tudo. Meu irmão mais velho também praticava, mas eu ganhava dele (risos).
ESPORTES
Eu comecei com 13 anos porque o meu irmão mais velho estava correndo e me levou pra correr com ele. Eu jogava beisebol, futebol, basquetebol, tênis. Na nossa casa, o meu pai construiu um lugar para o tênis e nós jogávamos muito. Meu pai, quando jovem, sempre foi do esporte.
FAMÍLIA / IRMÃOS
Nós, os três irmãos, sempre saímos juntos. Na high school sempre havia dança, festas, viagens e coisas e sempre os três “Williams” estavam juntos. Sempre muito ligados. Minha irmã já tinha ido para a universidade. Nós tínhamos muito menos contato com ela. Nas festas nós ouvíamos toda aquela música bonita dos anos 30. Eu gosto muito de Smoke gets in your eyes.
FORMAÇÃO
A guerra foi no meu primeiro ano da universidade, em 1938. Minha irmã tinha se formado em pedagogia e o meu cunhado também. No último ano da high school, meu cunhado era o meu principal. Ele casou e uma semana depois, eu me formei. Ele saía com a minha irmã quando ele era chefe do high school e minha irmã tinha aceitado ser professora na mesma escola, mas ela era professora da escola primária. O meu cunhado insistiu que eu devia ir para a universidade. Então, eu fiz as provas - porque tinha que fazer provas de entrada - e passei. Fui para a Universidade de British Columbia. Minha irmã e o meu cunhado insistiram para que eu estudasse pedagogia. Eu fiquei estudando disciplinas para pedagogia até o quinto semestre, mas eu não gostei. Eu estava morando numa casa com três rapazes, todos no último ano de universidade. Eles estudavam engenharia química e me convenceram de que eu deveria entrar em uma coisa ligada à química ou à tecnologia. Então, no quinto semestre, eu fechei tudo e abri nova matrícula para engenharia química. Eu precisei recuperar o tempo que eu havia perdido. Precisei estudar muito, mas eu consegui. Eu estudei na Universidade da British Columbia e no Vancouver British Columbia.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Sair de casa e morar sozinho foi um choque, porque eu tinha 16 anos. Na minha vila moravam 100 pessoas e na universidade eram 2500 alunos. Eu cheguei lá e não conhecia nem uma pessoa, não tinha amigos. Os outros alunos tinham 100 amigos da high school, de onde eles estudaram ou de quando eles se formaram, mas eu não tinha ninguém. Eu entrei nos edifícios, algumas vezes, numa porta por onde estavam todos saindo. Fiquei perdido Levava cinco minutos para eu saber onde eu estava, para chegar na praça. Foi um choque Eu era jovem demais. Era muito menino. Não tinha a experiência da cidade. Era diferente na época. Foi um choque. Graças a Deus a senhora que alugava os quartos era ótima pessoa, boa cozinheira. Ela me adotou e me tratou muito bem. Nós alugávamos só o quarto e essa senhora fornecia a comida.
ENGENHARIA QUÍMICA
No fim do primeiro e já no segundo ano, eu estava muito satisfeito. Eu gostei muito de matemática, de física e de química. Foi puxado, porque naquela época nós também precisávamos passar um período no Exército. Na hora do almoço tinha aula sobre o Exército e, no sábado à tarde, também havia as manobras do Exército. Não tinha tempo porque eram oito horas de aula, por dia, no nosso curso da engenharia. Não tinha nem hora do almoço nem sábado à tarde. Era muito puxado. Essa parte do Exército junto com o curso universitário já era em função da guerra, todo mundo precisava ser um cadete, ser do Officer Training Corp. Eu servi o Exército quando eu me formei.
Quando eu cheguei na universidade todo o pessoal do esporte me reconheceu, porque eu tinha, recentemente, ganho o campeonato da British Columbia. Do ponto de vista do esporte, eu era famoso. Eu comecei a correr pela universidade e eu ganhei todas as corridas de universidades americanas.
Na universidade eu fiz muitos amigos que eu até tenho até hoje. Todo mundo estudando junto era bom. Eu não gostei só de um professor da engenharia química, porque ele era péssimo. Ele gostava de um grupo e não gostava de outro. Eu não estava no grupo que ele gostava. Ele tinha os favoritos. Sua nota era em função do que ele pensou de você e não do que você escreveu na prova. Mas eu me formei com honra. Você precisava ter média seis ou oito durante os cinco anos.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
O meu primeiro trabalho foi um estágio no quarto ano. Eu fui trabalhar numa indústria metalúrgica onde a fábrica era de absorção do SO2. Essa fábrica metalúrgica era a maior do mundo em produção do chumbo, mas a fábrica emitia muito SO2. Esse SO2 matou toda a plantação; esses gases efluentes desceram até os Estados Unidos e mataram as florestas todas nos Estados Unidos. Havia, então, uma briga muito forte contra essa fábrica. A gente precisava colocar um sistema que fosse absorver os gases efluentes. Depois dessa fábrica, eu trabalhei em Trail. Fica nas montanhas rochosas, muito longe de Vancouver. Fica a cerca de 700 milhas de Vancouver, mais para leste. Era um lugar bonito quando você saía da cidade. A cidade era um buraco e todas as árvores em volta foram eliminadas pelos gases. A 100 quilômetros era muito bonito. Aliás, Vancouver era a cidade mais bonita do mundo. Eu morei em três cidades: Vancouver, São Francisco e Rio de Janeiro. Todas são lindas.
No estágio eu só trabalhava. À noite, eu jogava beisebol com o grupo da fábrica onde eu estava trabalhando. Nós trabalhávamos oito horas por dia - não tinha muito tempo - mas nós arranjávamos tempo para brincar de beisebol. Também corri lá. Havia um outro corredor que morava lá - nós chegamos a ser muito amigos - e corremos um contra o outro.
SERVIÇO MILITAR
Depois que eu me formei eu fui para o Exército. Eu fui para Royal Canadian Engineers e fiquei como cadete durante um ano e seis meses. Depois, cheguei a tenente e eu tinha a obrigação de treinar os outros. Houve um fato muito interessante: eu fui escolhido para treinar, mais ou menos, 100 chineses. A imigração parou em 1921. Não podia mais imigrar da China para o Canadá, depois de 1921. Esses chineses, porém, eram netos dos imigrantes e esse treinamento foi muito interessante porque precisávamos treiná-los para serem guerrilheiros, para subir na montanha, para subir atrás dos ninhos dos japoneses, para lutar contra os japoneses com as táticas de guerrilha. Foi ótimo porque eles eram muito delicados e, no fim do treinamento, os avôs e pais deles deram um jantar para o pessoal do treinamento. Foi um jantar magnífico com comida chinesa (risos) Eles queriam mostrar que estavam satisfeitos conosco. Estavam muito vaidosos com os filhos e netos. Queriam mostrar para todos que eles eram canadenses e que iriam lutar no Exército canadense. A imigração não era permitida e, então, os avôs e pais estavam muito satisfeitos porque seus descendentes estavam mostrando lealdade ao Canadá. Eu estava numa condição física fantástica. Eu podia correr 20 quilômetros, com farda e rifle, sem problema nenhum. Havia um senhor – não nesse grupo, mas em outro grupo – que era mais alto do que eu. Ele era, na verdade, muito mais alto do que eu, mas ele tinha alguns problemas. Ele dizia que todos os ossos da perna dele eram quebrados. Dizia que não podia andar nem correr. Então, ele ficava cerca de 200 metros atrás dos outros durante dez quilômetros. Não ficava no grupo da frente e ficava dizendo que todos os ossos do pé dele eram quebrados, que ele não podia andar tão rápido como os outros, que ele tinha um problema. Mas ele tinha um QI muito alto. Eu fiquei no Exército durante dois anos e meio, de abril de 1943 até agosto de 1945. Até o final da guerra. Quando acabou a guerra na Europa, eu fui voluntário para a guerra do Pacífico. Então, eu me mudei para Vancouver. Eu me tornei um especialista em demolições de pontes, na construção de pontes. Eu ia para o Pacífico, para a guerra no Pacífico.
Eu estava para embarcar quando os americanos jogaram a bomba atômica. Você não pode imaginar como todo mundo pulava e gritava feliz, com o fim da guerra. Foi um dia muito feliz para nós. Quando você está no Exército você quer ir, você quer participar. Mas foi uma satisfação saber que não precisava mais. Na Royal Canadian Engineers, cada tenente tinha um número e o pessoal foi mandado para Europa em função dos números, porque nós, pelo nosso sistema, tínhamos uma imigração muita baixa para a Europa. Eram menos canadenses. Mas os engenheiros eram os primeiros a entrar porque eles entram para limpar as praias, tirar todas as minas, subir, construir as pontes que os alemães tinham destruído. Então, eles chegaram lá muito antes dos outros. Nós esperávamos ter muitas baixas nessa operação. Eu era o número 100 de um outro grupo. Então precisaria mais de 100 para eu poder ir. Acho que parou, mais ou menos no número... Não. Eu não era o 100. Eu era o 250. Como eu me formei como tenente, eu era o 250. Quando parou a guerra, eu era o 100 certinho. Havia mais 99 na minha frente.
FORMAÇÃO
Logo no início, ao fim da guerra, eu sabia que eu voltaria para a universidade. Saí do Exército cedo, porque eu tinha dito que queria estudar pós-graduação na universidade. Eu saí quatro ou cinco meses mais cedo do que os outros, porque os outros não queriam estudar. A guerra acabou em agosto e eu entrei, em outubro, na universidade de British Columbia, para estudar para o masters em engenharia química. Do masters, eu fui para a Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, para fazer um PhD em engenharia química. O professor de onde eu estudei, conhecia um professor do Iowa. Então, ele conseguiu uma bolsa de estudos para mim e eu fui pra lá. E também eu tinha um amigo que tinha família lá em Iowa.
A cidade de Iowa é uma cidade universitária, é uma cidade muito pequena, só tem universidade e os alunos. Não tem indústrias, não tem muitas lojas. A cidade vive em função da universidade. Então, todo mundo conhecia todo mundo. Havia muitos amigos, muita festa e muita farra (risos). Eu fui muito festeiro e gostava de dançar. O meu trabalho foi sobre o “liquid vapor do ácidos gordos” e “a destilação a vácuo”.
Eu terminei o meu mestrado em Vancouver, em 1946. O doutorado em Iowa, em 1948. Eu descobri, no Exército, que eu tinha aptidão para ensinar. E eu fui instrutor na universidade de British Colúmbia e também no Iowa. Eu sabia que eu gostava de ensinar.
UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA
Quando eu me formei, eu tive vários convites para indústrias e tinha um convite da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que pra mim é hoje uma das melhores universidades do mundo. Essa universidade ficava na Califórnia e eu gostaria de morar ao lado do Oceano Pacífico. Era uma universidade fabulosa e, então, eu aceitei ser professor na Universidade da Califórnia. Berkeley é parcialmente uma cidade universitária também. Do outro lado da baía, tem São Francisco, tem muita indústria em Richmond, Oakland, mas Berkeley é uma cidade universitária. Berkeley é uma universidade bastante séria. Em São Francisco tinha tudo - musicais, óperas, boates - tinha tudo o que se podia imaginar do ponto de vista de uma cidade. Muitos restaurantes. Eu ia muito para a noite de São Francisco (risos).
Era uma universidade muito diferente. Havia um clube dos professores onde todo mundo almoçava junto. Tinha uma mesa enorme, muito grande, onde todo mundo sentava junto. Você podia sentar ao lado de um dos melhores pintores da época, ou de um Nobel Prize Winner, ou do pessoal que inventou a bomba atômica. Era todo mundo descontraído; era um almoço fabuloso. Imagine que você podia sentar ao lado de alguém que no ano anterior ganhara um Prêmio Nobel. E todo mundo conversava normalmente, era uma atmosfera formidável.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Uma pessoa que me marcou bastante foi o professor Wendell Latimer. Ele foi o decano da escola e depois ele foi professor. Ele gostava muito de corrida de cavalo e eu também. Então, nós sempre escapávamos, aos sábados, para assistir às corridas de cavalos. Assistimos à grande corrida entre o Citation e um cavalo da Irlanda. Foi uma das grandes corridas que assistimos. Entre o Noor e o Citation. Eu apostei em Noor e o professor Latimer apostou no Citation. O Noor ganhou. Daí, o professor Latimer disse: “Tá bom, você ganhou. Você vai receber algum dinheiro. Mas eu tenho um bilhete dizendo que eu apostei no Citation, e que eu posso guardar, não preciso entregar. Eu vou colocar no meu quadro, na minha sala, e todo mundo vai ver que eu assisti a essa corrida. E você, não tem nada. Você só tem o dinheiro.” (risos)
UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA
Eu fiquei em Berkeley durante quatro anos. Eu lecionava todas as unidades da engenharia química, operação de unidades, transmissão de calor, fluidos, desolação, absorção. Tudo que é ligado a engenharia. A cada semestre, você precisava mudar para outra cadeira. Eles queriam que todo mundo se renovasse. Era uma maneira de você se manter atualizado. Você precisava estudar para ficar em dia. Você não podia repetir a mesma disciplina de um semestre para o outro.
BRASIL
Eu estava lendo a Chemichal Engineer in Progress, que era a revista que todo mundo da engenharia química recebia. E tinha um anúncio dizendo que o professor [Kenneth] Kobe, da Universidade do Texas, estava recrutando três professores para um curso de pós-graduação em refinação de petróleo, que seria no Rio de Janeiro. Eu pensei, por que não? Então eu mandei o meu currículo para ele. Ele me entrevistou e me escolheu, mas não acabou lá, não. Eu queria conhecer o Brasil. Eu era solteiro e sempre vi coisas do Carnaval no Brasil e eu queria conhecer. Eu estava gostando da universidade, mas eu queria conhecer mais. Eu queria conhecer coisas. Eu não tinha a menor ideia de como era a América do Sul. Todo mundo tinha uma impressão errada sobre o Brasil e eu queria conhecer. E o professor Kobe me escolheu como um dos três. Daí, eu fui para casa me despedir de todo mundo dizendo que ia passar um ano no Brasil. Voltei para a minha universidade e fui num congresso de engenharia química em Nova York. Depois, eu procurei Kurt Politzer, que era chefe do escritório do CNP [Conselho Nacional do Petróleo] em Nova York. E Kurt, que foi professor da universidade aqui, mais tarde, disse: “Olha, eu não tenho instrução nenhuma para fornecer um bilhete para você. Acho que você deve voltar a falar com o professor Kobe.” Então, quando eu cheguei em Berkeley, liguei para o professor Kobe, dizendo que o CNP não tinha instrução nenhuma sobre a minha ida para o Brasil. Ele ligou para a CNP e foi avisado que eu não havia sido escolhido, porque não tinha experiência em refinação do petróleo; que eu tinha experiência em engenharia química e não na refinação. O pessoal do Rio de Janeiro não entendia, não ligava que refinação do petróleo e engenharia química são a mesma coisa. Todos os processos de engenharia química são aplicados em refinação de petróleo. Tem certas coisas que são muito empíricas, que o pessoal de refinação sabia e que eu não sabia, mas a base era a engenharia química. Então, ele convenceu o pessoal a me convidar, para ser o terceiro. Eu já tinha pedido licença da universidade, não tinha mais emprego, eu tinha me despedido da família...Foi um susto. Era para começar no dia 1º de setembro. Estamos falando de janeiro. E agora? O que eu vou fazer entre janeiro e setembro? Mas, graças a Deus, o decano me deu uma disciplina para aquele semestre, lá em Berkeley. Era Química 1, ensinar química para os freshmen. Era interessante, mas não era engenharia química. Era química mesmo. Completei até fim de junho e depois eu recebi uma passagem para o Rio de Janeiro. Fui para as Bermudas, Haiti, Cuba, Trinidad e Venezuela. Fiquei cinco semanas viajando antes de chegar no Brasil. Eram aviões pequenos que tinham um lugar para dormir. Você podia comprar um leito e dormir porque levava horas; levava dois dias para chegar daqui até São Francisco. Quando eu cheguei em Trinidad, eu mandei um telegrama para o Antônio Seabra Moggi [primeiro superintendente do Cenpes], dizendo que eu ia chegar no dia seguinte. Antes disso, na Califórnia, quando eu não tinha emprego, eu achei um brasileiro estudando lá e ele me ajudou um pouco com algumas palavras de português. Eu aprendi: “Por favor, me leve até o Hotel Excelsior.” Quando eu cheguei no aeroporto, não tinha ninguém. Parece que o Moggi não recebeu o telegrama, não sei. Então essa frase “por favor, me leve até o Hotel Excelsior” foi útil porque eu cheguei em Copacabana...
Eu cheguei no Galeão antigo. Eu gostei do Brasil desde do primeiro momento. A baía e a praia de Copacabana eram lindas. O Pão de Açúcar, o Corcovado, tudo muito bonito. Mas também é muito similar, em certos aspectos, a São Francisco e Vancouver, por ser ao lado do mar e ter montanhas.
No dia seguinte, eu escrevi o endereço do CNP num papel, peguei um táxi e fui até a Rua Treze de Maio. Subiu até o 26º andar e procurei Doutor Antônio Seabra Moggi. A secretária dele disse: “Olha, ele só chega às 11 horas.” Porque ele sempre trabalhou das onze às seis e eu cheguei lá às oito e meia, nove horas. Então, eu disse, “Bom, eu vou ficar esperando.” E não foi a única vez que eu esperei não. Era comum eu esperar uma ou duas horas para falar com ele. No Conselho [CNP] ele chegava às nove horas. Na Petrobras, ele nunca chegou muito cedo, mas ele trabalhava até tarde. Depois, eu podia falar com os secretários dele, mas eu fiquei lá parado, durante duas horas, com nada para fazer, naquele dia. Depois, ele me apresentou o Doutor Plínio Catanhede, que era o presidente do CNP.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
O curso de refinação estava no segundo período da primeira turma. Antes de começar efetivamente o Doutor Moggi e o Doutor Plínio me convidaram para ir à Bahia, porque foi o segundo aniversário de implantação de Mataripe. Nós fomos num DC-3 para Ilhéus, para mais uma cidade e depois Mataripe. Eu fui para conhecer a refinaria. E era difícil porque, no jantar, à noite, no hotel Bahia, que havia sido recentemente inaugurado, todo mundo estava fazendo piadas em português e eu não estava entendendo nada. Estavam todos rindo. Mas o Paes Barreto, que era superintendente do CNP, e mais tarde da Refinaria de Capuava, traduziu algumas para mim. No dia seguinte, o João Ortiz - que é pai do pianista e que falava muito bem em inglês - ficou comigo. Nós fomos juntos até a refinaria em Mataripe.
Havia mais dois estrangeiros professores que chegaram antes de mim: o Doutor George Fekula e Mister Robert Maples Fekula era PhD pelo MIT [Massachusetts Institute of Technology] e Maples, era master pela Universidade de Tulsa. Eles chegaram em abril porque esses dois foram escolhidos por terem experiência em refinação de petróleo. Eu não tinha. Então, eu vim só para o segundo período. Os dois eram americanos.
REFINARIA DE MATARIPE
Era uma refinaria muito pequena. Produzia 2500 barris. Não tinha estrada e, normalmente, quando chovia, os jipes não passavam. Nós chegamos de barco. Pegamos um barco e chegamos em Mataripe. Havia uma vila onde moravam os engenheiros. Era uma vila pequena e o pessoal não saía. Eles ficavam nessa vila e se dedicavam - durante 24 horas por dia - à refinaria. As condições, para mim, não eram muito boas. Não havia nenhum legume na alimentação. Não havia qualquer coisa verde, alface, nada disso. A carne era cheia de mofo. A carne era pendurada, aberta. Eu assisti um rapazinho de uns 8 ou 9 anos de idade - que trabalhava na casa de alguém - puxando carne como se fosse um barco, na lama, até a casa. Isso me chocou um pouquinho. Eu fiquei lá durante três dias.
CURSO DE REFINAÇÃO / PRIMEIRO CONTATO
No Rio de Janeiro, eu achei um lugar onde se podia alugar um quarto, uma pensão. Na Rua Aires Saldanha, em Copacabana. Fica a uma quadra da praia. Nessa pensão só havia três pessoas. Quando eu voltei de Mataripe, o Bob Maples me telefonou, dizendo que estava doente e que não podia dar aula na segunda-feira. Perguntou se eu podia dar a aula para ele. Eu perguntei qual era o assunto e ele disse. Eu disse: “Não tem problema.” Eu preparei uma aula sobre intercambiadores de calor e fui dar aula na Rua Senador Dantas. Era uma sala na Rua Senador Dantas. E dei a aula que, talvez, eu acho, foi a melhor aula da minha vida porque eu caprichei, era a minha primeira aula no curso de refinação. Eu podia perceber pela expressão do rosto dos alunos; eu via que eles também estavam gostando da aula. E eu realmente dei uma aula que acho que foi ótima. Você sabe quando faz uma aula perfeita. Mas quando eu cheguei na sala, eu fui chamado pelo supervisor, Professor Athos da Silveira Ramos. E fui advertido. Eu recebi uma advertência. Ele disse: “Olha, quando um professor falta, quem dá aula é o assistente. Você não podia ter dado a aula no lugar do Mister Maples.” Outro choque cultural para mim Porque nos Estados Unidos é comum alguém dar aula pelo outro, mas aqui o assistente reclama. Ele reclamou que eu tinha dado a aula que ele deveria ter dado.
Havia dez alunos na turma. No início eram, mais ou menos, 15 alunos. Quando eu cheguei, havia uns 12, depois 11 e depois dez. Foram abandonando o curso. Essa aula seria da mesma matéria que eu daria no outro ano. Essa sobre transmissão de calor, terminou em 10 de setembro, onde eu comecei.
CURSO DE REFINAÇÃO / ESTRUTURA
Tinha todos os processos de vapores de metais, tinha toda a parte da refinação, tinha os processos da refinação, tinha materiais usados na refinação, tinha variação do petróleo, tinha seminários e tinha aula sobre economia, liderança. Na primeira turma, eram, praticamente, todos químicos industriais. Tinha um engenheiro civil que veio de São Paulo; talvez dois engenheiros civis, mas, mais tarde, eram muito mais engenheiros civis e engenheiros mecânicos do que químicos industriais. No início eram químicos industriais e mais dois engenheiros civis. As pessoas também iam a Mataripe conhecer a refinaria, porque eram três módulos: tinha o curso de revisão, depois tinha o curso de refinação - primeiro e segundo períodos -, depois um estágio de cinco semanas em Mataripe, e, depois, o terceiro período. No estágio, todos os três professores iam para Mataripe dirigir o trabalho dos alunos na parte prática da refinaria. O curso tinha um ano e dois meses de duração. Minha cadeira no curso ficou sendo toda a parte de operação unitárias e termodinâmicas: unidades operacionais 1, 2 e 3.
BRASIL
Esse meu primeiro ano aqui no Brasil eu gostei muito. Gostei do Carnaval (risos). Eu gostei muito da maneira como eu fui recebido. Gostei muito dos cariocas, fui muito bem recebido e gostei muito do interesse dos alunos em aprender. Os alunos se esforçaram muito. Eles tinham aula durante oito horas por dia e quatro horas para estudar à noite. Isso era todos os dias e, aos sábados, pela manhã. Então, eles tinham muita vontade de aprender e quando você está dando aula para alguém que quer receber a informação é muito agradável. Eu tinha licença de um ano. Então, mais ou menos no fim de maio, eu mandei um telegrama para o decano, pedindo mais um ano de licença. Daí, tirei o segundo ano também. O acordo com o Conselho Nacional de Petróleo foi para eu ficar aqui um ano, mas eles renovaram por mais um. No terceiro ano foi um pouco mais difícil porque eu mandei outro telegrama e o presidente da universidade disse: “William, make up your mind” Volta ou fica Então, eu decidi ficar. Eu decidi ficar porque gostei de tudo no Brasil. Gostei das pessoas, do povo, da música, do meu trabalho.
FAMÍLIA / ESPOSA
Ela era minha aluna. Ela era da primeira turma do curso de refinação. Nós começamos a namorar muito mais tarde. Depois que ela se formou, eu achei que deveria estudar português e pedi a ela para me ensinar um pouco do português. Ela começou a me dar aula, mas eu tinha mais vontade em ir ao cinema do que de estudar português. Eu lembro que nós fomos ano cinema do São Luís, no Largo Machado e eu não tinha gravata; naquela época, para entrar no cinema precisava usar gravata. Ela tinha um tio que morava perto e nós fomos ao apartamento dele. O tio dela me emprestou uma gravata e aí pudemos ir ao cinema. Depois disso, foi uma coisa atrás da outra. Nós fomos a uma festa da embaixada britânica, no fim do ano, e, em julho de 1955, eu a pedi em casamento. O namoro durou menos de um ano. Ela foi uma boa aluna. Foi a segunda na classificação. Só tinha um homem melhor do que ela. Eu dei muitas notas boas pra ela.
CURSO DE REFINAÇÃO
E eu fui ficando, o segundo e depois o terceiro ano. O interessante é que, depois, o Mister Maples foi embora. Foi depois de dois anos e o George Fekula foi depois de três anos. E eu, que fui rejeitado, fiquei durante 15 anos.
Na segunda turma do curso de refinação ninguém ficou no CNP: quatro foram para a Refinaria de Cubatão, dois foram para o programa do xisto, dois foram para refinaria lá em Maguinhos e um para a administração central. Mas a ideia do curso era treinar o pessoal para trabalhar nas refinarias. Então, a Petrobras junto com o CNP, decidiu que queria mudar. Então, o primeiro grupo de 1954, assinou contrato com a Petrobras – e não com o CNP - para trabalhar como funcionários da Petrobras, com salário. Eles tinham carteira assinada e tudo. Mas eles precisavam assinar um contrato dizendo que trabalhariam pelo menos dois anos numa refinaria escolhida pela Petrobras. Se eles não ficassem, então, precisariam pagar uma multa equivalente ao custo do treinamento deles no curso de refinação. Então, nessa época, a Petrobras pagou todas as despesas dos professores, dos alunos e dos cursos, ainda subordinados ao CNP, mas com a Petrobras pagando as despesas. Em abril de 1954, foi decidido que o SSAT [Setor de Supervisão de Aperfeiçoamento Técnico] seria transferido para a Petrobras, então, o Marçal Zobaran, do CNP, foi indicado para fazer um levantamento de bens e serviços do SSAT. Primeiro foi publicado no Diário Oficial que seria feito esse plano de transferência. Em abril de 1955 foi publicado no Diário Oficial a transferência dos bens do SSAT para a Petrobras. Em 1º de agosto teve uma cerimônia no CNP onde todo mundo participou da transferência do SSAT para o CENAP [Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisas de Petróleo]. A cerimônia de transferência foi em 1º de agosto de 1955, mas já havia sido publicado no dia 1º de abril. Em 5 de agosto foi criado oficialmente o Cenap pela Petrobras. Não mudou nada, continuou a mesma estrutura.
O CNP tinha construído um edifício na Praia Vermelha, ao lado do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e o curso foi transferido para lá em 1954. Esse edifício ficou com o CNP, que ficou com o laboratório, para controlar os produtos, como gasolina e coisas assim. Mas todas as instalações, os laboratórios de prática, as salas de aulas e as salas de professores, foram transferidos para a Petrobras.
Cada vez estava aumentando um pouquinho o número de alunos. Eu acho que na quarta ou na quinta turma começamos com 100 alunos. Foram recrutados 100 alunos para o curso de refinação. No fim do curso de refinação havia, talvez, 40 ou 45, e, finalmente, quando se formaram, havia 32 alunos. Esse foi o maior curso da refinação, com 32 alunos. Então variou do primeiro, com dez alunos, até o máximo de 32 alunos. A média era de 20 alunos. Sempre foi uma média de 20 anos por curso.
REFINARIAS PETROBRAS
A refinaria de Mataripe estava sendo ampliada e a refinação de Cubatão tinha sido implantada também, estava iniciando a Reduc [Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro]. Cubatão começou a produção em 1957, mas talvez estivesse completa mais cedo, entre 1956 e 1957. Foi nesse processo de transferência do curso que também houve a transferência das refinarias: Mataripe e dessa de Cubatão que estava em construção. Mas isso separado dos cursos. Quando a Petrobras foi formada, pela lei 2004, ela tomou conta de todas as unidades industriais do CNP. Foi um processo natural, porque quando nós chegamos aqui, nós assistimos o Leopoldo Américo Miguez de Mello - acho até que foi um dos pais da Petrobras - dando entrevistas no Congresso Nacional e o Hélio Beltrão trabalhando na lei 2004, no nosso sistema, e o pessoal do CNP, trabalhando arduamente na transferência - na campanha “O petróleo é nosso” - da indústria do petróleo para a Petrobras. Então, não foi surpresa não. Era o esperado.
CURSO DE REFINAÇÃO / ALUNOS
Eu sempre falei - e o George Fekula também - que nossos alunos tinham um futuro muito mais brilhante do que qualquer um nos Estados Unidos, porque não havia engenheiros de refinação do petróleo. Que aqui se poderia, talvez, rapidamente, se chegar aos cargos que lá, nos Estados Unidos, levaria de dez a 15 anos para obter. Rapidamente, a primeira turma tinha uma posição de destaque na Petrobras. Sempre falamos para eles: “Vocês tem um futuro brilhante porque o país está crescendo e vocês são os únicos. Não tem outros para competir com vocês.”
RIO DE JANEIRO
Quando eu cheguei ao Rio, havia menos de 3 mil pessoas e eu não tinha problema. Eu subia nas favelas, tirava fotografia e todo mundo era amigo. Todo mundo achava que o Brasil seria o país do futuro. Havia um otimismo. A indústria do automóvel foi implantada e as indústrias de refinação, as indústrias químicas estavam se expandindo rapidamente. A CSN [Companhia Siderúrgica Nacional] estava expandindo. Até fizemos um estágio na CSN porque havia lá uma unidade de recuperação do benzeno e do tolueno - que vem dos gases dos fornos - e nós fizemos um estágio lá para os alunos do curso; era uma ótima oportunidade de ver a destilação do produto petroquímico. O Rio era diferente, você podia andar pela Avenida Rio Branco e conhecer praticamente todo mundo.
CRAQUEAMENTO CATALÍTICO
Craqueamento vem da palavra cracking, em inglês. Cracking é dividir as moléculas grandes em moléculas pequenas. Você pega uma molécula do óleo combustível e a quebra para fazer propano, butano e gasolina. Com o uso do catalysts (catalisador), você quebra a molécula grande e faz moléculas que você pode usar, mas que é GLP e gasolina. Fundamentalmente é isso. Ficou claro, nos anos 40, que o cracking catalytic era necessário para todas as refinarias. O CNP contratou a unidade de craqueamento para Mataripe e também para a Reduc. Contratou companhias de engenharia para desenhar e construir uma fábrica, uma unidade de craqueamento catalítico: a americana, M. W. Kellogg, em Mataripe e, Foster Wheeler, na Reduc.
CURSO DE REFINAÇÃO / CRAQUEAMENTO CATALÍTICO
Eu tinha certeza que o curso da refinação do petróleo precisava conhecer mais sobre craqueamento catalítico. E George Fekula e Bob Maples não tinham a especialização de craqueamento catalítico; então, não introduziram essa tecnologia nos primeiros cursos. Eu fui a Nova York e falei com o Hudson, que era vice-presidente da Foster Wheeler. Eu tinha falado com um canadense, que trabalhava na Reduc, na construção da unidade de craqueamento catalítico, e eu perguntei: “Quem é o melhor técnico que vocês tem em Nova York?” E ele disse que era o Phil Verity. Eu fui e falei com o Hudson: “Olha, você precisa emprestar o engenheiro durante um ano, para ensinar craqueamento catalítico num curso de refinação. Seria bom para vocês porque você vai ganhar conhecimento na Petrobras como uma companhia que quer cooperar.” Ele disse: “Talvez. Eu vou pensar. Você tem alguém em mente?” Eu disse que sim: “Eu quero o Phil Verity.” E ele disse: “Impossível. É o melhor homem que eu tenho. Eu não posso ficar sem ele.” Eu disse: “Tá bom. Mas seria bom...” Então, ele disse: “Tá bom. Ele pode ficar um ano.” Ele foi contratado para ficar um ano. Ele gostava muito do curso de refinação e do Rio de Janeiro. Ele foi um ótimo professor e quando ele voltou para os Estados Unidos, disse: “Olha, eu vou deixar algumas coisas na minha mesa por engano.” Então ele deixou todos os manuais, todos os dados técnicos, toda a parte de tecnologia que só as companhias estrangeiras tinham. Ele esqueceu na mesa dele. Foi ótimo para o Cenap porque não havia uma base para se trabalhar na área do craqueamento catalítico. O Philip Verity gostava muito de dançar e dos cariocas também. Esses manuais foram muito utilizados porque quando ele saiu foi um professor brasileiro que começou a dar aula sobre craqueamento catalítico. Então havia informação para ajudar na preparação das aulas. Quando nós também implantamos a unidade de craqueamento catalítico, em unidades piloto, havia muitas informações que eram úteis para a coleta dos dados do laboratório e dos dados industriais. Foi um grande presente que ele deixou.
CENAP
O Cenap foi que apresentou o conhecimento aos engenheiros. Ele não desenvolveu nada da tecnologia. Mais tarde, o Cenpes, o centro de pesquisas, desenvolveu uma nova tecnologia em craqueamento catalítico. O pessoal que desenvolveu a nova tecnologia tinha o conhecimento inicial através do curso de refinação, da tecnologia que nós absorvemos da Foster Wheeler, mas eles avançaram muito.
UNIDADES PILOTO DO CENAP
Nós começamos com uma unidade de destilação que não era piloto. Era uma unidade razoavelmente grande que nós usamos para treinar o pessoal do curso em como operar em unidade piloto; nós fizemos destilação do benzeno e tolueno. Eles, durante 24 horas, precisavam colocar a unidade em funcionamento constante, preparar, produzir um produto do benzeno e produto do tolueno, dentro das especificações. Mas isso foi parte do curso de refinação. Eles tinham essa unidade como parte do treinamento prático do curso. Mais tarde, quando o Cenap-4 foi formado com um dos setores do Cenap, em 1955, eu conheci - e o Doutor Moggi, também - o Joe Carnesale que era vice-presidente do M. W. Kellogg, que projetou a unidade do craqueamento catalítico da RLAM [Refinaria Landulpho Alves, na Bahia] - ele era CEO manager para a América Latina - e o levamos para o Cenap lá na Praia Vermelha. Mostramos a área do laboratório e falamos: “Olha, nós queremos que o M. W. Kellogg construa uma unidade piloto do craqueamento catalítico, em leito fluidizado para o Cenap.” Foi um pedido muito puxado. E ele disse: “Tá bom.” Porque eu sabia que tinha unidade lá no Texas, no centro de pesquisa Kellogg, e que seria ótimo para nós. Eu telefonei para o Texas, para o laboratório deles, e descrevi o que nós, do Cenap, queríamos. Então, foi fabricado lá nos Estados Unidos e custou 25 mil dólares, que era custo de material, não tinha lucro nenhum para M. W. Kellogg. E foi mandado para o Rio e montado nos laboratórios da Praia Vermelha. Foram as primeiras unidades piloto de pesquisa: era craqueamento catalítico em leito fluidizado. Alguns meses mais tarde, a Houdry Corporation ganhou a concorrência para a unidade industrial de reformação catalítica, na Reduc. Na cerimônia, agradeceu a Petrobras, que a tinha escolhido, e o presidente ofereceu um jantar no Country Club. E todo mundo da Petrobras estava lá, mas por sorte, a Ileana e eu, sentamos na mesma mesa, com o presidente do Houdry. E depois da conversa em geral, eu falei com ele: “Olha, vai ter uma reformação catalítica na Reduc e nós gostaríamos que vocês fornecessem uma unidade piloto para os nossos laboratórios.” Eu expliquei o que era o Cenap-4, o que nós queríamos fazer, e ele disse: “Sim, sem dúvida. Eu não vou fornecer unidades, mas eu vou fornecer todos os desenhos para que você possa construir as unidades aqui no Brasil.” Então, nós ganhamos desenhos bastante detalhados para construir as unidades lá na Praia Vermelha. Você pode perguntar, mas por que nós queríamos essas unidades piloto? As unidades de craqueamento catalítico, na Rlam e na Reduc, eram projetadas em função do mercado americano. O mercado americano é pouco GLP e muita gasolina de alta octanagem. E no Brasil, o que nós precisávamos? Muito GLP e pouca gasolina de alta octanagem. Essas unidades piloto na Praia Vermelha estudaram vários currículos, recebeu dados e os nossos engenheiros foram na refinaria, onde tinham colegas do antigo curso, e planejaram o que é chamado de corrida do teste. Corrida do teste é um pouco diferente da operação normal. Na operação normal, você anota poucos dados, poucas temperaturas, simplesmente o suficiente para controlar a unidade, mas no test run, corrida do teste, você coloca mais instrumentos, recorda mais informações para ter mais dados para avaliar. Uma unidade piloto pode trabalhar com uma temperatura e a refinaria com a mesma temperatura, mas os dados não são iguais, então você precisava fazer coleta dos dados operacionais do piloto com os dados operacionais da refinaria, para você saber que se eu apanhar aqui com 200, a mesma coisa vai para lá com 250. O pessoal tinha estudado nos Estados Unidos, as estatísticas e as coleções de dados. Eu tinha mandado o pessoal para estudar. Eles conseguiram relacionar os dados das unidades piloto com os dados industriais. E, com isso, nós aumentamos a produção de GLP em 20%, na Rlam e na Reduc. A economia de dívidas para o Brasil era enorme porque precisaria importar muito menos GLP do que antes. Também tinha a gasolina que os carros aqui precisavam; não precisava daquela gasolina de alta octanagem, que o pessoal dos Estados Unidos queria. Foi a mesma coisa na reformação. A reformação catalítica era projetada para produzir gasolina de alta octanagem - realmente alta octanagem - e o Brasil não precisava. O Brasil precisava de aromáticos, de benzeno, tolueno, para a indústria petroquímica. Nós modificamos a maneira de aparar a unidade industrial da Reduc, para produzir e maximizar a produção do benzeno e tolueno, através dos dados das unidades piloto do Cenap..
Havia essa relação com a demanda brasileira com o que nós estávamos implantando, porque a demanda brasileira é totalmente diferente da demanda americana. É a mesma coisa com a borracha sintética: a demanda do Brasil é diferente da demanda dos Estados Unidos. A Fabor usava produtos, catalisadores e coisas assim, que não tinham aqui. Quando o Leopoldo [Miguez de Mello] era o superintendente da Fabor [Fábrica de Borrachas Sintéticas], ele fez muitas pesquisas em produções de produtos no Brasil ao invés de importar. O mercado é diferente. A gente tinha unidades pilotos lá para produzir borrachas que o mercado brasileiro queria, não os produtos que os Estados Unidos queriam. Quando você vai para outro país, você precisa modificar as tecnologias para poder produzir produtos daquele país, que aquele país precisa.
CENAP / RELAÇÃO COM OUTRAS UNIDADES
Eu acho que foi ótima porque todos os engenheiros novos saíram do Cenap. O Cenap tinha acesso total às unidades industriais. Visitávamos todas. Nós perguntávamos: “Quais são os problemas que vocês tem? O que você gostaria que nós estudássemos?” O nosso programa de pesquisa foi muito em função do que as refinarias achavam que precisavam. Até na exploração e produção também. Nós visitamos o departamento de exploração e produção para saber se eles tinham algum problema que nós pudéssemos resolver. E tinha outras coisas, por exemplo, todos os laboratórios de ensaio das refinarias foram projetados por Ileana e Glória. Quando Porto Alegre ou Campinas ou qualquer refinaria precisava de um laboratório, quem projetava o laboratório? Era o pessoal do Cenap. E também quando tinham problemas com análises que eles não podiam fazer - porque depois de certo tempo, nós tínhamos instrumentos analíticos mais poderosos do que as refinarias. Quando havia um problema especial que eles não podiam resolver, eles mandavam a amostra para o Cenap e nós fazíamos as análises para eles. A mesma coisa com água. Quando precisava fazer estudos da captação na Baía de Guanabara, para Reduc, quem fez foi o Cenap.
PESQUISA PETROBRAS / HISTÓRICO
Eu acho que eu posso ser, modestamente, a memória viva da implantação de pesquisa na Petrobras, porque Leopoldo Miguez, Antônio Seabra Moggi, Hélio Beltrão já faleceram. O professor Hugo Reis e Alberto Bial, que chefiavam a pesquisa de 1962, 1963 e 1964, também não existem mais. Eu não sou o único que tinha contato com a pesquisa, mas eu sou um dos poucos que existe que tinha contato com a alta administração no desenvolvimento de pesquisa. Em 19 de agosto de 1955, por resolução 855, foi criado o Cenap. E não foi por um acaso que junto com o setor do ensino, tinha um setor de pesquisa e análise, porque o Doutor Moggi e eu, escrevemos muitos relatórios para a diretoria, dizendo que precisavam começar a implantar pesquisas na Petrobras. Tem três tipos de pesquisa: tem pesquisa fundamental e básica, que deve ser em nível de universidade, essa é a base de universidades; tem pesquisa aplicadas, que eu chamo de aplicadas, onde a possibilidade do sucesso é 100%, porque são pesquisas na área do melhoramento das tecnologias que já existem, então, você sabe que pode melhorar, talvez um pouco, talvez muito; e tem a pesquisa do desenvolvimento. Para essa, você precisa ter pesquisadores de muito alto gabarito para começar, porque é para inventar novos processos. Nós decidimos começar com pesquisas aplicadas, que seria para melhorar as tecnologias da refinaria, sabendo que seria um sucesso. Foi assim que nós começamos junto com a prestação de serviços técnicos, que era resolver problemas que a refinaria não podia resolver sozinha. Em 1957, o Cenap foi modificado. O Cenap, em 1957, tinha seis setores: setor do nível superior, setor do nível médio, setor de administração, Cenap-4 - era pesquisa -, setor 5 - era documentação - e setor da seção do administrativo. Mais uma vez, nós convencemos o diretor para incluir o setor 4 - que é o setor de pesquisa, não era mais o setor de pesquisa e análise e sim, o setor de pesquisas - e nessa oportunidade, o Dr. Beltrão insistiu numa cláusula auxiliar no projeto em implantação das unidades pilotos do laboratório. Em 1955, eu tinha a obrigação de implantar as unidades pilotos. Em 1957 foi mudado para o planejamento a execução do programa de pesquisas tecnológicas da Petrobras. Em 1957, foi mudado para implantar as unidades piloto para executar programas de pesquisa que seriam aprovados pelo Doutor Moggi e depois pela diretoria, antes que nós começássemos. Em 1957, a diretoria executiva promoveu estudos para a criação do Instituto Brasileiro de Petróleo, foi convidado o Mister Fisher, do Instituto Francês de Petróleo, que veio aqui e explicou o que era o Instituto Francês de Petróleo. O Instituto Francês de Petróleo era, realmente, um instituto de pesquisas. Ele faz pesquisas de desenvolvimento, então, ele é realmente um centro de pesquisas. Foi criado um grupo chamado de Grupo de Trabalho número 2 para estudar as recomendações do Instituto Francês de Petróleo e para ver se não era interessante implantar um Instituto Brasileiro de Petróleo, na Bahia. Porque o pessoal da diretoria sempre - por mais de três vezes - queria que o centro fosse na Bahia. E o objetivo era para ver como a IBP deveria formar pessoal e fazer pesquisas. Eu achava estranho porque poucos meses antes o Cenap havia sido formado; para formar pessoal e para fazer pesquisa. Dois meses depois que o Cenap foi implantado, a diretoria pediu o grupo de trabalho para estudar a implantação do IBP, que teria as mesmas funções do Cenap. Graças a Deus o grupo de trabalho não concordou e decidiu que a formação e o aperfeiçoamento do pessoal deveriam ficar com o Cenap e a parte de pesquisas também e que o IBP deveria ser uma sociedade civil para fixar os padrões, métodos e ensaios; uma ligação entre o povo brasileiro e a indústria de petróleo. E que também poderia pedir para a Petrobras fazer pesquisas para as refinarias particulares, mas o IBP não faria pesquisa, não faria formação de pessoal. Seria uma entidade civil mais ligada às normas da indústria Petrobras. Isso foi a sugestão desse grupo de trabalho número 2. Eu não fazia parte desse grupo, eu não me lembro bem quem fazia, mas era o pessoal do Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], pessoal de pesquisas, não era o pessoal da Petrobras.
PESQUISA NA PETROBRAS / HISTÓRICO
Em 25 de outubro de 1958, o diretor José Nazaré Teixeira Dias, mandou um longo documento - eu tinha cópia lá embaixo - e ele falou assim: “Pesquisas tecnológicas constituem uma garantia de qualquer atividade industrial dos nossos dias. Mas nessa prioridade, devemos admitir que a Petrobras se encontra em atrasos.” Isso em 1958. Ele achou que precisava implantar e a Petrobras estava atrás. E também falou que nós estávamos atrasados porque não tínhamos pessoal, que as refinarias não podiam deixar o pessoal sair dali para fazer pesquisa. É interessante porque esse mesmo diretor, um mês antes, mandou suspender o curso de refinação. Disse: “Não precisamos mais de engenheiros de refinação do petróleo.” Então foi nessa época que nós criamos o PAR, o Programa de Aperfeiçoamento de Refinação de Petróleo. Mas, você vê, o diretor disse que não podia fazer pesquisa porque faltava pessoal. E o mesmo diretor mandou o Cenap cancelar o curso de refinação para fazer outro. Tínhamos gente sobrando nas refinarias, não tenho dúvida. Mas nós sabíamos que o futuro da refinação era muito grande e que teriam outras refinarias, quatro, cinco, mais refinarias. Quando essas refinarias entrassem em operação, podia tirar pessoal da Reduc [Refinaria Duque de Caxias], da Rlam [Refinaria Landulpho Alves] e tal. Mas o fato é que sobravam engenheiros e foi mandado suspender o curso. Nós achávamos horrível essa decisão e não conseguíamos saber a razão disso. Não entendíamos. Havia certos problemas entre os engenheiros antigos e os nossos engenheiros. Havia um pouco de ciúmes porque os nossos engenheiros conheciam muito mais do que eles sobre os porquês; não como reparar a refinaria, mas porque seria reparado naquelas condições. Eu não sei se tinha alguma influência das refinarias ou não, mas esse PAR era ótimo porque era um curso especial para receber os engenheiros da refinaria e dar a eles o mesmo curso que foi dado: curso de refinação. Nós os elevamos a um nível que eles nunca poderiam ter atingido sozinhos. Eles voltavam para a unidade em posição de destaque. Até alguns ficaram na administração central. Até houve um engenheiro que chegou ao serviço de presidente da petroquímica, o Bernardo Geisel, que era sobrinho do Ernesto Geisel, o presidente. O PAR tinha essa estrutura de ensino e as matérias idênticas ao curso de refinação, com uma exceção: não podia eliminar ninguém. No curso de refinação, se alguém não chegasse a um certo nível, você podia eliminar. No PAR não. Porque eles eram empregados da Petrobras.
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PESQUISA PETROBRAS / HISTÓRICO
Em 13 de abril de 1959, o conselho solicitou que o superintendente [Antonio] Seabra Moggi reexaminasse o relatório do grupo de trabalho número 2, que dizia que a IBP não deve fazer pesquisa. Em 1960, Ileana e eu viajamos em férias para os Estados Unidos e visitamos mais de dez unidades de pesquisa. E levantamos dados que eram úteis para a pesquisa: como eles implantaram os centros? Quais eram os problemas que tinham na implantação, se deveria ser um centro para exploração e produção e outro para a área de refino ou um só, e o número de pessoas que eles achavam que deveriam começar. Todos os dados que seriam do interesse da implantação. Fomos nos centros de pesquisa do EUA. Mais de dez. Dois centros de pesquisa da Shell; um do Chevron Research; outro da Marathon Oil; outro do Shell da Califórnia, outro em Indiana. Visitamos todos os centros de pesquisas dos companheiros do petróleo, que eram maiores que Petrobras, naquela época. E nós conseguimos saber quais eram os problemas que eles tinham no início de implantação do setor, para não cometer os mesmos erros que eles cometiam, e também para ter alguma ideia de como eles fizeram contato entre o centro e a indústria. Então perguntávamos: “Como vocês planejam os seus programas de pesquisa? Como vocês entram em contato com a refinaria? Ou vocês fazem tudo sozinhos?” Então nós conseguimos saber como eles agiram dentro da companhia. Eles não eram independentes porque eles precisavam satisfazer às unidades industriais também.
PESQUISA PETROBRAS / HISTÓRICO
Em 19 de julho de 1960 o assessor chefe do Assorg mandou uma carta para a diretoria pedindo um novo grupo de trabalho para examinar os dados que nós trouxemos dos Estados Unidos, para definir como deveria ser o centro de pesquisa. Este grupo incluiu J.C. Gentil Neto, que era chefe da seção de organização; Antônio Seabra Moggi, Hélio Beltrão, professor Bernardo Geisel, que era um professor bem conhecido no Rio Grande do Sul na área de pesquisa; e eu. As instruções eram para serem apresentadas antes de 15 de novembro de 1960. Mais uma vez, foi pedido para estudar com carinho a implantação de, pelo menos a exploração e produção na Bahia, e refinação petroquímica no Rio. Nesse relatório, que eu considero o relatório definitivo, porque depois desse nada mudou, depois desse tudo foi para frente, não tinha ida e volta. Nesse relatório, nós recomendamos um centro único atuando nas áreas de exploração, produção e refinação petroquímica. O centro deveria ser localizado, preferencialmente, no Rio de Janeiro e as atividades de formação e aperfeiçoamento pessoal deveriam ser transferidas para o setor do pessoal, separando o treinamento da pesquisa. Porque eu acho que um grupo não pode se dedicar às duas coisas. Você não pode - com o grupo pequeno que havia naquela época - fazer pesquisa e também ensinar. Não tinha bastante gente. São perfis diferentes - quem é do ensino nem sempre é bom na pesquisa e vice-versa. Então ampliamos o pessoal da pesquisa, para fazer pesquisa aplicada e transferimos os professores e os instrutores para os cursos que seriam subordinados da Assorg. A Assorg, que é a assessoria da organização, devia saber melhor do que o Cenap, quanto e que tipo de pessoal que a Petrobras precisava. Ainda nesse momento não há um desenvolvimento de tecnologia, só aplicada. Em dezembro de 1963 - esse relatório foi feito em novembro de 1960 –, não podemos esquecer que houve a mudança política no tempo do João Goulart. Todo o pessoal do grupo único da Petrobras foi afastado e entrou um outro grupo. O chefe do Cenap e o chefe do Cenap-4 foram mudados. Em dezembro de 1963, o Conselho da Petrobras aprovou a criação do Cenpes e apoiou as recomendações do grupo de trabalho. Foi aprovado um centro único, no Rio, e a separação dos cursos do setor de pesquisa. Isso foi aprovado em dezembro de 1963. Eu não comemorei porque eu fui afastado da Petrobras, nessa época. Eu fiquei 18 meses com o pessoal que absorveu, que preparou manuais de engenharia no Senge [Serviço de Engenharia], porque em outubro de 1963, o Cenap, unilateralmente, cancelou o meu contrato que estava em vigor. Eu tinha um contrato em vigor e o pessoal disse: “Olha, não precisamos mais de você. Então, até logo.”. Quem substituiu o Moggi foi o professor Hugo Reis; e depois ele foi para a diretoria. Quem tomou o lugar dele como superintendente foi Alberto Torrentes Vieira. Foi ele que cancelou o meu contrato, mas eu não tinha nada contra. Por sorte minha, um ex-aluno meu, era chefe do Senge, Serviço de Engenharia da Petrobras, me convidou para trabalhar com ele, mas eu trabalhei sem receber, esperando alguma coisa acontecer. Eu trabalhei seis meses, a serviço da Engenharia, preparando manuais dos projetos, manuais de como se projetar um forno de destilação, de como fazer com coisas assim. Quando o Moggi voltou, em 31 de março de 1964, ele me chamou de volta para ficar no departamento de pesquisa. Entre 1960 e 1963, houve essa mudança na Petrobras. E levou um ano e meio para aprovar o Cenpes e mudou outra vez, em 31 de março. Levou mais um ano para o conselho ratificar a aprovação de um ano antes e, realmente, começar a implantar o Cenpes. Isso foi em dezembro de 64. Em 1º de janeiro de 1965 foi realmente implantado o Cenpes. Os cursos foram para a Assorg.
CENPES
O Cenpes foi criado para sempre planejar as pesquisas ouvindo as unidades industriais. Nós tínhamos uma equipe que entrou em contato com exploração e produção, refinarias, para decidir quais seriam os problemas que deveriam ser atacados, mas também continuamos com o craqueamento catalítico e de hidrogeração, reformação catalítica, análises fora da rotina dos laboratórios das refinarias, tudo isso. Em abril de 1965, o Cenpes foi criado para ser um grupo autônomo subordinado à diretoria executiva, para ter total autonomia. Quatro meses mais tarde, ele foi subordinado ao departamento industrial. Ninguém sabe o porquê do centro de pesquisa ser subordinado ao departamento industrial. O departamento industrial estava interessado na saída das refinarias, como elas estavam funcionando, não tinha conhecimento nenhum da pesquisa. O Moggi precisava convencer o chefe do departamento industrial, sobre a importância da pesquisa; porque eles estavam subordinados ao departamento industrial. Quando eu saí, já foi colocado outro engenheiro brasileiro como chefe do Cenap-4 e também foi colocado Dorodame Leitão como professor chefe do curso de refinação. O Moggi me chamou para o setor de planejamento. E eu fiquei no setor de planejamento de 1964 até 1967, que era, realmente, planejando a implantação do centro de pesquisa, fazendo contatos com grupos estrangeiros, visitando centros de pesquisas nos Estados Unidos e na Europa e ajudando a ele em definir como seria esse centro. Nós também mandamos o convite para o Battelle Memorial Institute, Stanford Research Institute e Arthur D. Little para que eles mandassem uma proposta, um plano diretor de implantação do centro. Nós recebemos e avaliamos. Nós escolhemos o Arthur D. Little , como a melhor proposta. Nós também havíamos preparado um plano diretor de implantação do Cenpes, mas o pessoal de casa não era tão bem recebido como o estrangeiro. Então nós contratamos o Arthur D. Little para fazer um plano diretor das instalações e não um plano diretor sobre o tipo de centro que deveria ser, mas das instalações físicas. Eu gostei muito do Arthur D. Little, mas não era necessário. O Arthur D. Little não trouxe nada que os engenheiros e arquitetos brasileiros não podiam ter feito. Mas o plano diretor foi bem feito, mas não era necessário, mas foi suficiente para implantar. O plano foi razoavelmente seguido, foi modificado bastante. A Ileana pode falar disso mais tarde. O arquiteto Bernardes mudou muito o edifício central, onde tinha a administração, mas manteve o princípio inicial. Inicialmente nos dedicaríamos a quatro áreas: exploração, produção, refinação e petroquímica.
CENPES/ IMPLANTAÇÃO E DIFICULDADES
Depois de 1967, eu não participei mais. Eu não participei do grupo, não participei da construção do Cenpes, eu só falava com Ileana em casa porque ela era do Grupim (Grupo de Implantação do Cenpes), mas eu não participei. Porque, em 1967, eu decidi que o meu serviço na Petrobras não era mais necessário. Eu estava numa área administrativa, não estava mais na área técnica, estava na área burocrática da instalação e da construção do centro. Eu não queria isso e eu saí da Petrobras em 1967. E formei uma companhia chamada Natron Consultoria e Projetos SA, junto com seis ex-alunos meus do curso refinação, onde eu era vice-presidente de tecnologia e estudos.
NATRON CONSULTORIA E PROJETOS
Na própria Natron, eu fiz muito trabalho de pesquisas, mas pesquisas diferentes, pesquisas do interesse do Brasil, mas não ligado ao petróleo, mas da indústria química. Nós fizemos muito desenvolvimento da tecnologia, absorção de tecnologia. Até chegamos ao conhecimento do enriquecimento do urânio mineiro, na própria Natron. A Natron chegou a ter 3 mil empregados. Havia 800 engenheiros. Foi a maior companhia de engenharia de processo no Brasil, talvez na América Latina, e todos os nossos esforços eram para desenvolver tecnologias do interesse do Brasil. Eu tinha um departamento de engenheira básica, que nós conseguimos aprender tudo de engenheira básica: fábrica de ácido sulfúrico, ácido fosfórico, fosforizante, fosfetado, soda cloro, energia nuclear e várias outras. Não era mais necessário comprar pacotes americanos porque esses pacotes nós conseguíamos fazer no Brasil.
A cada ano os ex-empregados da Natron fazem uma festa de Natal. Eu sempre vou nas festas para renovar os meus contatos com os ex-empregados. Foram 25 anos. Foi muito gostoso. Não melhor do que a Petrobras, mas também muito gostoso.
CASAMENTO
Eu e Ileana casamos duas vezes. Em 26 de agosto de 1955 , no civil, e no dia 2 de setembro, na igreja. Da minha família o meu irmão veio, ele era o meu chamado best man, mas Ileana foi ao Canadá, no Natal de 1955. E ela foi bem aceita. O pessoal: “Quem é essa brasileira que capturou o nosso caçula?” Mas ela também gostou muito da minha família, dos meus pais, dos meus irmãos. Meu pai a adorava.
FAMÍLIA / FILHOS
Temos dois: Ronald, meu filho, e Cristina, minha filha. São três netos: dois aqui no Brasil e um no Canadá. Porque Cristina separou aqui e casou outra vez no Canadá com um canadense. Ela é um tipo de decana de uma universidade. Ela está encarregada de todo o recrutamento do pessoal da pós-graduação, na universidade Johns Hopkins. Meu filho mora aqui. Ele é especialista em efeitos especiais da tevê. Ele trabalha na TV Record, em todas essas novelas. Aqueles mutantes ele produz.
FAMÍLIA / NETOS
Meus netos estão no Canadá, um com 20 anos e outro com 19. Os dois estão na universidade. Um, no segundo ano, e o outro, no primeiro. E a neta, no Canadá, só tem 6 anos. Nenhum deles vai fazer engenharia química, eu tive muito problema em ensinar matemática para eles.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Eu só gostaria de dizer que eu fui amigo do Leopoldo Miguez de Mello. E ele foi uma pessoa excepcional. Ele foi nacionalista, mas um nacionalista puro. Ele que ajudou, durante um bom tempo, a implantação da Petrobras. Ele foi chefe da Fabor, fez pesquisa na Fabor e depois foi diretor. Quando ele chegou a diretor, o Cenpes nunca parou. Ele conseguiu orçamentos e, realmente, colocou o Cenpes para a frente. Mas, infelizmente, ele não foi na cerimônia de inauguração, porque ele faleceu um pouco antes; mas ele foi um grande lutador. E Antônio Seabra Moggi, que também dedicou toda a vida dele à pesquisa e ao ensino. Os dois devem ser reconhecidos, bem reconhecidos.
PESQUISA PETROBRAS
O Cenpes hoje é reconhecido mundialmente. É reconhecido como centro de pesquisas que até desenvolveu novas tecnologias. Esse Comperj [Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro] vai usar tecnologia produzida pelo Cenpes. E, eu acho que eu posso falar, o pessoal do Cenpes, hoje, não tem a mínima ideia do que era ser pesquisador há 50 anos. Porque o pesquisador dos anos 1950, não tinha alguém superior a ele, que podia ensinar, transmitir informações. Eles precisavam aprender fazendo, como eu falei. Eles precisavam quebrar a cara para aprender como fazer pesquisas. Eles não tinham equipamento, não tinham instrumentos analíticos on-line. Por exemplo, o Cenpes, agora, tem todos os dados que são recebidos pelos computadores on-line e todos os computadores de grande porte fazem a projeção dos dados. Há 50 anos era manualmente. Todo engenheiro precisava fazer as coleções e saber como interpretar esses dados para as unidades industriais. O pesquisador daquela época não tinha alguém para ajudar. Hoje, você entra na área de pesquisa, tem vários níveis acima de você que podem transmitir experiência para você. Nos anos 1950, não era assim não, precisava aprender sozinho. Era difícil. Mas eu acho que toda essa batalha valeu a pena, porque se não tivesse batalha nos primeiros 20 anos, não teria Cenpes hoje. Porque o Cenpes de hoje não precisava passar aqueles 25 anos de luta. O pessoal que está no Cenpes hoje, entrou no centro de pesquisa já funcionando, já com o conhecimento, já com o equipamento e pessoal. A nossa fase foi a da implantação, a fase do aprender. Imagina se tivesse começado em 1980, o Cenpes hoje não seria nada. Eu não sei se foi heróica, mas foi gostoso.
HISTÓRIA / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Naquela época, em alguns momentos os serventes do Cenpes mandavam nos engenheiros. O pessoal do nível do sindicato, os serventes, mandavam. Eu jogava beisebol com os americanos e nós tínhamos alugado o campo de esporte da Escola Naval, lá perto do aeroporto, para o jogo final do ano. Era o campeonato do ano e nós estávamos jogando beisebol lá quando chegou um grupo da Petrobras que invadiu o campo e expulsou a gente. E um era o servente do Cenpes, onde eu trabalhei. Eles sentiram que o estrangeiro não tinha direito de usar o campo da Escola Naval e eles queriam jogar futebol.
MEMÓRIA PETROBRAS
Eu acho que o que vocês estão fazendo é muito importante. Porque eu sei do fato de que todos os documentos do Cenap foram jogados fora, foram para o arquivo morto e se perderam. Você não consegue, na Petrobras, uma lista dos alunos das turmas do curso de refinação. Eu tenho, mas a Petrobras não tem. Alguém um dia alguém mandou jogar fora os arquivos: “Joga fora esses arquivos. Não tem valor nenhum.” Então não existe. E o que vocês estão fazendo, levantando esses dados, eu acho muito importante.
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