Contar a história do meu pai é falar de um protagonista. Por volta das 5 horas da manhã já se ouvia o barulho na cozinha, e logo vinha o cheirinho de café. Com ele era sempre assim, o movimento na casa começava cedo. Até na casa de praia acordava antes de todo mundo, varria a varanda, comprava o pão e tentava despertar a minha mãe anunciando, a cada cinco minutos, tudo que já tinha feito. Nos dias de rotina, eu, que sempre fui mais noturna, enrolava na cama até que ele abria a porta do quarto e puxava o meu dedo do pé. Detestava aquilo. Quando eu levantava ele já estava impecável, vaidoso, a roupa sempre alinhada e um perfume que ia longe. Já nos finais de semana a blusa do flamengo era o seu visual preferido. Era ele quem agitava tudo. O churrasco, a música, as provocações de futebol, as brincadeiras com quem tirasse aquele cochilo depois do almoço. Lembro sempre dele rindo, sacaneando, fazendo graça. Nas imagens que tenho na memória ele está com um cigarro em uma mão e a cerveja na outra. E quando percebia a gente olhando para ele, fazia logo uma careta, ou mandava um beijo fazendo bico besta de palhaçada. Era um cara musical. No carro ou em casa era comum ouvir pagode, ou Nelson Gonçalves, ou até rádio. Lembro sempre dele cantando uma música \"Você foi, a mentira sincera, brincadeira mais séria, que me aconteceu...\". Achava que ele estava inventando \"mentira sincera\"?! Achava graça e pensava \"Ah meu pai é muito bobo!\". Nessas horas ele gostava de puxar a minha mãe para dançar, ou a minha irmã. Eu, muito tímida e sem jeito, sempre escapava. Hoje, me arrependo. Fato é que, com muito esforço, mas sem deixar a gente perceber, ele e minha mãe garantiram um colorido especial nas lembranças que temos da nossa infância. Imagina o vazio de experimentar uma vida sem ele. O colorido mudou. Tentamos preencher essa ausência com as lembranças. Reavivar a presença pelas memórias compartilhadas. O gosto dele pelas filmagens e da...
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Contar a história do meu pai é falar de um protagonista. Por volta das 5 horas da manhã já se ouvia o barulho na cozinha, e logo vinha o cheirinho de café. Com ele era sempre assim, o movimento na casa começava cedo. Até na casa de praia acordava antes de todo mundo, varria a varanda, comprava o pão e tentava despertar a minha mãe anunciando, a cada cinco minutos, tudo que já tinha feito. Nos dias de rotina, eu, que sempre fui mais noturna, enrolava na cama até que ele abria a porta do quarto e puxava o meu dedo do pé. Detestava aquilo. Quando eu levantava ele já estava impecável, vaidoso, a roupa sempre alinhada e um perfume que ia longe. Já nos finais de semana a blusa do flamengo era o seu visual preferido. Era ele quem agitava tudo. O churrasco, a música, as provocações de futebol, as brincadeiras com quem tirasse aquele cochilo depois do almoço. Lembro sempre dele rindo, sacaneando, fazendo graça. Nas imagens que tenho na memória ele está com um cigarro em uma mão e a cerveja na outra. E quando percebia a gente olhando para ele, fazia logo uma careta, ou mandava um beijo fazendo bico besta de palhaçada. Era um cara musical. No carro ou em casa era comum ouvir pagode, ou Nelson Gonçalves, ou até rádio. Lembro sempre dele cantando uma música \"Você foi, a mentira sincera, brincadeira mais séria, que me aconteceu...\". Achava que ele estava inventando \"mentira sincera\"?! Achava graça e pensava \"Ah meu pai é muito bobo!\". Nessas horas ele gostava de puxar a minha mãe para dançar, ou a minha irmã. Eu, muito tímida e sem jeito, sempre escapava. Hoje, me arrependo. Fato é que, com muito esforço, mas sem deixar a gente perceber, ele e minha mãe garantiram um colorido especial nas lembranças que temos da nossa infância. Imagina o vazio de experimentar uma vida sem ele. O colorido mudou. Tentamos preencher essa ausência com as lembranças. Reavivar a presença pelas memórias compartilhadas. O gosto dele pelas filmagens e da minha mãe pelas fotografias deixou um legado que conta um pouco dessa história. E ajuda a preencher (ou tapear) esse vazio. Falar do meu pai é falar de saudade. Uma boa lembrança que faz parte de mim.
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