Sonhei que estava no Circo Híbrido, a escola onde eu fazia minhas aulas de dança aérea - sim, aquela em que fazemos acrobacias no tecido. Minha professora disse para subirmos no tecido e lembro que fui até o máximo da altura, fiquei lá na viga, segurando o pano - um azul turquesa lindíssimo. Ali, eu e as outras colegas, esperamos penduradas. Lembro como me sentia forte, com a sensação de que ficaria horas ali. “Agora pode virar”, disse a professora. E aí paralisei, “faz tanto tempo que não faço”, pensei...deu medo. Mas ok, vamos lá. Virei. E o tecido se rasgou do nó e quando vi tava no colchão no chão segurando ainda uma faixa em cada mão. As professoras chegaram ali perto de mim e mostrei o tecido rasgado com uns grampos (daqueles de grampeador) e dizia a elas que não poderia estar preso só com isso, era muito frágil. O mais curioso é que não lembro da queda em si. Quando vi, estava no chão. Não senti dor, não me machuquei. Ninguém ficou preocupada com a queda.
Que associações você faz entre seu sonho e o momento de pandemia?
Depois de tanto tempo fora do Circo (na metade de março as aulas presenciais pararam) me pergunto se eu teria energia para voltar a me pendurar. E se agora, como no sonho, não estamos no ar suspensas, presas apenas por uns grampos, ou ainda, se já caímos e nem vimos a queda. Até qual altura é possível subir? Por muito tempo só olhamos para cima, tentando subir cada vez mais. No entanto, aprendi nas aulas de tecido que mesmo quando estamos no alto, precisamos seguir com o olhar atento para baixo, sem que esqueçamos de onde viemos, e como viemos parar no alto, ou então, no poder. Para onde estávamos olhando quando começava a desmoronar, aos poucos, desde dentro, as políticas democráticas que com muita luta conquistamos? Por quanto tempo achamos que estávamos em uma amarração sólida e num piscar de olhos, vimos que a estrutura eram frágeis grampos, que não nos sustentariam mais?...
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Sonhei que estava no Circo Híbrido, a escola onde eu fazia minhas aulas de dança aérea - sim, aquela em que fazemos acrobacias no tecido. Minha professora disse para subirmos no tecido e lembro que fui até o máximo da altura, fiquei lá na viga, segurando o pano - um azul turquesa lindíssimo. Ali, eu e as outras colegas, esperamos penduradas. Lembro como me sentia forte, com a sensação de que ficaria horas ali. “Agora pode virar”, disse a professora. E aí paralisei, “faz tanto tempo que não faço”, pensei...deu medo. Mas ok, vamos lá. Virei. E o tecido se rasgou do nó e quando vi tava no colchão no chão segurando ainda uma faixa em cada mão. As professoras chegaram ali perto de mim e mostrei o tecido rasgado com uns grampos (daqueles de grampeador) e dizia a elas que não poderia estar preso só com isso, era muito frágil. O mais curioso é que não lembro da queda em si. Quando vi, estava no chão. Não senti dor, não me machuquei. Ninguém ficou preocupada com a queda.
Que associações você faz entre seu sonho e o momento de pandemia?
Depois de tanto tempo fora do Circo (na metade de março as aulas presenciais pararam) me pergunto se eu teria energia para voltar a me pendurar. E se agora, como no sonho, não estamos no ar suspensas, presas apenas por uns grampos, ou ainda, se já caímos e nem vimos a queda. Até qual altura é possível subir? Por muito tempo só olhamos para cima, tentando subir cada vez mais. No entanto, aprendi nas aulas de tecido que mesmo quando estamos no alto, precisamos seguir com o olhar atento para baixo, sem que esqueçamos de onde viemos, e como viemos parar no alto, ou então, no poder. Para onde estávamos olhando quando começava a desmoronar, aos poucos, desde dentro, as políticas democráticas que com muita luta conquistamos? Por quanto tempo achamos que estávamos em uma amarração sólida e num piscar de olhos, vimos que a estrutura eram frágeis grampos, que não nos sustentariam mais? Agora - em meio a pandemia de covid - estamos todos suspensos, com mãos suadas, corpos e mentes que precisam se manter fortes para seguirem segurando no tecido. Mas por quanto tempo é possível ficar suspenso? Um hora será preciso descer. Por falta de energia, ou de estrutura, ou mesmo porque é preciso dar a vez as outras pessoas que estão esperando para subir (pode ser um revezamento a cada 4 ou 8 anos, mas ninguém tem o monopólio). A descida pode ser uma queda lenta e suave, dinâmica e rápida, ou um grande tombo. Mas como disse o filósofo Didi-Huberman “... a queda ainda é experiência, ou seja, contestação, em seu próprio movimento, da queda sofrida”. Quem sabe, então, se fizermos da queda uma experiência, possamos criar novos movimentos de contestação. Nesse momento será preciso reconhecer que o tecido está roto e nem mais alguns remendos dão conta do buraco que há. Será preciso então costurarmos um novo tecido - social e democrático. Um mais resistente, mais forte, e ainda, fazer com ele uma amarração mais sólida. Quem sabe com um uma multiplicidade de nós - de NÓS - possamos coletivamente criar um pano que nos sustente.
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