P - Professora Maria Benites, queria agradecer pessoalmente por você dar esse momento, essa palavrinha com a gente, muito obrigado.
R - Eu agradeço também por terem me convidado.
P - Professora, primeiro diga o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento, por favor.
R - Meu nome completo é Maria del Socorro Isabel Benites Moreno, nasci no dia 2 de outubro de 1947, na cidade de Buenos Aires.
P - Pra contar um pouco como qual é o seu envolvimento com o programa Cultura Viva, o que você...
R - Olha, foi como toda uma vida por um acaso. Um dia nós chegamos, estávamos meu marido e eu, coordenávamos e dirigíamos uma pós-graduação em educação que é um programa de excelência único na área de educação, e nos chega um convite para participar de um simpósio de educação em Belo Horizonte chamado Teia, nada a ver conosco, né? E eu te pergunto, onde tiram o nosso nome? Saiu de uma publicação que nós tínhamos feito, umas coisas que um disse pro outro, o outro disse pra um... E fomos, chegamos em Belo Horizonte, fomos para o local do evento e eu comecei a abrir a boca e não fechei nos três dias que durou o evento, porque eu morei no Brasil 17 anos, 15 anos e a mim sempre me fascinou a riqueza, o meu último projeto no Brasil foi Bienal do Mercosul, eu fui a que criou a Bienal do Mercosul de artes visuais, porque sempre fui fascinada pela arte contemporânea brasileira, fascinada, todo o momento do movimento neoconcretista, todo, o próprio Oswald de Andrade como teórico, é fabuloso ser da América Latina. Mas o meu contato com a cultura popular tinha sido muito pouco porque eu morava no sul, em Porto Alegre e lá além de gaúcho, que também tem na Argentina, não havia muito, entre aspas, não se via muita manifestação cultural. Claro que a gente viajava pelo Brasil e algumas coisas, mas nunca havia riqueza, assim concentrada, naquela exposição da Teia, eu não acreditava ver mosaicos, rendas, danças, músicas, era...
Continuar leituraP - Professora Maria Benites, queria agradecer pessoalmente por você dar esse momento, essa palavrinha com a gente, muito obrigado.
R - Eu agradeço também por terem me convidado.
P - Professora, primeiro diga o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento, por favor.
R - Meu nome completo é Maria del Socorro Isabel Benites Moreno, nasci no dia 2 de outubro de 1947, na cidade de Buenos Aires.
P - Pra contar um pouco como qual é o seu envolvimento com o programa Cultura Viva, o que você...
R - Olha, foi como toda uma vida por um acaso. Um dia nós chegamos, estávamos meu marido e eu, coordenávamos e dirigíamos uma pós-graduação em educação que é um programa de excelência único na área de educação, e nos chega um convite para participar de um simpósio de educação em Belo Horizonte chamado Teia, nada a ver conosco, né? E eu te pergunto, onde tiram o nosso nome? Saiu de uma publicação que nós tínhamos feito, umas coisas que um disse pro outro, o outro disse pra um... E fomos, chegamos em Belo Horizonte, fomos para o local do evento e eu comecei a abrir a boca e não fechei nos três dias que durou o evento, porque eu morei no Brasil 17 anos, 15 anos e a mim sempre me fascinou a riqueza, o meu último projeto no Brasil foi Bienal do Mercosul, eu fui a que criou a Bienal do Mercosul de artes visuais, porque sempre fui fascinada pela arte contemporânea brasileira, fascinada, todo o momento do movimento neoconcretista, todo, o próprio Oswald de Andrade como teórico, é fabuloso ser da América Latina. Mas o meu contato com a cultura popular tinha sido muito pouco porque eu morava no sul, em Porto Alegre e lá além de gaúcho, que também tem na Argentina, não havia muito, entre aspas, não se via muita manifestação cultural. Claro que a gente viajava pelo Brasil e algumas coisas, mas nunca havia riqueza, assim concentrada, naquela exposição da Teia, eu não acreditava ver mosaicos, rendas, danças, músicas, era fabuloso e já te digo, eu fiquei só três dias e a minha concepção de cultura mudou.
P - E bom, e você enfim, foi pra Alemanha, né? Como você começou mesmo a entrar no projeto?
R - Aí a relação com o Célio Turino foi a que pautou, entende? De que forma nós poderíamos contribuir, como que a gente poderia ajudar a pensar, todo quanto convite que vinha do Programa Cultura Viva era aceito na hora, porque era algo, tanto assim que por exemplo, essa viagem eu estou esgotada, acabo de voltar de, 15 dias atrás eu voltei de Istambul, Madri e Brasil. Tinha que fazer um... e dizer que quando chega o convite eu digo: “Vamos, não vamos? Vamos, vamos, vamos”, porque quando viemos naquele seminário de pouca gente e eu não gosto de fazer palestras, não gosto mesmo, a gente se tem que fazer faz, mas quando vimos a metodologia do simpósio daqui, foi uma felicidade assim: “Eles pensam como a gente Ou nós pensamos como eles, não sei quem primeiro, se o ovo ou a galinha”, porque essa metodologia de “des-hierarquizar” (sic) o conhecimento, de fazer uma verdadeira troca, não eu sei, tu não sabes e volto a dizer o que é, entendeu? Um pensar juntos, porque eu acho que o conhecimento é muito mais complexo que as palavras. Então é pensar juntos, então a apresentação do grupo foi, hoje por exemplo, quando o grupo do Coco Umbigada fizeram aquela saudação àquele moço que morreu, eu fiquei tão emocionada, por isso que faz de nós humanos, sentir na pele do outro. Então eu posso só falar que em muitos encontros, primeiro, tem três coisas que para mim são fundamentais para o verdadeiro desenvolvimento: um é a igualdade, mas a igualdade pautada pela diferença, que é uma contradição muito interessante, porque nós somos todos seres humanos, mas cada um é diferente. A segunda é a alegria, alegria e o encantamento de encontrar-se reconhecer-se nas diferenças, se nós reconhecemos as diferenças, e a terceira é o entusiasmo de vamos fazer, entendeu? São três coisas que eu acho que provocam qualquer desenvolvimento, primeiro porque a base dessas três, digamos, em aspecto é a ética, a ética é que festeja a vida, a ética que guarda, repara a diferença, repara a ferida, e a ética é o que nos move a fazer pelo outro, a que nos comove.
P - Professora, dessas experiências de projetos que a senhora acompanhou, né? Você teve algum que foi muito marcante, algum dia que foi muito especial, você gostaria de compartilhar conosco?
R - Eu gostaria de compartilhar o Programa (risos), porque é muito difícil escolher, entende? Então qualquer aspecto do Programa é como uma travessa de doce de leite, por qualquer lado que tu comeces a comer (risos), tu vais encontrar doce de leite, entendeu? Então pra mim o Programa Cultura Viva é um manjar, é um verdadeiro manjar para o intelecto, para as emoções e para os afetos.
P - O Programa, ele tem alguns conceitos basais, digamos, né? A questão da autonomia, o empoderamento, o protagonismo, como você vê isso, como você analisa...
R - Bom, casualmente estava pensando com o Célio, com o Giuseppe, criar um novo vocabulário, porque um mundo novo precisa de uma nova linguagem. Então quando tu falas de empoderamento, fora este contexto, ele tem um significado dúbio, aqui não, entendeu? Mas para dar isso para o mundo, ele precisa descobrir quais são as suas palavras. Nós estamos usando palavras velhas para conceitos novos, entendeu? E o Programa Cultura Viva para mim é uma coisa mais revolucionária que eu tenho visto na América Latina, revolucionária, reevoluir, é uma evolução fantástica dentro do conceito de cultura, dentro do conceito de autonomia e dentro do conceito de cidadania e dizer: quando um Ministério resolve repassar diretamente ao produtor de cultura recursos que por direito são dele, por direito, enfrentando toda uma máquina concebida ao longo de séculos para que esse povo não tivesse direito, quando se dá voz, a vozes silenciadas por séculos, não estou falando por ano, por séculos, quando tu vê que essas vozes silenciadas, conseguiram manter suas vozes apesar do silenciamento, da opressão, então tudo isso, ele está levantando a tampa de um caldeirão mágico, entende? Porque isso é um caldeirão mágico, o Brasil é um caldeirão mágico.
P - Bom, pensando no Programa assim, você vê quais os principais desafios?
R - Se manter, se manter. Primeiro porque penso que é uma política extremamente arrojada, que foi possível graças a... que a estrutura era muito pequena, então tinha que enfrentar grandes conselhos e diretorias, era uma estrutura pequena quando começou, começou com 11 pessoas, então realmente 11 usados (risos), 11 pioneiros, 11 desbravadores desta selva cultural e são extremamente felizes em todas as ações que propõe. Agora como isso foi crescendo, tangendo 1.500 Pontos de Cultura, fora o programa Cultura Viva, fora o programa Cultura Digital, fora Pontão e fora um monte de outras atividades que só fico extenuada só de numerá-las, tá? O meu medo é que comece a ser, institucionalizar e a burocratizar, entende? O grande desafio é ver como conseguem criar uma lei que permita esse tipo de contato direto, que parece que já está em trâmite e regulamentar essa lei antes da mudança do Governo. Porque o Brasil às vezes tem esse problema, que muda o Governo e programas são protelados, são substituídos por outros que não atendem bem os mesmos interesses. Então provavelmente a gente fica preocupado em pensar em qual vai ser o futuro dessa maravilha. Eu acredito que o povo brasileiro é inteligente o suficiente para não abrir mão disto (risos), entendeu? Porque isso é para o próprio povo brasileiro, realmente algo do povo, pelo povo e para o povo. Para mim, o Programa Cultura Viva é a concretização da verdadeira democracia.
P - Professora, pensando assim, você está morando na Alemanha, né? O que é que leva do Programa Cultura Viva pra lá?
R - A saudade (risos), a saudade.
P - (risos) A experiência?
R - Não, eu com o meu marido, nós tomamos uma resolução disso que é primeiro fazer tudo possível para abrir canais com a Europa e segundo vir morar no Brasil (risos), porque realmente é uma etapa que não dá para perder, entende? Eu sou latina americana e vi décadas de opressão, e de dor, e de cinza, entende? De repente sai um sol, eu quero aproveitar esse sol (risos), entende? Eu quero ter contato com esses Pontos de Cultura, com esses Pontões, com essa vontade de fazer que é tão contagiante, o que isso há três dias, o que a gente viveu é uma energia Não sei, estamos as oito da manhã, café da manhã e vamos dormir as 12 da noite, estamos como se tivéssemos só passeando, entendeu? Tu pensas, discute, se produz, questiona, mas é algo extremamente energizante, não? Te encontra, porque geralmente lutamos pela cultura, com C maiúsculo, somos Dom Quixotes, não? Vivemos em nichos preparados, somos franco-atiradores, como diriam, não? (risos) E de repente tu te encontra que isso é normal no lugar, que está tudo na mesma, que todos querem a mesma coisa, entendeu? É um sentimento de pertencer a algo que é universal, que não é somente do Brasil, que é universal, aqui tinha argentino, tinha inglês, tinha americano, tinha italianos, todos estamos tecendo um lugar onde nós podemos fazer algo realmente.
P - E pensando, muita gente pensando em ter um encontro como esse, qual é a expectativa para o futuro do Programa?
R - Eu sei que a próxima, bom, nós fomos convidados a participar do conselho consultivo, então uma das primeiras tarefas que nós vamos fazer é esse novo dicionário, esse novo léxico, o léxico do outro mundo possível, tá? E o novo mundo possível, gosto mais do novo mundo possível, tá? E depois, em março tem a Teia e participar ativamente da forma que nos permitirem, da forma que nós pudermos de consolidar esse programa através da legislação, regulamentações, divulgações, difusões, porque escrever sobre ele, publicar de onde for possível, como for possível, porque tu tem... que, isto tem que correr o mundo, não é? E agora, por exemplo, eu tenho um encontro em Mar del Plata, que nós queremos muito ver se conseguimos participar, não sei pelas datas, mas que vamos, que eu quero participar e não sei se vai dar, porque eu tenho que voltar impreterivelmente dia 10 de dezembro para a Alemanha, mas vamos ver. Mas se não tenho outro que já vai participar e vamos começar a espalhar esse conceito porque é para a América Latina, sobretudo, é fundamental.
P - Ok, e professora, já pensando em finalizar, tem alguma história, alguma coisa que eu não tenha perguntado que você gostaria de compartilhar conosco?
R - Tem tantas (risos) É, tu sabes que uma das coisas que eu gostaria de colocar aqui é que geralmente a gente pensa que sabe, porque lê, porque viaja, e neste grupo de trabalho participei de algo em transformação, eu tive de estar permanentemente atenta à minha ignorância, entendeu? Porque o que eu via aqui era novo, então a tendência é sempre voltar atrás ao que tu sabes e deixar que o novo te invada é uma coisa muito difícil. Então por exemplo, tinha conceitos que eu não aceitaria intelectualmente, entendeu? E de repente tu te dá conta que isso intelectualmente é uma atrapalhação dos deuses, entendeu? E então tu passas a se expressar sem palavras, através da dança, através da música, através da poesia, através do desenho e são coisas que aqui eu consegui não intelectualizar. Então, e eu vejo que isso se passa com muitos de nós, nós chegamos aqui dizendo: “Qual vai ser a nossa contribuição?” e saímos absolutamente enriquecidos, entendeu? (risos) A diferença do que é contribuir e tu és contribuída, entendeu? Então esse, quando tu vês um dos participantes do grupo, creio que és Tadeu, ele começa a contar sua história, que ele descobriu o seu primeiro mundo através de um mestre Griô e eu comecei a pensar: “Quem é esse primeiro mundo? Que primeiro mundo eu tenho?”, entendeu? Quando uma outra senhora conta que ela tinha um grupo de música que lutava contra muitas dificuldades e que de repente é o Ponto de Cultura e que ela vê que são 12 anos que ela trabalhou, tinha sentido, 12 anos, isso que te digo das vozes silenciadas, 12 anos sem receber, 12 anos sem estímulos, 12 anos só para ter um grupo musical com jovens e aí tu vês o outro menino, que chora no edital (risos), por causa do edital, ele contando: “Eu chorei quando li o edital” (risos), é a coisa mais sincera, entende? Como vais chorar lendo um edital, (risos) entende? Então são todas assim, pequenas coisas que se transformam em algo mágico, repito, a palavra é mágica, é mágica de, é aquela coisa do sacro, de olhar o universo e saber que és parte dele, uma coisa realmente comovente, porque nos movemos com.
P - Á professora, muito obrigada
R - Não, por nada.
P - E cuidado com...
R - Ah, sim
P - Muito obrigado
R - Por nada
Recolher