Entrevista de Clarindo Silva de Jesus
Entrevistado por Dalvaci Porto
Local Salvador- BA, data 8 de agosto de 2022
Projeto Conte Sua História
Entrevista número PCSH_ HV1196
Transcrição via Transkriptor
Revisada por Estfani da Costa
00:00:00
P/1- Obrigada! Mestre Clarindo Silva, agradeço muito sua disponibilidade para nos atender. Na verdade, hoje estamos aqui para escutar suas histórias, com muita honra. Vamos dar início a sua entrevista, e peço que você diga o seu nome completo e sua data de nascimento e o local onde você nasceu.
00:00:13
R- Bom, eu sou Clarindo Silva de Jesus, sou filho de Manuel Borges Jesus, de Maria da Conceição Senhor Jesus. Nasci em Conceição do Almeida, uma cidade que fica a 162 quilômetros daqui, e sou filho de uma família pequena. Meu pai casou a primeira vez, teve quatro filhos, depois casou-se com minha mãe, que teve mais vinte. Então sou de uma família de vinte e quatro filhos. E que, de certa forma, na época, a mortalidade infantil era gritante. Minha mãe falava sempre que morriam muitas crianças e morriam muitas senhoras de parto, morria de parto. Tanto assim que a primeira mulher do meu pai morreu no parto, no quarto filho. E nós viemos de Conceição do Almeida aqui para Salvador. Eu tinha exatamente oito anos.
00:01:06
R- E foi uma viagem, apesar de ser 162 quilômetros, nós fizemos essa viagem em 15 horas. Pegamos uma carona num caminhão em Conceição do Almeida, eu me lembro, em cima de uma carga de feijão. Fomos até Santo Antônio Jesus. Santo Antônio Jesus, pegamos o trem de ferro. Fomos até São Roque para Água Sul. Em São Roque para Água Sul, nós pegamos o vapor de cachoeira e saltamos aqui na navegação baiana. Por ironia do destino.
00:01:40
P/1- E qual foi a data? Qual foi a data de nascimento?
00:01:45
R- Minha data de nascimento é 16 de março de 1942. Naquela época, pelo menos lá em Conceição do Almeida, ainda não tinha maternidade, era parteira. Eu nasci em casa, como os...
Continuar leituraEntrevista de Clarindo Silva de Jesus
Entrevistado por Dalvaci Porto
Local Salvador- BA, data 8 de agosto de 2022
Projeto Conte Sua História
Entrevista número PCSH_ HV1196
Transcrição via Transkriptor
Revisada por Estfani da Costa
00:00:00
P/1- Obrigada! Mestre Clarindo Silva, agradeço muito sua disponibilidade para nos atender. Na verdade, hoje estamos aqui para escutar suas histórias, com muita honra. Vamos dar início a sua entrevista, e peço que você diga o seu nome completo e sua data de nascimento e o local onde você nasceu.
00:00:13
R- Bom, eu sou Clarindo Silva de Jesus, sou filho de Manuel Borges Jesus, de Maria da Conceição Senhor Jesus. Nasci em Conceição do Almeida, uma cidade que fica a 162 quilômetros daqui, e sou filho de uma família pequena. Meu pai casou a primeira vez, teve quatro filhos, depois casou-se com minha mãe, que teve mais vinte. Então sou de uma família de vinte e quatro filhos. E que, de certa forma, na época, a mortalidade infantil era gritante. Minha mãe falava sempre que morriam muitas crianças e morriam muitas senhoras de parto, morria de parto. Tanto assim que a primeira mulher do meu pai morreu no parto, no quarto filho. E nós viemos de Conceição do Almeida aqui para Salvador. Eu tinha exatamente oito anos.
00:01:06
R- E foi uma viagem, apesar de ser 162 quilômetros, nós fizemos essa viagem em 15 horas. Pegamos uma carona num caminhão em Conceição do Almeida, eu me lembro, em cima de uma carga de feijão. Fomos até Santo Antônio Jesus. Santo Antônio Jesus, pegamos o trem de ferro. Fomos até São Roque para Água Sul. Em São Roque para Água Sul, nós pegamos o vapor de cachoeira e saltamos aqui na navegação baiana. Por ironia do destino.
00:01:40
P/1- E qual foi a data? Qual foi a data de nascimento?
00:01:45
R- Minha data de nascimento é 16 de março de 1942. Naquela época, pelo menos lá em Conceição do Almeida, ainda não tinha maternidade, era parteira. Eu nasci em casa, como os meus outros irmãos também.
00:02:05
P/1- Como era o nome do seu pai e o nome da sua mãe?
00:02:10
R- Meu pai era Manoel Borges Jesus e Maria da Conceição Silva.
00:02:18
P/1- Você sabe se eles eram de lá mesmo, lá de Conceição do Almeida?
00:02:25
R- Eles eram de Conceição do Almeida. Ele era de Conceição do Almeida. Papai trabalhava e morava em uma gleba de Doutor Raul. É uma greve de terra que tinha vários rendeiros, e o papai era um desses rendeiros. Minha mãe era empregada doméstica aqui em Salvador. Tanto assim, que ela conheceu o papai viúvo, em uma das férias que ela foi lá para Almeda. E aí conheceu, se juntaram, e aí começou exatamente a prole, dos 20 filhos.
00:03:05
R- As dificuldades eram muitas, porque imagina que o papai saía para trabalhar cinco horas da manhã e voltava cinco horas da tarde. Conceição do Almeida, na época, era uma cidade próspera de respeito à produção de fumo, era uma cidade fumageira. E a sua prosperidade, a sua economia básica era fumo. E a disputa era tão grande que deu, na entrada da cidade, de uma placa ´´ Aqui se produz o melhor fumo do mundo``. Disputava muito com o Arapiraca, lá em Alagoas. E foi que deu, digamos, ela fornecia muito fumo para as grandes indústrias de charuto, em cachoeira, suerdieck e outras fábricas. E minha mãe trabalhava além de...
00:04:06
R- Ela trabalhava na lavoura. O papai também, nas horas vagas, tinha as vagas, trabalhava na lavoura. Mas, ao chegar aqui em Salvador, depois dessa viagem longa, ao chegarmos aqui em Salvador. Nós enfrentamos uma coisa, um problema sério, que foi um problema de comunicação. Minha mãe tinha mandado uma carta para minha tia avisando da nossa chegada. A carta chegou alguns dias depois que nós tínhamos chegado. Quando chegou na navegação baiana, que nós estávamos na expectativa de que a Chica estaria nos esperando, infelizmente não tinha ninguém. Como minha mãe tinha sido empregada doméstica de uma família lá do Carmaro 4, a família do doutor Constantino. O doutor Constantino era um médico conceituado aqui na Bahia.
00:04:53
R- E ela tomou a iniciativa de ir até a casa do doutor Constantino para pedir o abrigo. Apesar de nós termos oito... Na época, eu tinha nove irmãos. Ela me pegou pelo braço e disse, vamos lá, Gagau. Era assim que ela me chamava. E fomos até o Largo do Carmo, e lá a família do Doutor Constantino, que chamava ela de Maria Pequena, recebeu ela com festa e disse que não, pode providenciar, que vale a brincar até você conseguir localizar os seus familiares, que eram aqui no bairro de Palmeiras. Foi, mas, ainda assim, mesmo depois de terem localizado, eles fizeram questão, mas passaram por algum tempo, Alguns diziam lá, lá, lá no Largo Carmero 4 quatro. Essa família era uma família muito generosa.
00:05:51
R- Depois, o filho, o neto, doutor Constantino, foi meu colega de curso de contabilidade, depois se transformou em prefeito da cidade, e nós fomos morar no bairro Pau Miúdo, um bairro que fica a sete, oito quilômetros do centro de Salvador. Naquele momento, eu já me sentia deslumbrado com a cidade. Olhar mais a Bahia de todos os Santos, no Mar, no Forte São Marcelo, para o elevador de São Lacerda, foi algo assim que me emocionou muito. Ali é que parece que nasceu a grande relação centro-histórica com Clarinho Silva.
00:06:33
P/1- Antes de entrar nessa parte maravilhosa que eu já imagino, eu queria que você nos contasse um pouco mais como foram os primeiros anos da sua infância com essa família grande, com esse ambiente rural que você nos contou da produção de fumo lá em Conceição do Almeida. Como que era o dia-a-dia, essa família que vocês eram nove irmãos?
00:07:02
R- O dia-a-dia era muito difícil. Mamãe ia para a roça, meu irmão mais velho também iam. E quando chegou aqui em Salvador, a rotina não foi diferente, não. O papai, inicialmente, foi ser vendedor ambulante na feira do Retiro. Depois saiu, foi trabalhar na Alipurme, foi ser gari. Mas o trabalho era muito puxado e ele adoecia com muita frequência, e se optou por ele seguir outro ramo. Aí foi pra água de menino, foi pra feira de água de meninos, botou uma banquinha, e nessa banquinha nós conseguimos, eu lado a lado com ele, com meus irmãos mais velhos, Inocêncio, que é meu irmão mais velho, ele acompanhava muito a pai, ele, Bartolomeu, e Inocêncio começou a ajudá-lo. E um determinado dia, não sei se não estava muito disposto, minha mãe era uma pessoa assim, não sei nem a dizer que valor, mas uma alma extraordinária, uma figura humana extraordinária, dedicada, determinada.
00:08:19
R- Ela tinha algumas expressões que hoje ainda me emocionam. A dificuldade que nós tínhamos, a pobreza era tão grande, mas ela tinha sempre cuidado dele. Meus filhos podiam até andar arremendados, arremendar roupa, mas não era sujo. Todo mundo tinha que trabalhar. Eu fui trabalhar, Inocêncio foi trabalhar. Depois, meus irmãos mais velhos, os quatro primeiros foram ser empregados domésticos. Inocêncio, Maria, Isabel, Bartolomeu, eram os mais velhos. Mãe vinha para a rua comprar jaca, manga, as frutas da época, para vender, e lavava duas, três roupas de ganho, como se chamava.
00:09:05
R- E naquela época a gente tinha um sofrimento muito grande, porque não tinha sabão em pó, não tinha água sanitária. Ela lavava a roupa com sabão de pedra, aquele sabão azul, sabão massa, e os dedos dela eram verdadeiros feridos. Ela sempre dizia assim, um dia eu quero ter minha quitanda. Eu continuava trabalhando bravamente, papai também trabalhando bravamente, meu irmão trabalhava bravamente. Toda vez que era preparado um tabuleiro pra mim, eu ia fazer a dualidade, estudar e trabalhar, estudar e trabalhar. Eu saia da escola, saia correndo, ia pra casa, às vezes ia botar água de ganho, as casas, não eram todas as casas que tinham água encanada, aí a gente pegava água de chafariz, mexia os túneis, da vizinhança. Quando terminava isso, praticamente ia fazer meu dever de casa e saía para ir vender. Nessas andanças, apesar dos 7, 8 quilômetros de distância, eu me mandava para o centro histórico.
00:10:08
R- Porque lá no Centro Histórico, a condição financeira das pessoas eram maiores, além de pagar os preços melhores, também me davam sapato, me davam a roupa alçada para eu reaproveitar para meus irmãos. E nessas andanças, onde nós estamos hoje, era um bazar de ferro velho, bazar americano, e do lado era uma cantina, eram duas cortinas. E o dono do bazar, Era o Sr. Walter da Costa Pinto e agora o Augusto Reis. O Sr. Walter, que, graças a Deus, hoje está vivo, com 98 anos. E aí ele um dia me perguntou, lá em seu bairro não tem um menino queira ser empregado por mestre não? Eu disse eu.
00:10:56
R- Eu ouvia meus irmãos dizerem que comiam queijo, comiam manteiga, comiam muita carne. Eu também quero. E aí mamãe foi, conversou com ele. E a condição sine quadra da minha mãe era que eu pudesse trabalhar e estudar. Porque eu sempre dizia que queria ser advogado. Desde pequeno que eu falava isso. E aí ela acertou. Eu estudava de manhã, saia correndo do colégio, passava em casa, almoçava, ia andando para a casa de Sovaldo, que era na Baixa de Quinta, pegava a marmita dele e levava lá para o bazar.
00:11:35
R- Ele almoçava, no intervalo do almoço, eu lavava o sanitário, varria a casa, arrumava. E comecei a observar, naquele momento, que a cidade estava passando por um processo de transformação. A comunidade do centro histórico estava saindo para os outros bairros, para a Graça, para a Barra. E bairros novos estavam surgindo, mas também as grandes reformas. Ele comprava portão, comprava grade, comprava torpedo, comprava sepertina. As coisas usadas, nós raspamos e lixávamos. Tinha dois colegas nossos que faziam isso. Ao invés de eu ficar parado, eu também busquei me entrosar nessa questão de bater ferrugem.
00:12:24
R-Mas eu chamava batedor de ferrugem. Aí batia o ferrugem, lixava, pintava e revendia.
00:12:31
P/1- Batedor de quê? Não entendi.
00:12:35
R- Batedor de ferrugem. Raspavam as grades, as coisas que estavam fechadas, lixava e pintavam. E isso eu queria mais. No mesmo momento que eu terminar de fazer isso, eu ia para o maior balcão, ficava auxiliando os balconistas. Então, foi assim que eu fui. Bateria de ferrugem, auxiliar de balcão. Depois saiu o balconista, meu patrão me promoveu para balconista.
00:13:08
R- Eu continuei no balcão e tinha um gerente, que era sobrinho de seu Eduardo, que era meu sócio. Ali, não sei, na despote, algo ali de bom lugar. Ali, ele olhava para mim e dizia... Ele veio do interior, porque naquela época tinha concurso do Banco do Brasil. Passar no concurso do Banco do Brasil era algo estranho, não era como se passasse por um vestibular. Ele veio exatamente para fazer concurso do Banco do Brasil, mas para não ficar em casa sem fazer nada, e como parente de Eduardo, ele ia e ganhava como gerente. Ele volta e meia, ele dizia, Neguinho, às vezes, eu tenho vergonha de você, porque você sabe fazer, sabe mandar, e vai para a linha de frente, e eu não sei fazer patafinas. Reze para eu passar no concurso do Campo Brasil, você é que tem que ser o gerente aqui.
00:14:06
R- Eu rezei e, graças a Deus, ele passou. Eu, na época, já era subgerente. Ele passou do Concurso do Banco Brasil e eu assumi a gerência. Como gerente... Eu fiquei muitos anos. Tanto assim que eu entrei como pregador médico, batedor de ferrugem, auxiliar de balcão, balconista, subgerente, e aí fiz contabilidade. Ao concluir o curso de contabilidade, eu praticamente, como eu ainda não tinha tirado a carteira, mas eu fazia praticamente a escrita da casa. Isso eu já estava com, vamos dizer, 15 anos da empresa, mas com uma dificuldade, com algumas preocupações, porque eu estava querendo casar e o meu pai era muito ranzinza, meus pais eram muito rigorosos, achava que filhos dele, eu podia ser uma mulher, só saía da companhia dele e casava.
00:15:07
R- Eu queria casar. Aí comecei a namorar uma menina aqui.
00:15:10
P/1- Ô, Calá, só um instante. A história é longa, e nós já estamos na adolescência. Mas eu queria voltar um pouco à infância. Qual foi o bairro mesmo que vocês foram morar?
00:15:27
R- Bairro Pau Miúdo.
00:15:30
P/1- Quando vocês chegaram de Conceição do Almeida, passaram uma temporada lá no Largo do Carmo, encontraram os parentes, seu pai começou a trabalhar e depois vocês foram para um bairro. Qual foi esse bairro?
00:15:45
R- O bairro Pau Miúdo mesmo. Ah, no Palmiúvio. Esse bairro ainda...
00:15:53
P/1- O nome da rua, você lembra?
00:15:56
R- Lembro. Nós fomos morar, inicialmente, na Rua Matilda Xavier, número 28. Era no alto do Cruzeiro, no Pau Miúdo. Nessa rua, eu fingi tudo um pouco. Eu botei carreguei água de ganho, trabalhei de engraxate, porque... Dia e domingo, apesar de eu estar no bazar, mas domingo feriado, eu tinha uma banca de engraxate. Engraxate, eu ia buscar os sapatos na casa dos clientes, que tinham os carrinhos de malas. E era muito criativo.
00:16:29
R- Os carrinhos de malas eram pintados, e eu escrevia assim, Engraxataria Clarice Silva. Depois, eu tive a ideia de ampliar o negócio e tinha uma promoção na Baixa dos Sapateiros. Eu digo que a Baixa dos Sapateiros é a veia horta do centro histórico, naquela época muito influente. Eu peguei as duas promoções, eu comprei três sabonetes Regina por 2 reais, eu confesso que não me lembro do valor. E eu comprei esses três sabonetes Regina e os três deu para eu praticamente dobrar o valor. Eu peguei, além de sabedoria e regina, eu comprei uns Eclésios.
00:17:13
R- Depois comprei uns carretéis 30 Coração. E aí fui ampliando e transformei a bancazinha de engraxate em um armarinho. Tanto assim como o carro tinha engraxataria e armarinho Clarindo Silva. Domingo feriado, eu estava à frente. Aí eu fechava. As pessoas começaram a bater na porta para querer comprar. Aí a mamãe vendia, meu irmão, meus irmão, vendia. E, graças a Deus, fui crescendo no Bazar, mas até mesmo depois de ter me formado em contabilidade, eu continuava trabalhando de engraxate, preparando dia de domingo para ajudar a minha família.
00:17:57
R- A situação era extremamente difícil. E aí eu fiz o primário, na época.
00:18:04
P/1- Sabia retomar uma coisa? Você fala muito da parte do trabalho, muita criatividade e prosperidade também, né? Graças a Deus todas as coisas que você criou deram certo e foram crescendo. Mas assim, eu queria que você contasse um pouco sobre como era a rua fora o horário de trabalho, nas horas livres vocês brincavam de quê? Como era o Pau Miúdo naquela época da sua infância? E como era que vocês se divertiam?
00:18:44
R- Eu tive pouca infância. Minha infância foi sempre diversão trabalhosa. Eu fazia araia, pipa, para vender. Eu fazia o tempero da pipa. Eu fazia a rabada da pipa. Então, minhas diversões eram sempre voltadas para o trabalho. Eu vendia furapé, tinha aquele brinquedo, eu fabricava furapé. Eu fazia balão para São João.
00:19:22
R- Eu fazia altar para a Reza de Santo Antônio. Então, eu estava sempre trabalhando. De certa forma, tinha muitas coisas que eram como se fossem diversões. Bota água de ganho. Eu botava a rodilha, fazia a rodilha e, no plano, andava com a lata solta na cabeça e distribuía de atração para as pessoas. As pessoas diziam assim, esse menino tem um equilíbrio, como é que você consegue fazer isso? Então, eu estava sempre inventando, sempre criando, sempre chamando a atenção das pessoas. Era quase que o menino diferenciado do bairro.
00:20:02
R- Eu, talvez, lá no bairro, e poucos que tivessem tido a honra de estudar no Silvio de Vieira, que era um colégio extremamente rigoroso, e era tão rigoroso que eu estudei, conclui ao primário aos cinco anos. Naquela época, concorrer ao primário era fantástico.
00:20:23
P/1- Essa foi a sua primeira escola?
00:20:25
R- Não, eu estudei na escola...
P/1- Qual foi a primeira escola?
R- Minha primeira escola foi... Antônio Eusébio. Aqui em Salvador foi Antônio Eusébio. Em casa, em Conceição do Almeida, minhas primeiras letras eu aprendi com a professora Dininha, lá na Gleba. Ela dava a carta de abc, minhas primeiras letras eu aprendi lá. Mas aqui eu peguei a escola Antônio Eusébio aqui no Cabula, e primeiro até o quinto ano, no primeiro até o terceiro ano.
00:21:01
P/1- Depois eu fui para a escola Leopoldo Reis. E na Leopoldo Reis eu concluí o primário, assim como extrema dificuldade. Extrema dificuldade, porque comprar caderno, comprar livro, hoje o governo fornece, etc., naquela época era difícil. Mas eu fiz o primário e parei, porque o sonho da minha mãe era ter a quitanda, e eu parei para botar a quitanda dela. Trabalhei três anos, Botei a quitanda dela...
00:21:32
P/1- A quitanda era onde?
00:21:34
R- Era do lado da nossa casa. Tinha um cômodozinho. Eu aproveitei esse cômodo e botei a quitanda dela. Aí ela parou de lavar roupa de ganho. Passou a lavar só nossa roupa. E eu voltei a estudar. Estudei na escola na Rua Ruta Barbosa. Extremamente preconceituosa.
00:21:57
R- Tinha 48 alunos, tinha dois afro-descendentes, eu e o Roque. Uma diferença. O Roque era afro-descendente, mas tinha uma condição financeira boa e podia seguir o padrão dos colegas. Caderno em espiral. E eu não conseguia ter caderno à espiral. Enquanto eles tinham toda a pompa, eu fazia anotação de papel de embrulho. Meu patrão me dava papel de embrudo e eu fazia minhas anotações.
00:22:30
R- Quando chegou no meio de outubro, a professora perguntou lá na sala a todo mundo onde ia fazer o exame de missão. Eu raquítico sentava no fundo e ela perguntou, você no fundo, menino, vai fazer aonde? Ele disse, ah, professora, vou fazer Severino Vieira. Ela, onde? Eu disse, no Severino Vieira. Ela batizou. Não, você é muito fraquinho. No Severino Vieira você não passa.
00:22:56
R- Porque você não faz no misséria, Duque de caxias?" E ele foi me sugerindo os colégios que ela considerava mais fracos. Eu tive uma crise de choro, mas senti que aquelas palavras dela, ao invés de me jogar para baixo, me encheu de força, de energia, e eu fiz uma coisa que nunca tinha tido coragem de fazer, que era entrar na biblioteca pública para tomar livro emprestado. Se você chegasse lá em casa, de outubro até o dia do exame de admissão, você me encontraria dentro de casa, com os pés dentro da bacia de água fria, estudando, para dar uma resposta a ela. Me matriculei, meu querido Severino Vieira, com muita honra. No dia do exame, na época, português era eliminatório da bacia. Você entende mais ou menos como era. E era pior do que um vestibular, que hoje você faz vestibular. Minha neta fez três vestibulares no mesmo ano.
00:24:02
R- Passou em dois. Meu neto, Iderine. Então, na época, você podia... Se você perdesse, você tinha que estudar mais um ano para fazer o novo exame de admissão. Daí me preparei, fiz a escrita, achei que tinha feito muito bem. Na oral, tinha duas filas, uma fila enorme e uma fila pequena. Eu perguntei o porquê. Me disseram que essa fila pequena era a fila dessa professora Calamidade.
00:24:35
R- Ou melhor, Calamiteia. Como eu sempre gostei de desafios, eu fui para a fila de Calamidade. Cheguei na fila, estava tremendo, nervoso. Ela estava nervoso? Está tremendo? O que é que você faz na vida? Eu sou empregado doméstico. Você quer ser o quê?
00:24:59
R- Quero ser advogado. Ela advogado preto? Sim senhora, quero ser advogado. Aí tinha uma tal de ontologia em cima da mesa dela. Ela mandou eu abrir a ontologia. Ela lê até o segundo parágrafo. Eu li.
00:25:17
R- Ela lia selecciamente primeiro, por um segmento do texto. Eu analisei. Era o pretérito perfeito, e o outro mesmo que soube ler um texto me chamou de senhor. Aí, conjuguei. Ela vai embora. Eu saí transtornado. Puxa, eu vacilei, porque eu fui para a fila dessa mulher. Ela vai me dar um zero.
00:25:40
R- Na mesma hora, eu pensei... Ela não vai me dar zero, se ela me der dois, eu estou satisfeito, porque eu devo tirar oito na escrita. Cheguei no Bazar, falei com meus patrão. Disseram, cara, isso é moderno. Severino Vieira, é barra, é muito difícil passar mesmo. Você está moderno, no próximo ano você faz de novo. Meu filho fez, antes não, entrou no ginásio na terceira tentativa. Aí eu cheguei em casa e falei com a mamãe.
00:26:12
R- A mamãe me abraçou, chorou comigo. Menino, você está jovem, você é muito inteligente, muito esforçado, para o amor que você faz e passa. Eu pensei duas vezes e disse, tá, mamãe, eu vou continuar estudando. Fui ver o resultado, o resultado da escrita, que na época foi de papel lineógrafo, papel ofício. colar na parede, todo mundo ia de vez. Eu fui à escrita, tirei oito, aí nem tinha esperança. E o resultado da oral parecia um parto de fósseis. O tempo, o tempo, o tempo.
00:27:02
R- Chegou no finalzinho do dia, foi todo mundo ir vendo. Fiquei atrás, com medo de ir para frente. Quando todo mundo olhou, eu cheguei lá. Eu tinha tirado oito na escrita e dez na oral. E entrei meu querido Severino Vieira. Graças a Deus, concluí meu querido Severino Vieira. Minha mamãe, então, ficou com a quitanda dela. Aí fui fazer contabilidade.
00:27:33
R- Sim, fui vestibular para direito. E a matéria que eu mais gosto, eu perdi, que é a história. Caiu a civilização mesopotâmica, mas travou de tal forma que eu não conseguia nada. Eu digo, meu Deus, parece que o que aconteceu no Severino Vieira, que estou desenvoltura, aqui travou, mas o destino quer assim, parou, não faço. E como lá no Bazar eu tinha várias pessoas, escritores, médico da Faculdade de Medicina, Ferreirinha, que era rei monge, marxista, Sérgio Mundo Pereira da Rocha, pessoas de influência da Sociedade Proletária dos Desenvolvidos, de muitos artistas, que me observavam de fora. A maneira é que eu estava, porque no horário do almoço tava sempre estudando. Eu estava sempre estudando, estava sempre na janela estudando. No intervalo eu não perdia tempo, estava sempre na janela estudando, fazendo...
00:28:42
R- Quando eu não tinha nada para fazer, eu estava fazendo cópia. E as pessoas estão sempre observando a gente. E tinha um cara, João Beretta, que era repórter da tarde, ele é repórter fotográfico. E dizia, rapaz, você daria um bom jornalista, porque você lê muito, escreve muito. Diz que quer fazer direito, por que você não faz jornalismo? Eu digo, não, rapaz, eu quero fazer direito. Eu já fiz vestibular, vou fazer paróquia. Quando ele me falou isso, me inspirou a fazer um curso de jornalismo.
00:29:15
R- Quando eu saí, eu estava fazendo o curso, ele falou, olha, eu vou lhe levar para lhe apresentar o doutor Jorge Calmon, que era o redator-chefe do jornal. E você, que vai ser um grande... Que jornal?
00:29:30
P/1- Jorge Calmon era diretor de que jornal?
00:29:32
R- Jornal da Tarde. Jornal da Tarde, que era o jornal de nosso coração. Ele disse assim, se prepare que eu vou levar você. E me levou. Eu me lembro que falou assim, o Dr. Jorge olhou para mim, está preparado para trabalhar? Estou. Ele me encaminhou a Otacílio Fonseca, que era o chefe de redação.
00:30:00
R- Disse para o Otacílio, faça um texto para esse menino. Eu quero botar ele como repórter policial. O Otacílio me deu um texto, datilografei, ele me olhou e disse, você já trabalho com jornal? não, vou começar agora. Agora eu expliquei, eu digo que agora tem um problema. Eu tenho um trabalho, eu trabalho no Bazar Americano. Hoje eu sou gerente de lá e preciso de alguma coisa para complementar a minha renda, porque eu estou querendo casar. Não ganho mal no Bazar, mas ganho pouco para poder ser um homem de família, ser casado.
00:30:51
R- Eu disse, olha, eu vou lhe dar. Eu sei que você vai ser repórter policial. Você vai cobrir a delegacia do curso de roubo da Piedade, a delegacia de jogos e costumes na Rua da Misericórdia, e vai cobrir o instituto médico legal NIna Rodrigues. Eu voltei a botar os céus, porque estava tudo perto da gente, do bazar. Aí topei. No horário do almoço...
00:31:19
P/1- Quantos anos você tinha nessa época?
00:31:23
R- Eu tinha vinte... Eu tinha vinte e dois anos, mais ou menos. Eu me casei com... É vinte e dois anos. Aí, comecei a... No horário do almoço, eu ia no instituto médico legal . Fiz amizade, já tinha amizade com os mesmos ali. Qualquer notícia chegava, ele pegava o livro de ocorrência, eu olhava e anotava.
00:31:47
R- Quando dava cinco, seis horas, antes de encerrar as coisas do Bazar, eu corria e ia na *Jaume Costumes, que era perto. Quando fechava o Bazar, eu saía correndo, ia lá para a piedade, para a Loira de Fusto e Rua. Pegava as matérias e voltava para o Jornal da Tarde, que era na Praça Castro Alves. E lá eu fazia as minhas matérias e entregava. E foi um momento de muito aprendizado para mim. Eu acho que um grande jornalista tem que passar por essa questão de ser repórter policial. Ali há um verdadeiro ensinamento. Primeiro, você lida com dois lados antagônicos.
00:32:32
R- Você lida com o marginal e lida com a autoridade. E aí você, às vezes, lida com o marginal que não tem eles chegam ali e dizem, rapaz, eu estou roubando, eu pratiquei um delito por necessidade, pelo menos para roubar o alimento. E você, como repórter, fica na dúvida de se dá a matéria ou não dá. Eu, por exemplo, resistia muito em dar matéria com foto da vida das pessoas, que era o grande estímulo para votar. É primário, eu não dou foto. Se o cara é primário, por favor, me permita, eu não quero fazer foto. Depois, saí da tarde, fui para o Jornal Bahia com um salário melhor.
00:33:32
R- Depois, eu fui para a tribuna. Esse DNA, em 69, eu caso. Caso, em 70, nasce meu filho mais velho. Quando o menino nasceu, isso daqui a dois anos, eu tive que botar esse menino no colégio. Como é que eu vou ganhando mal? Como é que eu vou educar esse menino? Ele ganhava R$ 180 por mês no Bazar, pagava em aluguel. Ganhava R$ 150 no jornal, ganhava pra voltar as despesas.
00:34:01
R- Aí, eu ia pedir as contas no jornal e no Bazar. Na época, não tinha fundo de garantia, não tinha seguro-desemprego, não tinha essas conquistas trabalhistas que nós temos hoje. Era estabilidade. Você trabalhava 10 anos, você recebia 20. Eu tinha 17, receberia 34. Como fui eu que pedi as contas, ele não me deu nada. E eu, voltando um pouco à minha infância, como eu tinha a taliba, o espírito empresarial, o espírito de negociador, porque me lembro... Olhei um pouco da minha infância.
00:34:50
R- Enquanto o papai estava com a barraca, eu levava a comida dele, porque eu disse que a mamãe era muito zelosa. Religiosamente, o primeiro caldo da panela era dele. Ela separava, eu levava para ele, Entre uma e quatro horas, que era o horário que eu voltava para cá para levar o pão, ele... Eu ia para Coroa, onde estava os Capitães de Areia. Só que Deus, o Divino Espírito Santo, ao invés de me encaminhar para o lado perituoso, me levava para olhar o lado econômico. Naquela época, não tinha... as pessoas não tinham, digamos assim, a visão de preservação da natureza. Tudo que não prestava se jogava na maré, só vai com a mercadoria apodrecida jogava na maré, manga, cebola, tomate, pimentão.
00:35:55
R- Eu me lembro que pegava um bocapio, enchia de cebola, O papai despejava no cestinho, ia descascando, descascando, ficava aquele miolo. Eu ia para lá dentro, fazia os montes. Às vezes, levava lá para o bairro e vendia no bairro. Então, eu estava sendo consumido pelo empreendedorismo.
00:36:17
P/1- Sim. vou fala, e o dinheiro que você ganhava, gastava como?
00:36:25
R- Olha, eu sempre... Eu sempre acreditei na família, na parceria, na solidariedade, porque o primeiro colchão de mola... Desculpe. O primeiro colchão que me doaram os meus pais foi o meu colchão de capim. E eu não entendia, não conseguia, não me fazia bem esse desconforto do repouso, do descanso. Por isso, o dia que eu puder, eu vou comprar o colchão de mola. Foi o primeiro colchão que eu comprei, juntei. A primeira luz elétrica que nós tínhamos em nossa casa foi eu que contratei, porque na rua nem todas as casas tinham luz elétrica.
00:37:33
R- E tinha um senhor, São Miguel, digamos, das 20 casas que tinha, só duas casas tinham luz elétrica. E ele fornecia para todo mundo da rua uma lâmpada na cumeira da casa. Tanto assim que, apesar de ter essa lâmpada, eu estudava à luz de vela, porque papai , eu estava com a luz acesa uma hora da manhã, meia-noite e disse assim, homem, apaga essa luz, você vai acordar mais tarde? Cinco horas da manhã eu estou de pé. De fato, era isso. Minha renda, o que eu ganhava, era para investir na família. Lógico que em determinado momento, quando comecei a ter meus 16, 17 anos, comecei a namorar, andar arrumadinho, aí eu também dividia. Eu comprava meu sapato no Cabrasi, comprava minha roupinha, coisa que eu andava com um sapato verdureiro, um sandálio verdureiro, diferenciava os meus companheiros, porque o meu sandálio verdureiro, meu pescado verdureiro, eu pintava de preto, sem algum produto, não sei se ainda existe hoje, fenomenal, preto, marrom.
00:38:48
R- Eu pintava quando eu queria, eu só tinha uma, mas, quando eu queria usar marrom, eu pintava de marrom. Quando eu queria pintar de preto, usava preto, pintava de preto. Então, eu investi muito na família. Tanto assim que, quando eu saí do bazar e peguei as contas, eu praticamente não tinha dinheiro, porque eu estava para pagar o aluguel. Não queria atrasar o aluguel. Peguei as contas e andei alguns dias, passo a vida... onde eu trabalhava, o Bazar, fui lá tomar benção, hoje ainda eu tomo benção, ele com 98, eu com 88, ele com 98. Eu vou na casa dele e, quando eu apareço na televisão, ele faz uma festa, chama os filhos, olha, ali é o meu filho, eu criei.
00:39:36
R- Eu tenho o maior carinho, o maior respeito por ele, até porque boa parte da minha formação eu acho que tem uma pessoa com 20, uns 12, uns 29 anos. Quando eu tinha sete anos, eu aprendi muita coisa com ele. E aí, na realidade, eu pensei muito, muito, muito, muito, eu pensava muito na família. Muito, porque, quando eu arrendei a cantina, quem é nato? Passei no bazar, tomei bença, passei na cantina, lembrava que não era nato, eu já estava trabalhando. Pensei, não, se não é nato, estou buscando alguma coisa para fazer. porque eu estou com um menino praticamente recém-nascido e preciso dar qualidade de vida para ele, especialmente quando ele começar a estudar. Ele disse assim, não quer vir trabalhar comigo, não?
00:40:33
R- Eu disse, não, senhor. Ele disse, quanto você ganha no bazar? Não, no bazar eu ganhava mal, ganhava 180 reais. E no jornal? Eu disse, eu ganhava 240. Ele disse, eu dou 600, você entra aqui. Eu vou dizer uma coisa para o senhor. A carta que eu fiz para o Sr.
00:40:53
R- Walton, eu disse a ele que eu podia voltar a vender laranja ou cebola na feira do Sr. Joaquim, mas que eu não queria ser mais empregado por ninguém. Hoje eu quero trabalhar para mim. Ele me olhou assim, disse, você não quer arrendar a cantina não? O que é arrendar? O que é isso? Isso é pagar todas as despesas da casa, pagar folha de pagamento, os impostos e me dar X por mês. Isso é o nosso...
00:41:28
R- A primeira coisa que eu sou é que eu não quero ser empregado, porque eu tenho meus irmãos, tem um que tem 4 ou 5 anos que trabalha em uma empresa, trabalha feito com o animal, nem carteiro, nada, não tem. Tem outro que trabalha na fábrica de calçados, nunca teve carteira assinada. Eu queria ajudar um pouco com a minha família, queria trazer meus irmãos aqui pra dentro. Mas queria fazer uma pergunta sua. Quanto é o valor do arrendamento? Ele falou do arrendamento. Eu achei isso muito alto. O senhor me permite, quanto é que o senhor vende aqui por dia?
00:42:13
R- Ele era organizadíssimo, pegou a cadernetinha,olhou…olhou. Pô esse cara só com bebida consegue esse movimento, ele trabalhava com cervejas e infusões. Era mastruz, era gengibre, era milone, cidreira... Infusão como?
00:42:36
P/1- Na cachaça?
00:42:38
R- Tudo essas coisas na cachaça. E aí, Tinha até cobra coral na cachaça. E aí eu olhei e disse que esse cara não vende, não vende, tira o gosto, só vende bebida e consegue fazer esse movimento. Aí perguntei o valor, ele deu o valor e disse que só ia dar para fazer. Cheguei em casa e falei com a minha boneca e ela olhou assim, disse, você é maluco? Nós estamos passando fome aqui? digo não? Alguma dificuldade? Lógico.
00:43:12
R- Um cabecinho aí. Nós precisamos cuidar desse menino, minha filha. Nosso plano não é ter os quatro filhos. Então, temos que nos separar para educarmos esses quatro filhos. Eu me casei pensando em ter quatro filhos. Dois homens e duas mulheres. Meu sonho era o mais velho ser homem e vir homem. A segunda mulher e vir uma mulher.
00:43:33
R- O terceiro homem e vir um homem. A quarta mulher e vir uma mulher. E aí, nós encerramos nossa indústria. E aí eu digo, olha, eu estou disposto a fazer isso. Vou começar com o papai. Cheguei lá, o papai foi muito mais radical. Seu homem, você não bebe, você não fuma. Eu não acredito em homem que anda com copo na mão e que dorme sereno.
00:44:02
R- Você está esquecendo das noites que você passou com os pés dentro da bacia estudando para ser gente,vai passar de um balcão de cachaça, espere mais um pouco, tenha paciência. Está passando fome? eu digo não? Mas eu quero trabalhar, preciso pensar em meu futuro. Aí ele parou. Eu disse que tinha feito o orçamento, um fogãozinho, vocês devem ter conhecido aquele, tinha carburadores, fogãozinho Astoria, uns pratos, uns talheres. E aí, orçamento 147 cruzeiros, ele... Eu disse, vem aqui, papai, eu vim aqui tomar o dinheiro emprestado. Quem é que disse ao senhor que eu tenho dinheiro?
00:45:00
R- Eu disse, ninguém me disse não, papai, mas a precisão faz o pidão. Como é que é? Ele disse, não, eu disse, mas o senhor quer ter o filho de ladrão, não é? É melhor ter um filho pidão. Quanto é que é? 150 cruzeiros. Ele foi lá dentro, com uma meiazinha, aí chegou. Está aqui.
00:45:26
R- Que dia é hoje? Terça-feira. Você precisa me devolver esse dinheiro sábado. Porque ele era feirante, e os fornecedores dele entregaram a mercadoria no sábado. Aí, no outro sábado ele trazia as mercadorias, ele pagava o que eu pegava anteriormente. Eu disse eu quero. Aí, fui na linha de frente, peguei uma cartolina e botei. Não beba sem se alimentar.
00:45:54
R-Meu tira gosto, era pé de galinha, temperado, bolhinho, gostoso. Minha mãe era uma exímia cozinheira, cheirava. Aí os ovos coloridos com ki suco, com casca de cebola. Foi um sucesso. E eu fui buscando trabalhar, acabar com o tal do jogo dominó, que eram quatro jogando em 12, 15, fazendo zoada. Quando eu perdi, às vezes, pegava a pele do dominó, escondia, jogava fora. Eu tinha que ter três, quatro dominós para poder não parar a rotatividade. E tinha um amigo, que era meu cliente do Bazar.
00:46:38
R- O Sr Pascoal Romano. Ele tinha uma loja de calçada ao lado da Serra Calçada. Nesse ponto, ele tinha uma loja de bom lugar. O Pascual foi assim, eu diria que foi um farol em minha vida. Ele era meu cliente do Bazar. Eu digo sempre aos meus filhos, digo às pessoas, é muito importante você plantar, porque quando você planta, você colhe. E é bom plantar, plantar sementes selecionadas, porque você, quando planta uma semente selecionada, você tem a certeza que essa semente vai dar árvore frondosa, flores perfumadas e frutas saborosas. O Pastor Armando foi uma dessas pessoas.
00:47:26
R- Eu me lembro, ele passou a frequentar a cantina e me dizia, Clarindo, ´´eu gosto muito de vir aqui, mas estar nesse dominó me incomoda muito". Acabe com isso. Disse Pascoal é o maior movimento da cantina, é o dominó, apesar de todas as zoadas. Ele diz, não, você tem capacidade de gerir isso de outra maneira. Aí eu fui tirar o dominó do dia, deixei só da noite, depois tirei da noite, voltei só nos domingos e feriados, em um determinado dia, me bateu a inspiração, começou a lançar uma feijoada e tirar esse dominó. A mesa do dominó eu peguei, me lembro quanto fosse, peguei um jarro com o sorriso de Maria, botei na mesa, botei uma toalha e lancei a feijoada. Feijoada econômica.
00:48:23
R- Comprei uns pratinhos de nagé, fiz essa feijoada, foi um sucesso. O Pascoal ficou feliz, começou a trazer os funcionários dele para almoçar na Cantina. Essa feijoada foi um sucesso absurdo, ganhou dois anos consecutivos. É o prêmio da melhor feijoada da Bahia pela revista Amiga.
00:48:51
P/1- Queria saber uma coisa. Nessa época, você continuou trabalhando nos jornais? e, ao mesmo tempo, mantendo a cantina, tudo junto ou não?
00:49:06
R- Não. Quando eu pedi as contas... Antes de arrendar a cantina, eu pedi as contas do jornal e do bazar. Eu pedi as contas do jornal e do bazar e fiquei desempregado. E aí fui em busca de emprego quando o Renato me chamou para... Me chamou pra ser funcionário dele, para ser empregado dele. E eu recusei, expliquei que eu não queria ser mais empregado de ninguém. E aí fui levando meus irmãos.
00:49:38
R- Eu levei... Trouxe Robson, levei Robson. Depois levei Tony, levei Dario, levei Edmundo, levei Biba. E graças a Deus, todos eles hoje têm dois que estão em outro plano, mas que estão na terra também. Levei Marisa, minha irmã da casula, que se aposentou lá. Trabalhou 20 anos comigo e se aposentou. E apoiei a família. E a cantina se transformou no Point da Boemia.
00:50:18
R- Era o momento que o centro histórico estava entrando no processo de degradação. E eu aliei o comércio à necessidade de restauração do centro histórico, porque todos nós sabemos que, até a década de 1940, o Pelourinho era o grande centro político, social, econômico e financeiro. A partir da Segunda Guerra Mundial, as ditas famílias tradicionais começaram a sair dali para o Corredor da Vitória, para a Graça, para a Parra, e a sociedade virou as costas para o Pelourinho . Diziam que o Pelorinho só tinha prostituição e marginalidade. Eu estava ali há 27 anos, sabia que tinha prostituição, sabia que tinha marginalidade, mas houve um empobrecimento da àrea. Prédios que eram habitados por uma só família passaram a ser habitados por até 38 famílias, o que significa dizer que houve uma favelização. E eu não consigo, enquanto conseguia, não consigo aliar pobreza à marginalidade.
00:51:21
R- Minha ótica tem que ser pobre, eu diria até que é um estado de espírito, porque você nasceu naquele momento. No meu caso, eu não nasci em berço de ouro, eu nasci em Ontarimba, que é lá em Conceição de Almeida. Nós não tínhamos, nos primeiros dias da minha família, era Tarimba mesmo, era feito de madeira, pau-a-pique, como se chamava. Mas eu sempre olhei a possibilidade do desenvolvimento, e o desenvolvimento através do trabalho, através da criatividade, através da imaginação fértil. E aí eu assumi a defesa da revitalização. Nós reunimos várias entidades e criamos uma entidade chamada RevSemana. Busquei a Sociedade Protetora dos Desvalidos, que é uma entidade que é quase um centenário. Agora, em setembro, ela está fazendo 190 anos.
00:52:21
R- busquei pelo Instituto dos Artistas, que é uma entidade que tem mais de 150 anos, busquei a pastoral da Mulher Marginalizada, que estava lá dentro do Centro Histórico, mas que as pessoas não admitiam que elas estivessem. E a gente foi lá, apoiou e mostrou que éramos pessoas que muitas delas estavam ali para sustentar a família. Procuramos profissionalizá-las e criamos a Revicentro. A Revicentro é a Pastoral Mariana do Rio Grande do Norte, Sociedade Brasileira do Rio Grande do Norte, mantivemos artistas, Congregação Mariana, Arquidiocese e outras entidades. Essa entidade, de 1971 até 1979, mostrou de uma maneira muito forte para a sociedade baiana que era importante se investir naquele lugar, que eu vou dizer que é o coração dessa nação, chamada Brail .
00:53:22
P/1- Agora, turístico e cultural, como é que era esse cenário cultural? Quando você fala que o Pelourinho, onde está a Cantina da Lua, era o coração do país nessa época. Coração como, assim? Em que sentido? O turismo, a cultura.
00:53:47
R- Olha, eu não dizia, eu não diria, não dizia que era, não. Eu continuo achando que... Por quê? É o maior patrimônio arquitetônico da América Latina. Patrimônio da humanidade. E em uma cidade onde o grande... Eu acho que o turismo, o nosso centro histórico, é o grande... É a grande indústria.
00:54:08
R- É uma indústria diferente de outras tantas. É uma indústria diferente da indústria de cabaçaria. Porque ela não polui. Eu não conheço. Então, o que faltou naquele momento foi alguém que tivesse a visão da preservação. Porque a Rémi Centro, a proposta é exatamente chamar a atenção da sociedade, das autoridades para encontrar aquele lugar. Tanto assim, quando foi em 79, começou a ter intervenções políticas, imagina, teve um vereador que se candidatou a presidente da Rémi Centro. Quer dizer, queria aproveitar aquilo politicamente.
00:54:47
R- Como aquilo me incomodava, eu me afastei, que é o meu afastamento durante três ou quatro anos. Eu estava fora da entidade, mas estava trabalhando paralelamente com uma visão maior e mais ampla do que nós poderíamos fazer com essa história. Tanto assim que, em 83, a gente reúne ali no primeiro andar da cantina boêmios, intelectuais e alguns militeiros anônimos e cria o projeto cultural Cantina da Lua, com a perspectiva de lutarmos pela revitalização e pela preservação da nossa memória cultural. Em 83, a gente consegue, cria, que é o que dá origem à Festa da Benção. A Festa da Benção, na minha ótica, foi o principal processo alavancador da revitalização. De 83 a 91...
00:56:13
P/1- Como era essa festa?
00:55:39
R- De 83 a 91...
00:56:15
P/1- Pode explicar como era essa festa?
R- Como era a festa? Olha... A presença da comunidade, da cidade, dos bairros periféricos, na Igreja São Francisco, dia de terça-feira, era muito forte. Houve algumas mexidas na questão geográfica e social do centro. Inclusive, saiu o terminal de ônibus da Praça da Sé. Houve uma série de esvaziamentos.
00:56:19
R- Esse esvaziamento influenciou exatamente na degradação do lugar. Você imagina que, até a década de 1940, o Pelourinho era o Centro Histórico, era o grande centro da cidade, onde a elite fervilhava. A rua Chile, dia de segunda-feira, as dondocas iam para lá, e as propriedades estavam de segunda-feira. Depois da Segunda Guerra Mundial, as famílias tradicionais foram procurando a vitória, para a graça, para a barra, e ficou o esvaziamento. Então, já na década de 70, nós assistimos o mais perverso processo de esvaziamento. Saiu a Faculdade de Medicina, saiu o Instituto Médico Legal, saiu a Sede do INCRA, saiu a Academia de Itabaiá, fecharam o Cine Santo Antônio, fecharam o Cine Popular, desativaram o Palmpinado Pilar, desativaram o Churrero do Taboão, ouvem o incêndio, desfiaram de artes e ofícios, tiraram a administração do Estado, tiraram a administração do município, e a sociedade começou a dizer, só tem prostituição e maioridade. E aí, em 83, quando a gente cria a Festa da Benção, a Festa da Bênção é exatamente um chamado para a sociedade baiana. Aquelas pessoas que iam em multidão para a Igreja de São Francisco para receber a água benta tinham se afastado.
00:57:52
R- Nós buscamos esse atrativo. As pessoas saíam da bênção, os poucos que estavam saindo da bênção, passavam no terreiro, eu estava lá com música, com os grandes nomes, Batatinha, Guimarães Gentil, Edil Pacheco, Riachão, Tião Motorista, Claudete Macedo, Miriam Tereza, Túnia Luna, aí vem Valmir Lima, Nelson Rufino, os grandes nomes da música, e que é, e que depois nós ampliamos, levamos Valdir Soniano, Valdir Soniano foi um... uma figura marcante. Imagina, nós nos tornamos tão amigos que eu sou padrinho do último casamento dele e sou padrinho da filha caçula. Aí vem Betty Mendes, vem Fernando Coelho, vem Pinduca lá de Belém do Pará, porque eu comecei a fazer intercâmbio com esses artistas. O Valdito Soriano, eu conseguia dois shows dele fora da cantina, ele fazia o nosso fora da cantina de graça. Pinduca, Martinho da Vila, Pinduca fez músicas para a cantina. Eu me lembro de uma música assim:
00:58:52
R- ´´Cantina da lua nova, eu quero apresentar. Clarindo prepara o ambiente, convida essa gente. Eu vou pra lá, é pra lá, é pra cá. Carnival não parar``, vem reação. ´´Vamos, gente, pra cantina da lua. Toma cuidado, turista, não fique na pista, não fique na rua. Nesse canto se fala em clarindo, todo mundo rindo, é o que se vê lá. Até parece que se está no céu``.
00:59:16
R- São várias canções. Hoje nós temos quase 20 canções.
00: 59:47
P/1- Que Legal.
00: 59:50
R- E aí, quando nós criamos a Festa da Bênção, de 83 a 91, nós fizemos 800 shows, trouxemos quatro ministros de cultura. Fizemos uma festa na ação entregando nossas meias lá dentro da cantina. Tivemos a ousadia de entregarmos ao Papa a carta do projeto cultural Cantina Lua. Primeira viagem, tivemos um bocado de empurrão na porta da cantina, não consegui entregar. Como eu sou determinado, pensei na audiência no Vaticano, quando ele voltou ao Brasil e nos recebeu na catedral.
00:59:56
R- Na carta, nós falávamos do abandono da igreja barroquinha, onde o padre Antônio de Oliveira fez grandes pregações, falávamos da Catedral Basílica, que estava realmente muito degradada, falávamos da Faculdade de Medicina, onde nós chamávamos o Papa para fazer parte de uma junta médica, porque a Faculdade de Medicina estava com as vísceras expostas e precisava de uma junta médica, e queríamos que ele fizesse parte dessa junta médica. E, graças a Deus, ele respondeu a carta dizendo que ele ia orar. E, naquele momento também, nós denunciamos uma das coisas mais perversas que estavam acontecendo na minha cidade, que era a laqueadura das nossas jovens afrodescendentes de 22, 23, 24 anos estavam sendo laqueadas, denunciamos isso ao Papa também. Então, nesse inteirinho, a gente convida o Olodum, que ensaiava na ladeira do Ferrão, no fundo do Teatro Miguel Santana, para fazer parte dessa luta, e o Olodum nos atendeu assim, foram parceiros de primeira hora, Convidamos os filhos de Gandhi, que reunia duas, três, quatro mil pessoas no carnaval, mas durante o ano era zero, parecia que o período não existia. Chamei o Sr. Djalma Passos, que era o presidente, parceiro dedicado para a sua causa de primeira. Criou a Seresta Gandhi, no dia de terça-feira.
01:01:33
R- Aí vieram parceiros como Jorge Amado, Beth Mendes, esses grandes artistas. E, graças a Deus, aí vem uma coisa que me lembra. Em 1985, a gente consegue a primeira grande vitória, que é o tombamento do senso histórico como patrimônio da humanidade. Foram noites e mais noites indormidas, reuniões e mais reuniões, debates e mais debates. Até que apareceu, infelizmente não me lembro o nome dele, que apareceu um francês aqui. Parece que ele que teve a cor de fazer a cabeça de alguns companheiros nossos para mostrar a potência desse lugar. Quando eu digo que, eu ouso dizer que o Pelourinho é o coração dessa Nação chamada Brasil, eu bato na tecla, que eu digo isso às nossas autoridadse. Nenhum coração funciona se as artérias não estiverem oxigenadas.
01:02:33
R- Quando eu falo das artérias do Pelourinho, eu estou falando da cadeia do Taboão, da cadeia do Caminho Novo, da cadeia da montanha, da cadeia da praça, da cadeia da saúde, da cadeia da poeira. da Ladeira do Ferrão, estou falando da Ladeira do Pax, mas estou falando da Ladeira da Preguiça, cantada por Elis Regina e por Gilberto Gil, mas, sobretudo, da minha Baixa dos Sapateiros, que é a Veia Horta do Peruíbe, e que, nesse momento, também está sangrando. Eu não consigo entender um lugar como a Baixa dos Sapateiros, mais de cento e tantas lojas fechadas. Você vê duas lojas abertas e oito fechadas. Acho que a base sapateira é ver a orca. E tem um detalhe, nós temos buscado enxergar o Pelourinho, o Centro Histórico. Eu falo Pelourinho porque é o miolo. Lógico que o Centro Histórico se estende até o Campo Grande e vai até Ala Meninos.
01:03:44
R- Fui administrador da Regional Centro, um prefeito regional. Eram 36 bairros, 74 núcleos, uma população de cento e poucas mil pessoas. E também fui também assessor no Instituto do Patrimônio da Artes Cultural, em dois governos, o governo do Dr. Mauro de Pires, que renunciou nos primeiros dois anos para ser candidato a vice-presidente na chapa do Dr. Luiz, e Dimido Coelho. E pude colocar em prática alguns projetos nossos, projetos sociais. Trabalhei com... Nós chegamos a 1985, nós tivemos o tombamento do Centro Histórico.
01:04:27
R- Em 1986, eu tive a sensação de que eu estava vivendo na Armadiléu, 19 incêndios aconteceram na área. Incêndios que eu jamais poderia estimular que eram criminosos, mas pude perceber que assim. Ou era porque os meninos ganhavam 50 cruzeiros e havia gasolina e tocava fogo nos prédio. Que era a melhor maneira que os proprietários tinham de fazer um despejo coletivo, porque não conseguiam. Depois que eles abandonaram, que as pessoas vieram, que ocuparam... Invadiram, como diziam. Aqueles que estavam ali dentro, iniciaram o nosso respeito para ser tratado da maneira que eu busquei tratar. Eu busquei um projeto de residência para os familiares.
01:05:12
R- Nós restauramos os prédios, botamos pequenos apartamentos de um e dois quartos e botamos essas pessoas para morar. Tivemos um processo de relocamento. Infelizmente, tivemos uma falha gravíssima que foi pegar, dar chave, assinar o contrato, apagar um aluguel desse tamaninho, mas não tratamos daquilo que nós tratamos do Criança Arte, que foi educação patrimonial. Quando esses meninos começaram a tocar fogo, eu disse, meu Deus, não podemos deixar essas crianças fazerem isso. Aí criamos o projeto chamado Criança Arte. Todo sábado, se chegassem para a cantina, nós chegamos a trabalhar com 192 crianças da comunidade, era trabalhar com guache, com naquilo, com argila, mas o foco principal era a educação patrimonial.
01:06:01
R- Nós pegávamos eles, depois de fazer esse trabalho de guache, naquilo, com argila, a gente saía e dizia, olha... Aí levávamos em um prédio aquele, digamos, da Faculdade de Medicina de , andávamos tudo. Tá vendo isso aqui foi construído pelos seus antepassados, pelos seus bisavós, pelos seus tataravós, que vieram do continente africano, que não pediram para vir, que lá na África, antes de entrar no navio, passaram pela água do esquecimento para esquecer a sua origem. Víamos famílias inteiras, às vezes no navio, todo mundo feliz por conta de que ia para um mundo melhor. Chegava aqui, eles pegavam a família e mandavam uma parte para o Rio, outra para São Paulo, outra para Recife, outra para o interior da Bahia, para os canaviais. E nós precisamos preservar isso aqui para gerações futuras. Depois, fiz uma parceria com a prefeitura, que era em Tulsa na época, empresa de turismo, criamos aqueles meninos que estavam mais preparados, foram seguir as mirins. Hoje tem meninos aí, jovens aí, que passaram pelo projeto, que estão realmente na situação...
01:07:21
R- muitos foram para baixo da terra porque tiraram pelos caminhos errados. Mas os que tiraram pelo caminho certo, inclusive, me ajudaram a serem monitores e, realmente, crescendo na vida. Então, eu acho que o Pelourinho, o Centro Histórico, ele precisava ter seu lugar. Em qualquer parte do mundo que você chega e fala do Pelourinho, as pessoas se emocionam. Eu me lembro, nós ganhamos um prêmio lá em Madrid, melhor caipirinha, melhor caipirosca do Brasil.
01:08:00
P/1- Caipirosca?
01:08:03
R- Hein?
01:08:04
P/1- Caipirosca?
01:08:06
R- Melhor caipirinha, melhor caipirosca do Brasil. Eu fui lá receber esse prêmio, cada galarguado tinha 13 minutos para falar. Quando eu falo do Pelourinho, eu me emociono, não tem como eu não me emocionar daquele lugar. Eu estava falando na 14, aí é o sinal. Eu pedi desculpas, e o cara estava sendo um intérprete, e eu estava me bolando. Ele disse, está tendo desculpa de quê? Eu estou aqui todo arrepiado. Eu já viajei o mundo todo.
01:08:45
R-Eu quero que você continue falando, porque o que se conhece do Brasil aqui, certamente, é carnaval e futebol. E o senhor está falando de história, está falando de lugar. Eu já viajei o mundo todo. Parei de viajar. Se um dia eu voltar a viajar, eu quero voltar para o Brasil. Brasil, não. Eu quero voltar para o Pelourinho, mesmo. Foi o único lugar que eu me encontrei como gente.
01:09:13
R- E, de todo mundo que está aqui, eu sou o mais privilegiado, porque eu tomei uma caipirinha, numa birosca, que fica numa esquina da Casa Rosa, que é a Faculdade de Medicina. Eu falei mais quatro minutos, menino. Falei 18 minutos. E, quando ele falou isso, os 122 países que estavam no Centro de Conversões Meliá-Castilla, Levantou e aplaudiu efusivamente o Pelourinho. Aqui, em Salvador, eu estou em uma esquina e o cara... Ô, seu Clarindo, tudo bem? Como é que está a violência no Pelourinho? Eu digo, violência?
01:09:47
R-Façam diferente. Como é que um lugar que tem um batalhão inteiro de segurança, tem uma delegacia de proteção ao turismo, tem 12 câmeras monitorando a área, tem... É o único bairro que tem policiamento no chão 24 horas. Então, eu não posso compartilhar ou compactua com o que você está me dizendo. Então, eu acho que o bairro não precisa se apropriar daquele lugar. Eu tenho colocado isso de uma maneira muito forte. Até porque nós temos o privilégio de termos eternamente os dois maiores embaixadores do Brasil de todos os tempos. Embaixadores são diferentes daqueles que vão para lá passar um ano, dois anos, mamar nas tetas da sociedade.
01:10:37
R- Diferentes. Que é o Olodum, que foi em quase todos os continentes, levando a nossa cultura, nossa arte, através do Valle dos Tambores, e já chamaram que através da literatura, não só agradeceu a Bahia, mas agradeceu o Brasil. E eles são eternos. Qualquer lugar que eu chego, França, Portugal... Estava lá, Estados Unidos, eu me lembro. Fui fazer umas palestras lá nos Estados Unidos. Através do meu amigo Raul Macedo, que é um músico baiano.
01:11:11
R- Ele veio lá fazer umas palestras sobre... Era título da palestra ´´Pelourinho , ontem, hoje e amanhã``. Quando eu cheguei na Transáfrica... Meu Deus! Deu até ciúme no meu boneco, eu tomei um biscoito. Clarindo Silva! Esse é o cantor mais famoso do Brasil!
01:11:30
R- Não acredito!
01:11:39
R- Fez uma festa. O Calá...
01:12:07
P/1- É uma história longa, muito bonita, enfim, muitas coisas. Eu queria saber um pouco como nasce o Clarindo Silva escritor. Eu sei que você já tem alguns livros publicados. Em que fase você começa a escrever? Como foi o nascimento do escritor e essas publicações que você já coleciona na sua vida?
01:12:18
R- Olha, eu sempre fui meio romântico quando escrevia. Muitos poemas. Muitos poemas. Escrevi assim, escrevi em tudo. Escrevi em papel pautado, escrevi em papelão, que é até o que dá origem hoje. E eu publiquei alguns poemas nossos, saí na Coletâneas. Mas livro mesmo, propriamente dito, eu escrevi Memórias da Cantina da Lua. Esse livro...
01:12:51
R- Inicialmente, tem um cliente da cantina, Renato Santos – Renato Santos é o fundador da Cantina –, Gilmar de Carvalho, jornalista, escritor, poeta. Ele escreveu esse livro, tem quase 12 páginas. Ele escreveu isso na década de 70. Mas são muitas histórias. Eu digo que preciso contar um pouco a história da Cantina. Além da Benção, além do... Nós temos hoje 77 lançamentos de livros na Cretina. Nós editamos dois livros.
01:13:28
R- A Mulher de Aleduma, de Aline de França, e editamos O Pássaro Azul, Manhã Celeste, de Léa Fonseca. Eu estou editando livros, escrevo tanta coisa. Eu preciso ampliar a história, a memória da Cretina da Rua. Porque tem um filme, que é A Resistência da Lua, de Otávio Bezerra, Um filme tem 45 minutos. Esse filme ganhou um prêmio em Cuba como melhor documentário. Depois deu um tattoo de ouro no 18º Festival Internacional de Cinema. Essas coisas começaram a me inspirar, até porque eu que defendo tanta memória cultural, é que faço isso, digamos assim, numa luta diária. Eu não podia deixar sem resisto a essas coisas.
01:14:26
R-Quer dizer, eu ganho... A gente, na década de 80, ganha o título de cidadão Soteropolitano. Depois ganha a comenda do Maria Quitéria. Depois ganha a comenda do Zumbi dos Palmares. Depois ganha a comenda do Tomé de Souza. Depois ganha o título de comendador da cultura das artes, das... nas Universidades Américas. Depois deu um título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Paris.
01:14:54
R- Então, eu digo, meu Deus, eu não posso deixar perder essas coisas. E aí, Jesus me escreveu em memória da cantina da lua, que isso aqui é a quarta edição. Ficou bem fininho, bonitinho. Depois de receber a assembleia legislativa, faz a quinta edição. E agora, depois da pandemia, conseguimos fazer a sexta edição. Na pandemia, nesse livro, inclusive, tem algumas fotos de algumas figuras que visitaram a cantina. Tem Mabel Veloso, tem Mãe Stella de Oxóssi , tem Capiná, tem o professor Edivaldo Boaventura, que foi um grande inventor da UNEB, E eu tive a bênção, a Assembleia Legislativa tem uma linha literária que chama Gente da Bahia, e eu tive a bênção de ser biografado. Esse livro é fininho, tem só 500 páginas, e modéstia a parte, é o único livro na Assembleia Legislativa até hoje que pode fazer uma segunda edição, e que esgotou e estou correndo atrás de uma terceira edição.
01:16:11
R- Wander Prata é um jornalista fantástico, é paulista, veio para a Bahia na época da ditadura. E como dizem que a cantina era o lugar que acolhia os, sei lá, de Marighella aos menos famosos, ele escreveu esse livro com a alma. Eu digo, rapaz, não sei, acho que a maneira como você escreveu é que dá o grande tempero, o grande charme desse livro. Ele diz o contrário. Pode ter uma história de vida, de luta, ele fala de Conceição de Almeida, ele fala de um dos momentos mais difíceis da minha vida, que foi ter sido rei Momo. Mas, na pandemia, eu gosto muito de andar a pé e andar de ônibus. Acho que é a melhor maneira.
01:17:01
P/10 Sim, você falou ali que você foi rei Momo?
01:17:05
R- Fui rei Momo.
01:17:07
P/1- Então, como é que foi isso? Conta pra nós sobre isso.
01:17:13
R- Tá. Eu vou concluir aqui, me permita. Eu gosto muito de andar a pé e andar de ônibus. Acho que é a melhor maneira de você conhecer a geografia física e social da cidade. Eu me lembro que lá na Madri, eu larguei a mala no hotel, e chamei a mulher. Eu digo, filha, vamos dar uma volta a pé. Ela, a pé?
01:17:32
R- Você é maluco? Eu quero andar de metrô. Eu digo, metrô nada. Eu sou um tatu pra andar debaixo da terra? Não estava perto. Aí saímos e andamos rápido. Depois não me inventou. Então, eu acho que a melhor maneira de você conhecer a geografia física e social de um lugar é exatamente você andar a pé ou de ônibus.
01:17:53
R- E no ônibus você vê as coisas mais ilustradas. As pessoas perderam totalmente a noção de privacidade. Ou está no celular, ou está conversando com alguém que sentou do seu lado que você nunca viu e começam a falar de coisas inusitadas. Eu comecei a anotar isso em papelão, em jornal, em guardanapo, em papel higiênico. O que eu encontrava? Eu soltava no ônibus, o que eu encontrava pela frente eu anotava e fui jogando em um saquinho. Na pandemia, antes mesmo do prefeito decretar o tranca-rua para mim, o lockdown para os outros, eu chamar de tranca-rua, eu comecei a me preocupar com os meus funcionários.
01:18:37
R- que não usava máscara. Quando eu estava lá, todo mundo de máscara. Quando dava as fotos, saía e voltava. Era um corre-corre, danado. E não conseguiu fazer o distanciamento, sentava os quatro na mesma veia para almoçar. Aí, sendo o meu filho mais velho, disse o mestre, vou fechar a cantina por 60 dias. Porque eu tenho medo de ter um caso de Covid na cantina e ter uma repercussão negativa, não só Pelourinho, mas para cantina. Aí fechamos, pensando em fechar 60 dias.
01:19:06
R- Foram 18 meses de extrema dificuldade. Eu ampliei , assisti muitos filmes, li muitos livros, compus algumas músicas, escrevi alguns poemas, fui desde o nosso pomar, mas lembrei-me que tinha alguns alfarrábios e procurei e consegui o produto que é a conversa de Buzu, ou a conversa de Buzão. Peguei o Lucas Batatinha, que é filho de Batatinha, um cantor, é um grande ilustrador, faz fantasia de filho de gandhi, faz fantasia do Olodum, eu pedi ele para ilustrar o livro. Hoje, eu lancei em São Paulo, os outros agora em Maio. Esse aqui eu lancei em 2019, em São Paulo, no Sesc Pompeia. Nesse dia que nós lançamos, estava lá. Foi eu, Martinho da Vila e Riachão.
01:20:17
Foi muito um show de Riachão. Referência esse show, quando foi em março de 2020, veio a óbito, com 98 anos. E Rei momo.
01:20:27
P/1-Esse livro é de poemas, é de crônicas, do que trata?
01:20:34
R- Olha, o que é a Conversa de Buzu,são crônicas, foram conversas que ouviram nos ônibus. Só não tem nome, o nome das pessoas, mas é exatamente o papo. As pessoas falam do trabalho, falam do vizinho, falam da família, fala das brigas, matrimoniais, é um negócio muito... E Memória Cantina da Lua é um pouco da minha história de vida com depoimento de celebridades. Depoimento de Fernando Coelho, de Bete Mendes, de Maria Pinheiro, de André Carvalho, de Antônio Massai, ex-prefeito, de Tarso Franco, secretário de Estado, E aí tem algumas fotos de João Bosco, Waldir, de Júlio César, o imperador da rádio. Porque, na realidade, ninguém constrói nada sozinho. Para conseguir o que temos conseguido hoje para o Centro Histórico, graças a Deus, eu contei com muitas ajudas. Contei e continuo contando, porque é muito difícil.
01:21:49
R- Parece que o Pelourinho é predestinado. Eu falei, todos os equipamentos saíram, mas tem 50 anos que a gente luta, trava essa batalha pela revitalização do Centro Histórico. Tem momentos que a gente tem a sensação de que está há 50 anos atrás, que tem reivindicações que eu fiz há 50 anos e que parece que hoje não foram atendidas, e foram atendidas parcialmente. A reabilitação do Centro Histórico foi pensada, está no papel, dez etapas. Lamentavelmente, estamos na sétima etapa há mais de dez anos. E a etapa que tenho na minha ótica seria a fundamental, que é a moradia, habitação. Para ter conservação, precisa ter vida. Os prédios do centro histórico são 1400 prédios.
01:22:40
R- Onde? Mexe profundamente com a minha cabeça, porque se desmata, se destrói a Mata Atlântica para construir novos conjuntos habitacionais, onde não tem nenhuma infraestrutura, ao invés de restaurar os prédios antigos, botar gente para morar. Óbvio que a gente tem a consciência de que todo mundo quer ter um carro, mas tem terrenos que a gente pode aproveitar para fazer estacionamento. E eu tenho falado em algumas coisas que eu escrevo no jornal, para usar no atalho, ainda hoje, eu uso a opinião do leitor, eu uso os passos. Eu acho que nós governantes, governo federal, governo estadual, governo municipal, estamos perdendo a grande oportunidade de poder aproveitar os 800 anos da verdadeira independência do Brasil, que é 12 de julho de 1823, para fazer uma grande retomada dessas obras de restauração no Centro Histórico do Pelourinho. Eu acho que eles estão perdendo o tempo da história. Seja um marco. Porque, há, 1850 também tem uma importância histórica fantástica, extraordinária.
01:23:54
R- Mas a verdadeira independência desse país se dá exatamente em 1823, quando nossos antepassados saem de de Cachoeira, de São Félix, de Santo Amaro, passa por Cabrito, Pirajá, entra na Estatua da Liberdade e trava as grandes batalhas, onde a grande última batalha foi travada, exatamente naquele lugar onde estamos, no terreiro de Jesus, onde os portugueses descem as encostas, capturam, pegam suas marcações, porque o Brasil não seria verdadeiramente independente se tivesse uma parte sobre o jogo de Portugal. E eles não sabem. E aí vem. Precisa. Se fala de violência, a violência está na base, na educação, na saúde, na cultura. A cultura é tudo. Você não pode... Você não pode esquecer.
01:24:53
R- Isso é de Paulo Freire. Nós não podemos esquecer da Darcy Ribeiro. Nós não podemos esquecer Anísio Teixeira. Mexe comigo quando um político diz que a violência está grande, precisamos construir presídios. Como é que é? Amigo, o seu pensamento é equivocado. Precisamos construir escolas de tempo integral. Essa é a base, você tem que trabalhar a base.
01:25:23
R- Foi pensando nisso que abri mão de 17 anos de emprego, poderia ser 34, 17 anos de indenização, como falam, para poder investir na educação de meus filhos, de meus irmãos, de minha família e dos meus familiares. Porque a educação é educação, saúde, cultura. Esse país é fantástico. Mas falando do Rei Momo, eu tive um bloco de carnaval lá no Pau Miúdo chamado Filho de Brasília. Eu só tenho um único instrumento, instrumento, digamos assim, profissional, foi me dado por Nelson Malheiro. Acho que a história, apesar de termos conseguido dar nome a uma rua aqui em Salvador, o Nelson Malheiro precursor do instrumento de percussão na Bahia. Era um negão forte, idioteira na varroquinha. Fazia instrumentos, depois teve dois blocos, Mercador de Bagdá, Cavaleiro de Bagdá, foi remador, tinha uma bicicleta com seis lugares, que era para lavar as bolsinhas, e era uma figura muito inventiva.
01:26:43
R- Ele chegou a trabalhar na televisão, que englobava os calouros, e eu, nessa febre da inauguração da construção de Brasília, fiz um bloco lá na rua, chamado Filho de Brasília. Esse bloco... Nosso instrumento era a lata. Lata de gás, lata de querosene, aquela lata de manteiga, que essa menina Claudinha não alcançou lata de manteiga de dez quilos, não é, Claudinha? E aí esse era o nosso instrumento. Eu passando lá na antena de Nelson Malheiro, eu digo, senhor Nelson, estou com um bloco aí e eu precisava de um instrumento. Ele disse, quero saber o quê? Eu disse, eu quero um tamborim que é para fazer a marcação.
01:27:27
R- Era o único instrumento que tinha e era muito envolvido no Carnaval. Nelson Maleiro é, para mim, uma lenda. Imagina que ele foi presidente do Mercador de Bagdá, criou o Cavaleiro de Bagdá, fez os casos alegóricos dos dependentes. Eu me lembro de um episódio interessantíssimo. Ele fazia várias alegorias. Teve um ano que ele fez um dragão cuspindo fogo. Só que isso era domingo e terça-feira.
01:27:58
R- Descendo a ladeira da praça, o dragão pegou fogo. Fomos recolher para o Colégio São Salvador. Foi uma choradeira. Parece que eu estou vendo a imagem dele sentado no canto com os pés cruzados, com as pernas cruzadas. E aí, vamos para onde? Disse não. Terça-feira nós vamos sair. Terça-feira o bloco vai para a rua.
01:28:23
R- Sabe o que ele fez, ele pegou a estrutura, o resto do incêndio, ficou a placa, me lembro, umas duas folhas de madeirite. Ele escreveu, os maus, os estranhos. Aí foi manchete com todos os jornais e o bloco foi pra rua.
01:28:43
P/1- Em que ano isso, Calá?
01:28:45
R- Isso na década de 60. E tinha Sr. Arquimédi Silva. Arquimédi Silva era quem administrava a questão do Rei Mumu. Eu acho, eu digo sempre, que a Maria deve uma homenagem ao Sr. Arquimédice, apesar de ter uma placa lá na cantina. Mas eu acho que é muito pouco. Eu participei de vários concursos de rainha de carnaval.
01:29:10
R- Eu fiz quatro rainhas de carnaval. Eu fiz três mais belas mulatas. E eu participei de um ativamento de carnaval. Fui jurado, várias vezes, do concurso de Rei Momo. E o concurso de Rei Momo começou a perder a sua qualidade. Então, através de vários dirigentes, resolveram buscar... indicar um Rei Momo que a cidade... que fizesse uma revolução na cidade.
01:29:45
R- Tinham cinco nomes, três gordos e dois magros e, por acaso, o nome que foi indicado foi o meu. Quando chegou a comissão lá na cantina, eu me lembro, eu estava na chapa preparando uma picanha, os caras chegavam e falavam, Calá! É que vem aqui trazendo um desafio para você, você vai ser Rei Momo. Eu falei, eu sou o pior pornógrafo da família, você vai se cuidar, rapaz, me respeita. Rai Momo sempre foi gordo. Não, a gente fala sério, você falou que é gordo. Algum suposto, mas tem você e outro companheiro que nós queremos, porque você que já foi jurado com o seu irmão, você sabe que hoje não é 10% do que era antigamente, e a gente precisa levantar a vista.
01:30:37
R- Aí ele falou, para com isso, vamos sentar, vamos tomar alguma coisa. Mas sentaram, beberam, no final eles insistiram. Olha, a gente passa para saber a resposta. Eu liguei para o meu filho mais velho, o mestre, que é de advogado, e que é um menino que está na cantina, lá dentro da cantina, desde a idade de oito anos. Aí disse para o meu pai, olha, você e a Cantina da Lua, as duas coisas se confundem. Se você for o Rei Momo, isso vai dar um marketing do tamanho do Brasil. Ele disse, não seja maluco, eu vou ficar quatro dias fora da cantina. Ele assumiu a cantina, top.
01:31:17
R- Eu topei. Fui coroado uma sexta-feira. Quando foi segunda-feira, os gordos entraram no Ministério Público, o Ministério Público se reuniu, extraordinariamente, para julgar o fato, e me depois do carro. Depois, eu estava fazendo uma palestra na FIB, na faculdade. Quando cheguei na cantina, tem três canais de televisão, a menina bota o microfone. E aí seu Clarindo, vou viajar. O senhor vai fugir da justiça? Eu como é que é?
01:31:46
R- O Sr não sabe que foi deposto do cargo de Rei Momo, ela disse não. Ela entregou a razoável da juíza, despacho da juíza tinha. Quando ela disse que era uma coisa, eu fui correr pensei que tinha alguém na loto. De vez em quando, eu faço uma fezinha. Mas e aí vai recorrer ? Disse não, não pedi para ser Rei Momo . São 12 ou 15 entidades que indicaram o meu nome.
01:32:13
R- Você as entidades, se quiser recorrer, se precisar de minha assinatura, eu assino. Agora, para mim, tomasse iniciativa, e as entidades recorreram. Eu fui reproduzir o meu carro um dia de domingo. Uma festa, ele veio, a cidade se dividiu. Você imagina? Carlinho Brown me chamou lá no Museu do Ritmo e disse, não, cala a boca, tem que levar você lá. Não tem ninguém melhor na cidade pra ser revolta que você.
01:32:41
P/1- Que ano era esse?
01:32:43
R-Isso foi em 2008.
01:32:45
P/1- Em que ano?
01:32:47
R- 2008. Eu tinha... E aí começou a polêmica. Teve uma semana que eu fui capa das quatro principais revistas nacionais. Uma dizia que eu parecia uma espécie de espeto de assar churrasco . A outra dizia que eu terminei a medida sem alimento. A outra dizia que eu tinha o corpo bailarino europeu. A outra dizia que eu era rei mesmo.
01:33:11
R- E aí o pessoal lá da Intussa recorreu. Eu fui recolhido ao carro no dia de domingo. Com muita festividade. Eu tinha ido pra lavagem do bonfim. Imagina que eu comecei a andar na cidade. A Intussa botou quatro seguranças à minha disposição. Coisa que eu detesto. Eu sou homem de muita fé e não tenho medo de nada.
01:33:33
R- Eu não tenho nem medo de morrer. Eu acho que eu digo sempre que eu posso falar... Sei lá, eu tenho saudade da vida. Eu posso ter saudade da vida, mas não tenho medo da morte, porque é a única verdade. O resto tudo é ilusão. Então, eu... Minha coisa, óbvio. Eu faço meu check-up, eu tenho alimentação balanceada, eu faço exercício.
01:33:55
R- Mas tem velho gordo, velho barrigudo é terrível. E aí, eu... Voltando ao Rei Momo, lá no Museu do Ritmo, lotado de autoridades, senadores, governador, Caetano Veloso, Daniela Mercury, a nata da cultura baiana. Carlinhos Brown me chamou no palco. Olha, estou trazendo aqui o meu Rei Momo, meu e o Rei Momo da cidade. Esse negócio de depor Clarindo Silva do carro, eu queria saber se tem alguém nessa Bahia que tem tanta gordura cultural como o Clarindo tem. Para ser Rei Momo, não precisa ter gordura física, não. Tem que ter gordura cultural.
01:34:48
R- Hoje eu sou, sabe por onde eu passei? Eu cantei no Projeto Cultural Cantina da Lua, na Festa da Benção, só tenho que agradecer a ele. Rei, rei, rei! Clarindo é nosso rei! No início do ritmo, tudo explodiu. E aí teve a lavagem do Rio Vermelho, a festa de Iemanjá. Ele disse, vou levar você para a festa de Iemanjá. E assumiu a luta.
01:35:13
R- E eu fui Rei Momo. Está na história aí. Tanto assim que agora estou escrevendo meus artigos que você não leu, que são os artigos que eu escrevi no Jornal da Tarde, juntando, fazendo ilustrações. E logo em seguida eu vou escrever, eu e o Rei Momo Magro. Primeiro Rei Momo, afrodescendente, sexagenário e magro.
01:35:38
P/1- Muito bom, muito legal. Meu querido, agora trazendo para os dias de hoje, queria saber o que mais te encanta hoje, e quais são os seus sonhos? Como é que você está agora?
01:36:01
R- Olha, eu sou um eterno sonhador. Eu digo sempre que sonhador é esperançoso. Eu, na campanha do Rei Momo, eu disse que nasci para quebrar paradigmas. Eu me lembro, em uma entrevista, uma repórter deu para mim e disse, o senhor está triste? Quando eu tinha sido deposto, não é? O senhor está triste? O senhor está assim, deprimido? Eu digo, não, minha amiga, você está verdadeiramente equivocada.
01:36:38
R- Você gosta de história? Eu estou pisando aqui nesse lugar como o segundo rei da história. Sabe quem pisou aqui?Dom João Sexto. Há duzentos e poucos anos, quando fugia das Napoleônicas, para inaugurar esse pé de equipe, foi a primeira faculdade de medicina do Brasil. Depois fui para Recife, lá em Recife inaugurou a primeira faculdade de direito. O que você acha disso? Quer dizer, eu sou o segundo rei que tá pisando nesse território, eu estou feliz da vida, estou fazendo história, estou entrando para o livro dos recordes.
01:37:13
R- E se você me permite, não sei como é que você vai encarar, como eu disse aí obesidade? É doença. Eu sou um cara saudável. Eu faço três quilômetros todo dia para manter a minha forma física. Eu não tomo refrigerante. Eu fiz um esforço em cima da terra. Então, essa é a realidade. É o meu sonho.
01:37:37
R- A pandemia deixou marcas muito fortes, muito difíceis para a gente, mas me levou a reinventar. Certamente, essa conversa de buzu, que várias vezes eu cheguei a rabiscar algumas páginas, dez páginas, certamente não seria. A cantina da lua hoje, com essa reabertura gradativa, não fui afoito, não tenho sido afoito, tenho ido aos poucos, abri. A gente sabe que tem muitas pendências, com muitas carências, mas a gente está, inclusive com o meu filho mais velho, a família, que é fundamental essa coisa da... Eu acho que a união é importante. Então, a gente está aos poucos se reerguendo. Não tenho pretensão em abrir filiais.
01:38:37
R- Nós tivemos algumas filiais. Eu tive o Cantina da Lua na Adeno Prata. Estive a estrelar o talanço no Cruzeiro São Francisco, que aí está o grande vento de Pascoal. Estive a nave da Barra na Barra, que foi uma experiência muito ruim. Agora, bem recentemente, nós tivemos... Meu filho pegou o mercado do peixe lá no Rio Vermelho, reestruturou totalmente, foi para a linha de frente, botou uma cantina da lua. Seu pai não tem interesse.
01:39:11
R- E realmente foi muita consumição. Então, o meu foco é o Pelourinho. Eu fui político, eu fui suplente de deputado, fui suplente de vereador duas vezes. Acho que não é o meu perfil, porque é muita gente pedindo. Eu não sou de tomar o lado da cá. Eu sou homem de trabalho. Eu sou homem de determinação. Eu sou homem...
01:39:42
R- Eu sou o eterno Santo. Então, o meu foco hoje é o Pelourinho, o Centro Histórico. As pessoas precisam... Eu bato na tecla. Precisam se apropriar daquele lugar. mais um lugar que foi um lugar de tortura, de envergadamento de sangue, onde hoje é uma energia altamente positiva. As pessoas se emocionam quando pisam ali. Ali é meu quartel general, é minha resistência.
01:40:16
R- Imagina, fui para São Paulo no mês de maio, conhecido festivamente com faixa no Aeroporto, andando em São Paulo, em uma farmácia, encontro uma senhora. Você é escritor, não é? Você sabe que eu tenho o seu livro? Eu comprei. Aí pegou o celular e mostrou. Está aqui, eu vou ser autografado lá no Pelourinho. A gente chega em Madri, você está andando na rua... ‘Clarindo Silva, o que é que você está fazendo aqui, homem?" Vi você na televisão falando da caipirinha, da vaca, andei tantas vezes lá.
01:41:03
R- E me tira do hotel, para olhar pra casa dela, Graça Ramos, uma artista plástica baiana, que nós juntos lideramos a briga pela casa do artista. Essas coisas nos fortalecem. Imagina, empregado doméstico,a dr honoris causa, empregado doméstico para a modéstia da parte é a referência maior do periódico. Eu quero que Deus me dê vida longa e saudável para poder continuar lutando por aquilo que eu acredito, por uma sociedade mais justa, sociedade mais igualitária, sociedade onde as pessoas não faltam pão, na mesa dos nossos irmãos e das nossas irmãs. Uma sociedade onde não precisa ter dia do índio, onde não precisa ter dia do preto, dia disso, dia daquilo, dia daquilo outro. Uma sociedade onde nós estejamos dia a dia, diuturnamente, defendendo a raça humana, que todos nascem, vivem e morrem. Uns morrem e não dizem porque passou, outros morrem e conseguem construir. Então, isso que vocês estão fazendo me alegra, me emociona, me engrandece, me enaltece, porque, cada vez que recebo uma homenagem na minha vida, me sinto fortalecido por vontade de fazer mais, de fazer mais pelo meu semelhante.
01:42:37
R- Eu sempre disse, quando falo de história, eu digo que o povo não preserva o passado, não vive o presente, é mais poderoso do que o futuro. Mas eu nasci, me criei e passo para meus filhos, aponto para o meu filho botar no convite da formatura dele, que ninguém consegue ser feliz se não pensar na felicidade dos outros. Ele colou isso no convite da formatura dele, me emocionou muito, porque é essa a lição que eu quero deixar para a humanidade. Isso que eu quero. Porque quando eu paro, quando o Valdir Soriano me convidou para ser padrinho em um casamento com ele, eu disse, com o compadre, você tem tanta gente para ser padrinho em seu casamento, você tem muita gente. Mas eu gosto muito de lealdade. Depois, quando ele me chamou para ser padrinho de Juliana, a filha dele, nós, eu e minha mulher, nós dissemos, não, Valdir, nós já somos padrinhos em seu casamento,’’ Olha, compadre, vocês são nossos amigos verdadeiros e eu quero que vocês batizem". E me deu o prazer de trazer a Juliana para batizar aqui na igreja da Conceição.
01:43:56
R- Saiu do Rio para batizar a filha aqui. Então são coisas assim, são Pascual um ano. Saiu comigo ali no terreiro de Jesus, tomou um cafezinho, ele parado ali na frente de chafariz, Clarindo... Essas duas portinhas para você, Um dia, eu quero ver você ocupando aquele prédio todo . E Deus me dá a benção de isso estar acontecendo. Então, são coisas assim, minha irmã, que me enchem de emoção. E hoje, para ser claro com vocês, é algo assim extraordinário, que me fortalece, me engrandece, engrandece a humanidade. Porque, na realidade.
01:44:47
P/1-Pode falar.
01:44:49
R-Na realidade, a gente precisa receber as homenagens de novo. Eu estava raciocinando. Partiu um grande nome da história da humanidade, Jô Soares. Quantas homenagens depois de morto? Por que não fizeram uma grande matéria? Tudo foi feito porque ele é leve. eu tive a oportunidade de me conhecer junto. Com esses grandes nomes, com esse nome, que eu sou do Cunhinho, que eu sou do Santos, consegui conviver com um grande gênio, que eu sou Cid Teixeira, consegui conviver com o Jorge Portugal, consegui conviver com o Jaime Solé, e outros grandes nomes.
01:45:42
R-Então, homenagem em vida, é isso que vocês estão fazendo. Perpetuar a memória da gente. Esse prazer se curtiu de dizer, não, está sendo reconhecido. Às vezes, em casa do meu pai, eu disse isso. Eu tenho quatro filhos. O mais velho é advogado, a segunda é Cláudio. Falando no nome dos quatro para não ter surpresa. O mais velho é Cléber, o segundo é Cláudio Marciano.
01:46:05
Cláudio Marciano é advogado, Cláudio Marciano fez... A administração fez posse, fez mestrado de ciência na faculdade. O Crédito Marcos fez Marketing e Comunicação e tem um escolhido fotógrafo. E o Cleber Messias está fazendo Gastronomia e faz aniversário, casamento, formatura. E o meu neto mais velho, Messio, tem 28 anos, está fazendo o sexto ano de Direito e o terceiro ano de Gastronomia. E a Andréa tá fazendo quarto semestre de psicologia. E Céci, 17, tá fazendo…
P/1-São quantos netos?
01:46:51
R- Eu tenho sete netos. São quatro homens e três mulheres. E aí a gente continua investindo na educação. Outra cabeça, tem que estudar. Porque papai, eu me lembro, papai aprendeu a ler e escrever com 55 anos, com a mamãe, eu vejo na face da minha mãe, a mamãe pegando na mão dele, no lápis, e fazendo, escrevendo com o lápis, e dando na caneta ele para cobrir as letras para ele aprender. Ele morreu com 87 anos. Todos os dias, ele lia o jornal.
01:47:27
R- No dia que eu não me esqueci de levar o jornal dele, ele trouxe para o jornal o gagau. Eu disse, papai, se vire. Eu cansei de jantar em casa, pegar o bonde e voltar para a igreja de Costa Nova, que eu ia comprar o jornal dele. Então, eu fui criado nesse clima. Pobreza, dificuldade, mas determinação, ousadia e, sobretudo, fé. Tenho que ter fé em Deus, fé nas forças da natureza e fé na vida. Eu com 80 anos, meu Deus, que bênção. Que bênção estar com 80 anos.
01:48:06
R- Se eu precisar tomar remédio, eu vou tomar meu chazinho. Remédio, se algum dia eu precisar tomar, eu não vou tomar remédio, eu vou tomar medicamento. Remédio para não ficar doente. Medicamento você toma para não ter fome, para não ter infarto, etc. Mas eu acho que... Eu tenho que agradecer a Deus, agradecer as pessoas que me servem, as famílias, os familiares, os amigos, a Fernanda Coelho, a Maria Carvalho, a minha família, meus irmãos, e no senso que me ajudou a construir essa casa, meu irmão mais velho.
01:48:54
P/1- Eu queria saber o nome da sua esposa.
01:48:57
R- Maria do Carmo Alves Jesus. É um gênio que me tolera há 53 anos.
01:49:09
P/1- Já fez bodas de ouro.
01:49:12
R- Hein?
01:49:14
P/1-Você já fez bodas de ouro.
01:49:17
R- Bodas de ouro, bodas de prata, bodas de ouro. Me tolera, porque eu sou o grande responsável pela formação de nossos filhos. Porque eu saia para trabalhar, e ela é uma pessoa de um tremendo bom gosto, E, apesar de todas as loucuras que possam ter acontecido em minha vida, ela é realmente meu porto seguro. A gente tem que... Eu sempre agradeço a Deus, porque tem uma questão da... Como nós começamos a vida. Pobre, pobre, demarré. E crescer junto, eu acho que essa coisa de se separar é muito...
01:50:01
R- É ingrato. Chega a ser ingrato. E eu não nasci para ser ingrato, eu nasci para tirar o ímã e manter o grato. Você tem que ser grato às pessoas, ser solidário, ser companheiro, ainda mais na velhice, né, amiga? Acho que... Com certeza. Essa juventude precisa acordar para o respeito. Ontem nós trouxemos uma amiga nossa, que foi a primeira proprietária quando nós nos casamos.
01:50:33
R- Ela está com 87 anos, com problemas de saúde, problemas de mobilidade, etc. Eu chamei os netos e os filhos e conversei. Ela não pode ficar postada na cadeira o tempo todo. A gente saiu, eu peguei e voltei no carro para trazer aqui em casa. Aí passei na barra, passei no dictador logo, passei algumas praças novas, mostrei a ela. Vocês precisam fazer isso com a mãe de vocês, com a vó de vocês. Não pode deixar ela em casa, numa cadeira de rodas o dia todo.
01:51:04
R- Toda vez que eu estou lá, está ouvindo mal, televisão em uma altura que... As filhas vão lá. Não, as filhas vêm de casa. Ela não quer usar o aparelho. Eu digo, não. Quer usar, a gente não bota, não força, mas bota um minutinho, depois tira. E ela vai se acostumando.
01:51:25
P/1- É verdade.
01:51:27
R- Ela vai acostumada. Eu tenho um irmão que usa aparelho e detestava o aparelho. Eu digo, eu venho aqui conversar com você, mas só converso com você sem botar o aparelho. E hoje ele me agradece. Então, rapaz, você quebrou o paradigma. Nasci para isso, nasci para o meu paradigma.
P/1- Que legal!
01:51:46
P/1-Cláudia, você gostaria de fazer alguma pergunta, alguma coisa?
P/2- Eu realmente gostaria de dizer que eu fiquei muito encantada com a história do senhor. Até fiquei sem voz com tanta luta, determinação, criatividade, conhecimento. Eu acredito que vai enriquecer muito a história do museu e muitos jovens ou muitos pesquisadores vão aprender muito com a história do senhor. Gostaria de agradecer muito. Só isso. Obrigada. Calá, eu queria saber qual é o sentimento de você contar a sua história de vida para o Museu da Pessoa.
01:52:35
P/1- Como é que você se sente ao contar a sua história?
01:52:40
R- Olha, eu não diria que me sinta enaltecido, porque se der muito pouco. Me sinto agradecido, honrado e feliz. E não sei se eu aplaudiria, porque quando eu aplaudo, eu aplaudo com... A quem diz que vai ter um patrimônio imaterial, mas no fundo do coração. os meus mais profundos e sinceros agradecimentos, não simplesmente no nome do Clarindo Silva, mas em nome de papai, em nome de mamãe, em nome da minha família, em nome dos meus familiares, em nome da minha Bahia e do meu Centro Histórico, do meu Pelourinho .
01:53:45
P/1- Tem alguma coisa que você gostaria de falar e que eu não perguntei, que a gente não trouxe aqui na entrevista? Tem alguma coisa a mais que você gostaria de acrescentar?
01:54:00
R- Olha, a questão, quando eu falei que eu fui, que eu me afastei da política, me afastei exatamente porque eu achei que, fora da política, tenho muito mais capacidade de articulação das coisas que eu quero para a cidade do que na política, que tem a questão da rivalidade. Eu fiz. Nós tivemos duas grandes vitórias aqui em Salvador, entre outras tantas, como a recuperação do Plano Terminado, mas a manutenção de um hotel aqui em Salvador, o Hotel da Bahia. O Hotel da Bahia foi o primeiro hotem 5 estredas da Bahia, e ele passou por uma série de dificuldades e apareceu uma imobiliária que iria derrubá-lo, fazer duas torres e 22 andares. Faltavam oito dias para isso ser concretizado, eu tomei conhecimento, e fui para a Bahia de frente. Batendo de frente, inclusive, com o governo, porque usei, para manter o hotel aberto, usei os logos da campanha no determinado momento. A Bahia, de todos nós, não pode fechar o hotel da Bahia. Fui para lá, para a frente do hotel, com carro de som, mandei fazer camisas.
01:55:29
R- É o único prédio no Centro Histórico, é um hotel que foi inaugurado na década de 50, mas é o primeiro hotel 5 estrelas da Bahia. Um hotel que foi construído pelo governo de Otávio Mangabeira, com um governador que fez uma revolução grande aqui, que investiu muito na educação, pois o Secretário de Educação dele era Anísio Teixeira, que fez a Escola Parque, o Centro Educacional Carneiro e Melhores, a Escola Clássica, número 1, número 2, número 3. Então, esse hotel, nós conseguimos tombá-lo como patrimônio em 30 dias. Nós conseguimos fazer duas audiências públicas. E, mais recentemente, nós conseguimos uma vitória retumbante, que foi o Hospital Espanhol. O Hospital Espanhol é um hospital que tem 135 anos, que estava há seis anos fechado. Uma unidade hospitalar que tem 270 leitos, 50 leitos de UTI, 12 neonatal, que o má gestão estava há seis anos fechado. Todas as portas que eu bati, secretário, estado, deputado, não consigo o nome, não posso falar, foi a Assembléia, fui acolhido na Câmara de Vereadores, que me permitiu fazer algumas audiências públicas.
01:56:59
R- Eu fiz 161 cartolinas colei na cidade, clamando pela reabertura do hospital, no hospital onde nasceram mais de um milhão de pessoas. Da minha família, nasceram meus quatro filhos lá. E estava fechado em um país, mas as pessoas estão morando, estão morrendo na fila de regulação, que eu costumo dizer que é a fila da morte. Então, eu me afastei da política, mas sou político, porque eu digo sempre, a política está no momento que a gente nasce e que é recitado. O registro já é um ato político. Você aí já está. Então, o que eu quero, o que eu penso sempre, é que nós precisamos estar focados nos problemas sociais nossos.
01:57:58
R- Esse país é fantástico. país das Amazonas, país do Rio São Francisco, país do Pelourinho do Centro Histórico, país de São Paulo, que é o pulmão desse país. Eu chego aí de São Paulo e fico encantado. Eu digo que o Pelourinho é o coração do Brasil. Lá em São Paulo, no Sesc Pompeia, eu falei disso. Eu estava fazendo uma palestra e disse assim, eu estou aqui. Eu vim do coração do Brasil para aqui, para falar do pulmão do Brasil.
01:58:31
R- Então, isso é que a gente precisa valorizar, ser humano. Nós, nós, nós. As coisas materiais são coisas materiais, mas o ser humano... Então, eu agradeço a Deus, agradeço a vocês, agradeço os meus pais, os meus antepassados, os meus bisavós, os meus avós, que vieram do continente africano, que quando eu falei, não aprenderam para mim, Mas que nós, um dia, como eu falei anteriormente, não precisemos de dia de índio, dia de branco e dia de preto. Que possamos comemorar o dia da raça humana todos os dias e todas as horas, respeito ao outro, porque, como eu sempre falo, ninguém consegue ser feliz se não pensar na felicidade dos outros. Fé e resistência.
01:59:26
R- Obrigada de coração. Depois a gente segue algumas orientações para a conclusão, tá bom?
Recolher