Entrevista de Mauro Pedro dos Santos
Entrevistado por Jeniffer Ester e Walisson Claudio
Maceió, dia 20 de junho de 2025
Projeto Memórias que não afundam
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0:31 P/1 - Gostaria de agradecer por você ter aceitado o nosso convite. E para começar me conte o seu nome e sua data de nascimento?
R - Meu nome é Mauro Pedro dos Santos. A data de nascimento é 10/05/1969. Pescador e presidente da Colônia de Pescadores.
0:58 P1 - E o nome dos seus pais?
R - Nome de meus pais, o pai é Pedro José dos Santos e Maria Felismina dos Santos.
1:09 P/1 - Você sempre morou aqui em Bebedouro? Aonde você mora?
R - Sempre. Sempre morei aqui em Bebedouro, tem uns 55 anos. Praticamente aqui. Recentemente que a gente se transferiu para outros bairros. E eu fui para o bairro de Fernão Velho.
P/1 - Você sempre morou aqui em Bebedouro. Você se lembra de como era aqui antigamente? R - Me lembro. Aqui tinha de tudo, nós tinha a feira. Logo há 40, 50, quase 45 anos, a gente tinha o Rio Silva, onde as mulheres lavavam roupa, ali no Rio Silva. No Rio Silva, enquanto as mulheres lavavam roupa, a gente pulava, eu garoto, junto com os outros, a gente pulava da linha para dentro da água, chega molhava elas. Quando o trem vinha, aí ficava aquele monte de gente para mergulhar, “está vindo o trem.” Aí, todo mundo pulava. Era o rio, não tinha o que tem hoje, devido os esgoto, as casa que fizeram. A gente aqui em Bebedouro, eu conheço muito. Aqui a única casa que tinha piscina, era do Né Fragoso, conhecido como Né Fragoso, era um terreno que tem aqui na Marquês de Abrantes, um terreno, onde tinha uma piscina, era de madeira os lados, madeira que bota nas linhas, aqueles dormentes, era quadrado, a água que passava e enchia a piscina, era a água do rio, do Rio Silva, que passava e enchia a piscina. Era a atração de Bebedouro, aqui de Bebedouro para o lazer. Se pagava uma taxazinha para entrar, tanto para o banho como para jogar bola, que tinha campo e tudo. Era a única, lá era cheio, era a semana toda. Cheio para tomar banho de piscina. “Vamos na piscina de Né Fragoso.” Aí, todo mundo ia. Aí, quando não tomava banho aqui no Rio, pegando camarão, que botava a mão nas beirada do Rio e se pegava camarão, braçudo, os camarões da água doce. Aqui sempre foi assim, bom de se morar. Bom de se morar e crescer. Depois comecei a ir para a Lagoa pescar, e até hoje, a única atividade que eu faço é pescar. Estou pescando menos agora porque eu tenho de ficar na colônia, cuidando da documentação dos pescadores e das marisqueiras. Mas sempre que eu posso eu estou pescando, porque não mudei ainda para outra atividade. Nunca tive outra atividade na minha vida.
4:10 P/1 - Você se lembra de alguma história que marcou a sua infância?
R - Aqui tem muita histórias. Pronto, essa mesmo da gente sair para o banho do Né Fragoso, tomando banho aqui no Rio Silva. Quando não era isso, a gente ia para o Bicame, que tinha aqui no Flexal, aqui no final da rua, tinha o Bicame. E a vida foi sempre assim. Cada vez era marcante porque a pessoa ia se divertir em lugares aqui próximo, mas tudo bom. A amizade até hoje dos moradores são as mesmas. Muitos agora que deixaram de morar aqui no bairro, principalmente aqui no Flexal de Baixo. Essa parte aqui da Rua Tobias Barreto, que é o Flexal de Baixo, essa parte todinha aqui saiu, para outros bairros. Uns saíram para a área próximo a lagoa e outros foram para a parte alta, Queima Bom, Tabuleiro, Benedito Bentes.
5:15 P/1 - Você falou o nome do seu pai, é parecido com o seu. Tem alguma história, algum motivo?
R - Não, porque quando eu nasci eles mesmo que colocaram. Porque o dele é Pedro José, é Pedro José dos Santos. O meu é Mauro Pedro, porque já para acompanhar um pouco o nome do pai. Mas não tem nada assim de…
5:40 - E como é a relação com seus pais, com a sua mãe?
R - A minha relação é muito boa. Era muito boa. Mas aí faleceu a minha mãe. E depois faleceu meu pai. Eu tenho só uma irmã, tinha um irmão, faleceu tem um tempo também. Aí, eu tenho só uma irmã. E a minha família.
6:06 P/1 - Você tem filhos?
R - Tenho, tenho três filhas. Tenho três filhas, sou casado, vai fazer 32 anos de casado. E tenho três filhas.
6:17 P/1 - E atualmente você está morando?
R - Atualmente estou morando em Fernão Velho. Foi o tempo que eu tive de sair, porque a minha casa estava em área de risco.
P/1 - Qual era a casa que você morava aqui?
R - A casa aqui, era logo ali, próximo ao Colégio Major Bonifácio Silveira.
P/1 - Aqui em Bebedouro?
R - É.
6:38 P/1 - Como era a sua relação com os vizinhos aqui em Bebedouro?
R - Aqui era só de família. Aqui era muito boa a relação dos vizinhos, lá onde eu morava, aqui na Rua Tobias Barreto. E dos colegas que ainda se encontra aqui. A gente até tem um grupo das pessoas que saíram, daqui da Ponta das Pedras. Todos os moradores que saíram, a gente tem, sempre se comunica, o que passa a gente bota no grupo. Aí, quando quer se encontrar, ou quando tem um evento, tudo a gente divulga no grupo. Continua a mesma ligação.
7:20 P/1 - Como era aqui, as tradições, as festas? Tinha?
R - Olha, aqui tinha festa, aqui a gente tinha a praça Lucena Maranhão, que sempre tinha festa. Tinha a missa, tinha festa. A gente tinha aqui cavalgadas, várias cavalgadas aqui a gente tinha. A gente tinha quadrilha aqui do Flexal de Baixo, que era do cabra do depósito ali, o Zé Alfredo, que era o chefe da quadrilha, que era na porta dele. Aqui era só diversão.
7:59 P/1 - E onde você mora hoje em dia? Você tem esses espaços de lazer, essa cultura?
R - Olha, onde eu moro, que é Fernão Velho tem. Lá é um bairro, eu procurei morar lá, por que? Porque eu sou pescador, aí fui para um local onde eu tenho vários conhecidos que pesca. Aí, comprei a casa próximo. Eu moro logo próximo a praça lá de Fernão Velho. Mas fica a minha embarcação e os apetrechos de pesca ficam na Goiabeira, que fica próximo também. E perto de vários outros pescadores que saíram daqui e que moram lá na Goiabeira.
08:37 P/1 - Você participa desses projetos, dessa cultura que tem lá? Como participava daqui em Bebedouro?
R - Participo. Lá a gente tem os eventos na Praça, época de Carnaval, que é logo em janeiro, abertura do Bloco do Boi. Aí, lá é sempre animado. Lá é um bairro, que eu digo, é o interior dentro da cidade. Que de tudo tem, você quer ir para um restaurante, lá tem um dos melhores restaurantes, lá tem o restaurante da Goiabeira, tem o Coqueirinho. Você quer dançar, tem as danceterias. Lá tem o trem, pode pegar o trem, você pode pegar o ônibus, você pode pegar um carro lotação. Lá para mim… Aí, preencheu porque é um lugar que eu me senti bem lá, é bem acolhido pelo povo de lá. Que é que nem o interior, todo mundo, “opa, bom dia! Boa tarde! Boa noite!” Eu achei bom também lá.
9:44 P/1 - Aí, você saiu daqui, foi realocado para lá, e você trabalha aqui na colônia dos pescadores, né? E como é para você ver um lado ter gente e do outro lado não ter ninguém?
R - Eu acho triste, até assim, porque elegeram e tiraram quem eles acharam… Eu sempre converso aqui com as pessoas e digo: “nem eles mesmos sabiam os danos que ia causar”. Porque se eles soubessem que não ia causar até agora o danos que eles previam ter, com a previsão de ter aí um buraco, não sei com quantos quilômetros de fundura, que cabia não sei quantos campos e tudo. E eles ficaram com medo, com medo do desastre. Mas foi por isso que retiraram essas partes do Bom Parto, ali do Mutange, dessas áreas todas. Mas depois que eles viram o impacto que teve, depois da mina, desse rompimento da mina, porque até próximo do dia que estava previsto, “é amanhã que vai desmoronar e tudo.” Duas horas da manhã tiraram uma família só com a roupa do couro, acordaram e tiraram, porque eles não previram que o rompimento não causou nenhum dano que eles pensaram que ia causar. Porque nas entrevistas do povo que passaram, passava que quando rompesse a Lagoa ia tudo pro buraco, ia chegar na parte do Pinheiro, tudo, descer tudo pro buraco. Aí, todo mundo ficou assustado e eles também, porque não tinha essa expectativa de acontecer isso. Porque se eles soubessem que os danos que causou foi só aquele rompimento, só aquele negócio de poucos minutos, que só umas garças se assustaram. Eu creio que eles não tinham tirado a quantidade de moradores que tirou. Acho que por isso que eles pararam e disseram, esse restante de moradores que a gente quer incluir aqui na sede da colônia, não vai ter nenhum impacto. Onde teve danos foi onde retiramos as pessoas. Essa parte aí está fora de qualquer dano causado pela empresa, pela Braskem. Então, a gente não vai tirar, só se a prefeitura tirar. A prefeitura recebeu uma fortuna de dinheiro que era pra beneficiar também até os moradores que ficaram. E até hoje a gente ficou só na esperança. Tem muitos imóveis que a gente vê a rachadura, que não existia, mas chama a Defesa Civil, a Defesa Civil vem, olha, aí o parecer é só favorável a empresa, que não é causado pela empresa, que não foi causado pelo impacto da mineradora, foi causado pelo trem. Sempre eles alegam, que isso foi causado pelo trem. Onde a gente tem o trem aqui há mais de 100 anos, que o trem passa aqui. Nunca aconteceu de ter rachadura nas casas, nem nada. Veio acontecer isso agora pouco.
13:30 P/1 - Agora lembrando um pouquinho de como era sua casa. Você se lembra de alguma coisa assim, da sua casa, de como você viveu lá com os seus pais? Alguma coisa que você gostava muito de lá? Você lembra?
R - Lembro. A minha casa era uma casa pequena, mas bem confortável. Eu não morava com os meus pais, porque a minha mãe morreu eu ainda era pequeno, tinha uns nove anos. Aí, eu comecei a andar com um pescador, que hoje é meu sogro, isso com uns nove anos, sempre andava com ele pra pescar. Aí, foi o tempo que os meus irmãos, que moravam comigo, depois que a minha mãe faleceu. Aí, fui para outro bairro, que foi o Jacintinho. Aí, eu saia do Jacintinho, subia o Reginaldo, descia no Bolão ali, e vinha pra pegar o ônibus na Brandini, antiga Brandini. E vinha todo dia pra cá pra pescar e tirar sururu. Com esse rapaz que hoje é meu sogro. Aí, eu ficava lá, ia pescar mais ele, comia. Só ia pra casa quando dava oito horas, sete horas da noite era que eu ia para casa. Mas sempre passei a vida toda morando, bem dizer, com esse que é meu sogro hoje.
14:56 P/1 - Você se lembra de alguma brincadeira de quando você era pequeno?
R - Das brincadeiras eu me lembro até hoje. Que eram brincadeiras normais, tanto de tomar banho no rio, de ir para esse Né Fragoso, que era o único parque aqui que a pessoa tinha pra se divertir. Jogar bola, jogar chiba, jogar pião, essas brincadeiras que eram brincadeiras antigas, sadias, que hoje em dia acabou, praticamente, depois que chegou o celular para as crianças.
15:34 P/1 - Você tinha algum sonho de trabalhar, de fazer alguma coisa quando você crescesse?
R - Não. Eu gostei, a partir do momento que eu comecei a andar na Lagoa, aí eu gostei e pronto. Aí, nunca passou pela minha cabeça. Aí, foi passando o tempo, eu só pescando, aí fui crescendo. Aí, fiquei de maior, já morando com as pessoas que praticamente me criou, porque eu desde pequeno, dos nove anos, que convivia com eles. Aí, terminei tendo uma relação com a filha deles, terminei gerando uma família. Aí, fui construir a casa, pronto! Aqui de casa eu passei mais de 20 anos dono de uma casa. Construí, ajeitei, o quintal era muito grande, onde eu parava a minha embarcação era no quintal da minha casa. Mas a minha casa era por traz de outras casas, porque tinham as casas principais que eram de frente para o colégio. A minha tinha um beco que entrava, os carros só entravam lá e saiam de ré, porque só tinha uma entrada, não tinha saída. Minha vida foi essa. Aí criei os filhos, as minhas três filhas. Estudando e até hoje…
17:01 P/1 - Aonde você estudou?
R - Eu estudei aqui. Quando eu estudei, eu nunca estudei em escola pública e nem do estado. Aí, eu estudei numa escola que na época quem fundou foi uma Fundação que tinha aqui, que era negócio de pesca, que foi ao lado da igreja. Era um salão que tinha, que passaram a dar aula para as crianças, e eu fui pra lá já adulto. Não frequentei escola. Aprendi lá. Mas de escola não cheguei a me matricular não.
17:50 P/2 - Você lembra de algum professor que marcou?
R - As professoras eu lembro, que começou a me ensinar as letras do alfabeto, aí foi. Passei dois, três anos estudando. Depois saí e continuei aprendendo sem ir pra sala de aula.
18:14 P/2 - Algum amigo de infância, da escola, que lhe marcou?
R - Amigos tinha e ainda tenho. Faleceu alguns, mas ainda tenho amigos que estudaram comigo nesse salão, que era o salão paroquial, aqui ao lado da igreja. Ao lado da Igreja de São Pedro. Aí, foi o tempo que eu vim para a Colônia. O presidente, na época, estava fazendo irregularidades, teve uma reunião, onde teve de formar uma chapa, para ter intervenção. Aí, eu fiquei nessa chapa da Junta. E depois ninguém queria, aí foi formado uma chapa com duas pessoas daqui do bairro, eu e a Salete, finada Salete, que morava aqui no Flexal. E outra presidente que ficou, da comissão, foi uma menina lá do Rangel. Eu fiquei como tesoureiro, a Salete ficou como secretária, e a menina era presidente. E daí, eu fiquei presidente mesmo da comissão. Aí, depois teve eleição, a gente ganhou, e eu fiquei praticamente presidente, porque a presidente: “Você vai ficar aí, qualquer coisa eu só assino.” Aí, eu fui botando para frente. Aí, depois, na outra eleição, eu já fiquei como presidente. Sai como presidente, ela ficou como tesoureira. E de presidente eu estou até hoje, há 18 anos.
20:01 P/1 - Você se lembra de algum lugar no seu bairro, como era antes? De alguma paisagem que você gostava muito de ver? Você se lembra?
R - Aqui a paisagem era muito boa. Por quê? Por causa do manguezal, a gente tinha aqui o mangue, era uma paisagem bonita. A gente tinha várias espécies de ave e de bicho que tinha, porque a gente tinha aqui o manguezal, era muito grande. A gente ia dar aqui pra Bom Parto, não precisava ir de carro, a gente ia pelo mangue, entrava no mangue aqui e ia pelo mangue, o mangue era seco, só os talos, a gente ia pisando, ia bater lá. Quando chovia, era um diversão aqui, quando chovia, as trovoadas, porque todo mundo, não só os pescadores, mas todo mundo que morava aqui em torno. “Eita, vamos pegar caranguejo.” Porque quando bate as trovoadas, os trovão, tudo, os caranguejos sai tudo do buraco, chega fica aquele bonito de caranguejo. Aí, todo mundo ia com saco, aí era só pegando, escolhendo os maiores. Era uma fonte de renda, não só para quem pescava, mas pra quem não pescava, que pegava o saco. “Eita, vamos pegar um bocado de caranguejo.” Isso era muito bom. O mangue, o manguezal era muito bom. Aí, de 15 anos pra cá, a gente foi vendo a tendência de ir se acabando o mangue. Por quê? Porque quando a gente andava, ia se afundando, aí cada vez ia se afundando mais o solo, e aquelas espécies acabando. Porque o buraco do caranguejo tem água, mas ele sai, fica ali respirando, porque tá no seco. Mas quando fica tudo alagado, aí o caranguejo não vai ficar lá que ele morre. Jacaré, vários tipos de negócio não sobrevive só embaixo d'água.
22:00 P/1 - Como foi que se deu a sua relação com a sua esposa e com o seus sogros depois que vocês tiveram filho? Como foi? Conta pra gente, por favor!
R - Foi muito boa. Pronto, aí eu convivia na casa deles, e ali foi rolando uma amizade, uma amizade. Aí, começamos a namorar. E namorando eu já comecei a comprar os móveis. E trepava entre uma parede e outra. Aí, eu fui comprando as coisas tudinho. Aí, foi um tempo que um rapaz disse: “cara, quer comprar a casa do meu pai?” Que era um chalezinho. Quer comprar? “Rapaz, quanto será que ele vende?” “Ele vende por quatro mil cruzeiros.” E eu disse: “Eita, rapaz, eu vou ver se arrumo”. Aí, arrumei dois mil cruzeiros. Aí, eu dizendo para o meu sogro, deu para arrumar dois mil cruzeiros. Aí, ele disse: “Não, não se preocupe não, que os outros dois mil eu lhe dou”. Disse: “Não, o senhor me empresta, depois eu…” “Não, que você não vai casar com a minha filha? Aí, já fica a parte dela”. Aí eu disse: “Tá certo!” Aí, comprei. E o rapaz que morava na casa, foi pra casa onde eu ia alugar quando eu me casasse, que eu já tinha dado até a fiança. Aí, ele disse: “Não, eu vou devolver a fiança e vou ficar lá”. Aí, mandei o cara ajeitar a casa, rebocar e tudo, o pedreiro. Aí, ajeitou tudinho. Quando eu estava na semana de me casar, ajeitei meus móveis tudinho lá na casa, e quando casou, a lua de mel já foi na casa, porque já está toda arrumada, toda pintada, toda bonitinha, pronto! Já estava com móveis todos, porque eu vinha juntando e comprando aos poucos. Trepando lá nas coisas. E foi só melhorando, melhorando a casa. Aí, foi tempo que chegou a primeira filha. A primeira filha nasceu morta, foi um impacto muito grande. Porque a pessoa espera, aí quando chega na maternidade para pegar a mulher. “Então, a sua filha nasceu morta.” Mas mesmo assim… Aí, eu tinha muitos amigos, aí um deles, que era o professor Carlos, disse: “Não…” Eu tinha ido com ele, porque ele tinha carro na época. Aí, ele disse: “Não, não se preocupe não, que eu vou buscar o caixão agora”. Já trouxe a menina no caixão e fizemos o sepultamento. Aí, eu ficamos, a vida foi levando. Um ano depois, teve outra menina, uma filha. Aí, foi indo, ajeitando a casa e tudo, ali com uma, depois apareceu a segunda, aí a terceira. Aí, já estava tudo pronto, a casa. Minha vida, eu não tenho assim, o que reclamar, sabe. Da pesca deu pra mim viver, é dá para viver. E porque eu sempre converso com alguns pescadores, quando ele reclama que na lagoa não tem nada, eu digo: “É porque você não é pescador, você é pescador de aquário, porque se você fizer da pesca um trabalho, aí você vive muito melhor”. Porque a vantagem da pesca, é porque a pesca não precisa de escolaridade, você ter escolaridade, não precisa de roupa, de nada. Se você for trabalhar em qualquer canto, numa loja, em qualquer canto, você tem que estar alinhado, tudo com dinheiro do salário. Se abrir uma loja hoje, aí precisa de cem pessoas, vai ter mil lá botando currículo pra disputar aquelas cem vagas. E na lagoa, não, na lagoa você tira isso sem precisar disso. Você está trabalhando para você e vai ganhar o que ganharia ou mais do que trabalhando em terra, em uma loja, né? Aí, sempre eu falo, porque sustentei a minha família todinha, construindo a casa, ajeitando, porque eu nunca parava de trabalhar, de pescar, pescava que nem uma pessoa trabalha numa empresa. Aí, até hoje, botei na escola, tudinho se formaram, terminaram. Terminou os estudos duas, e uma quis prolongar. Aí, está fazendo faculdade, está na faculdade. Hoje ela me ajuda aqui na Colônia e trabalha agora um período também na creche. Aí, as coisas só melhorando. Por quê? Porque você não pode visar para os outros. Porque tem muito pescador assim, só ia pescar quando os outros pegavam. Mas quando os outros pegam, aí você não vai pegar, porque os outros já pegaram. Aí, quando eles iam, era o dia que estava ruim. Aí, já não ia de novo. Aí, o cara ia de novo, aí pegava. “Oxi, eu fui ontem, e nem peguei.” Porque não fazia da atividade… Não era assim, pescador de fato e direito. Não era de fato e direito. Era pescador assim, de ir quando tem muito, o povo tá pegando, aí vai. Mas não vai direto. Mas quem vai direto… Até hoje eu conheço muitos que vai direto, faz daquilo a pesca, e vive tudo bem. É igual a outra atividade. Eu sempre converso, é igual a outra atividade. Tem pedreiro que não falta serviço, mas tem outro que passa a vida todinha parado. Tem pintor que não falta serviço, mas às vezes tem muitos que ficam parados. Por quê? Porque quer parar um ano, e num dia quer ganhar o dinheiro do ano todo. Aí, é igual a pesca. Pesca pra mim foi fundamental até hoje, onde eu chego elogio. Reclamo, pedindo melhoria, o que a gente quer da lagoa e onde eu estou, eu sempre cobro, é que tenha mais investimento, que o poder público, governo estadual, governo municipal, ele olhe pra essa categoria que é tão importante, e eles deixam de lado. A gente tem mais de dez mil pescadores que tira o sustento dessa Lagoa Mundaú. Não é nem da Lagoa Mundaú e Manguaba, é só aqui na Lagoa Mundaú. A gente tem dez mil pescadores e pescadoras com LGP, Registro Geral de Pesca. Sem falar nos que não tem esse registro. Pesca sim, sem documentação, sem procurar uma Colônia para fazer essa documentação. A gente tem dez mil. Essas dez mil, ela trabalha e gera mais emprego. Por quê? Porque a gente pescador, principalmente nas épocas que não tem chuva, que tem sururu. Aí, um pescador, uma embarcação, anda com dois pescadores. Uma embarcação, dois pescadores, ele dá trabalho para mais quatro pessoas, uma embarcação, ela é mais do que uma microempresa. É mais do que essas microempresa. Porque uma microempresa, tem dois, três funcionários. E uma embarcação, anda com duas pessoas, gera serviço para mais quatro, aí seis. Porque eles tiram o sururu, o sururu, eles dividem, tira 20 lata, é 5 latas para cada pessoa depenicar, cada marisqueira, gerando quatro empregos, fora o deles dois. Aí, ali ainda vai beneficiar outras vendedoras, outras pessoas que vendem o produto. Gira muito. No verão…. Aqui não, que aqui são poucas marisqueiras, de primeira era bem mais. É bem pouca, mas se você chegar no Dique Estrada, por ali, no Trapiche, por ali, pelo Virgem dos Pobres, ali onde estão os prédios, que foi construído, você vê lá, é muita gente despencando, você vê mulher peneirando sururu, você vê um monte de mulher com menino. Aí, gera muito. Por isso que esses políticos poderiam ver a Lagoa com outros olhos. Eu sempre digo, tirando da empresa Braskem, essa Lagoa aqui é uma das grandes empresas que tem aqui no estado, porque gera muito emprego, para muita gente. Sobrevive, vive e sobrevive da pesca aqui.
30:45 P/1 - Você falou da sua casa, do seu imóvel, como foi que você construiu essa família. E como foi para você, ter que deixar isso tudo?
R - Olha, eu sempre falo, eu falo a minha opinião. Eu perdi, perdi não, eu deixei de ter aquela ligação com os colegas e os moradores vizinhos. Por quê? Porque se distanciaram. Mas a gente ainda se comunica por grupo. Agora, se você dizer: você foi beneficiado? Aí, eu vou dizer: Para mim, eu fui beneficiado, porque eu não vou dizer uma coisa que não fui beneficiado. Eu tinha duas filhas maiores, já casadas, que pagavam aluguel. Com a chegada da Braskem para retirar a minha casa. Aí, eu fiz dois barracos atrás, porque a gente tinha um beco onde passava com o carro para ir vender os peixe, tudo. Aí, eu construí dois barracos atrás. Esses barracos renderam uma casa para cada uma, em outro bairro, onde eles escolheram. Aí, elas poderiam construir uma casa, mas não tinham expectativa para quando ia construir, ia ter esse dinheiro para comprar uma casa, porque pagava aluguel, o que o marido recebia não dava para tirar. Podia futuramente comprar um terreno, uma casinha, com a indenização, mas não tinha previsão. E na minha saída, eu tive o prazer de com a indenização comprar uma casa para cada uma, uma para mim, uma para as minhas filhas e os materiais, pronto! Uma quis morar no Jardim Petrópolis. “Eu quero morar no Jardim Petrópolis, pai.” Ali por perto do supermercado. “Procure.” Comprei uma casa com dinheiro que recebi da parte do barraco dela.
32:55 P/1 - Como que a sua rotina foi afetada depois de tudo isso que aconteceu?
R - Olha, ela foi afetada, assim, que nem eu estava falando. Para mim veio um benefício, porque onde eu morava, a casa que eu morava, não era do jeito da que eu tenho agora. A que eu tenho agora é bem melhor. Tive a oportunidade de dar para cada uma das minhas filhas uma casa, que eu não ia poder dar no momento. Podia ser que desse, que ninguém sabe o dia de amanhã. Mas não tinha essa esperança de dar tão cedo uma casa a cada uma. Dei uma casa a uma, dei uma casa a outra. Dei um carro a outra. E comprei uma uma boa casa. Por quê? Por causa do valor do imóvel que eu tinha, quando juntou tudinho, deu para fazer isso. Fui morar num bairro também bom, próximo do local de trabalho que é a lagoa. Pra mim, essa mudança foi boa, para mim. Eu estou dizendo no meu ponto de vista, porque o que é bom para mim, não podia ser para outra pessoa. Mas para mim foi bom. Pra mim eu vejo que foi bom. Que onde eu morava, eu morava por trás das casas das pessoas. Hoje eu moro na principal. Aí, foi boa. Afetou, você morava, aí você pegava a sua embarcação, eu pegava a minha embarcação, no meu quintal, na minha casa. Hoje, não. Hoje eu tenho de sair para ir onde está a minha embarcação. Mas você tem de abrir mão de alguma coisa, para melhorar você tem de ceder, de abrir mão. Foi só essa parte que me afetou. Porque não ficou encostando a minha embarcação no meu quintal. Mas eu tenho o local de botar a embarcação e tenho a minha casa num lugar, numa área boa. Aí, o transporte, se eu quero vir para o centro, onde eu moro, tem trem, tem lotação, tem tudo. Eu sempre digo, às vezes a pessoa diz: “vou sair para um lugar tão longe…” O cara ganha uma casa aqui, hoje, tem pessoas, que ganha uma casa porque mora nas quebradas, aí ganha uma casa. Aí ganha lá no Benedito Bentes, ai o cara diz: “Oxe, olha eu morando aqui, vou lá para o Benedito Bentes”. Aí, pega a casa, vende, e volta para a barreira. Ele diz: “Não, porque lá é longe, lá é longe.” Longe é você morar em um estado bem conhecido, que nem São Paulo, ou Rio de Janeiro. Eu digo: “Rapaz, você não vê na reportagem, a pessoa para trabalhar sai quatro horas da manhã, três horas, para chegar oito horas no trabalho. Olha, você acordar três horas para pegar um trem, para depois pegar ônibus, para poder chegar lá. E ele não vive? Você morando aqui no Tabuleiro, aqui no Benedito Bentes, aí você acha que daqui para o centro é longe? Longe é para aquelas pessoas, que tem que acordar duas horas, três horas”. Porque é assim, aí o cara ganhou a casa, porque é longe, aí volta com o mesmo canto, para área de risco. Porque o ser humano é meio complicado de a pessoa entender, muitas pessoas. Muitas agradecem as coisas boas que vem para ele, outras não agradecem.
36:47 P/1 - Como é que ficou a sua saúde mental e a da sua família?
R - É que nem eu disse: cada um tem uma visão é um ponto de vista, da minha não afetou nada. Da minha família não afetou nada. Por quê? Porque para a minha família foi boa, para outras pessoas não foi. Mas para mim foi, não afetou nada. Por quê? Porque eu melhorei. A minha filha morava no aluguel, aí passou a morar numa casa própria, num lugar onde ela queria. Aí, só foi benefício para ela. Eu passei de uma casa menor, que a minha casa tinha três metros, era confortável, toda na cerâmica, nas paredes, no piso. Era confortável. Mas era num local mais ruim. Por quê? Porque era ruim, eu digo, porque lá eu morava por traz de outra casa, das casas da frente. Tinha uma rua, onde o carro entrava, mas ele tinha de voltar de ré, porque era por trás. Tá certo que eu encostava a minha embarcação no meu quintal, no meu quintal. Mas hoje a minha embarcação fica em outro porto, fica mais longe, mas a minha casa é superior à que eu tinha, não é? Aí, o impacto para a minha família foi o mínimo. Para a minha família foi o mínimo. Todo mundo que morava, minha família, que morava próximo a mim, tudinho ficou bom, porque as indenizações delas deram para elas comprar uma casa onde elas queriam, e também boa.
38:22 P/2 - Senhor Mário, senhor tinha comentado a área lagunar, sobre o governo. Qual essa melhoria que o senhor tanto fala para os pescadores e as marisqueiras?
R - Olhe, é que a gente esses anos todos, que eu tenho de pesca, 50 anos na lagoa pescando, eu nunca vi um desassoreamento na lagoa. A lagoa, em torno dela, tem barreira, foras as areias, tudo que vai entrando ali. Essa lagoa era muito funda, a laguna, era muito funda. A gente tem uma boca de rio, e tem uma boca de barra, entra água salgada e entra água doce. Por isso que é uma laguna. Aí, esses anos todos nunca teve um investimento por parte do governo, seja estadual ou municipal, visando o tratamento dessa lagoa, visando a melhoria da lagoa. Vendo ela que a gente mora no estado, que é o estado de Alagoas, que já só pelo nome e o estado de Alagoas, nós temos na bandeira do Estado, três tainhas, até o símbolo é da lagoa. São peixes que nós temos, no símbolo da bandeira de Alagoas, são três peixes lá. Era pra quê? Pra ter mais investimento por parte do governo em uma lagoa dessa. Mas não tem. A gente está aí sempre cobrando. A gente já fez vários encontros de pescadores e de outros órgãos no Ministério Público Federal, lá. E quando eu vou, eu sempre cobro o desassoreamento, que é a melhor coisa que pode ser feita na lagoa é o desassoreamento. Nós temos aí uma lagoa assoreada, que nós temos a perda de sururu mais rápida por causa disso, por causa da lagoa ser rasa, qualquer chuva, aí não tem correnteza, aí o sururu morre, porque o sururu fica tudo com a boquinha aberta e aquele pó, aquela nata do barro. Aí, quando coisa, aí mata o sururu. Onde resiste mais o tempo, o sururu, é nos canais, e mesmo assim os canais estão rasos, estão rasos. Aí, é onde demora mais o sururu morrer. Quando chove dois, três meses, no inverno, a gente já sabe que não vai ter o sururu, por causa disso. De primeiro, não, de primeiro, quando eu tinha meus dez anos, onze anos, essa lagoa era funda, a gente encostava nas croas, no outro lado aqui, nas croa, quando bota a proa da canoa na areia, mas o fundo da canoa atrás, já ficava no buraco. O cabra dizia: não vai para ali não, que bateu ali é o buraco, ali atrás. Porque era fundo os canais. Hoje o canal, cada passo andando, com a mão levantada, com a roupa, lugar fundo, lugar que tinha dez metros, quinze metros de fundura. Hoje o lugar mais funda tem cinco metros. Essa lagoa largona, que o povo vê, mas ela tem dois metros de fundura, só dois metros, porque o resto é lama. Aí, se você botar o remo para encostar só na florzinha da lama, aí você mede lá, dois metros, tem lugar que tem menos de dois metros. O cara diz: “Rapaz, essa lagoa deve ser funda”. Não é! Toda vez, em toda reunião que eu vou, o que eu cobro é o desassoreamento. Eu digo: se desassorear esses canais… Se você chegar no Pontal da Barra, na ponte, ali numa maré baixa, você vê as proas todinhas, você vê só aquele becozinho, aquele regozinho. Por isso que de vez em quando acontece acidente de barco com embarcação. Por quê? Porque eles vão dividir negócio de quatro, cinco metros. A embarcação de pesqueira com a embarcação de turista, passando com aqueles barcos. Por quê? Por causa do desassoreamento. De primeiro você via só a proa, alguma proa, nas marés baixas. Hoje em todas as marés você vê tudo de fora, as proas todinhas, logo na Boca da Barra. A Boca da Barra é a fonte que entra o peixe. Nós não temos peixes nativos aqui na lagoa. O peixe daqui é peixe que entra para desovar e volta na alta maré. A gente não tem peixe nativo. Todos os peixes vêm do mar. Alguns que vem do rio, que é a tilápia, que é peixe de rio. No inverno, quando a água fica mais doce, aí é onde a gente pega mais tilápia, ou na beira do rio aqui, que nem o menino pesca aqui, mas porque é próximo do Rio Silva e tudo, aí é onde junta os peixes, porque é peixe de rio, peixe de água doce. Mas todo peixe vem do mar. Se na entrada do peixe está seco lá, como é com o peixe? Várias espécies deixou de existir na nossa lagoa devido o assoreamento dos canais. Se o governo visar, vamos fazer um desassoreamento nessa lagoa, dos canais. Aí, a vida de nós pescadores vai melhorar 100%. Com toda a dificuldade que a nossa lagoa tem de assoreamento, a gente já dá pra viver, dá para viver. O cabra dizer que não dá para viver. Dá para viver. Você vai ganhar aqui, é mesmo que você está trabalhando numa loja, ou em qualquer canto que ganha um salário, um salário e meio, você vai tirar da lagoa, você ainda tira. Basta você querer trabalhar, que nem trabalha numa firma. Numa firma você vai trabalhar, você tem horário de pegar e de largar, almoço, e pegar de novo. Na lagoa, se você fizer do mesmo jeito, você vê que você vai viver bem. E não tem esse negócio de você… “Eita, eu tenho que ter o primeiro grau.” Não, a lagoa está aí só dando chance de você ganhar o dinheiro. Agora, também precisando de investimento por parte do governo estadual, do governo municipal, que são eles que podem acionar o governo federal com investimento para esse fim. Nós tivemos agora pouco uma audiência pública que foi na Assembleia. Aí, eu disse lá, um cabra puxou muita conversa, conversando assunto que não era foco principal, quando eu entrei, eles resumiram o horário. Aí, eu disse: “Olha, nós estamos numa coisa importante, uma audiência pública importante, porque tem pessoas para ouvir a nossa reivindicação. Aí, a gente não pode conversar assunto que não vai ter sentido, vamos falar do que é importante”. “O importante deputada…” Que foi uma deputada e estava a ministra, a ministra das mulheres, foi convidada, estava lá. Eu disse pra ela: “Acabou de sair o deputado aqui, que foi o Paulão”. Quando o cara terminou, o Paulão saiu. Eu digo: “Eu queria que o Paulão tivesse aqui.” Que é o deputado federal. “Queria que ele tivesse pra eu perguntar a ele, porque ele é daqui de Alagoas, porque nunca fez nenhuma emenda para destinar para a lagoa, para o desassoreamento. Porque, deputada, eu nunca vi nenhum deputado com nenhum projeto, tirando um daqui que fez um projeto, que não passou, passou pelos deputado todos, que assinaram, e só ficou faltando a assinatura do governador, e o governador saiu, entrou outro governador, e até hoje isso não foi aprovado por ele. Pelos deputados, na época, assinaram, todos deputados assinaram, pra gente receber um auxílio, nas épocas de inverno, os quatro meses do inverno, a gente receber um auxílio. Esse auxílio a gente não está recebendo e nem tem previsão, porque faltou a assinatura do governador e dos deputados. Aí, já está aí, com quatro ou cinco anos, que foi aprovado, foi feito isso, esse projeto, e ficou engavetado. Aí, eu ia perguntar ao deputado Paulão, porque ele nunca fez uma emenda colocando uma lagoa que nem essa em prioridade para fazer o desassoreamento, que é tão importante para o pescador e para as marisqueiras”. Lá estava repleto de marisqueiras, tinha mais de 150 pessoas, que o auditório nem cabia mais, ficou gente do lá de fora. Aí, eu dizendo… Você falar é uma coisa, quero ver o tempo que tem que nenhum deputado ainda não se pronunciou para fazer um projeto para desassoreamento, que é tão importante para nós pescadores. Aí eu disse: “Está chegando a eleição e a gente espera que a senhora, ministra, leve isso para o presidente, que é do partido do governador, aí chamar ele e dizer porque motivo um investimento tão importante para a pesca ainda não foi feito, que é o desassoreamento”. E estamos aí aguardando.
48:34 P/1 - Qual o seu sentimento quando você passa ali pela aquela região afetada que já foi realocada?
R - É triste. Por quê? Porque muita gente, principalmente os idosos, sentiram muito, porque a pessoa que tem um tempo, uma convivência desde pequeno, 50 anos, 60 anos, morando no local, que nem no Pinheiro, que nem aqui em Bebedouro, né? Tem parte que afetou muito, principalmente as pessoas idosas. Não é? Aí, é triste a pessoa ver. Tem pessoas que também, que por um motivo, aí um motivo leva o outro. Teve uma pessoa que morreu, se matou, ali perto do sanatório. Aí, o povo de lá. “Está vendo? O rapaz se matou ao vir olhar a casa dele. Se matou.” Mas também deve ter outro problema que ocasionou ele fazer aquilo. Às vezes, não é só o fato de ter saído daqui. Deve ter outro problema que levou a ele a se matar ali entre o sanatório para cá, naquela entrada que ele morava, ele se matou lá. Aí, é triste, você passar num canto, que sempre o cara passava, agora está fantasma. Até aqueles predinhos, que ainda tinha, derrubaram. Vai ficar tudo vazio ali. O cara passa… É uma história que ficou pra trás, só na lembrança, em alguns vídeos que tem dos moradores, que posta, como era aquilo ali. Afetou e afetou igual está afetando as pessoas que ainda tem aqui. Porque as pessoas que tem aqui também estão sofrendo igual a muitos que moram ainda naquela parte do Farol, pegando o Pinheiro, que não saíram. E perderam tudo que tinham ali, o _____, as lojas. Tudo fica lá, quando vem vender algum produto, algum negócio, porque ficou uma área morta. Aquelas casas que ainda estão ali em frente ao Pinheiro, por ali, prejudicou. O mesmo caso do povo daqui, do Flexal, que tem, é o caso de lá. Ficou frustrado, ficou ali isolado também. Aquelas pessoas ficaram isoladas, tá certo que ali é perto do Farol, e perto do centro, mas ficou isolado. Porque aquela rua todinha ali onde ficou aquele foco de movimento, hoje o cara passa é um fantasma, o cara passa a noite, principalmente final de semana, passa domingo, sábado, por ali a noite, o cara vê aquele deserto. “Rapaz, o que era aqui.” Aí, isso para muitas pessoas idosas, é um impacto muito grande. “Rapaz, aqui os meus vizinhos moravam ali.” Por quê? Porque eles não são que nem muitos, que nem a gente, que eu digo, que morava aqui no Porto das Pedras, conhecido como o Porto das Pedras. Que a gente fez um grupo, aí muita gente foi aqui para o Paraíso, ficaram tudo próximo. Uns ficaram aqui no Bebedouro, outros no Paraíso, que é o Paraíso é o foco de moradores daqui. Aí, a gente tem um grupo, aí se fala diariamente no grupo. Negócio de jogo, de tudo, de festa, de evento que tem. Os que tem na Jaqueira, tudo por ali. Aí, eles postam, “Olha, vem pra cá!” O cara vai, aí se encontra. Em todos os cantos a gente se encontra. Mas muita gente idosa, aí não tem esse acompanhamento, esse grupo pra estar sempre conversando. Isso afetou muito. Afeta.
52:16 - Como você vê o futuro daquela região que foi afetada e dessa região de borda? E do meio ambiente também. Como é que você vê isso?
R - Olha, eu espero que eles façam o que prometeram. Pelo menos, aparentemente, a gente teve uma perda muito grande de manguezal. Onde eles estão preenchendo um pouco dessa perda que a gente teve, que eles estão fazendo uma plantação de manguezal, para substituir o que perdeu nessas áreas. Do Bom Parto, ali na parte de cima, ali vai ficar bem pouco, porque ali foi uma área que foi mais afetada, porque desceu o solo todo, chegou até onde tem só o negócio da Braskem, não tem mais aquele espaço, aí não vai ter manguezal ali. Eles alegam que é essa área aqui do Bom Conselho pra cá, é onde eles estão reflorestando para compensar um pouco a perda do meio ambiente, que é o nosso manguezal. Espero que eles façam isso. Muita gente não está acreditando, fica pensando, “Rapaz, essa empresa não vai nem chegar a terminar o que ela está fazendo aqui na parte do Flexal de Baixo e Flexal de Cima, as obras”.
53:52 P/1 - O que você gostaria que as pessoas soubessem dessa experiência que você passou junto com a sua família?
R - Que soubesse? Eu queria que soubessem que a minha experiência, pode não ser a experiência dela, a minha experiência do tempo que passou e tudo… Porque a minha cabeça é diferente das outras pessoas. Eu na idade sou antigo, mas eu sou novo na visão, eu sou velho na idade, mas na visão… Aí, eu não tive muito impacto. Muita gente teve impacto. Para mim, é que nem eu disse, para mim foi bom, porque eu saí de um canto pra outro melhor. Mas nem todo mundo pensou que nem eu. Pensa que nem eu. Para muitos foi ruim. Foi por isso que quando as pessoas estavam saindo do Beira Rio, aqui conhecido como Beira Rio, muitos, porque ali era uma área de mais pescadores, porque era no rio… Eu fui no Ministério Público Municipal, aqui, cobrar que fosse criado um centro… Não pedi nem um centro pesqueiro, eu fui lá pedir pra eles intervir junto a Braskem e junto a prefeitura, para ser criado um galpão para os pescadores que estavam saindo daqui para a parte alta, para Clima Bom, para essa parte alta. Aí, lá, quando eu cheguei, me identifiquei, e eles perguntaram qual era a reivindicação. Eu disse: “Eu sou presidente da Colônia, e sou pescador, e fui deslocado de Porto das Pedras para Fernão Velho, mas eu fui para uma área próxima a lagoa, e nem todo mundo teve a oportunidade de ir para uma área próxima a lagoa, aí foram para a parte alta, Benedito Bentes, Clima Bom, essa parte.” E pescador, é diferente dos outros, quando pega dinheiro, aí o cara tomava cachaça, aí com dinheiro, o cara só quer tomar a verdinha, a cerveja verdinha, porque tá com dinheiro, aí muitos não pensam que aquilo vai acabar. Aí, quando acabar, aí eles vão olhar e vão ver que o que faz é a pesca. E como é que vai pescar? Porque para vir do Clima Bom para a Lagoa, o ônibus não traz os apetrechos de pesca, não traz motor, e isso vai causar um dano muito grande para eles depois. “Rapaz, o que eu sei é da pesca. E agora, o que é que eu vou fazer?” Depois que acabar o dinheiro, com um ano, com dois anos. Aí, acaba, aí ele não pode. Ela disse: “Tem muitos que já estão migrando para outra atividade, sem ser a da pesca.” Aí, eu disse: “É mesmo, tem razão. A pesca não pode parar, o cara que é pescador não por ir para fazer outra atividade, tem de ser na pesca. É por isso que eu quero que seja feito um galpão, para que eles guardem os materiais, e possa tomar um banho e botar o peixe no balde e ir para casa”. Porque deixou o material dele guardadinho lá. Para não mudar, porque isso é o que vai acontecer. E foi dito e feito. Muita gente gastou dinheiro e teve de voltar ou ir para outra atividade. Aí, foi quando eles ficaram de vim olhar o espaço. Digo: Espaço tem. Um espaço bom que tem é lá no final do Flexal. Por quê? Porque é uma área que é areada, você pode estacionar a sua embarcação, que é tudo areada. Na outra parte, é tudo de lama, aí fica ruim. Mas fica um porto que nem o de Jaraguá, onde fica aquele monte de barcos, e os caras guardam os materiais e vão embora. Lá é uma área… Aí, foi quando eles botaram, passou um bocado de tempo, quase quatro anos. Quando agora, no projeto, incluíram para fazer esse negócio lá, que é que nem um centro pesqueiro, o píer, que disseram. Aí, eu dei a lista das pessoas. “Essas pessoas são as que saíram e estão na parte alta. Que saíram e que continuam na atividade. Uns deixaram a embarcação no quintal de uns colegas que ainda residem aqui, e outros estão deixando de vir.” Aí, foi quando fez esse projeto. Aí, eu dei a lista, “Essa aí é a lista dos que saíram e precisam ter um canto para guardar os materiais.” E onde está sendo construído, ali no Flexal, esse píer, que é de guardar os materiais dos pescadores.
58:51 P/1 - Para a gente concluir. Tem alguma coisa que você queira acrescentar, alguma história que você não contou que queira contar?
R - Não, o importante é assim, que a gente até tinha, e hoje a gente não tem. Aqui a gente tinha um projeto pela prefeitura, que era o Gari Pescador. O Gari Pescador, foi incluído na empresa de limpeza, para limpar o entorno da lagoa, para limpar a beira do mangue, aquele dique estrada ali, aquelas áreas todinhas. Aí, incluiu pescadores. Por quê? Porque os pescadores tinham o jeito de movimentar a embarcação, já que era uma área na beira da lagoa, no mangue. Aí, teve o cadastro, fizeram o cadastro na Federação dos Pescadores, um cadastro onde cadastrou vários pescadores para fazer essa limpeza, e ele recebia o repasse pela prefeitura, a prefeitura pagava aos pescadores para fazer essa limpeza, que era Gari Pescador. E a gente sempre vem cobrando, mas até agora, por parte do município, a gente não teve mais esse projeto de Gari Pescador. Era uma limpeza que o pescador fazia na beirada da lagoa, pelo entorno da lagoa. Aí, quem bancava era o município, que pagava o pescador todo mês, que estava inscrito para receber. Era muito importante. Aí, foi tempo que o prefeito… Depois, aí foi mudando de prefeito, e o prefeito último agora, ele trouxe um barco para fazer essa coleta, essa limpeza. Mas é um barco flutuante para puxar o lixo. É flutuante. Aí, eu até questionei uma vez, dizendo que esse projeto que eles fizeram de trazer essa embarcação, gastando uma fortuna, não ia servir. Ia servir para o Rio de Janeiro, para o Rio Tietê, porque é um rio que você vê pela reportagem, é cheio de garrafa pet, daqueles negócios, chega fica coberto o rio com isso, aí sim, essa máquina foi feita, apropriada para esse local, porque ia juntando aqueles lixos. Aqui não, aqui a gente tem um lixo já no fundo da lagoa, na beirada, que a máquina não pega. Aí, eles estavam investindo mais dinheiro nessa máquina que veio, passou um pouquinho, depois terminou saindo da lagoa. Só sem finalidade. Porque eu digo, o projeto Gari Pescador, ele não só beneficiou a lagoa, como beneficiou muitos pescadores. Que tem gente que na fase ruim, um trabalho que nem esse, é bom. Porque o cara fazia a atividade, e depois o cara ia pescar. Aí ganhava sua parte pelo serviço prestado e pela pesca. Mas até hoje a gente não viu nenhum investimento por parte do município, nem do estado, para a lagoa.
1:02:20 P/1 - O que você quer ver como seu legado para as próximas gerações?
R - Eu quero ver uma lagoa desassoreada, que dê oportunidade. Hoje, pescadores que nem eu… Aí, eles não querem mais os filhos focados, levando o legado deles com a pesca. Por quê? Porque tá vendo aí uma lagoa assoreada, não é que nem era, não é? Aí, isso faz com que o cabra diga: “Não, você vai estudar! Porque não quero que você seja pescador. Não quero que você seja marisqueira. Como é que você vai ser marisqueira, se de vez em quando aí passa anos sem o sururu? Estude para procurar outra atividade.” Aí, eu vejo assim. O meu interesse era que tivesse investimento na lagoa, pra que eles não acabassem essa história, não parasse de ter pescador, criança querendo continuar a atividade do pai. Que hoje são poucos os que estão seguindo a atividade do pai na pesca, principalmente aqui na nossa Lagoa Mundaú.
1:03:37 P/1 - Para a gente finalizar. Como foi para você contar um pouco da sua história, ser ouvido?
R - Ah, é bom! Eu sempre gosto muito de falar. Às vezes, vem estudantes, “Eita, Senhor Mauro, a gente queria fazer um trabalho…” Aí, sempre eu gosto de conversar. Eu gosto de dizer o que passa comigo, referente a lagoa, eu gosto de passar um pouco do que eu passei na lagoa, e venho passando, para as pessoas, sabe? Aí, eu acho muito interessante. Eu sempre gosto. O cabra diz: “Pode fazer uma entrevista?” “Posso.” Com esse negócio da Braskem, aqui chegaram pessoas pra me entrevistar do Japão, aqui chegou… Era reportagem direto para fazer entrevista. Do Japão, que veio com intérprete, o intérprete me dizia, e depois dizia ao cara, eu fazendo a entrevista. Aí, eu gosto. Rapaz, to conhecido que só a peste, até no Japão estou sendo conhecido.
1:04:35 P/1 - Para finalizar, obrigado por ter disponibilizado o seu tempo, por ter contado a sua história para a gente. Nós do projeto agradecemos.
R - Tomara que esse depoimento meu, com outras pessoas, isso venha a acrescentar e trazer bons resultados. Que é o que a gente… Não só para os pescadores, como para os moradores. Os moradores que saíram e os moradores que ainda residem aqui em torno da Lagoa também.
P/1 - Com certeza. Sua história foi muito importante para a gente e eu acredito que futuramente vai inspirar muitas pessoas. Obrigada.
R - Tomara.
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