Me chamo Luiz Carlos Sobral da Silva. Sou pescador, agente cultural, coordenador do grupo Nego Fugido e estudante da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Nasci em Acupe, distrito de Santo Amaro, lugar de rio que encontra o mar e vento que sopra histórias que não cabem nos livros.
Vim ao mundo no Dia do Folclore, 22 de agosto de 1982. Carrego no nome e na data o destino de quem nasceu para guardar memórias. Minha infância foi tecida por maré moqueca na brasa e beiju de folha. Cresci ouvindo encantarias e histórias sussurradas ao pé da rede, escutando minha avó falar de Djeku entidade que trazia pragas, e que só se aquietava com folha de bananeira e cantos de cura.
Ainda menino, compreendi: meu corpo ia virar tambor, minha boca, canto. Foi nas rodas de conversa, nos quintais e nos terreiros que aprendi a ouvir e, depois, a contar. A África que não vi nos livros da escola eu reconheci nas mãos dos mais velhos, no som dos atabaques, na dança das ruas, nos olhos de quem vive resistindo. Descobri que minha voz também era herança.
Mais tarde, peguei gosto por registrar histórias. Comecei a entrevistar os anciãos da comunidade, guiado pelo desejo de eternizar o que não podia se perder. Aprendi com eles que tradição é rio: se não correr, seca; se não cuidar, desaparece. E eu quis ser esse que cuida, que anota, que transmite.
Hoje, ensino o que recebi. Mostro às crianças como andar descalças sobre o chão quente da nossa memória, a reconhecer na areia, na água e no vento os caminhos de quem veio antes. Ensinar, para mim, é devolver ao mundo a dignidade da lembrança.
Sou filho do fogo. Corpo de tambor, palavra de cura, ponte entre o que foi e o que será. Enquanto houver canto, enquanto o tambor vibrar, nossa história continuará pulsando.