P1 – Nós começamos sempre pelo nome, local e data de nascimento. R - Elton Pinheiro Karru. Eu nasci em Panambi, município de Dourados em 31 de Março de 1963. P1 – E o nome dos seus pais, Elton? R - Meu pai se chama Nimsi Karru e a mãe Maria Soares Pinheiro Karru. P1 – Lembra dos avós? R - Lembro, João Henrique Karru e Yolanda Pereira Karru. Eu não lembro dos avós maternos porque eles sumiram da história não sei como. Eles abandonaram minha mãe pequenininha. P1 – O sobrenome Karru, me explica um pouco a origem. R - O meu bisavô era alemão e veio para o Brasil, para o Rio de Janeiro e se casou com uma mulata. Eu peguei o lado que escureceu da família e o sobrenome Karru veio dele. Na verdade acho que não se escrevia Karru como é a grafia hoje, a pronúncia é que era Karru como acabou ficando. P1 – Qual que era a atividade dos seus avós? R - O meu avô era um pequeno agricultor; na verdade, foi vendedor de livros religiosos por um período. A minha avó era professora. Quando vieram pro Mato Grosso, ela veio pra lecionar numas fazendas da região. P1 – Eles eram de onde? R - A minha avó era mineira e o meu avô era carioca, mas eles moravam em Minas Gerais e então vieram pra cá pra dar aula e meu avô trabalhar na venda de livros religiosos. Depois ele deixou essa atividade e passou a trabalhar com pequenas lavouras, era pequeno produtor pequeno. P1 – E a atividade de seus pais? R - Meu pai, desde jovem mexe com madeireira, sempre trabalhou com madeireira na região aqui de Dourados, Mato Grosso do Sul, e também agora no Mato Grosso, continua exercendo essa função. A minha mãe é do lar. P1 – Voce tem irmãos? R - Nós somos em cinco em casa, eu sou o mais velho. São duas meninas e três rapazes. P1 – Qual o nome deles? R - A mais velha, para falar na seqüência, é a Kelly, depois veio o Edílson, depois a Keila e depois veio o Nimsi Elinton. P1 – Eu queira,...
Continuar leituraP1 – Nós começamos sempre pelo nome, local e data de nascimento. R - Elton Pinheiro Karru. Eu nasci em Panambi, município de Dourados em 31 de Março de 1963. P1 – E o nome dos seus pais, Elton? R - Meu pai se chama Nimsi Karru e a mãe Maria Soares Pinheiro Karru. P1 – Lembra dos avós? R - Lembro, João Henrique Karru e Yolanda Pereira Karru. Eu não lembro dos avós maternos porque eles sumiram da história não sei como. Eles abandonaram minha mãe pequenininha. P1 – O sobrenome Karru, me explica um pouco a origem. R - O meu bisavô era alemão e veio para o Brasil, para o Rio de Janeiro e se casou com uma mulata. Eu peguei o lado que escureceu da família e o sobrenome Karru veio dele. Na verdade acho que não se escrevia Karru como é a grafia hoje, a pronúncia é que era Karru como acabou ficando. P1 – Qual que era a atividade dos seus avós? R - O meu avô era um pequeno agricultor; na verdade, foi vendedor de livros religiosos por um período. A minha avó era professora. Quando vieram pro Mato Grosso, ela veio pra lecionar numas fazendas da região. P1 – Eles eram de onde? R - A minha avó era mineira e o meu avô era carioca, mas eles moravam em Minas Gerais e então vieram pra cá pra dar aula e meu avô trabalhar na venda de livros religiosos. Depois ele deixou essa atividade e passou a trabalhar com pequenas lavouras, era pequeno produtor pequeno. P1 – E a atividade de seus pais? R - Meu pai, desde jovem mexe com madeireira, sempre trabalhou com madeireira na região aqui de Dourados, Mato Grosso do Sul, e também agora no Mato Grosso, continua exercendo essa função. A minha mãe é do lar. P1 – Voce tem irmãos? R - Nós somos em cinco em casa, eu sou o mais velho. São duas meninas e três rapazes. P1 – Qual o nome deles? R - A mais velha, para falar na seqüência, é a Kelly, depois veio o Edílson, depois a Keila e depois veio o Nimsi Elinton. P1 – Eu queira, que você mergulhasse um pouco na sua infância, contasse um pouquinho dessa história. R - Eu fui criado na região do Panambi, um vilarejo e naquela época não tinha as maldades que existem hoje. Então a gente tinha muita liberdade. Eu fui criado nadando nos córregos da região, comendo as frutas da região, ora do vizinho, ora nossa. P1 – Era arteiro? R - Jogando bola. P1 – Você era arteiro? Como é que era? R - Um pouco, minha mãe diz que era um pouco. P1 – Conta um pouco das artes, das brincadeiras. R - Eu lembro de brincadeiras, de arte nem tanto, mas eu lembro que a gente gostava de jogar muita bola e minha mãe era contra, não é que era contra, não queria deixar a gente sair de casa, às vezes, a gente fugia pra jogar bola e também pra pescar lá por perto. E foi uma infância muito saudável, o lugar era muito pequeno, eu vivi nessa região por onze anos, aquela região do Panambi, depois nós mudamos. E aí a atividade já foi um pouco diferente, eu tinha um amigo que tinha uma fazendinha perto de onde a gente morava e eu gostava de todas as tardes ir pra lá ajudar, cuidar do gado, separar os bezerros, pra que no outro dia tivesse leite. Então as minhas atividades eram essas. De vez em quando a gente caçava passarinho, que eu acho que hoje tá fora de moda e deveria estar naquela época, mas culturalmente não se cobrava tanto isso. Era muita aventura, sair pro mato, caçar, nadar, pescar, foi uma boa infância até os onze anos, depois eu fui estudar fora. P1 – Como é que foi o comecinho dos estudos? R - A minha professora, desde o primário foi uma tia minha, Nilza Karru Freitas. E a minha avó também me deu aula um período, a Yolanda, pois a gente morava numa região muito limitada. P1 – Você tinha aulas em casa então? R - Não. P1 – Como era? R - Era zona rural mesmo para onde a gente mudava, então meu pai construía a escola e a gente ajeitava com a secretaria municipal, minha tia passava a ser professora e passava a dar aula nesta escola. E como ele mexia com serraria, tinha vários funcionários, então os filhos dos funcionários da serraria também estudavam na escola e consequentemente os filhos dos fazendeiros da região ali, dos chacareiros também. E a gente acabava estudando ali nessa escola, eram aquelas salas compartilhadas, era primeira e segunda série, segundo e terceiro juntos. Mas foi uma boa formação pelo que a gente tinha na época, já que elas eram muito enérgicas. Aí nós não tivemos mais oportunidade de continuar ali porque não tinha quinta série. Foi aí que meu pai resolveu me mandar pra estudar num colégio interno em São Paulo. P1 – Qual o nome do colégio? R - Aliás, em Campinas, se chamava Instituto Adventista São Paulo, próximo a Campinas ali em Hortolândia, hoje se chama Instituto Adventista de Ensino Campus 2. E lá eu estudei por seis anos. Eu digo que foi a fase de ouro da minha vida porque amadureci muito, cresci, construí ali grandes amizades que perduram até hoje e sem contar que recebi uma formação educacional de bom nível e também religiosa, já que o colégio também tinha esse princípio. P1 – E como é que foi ficar longe de casa esse tempo todo? R - No começo foi muito difícil. Eu me lembro que no começo eu chorava bastante, mas nada assim com vontade de voltar necessariamente. A crise maior foi quando eu voltei das férias de julho, quando eu estive em casa e depois eu voltei. Realmente, foi muito difícil e aí numa tarde lá, eu chorei por algumas horas. Mas depois parece que aliviou e eu recobrei o ânimo e esqueci. Dali pra cá, daquele momento em diante, nunca mais eu chorei. P1 – E as diferenças culturais? Alimentação, clima, o que aconteceu? R - Isso é um lado interessante. Eu vinha de uma região, culturalmente falando, muito pobre, então falava errado. E tudo isso era complicado porque você vai para um ambiente escolar com um nível cultural diferente. Eu tive que ir aprimorando, ser um pouco criterioso, me preocupar com o que eu falava, com as palavras, me policiando pra que eu não falasse palavras erradas. Mesmo assim aconteceu algumas vezes, mas foi o suficiente pra eu aprender. P1 – Tem alguma coisa curiosa que você queira contar? R - Deve até ter alguma mas eu não estou lembrando agora. Eu lembro do ‘muito mais maior’, tinha muita coisa assim. A gente, às vezes, usava essa redundância que não é legal, mas com o tempo a gente foi aprendendo e rapidamente eu já estava enquadrado. Mas o aspecto cultural foi importante porque eu vinha de uma região do Mato Grosso e tinha amigos que tinham vindo de Angola, do Pará, tinha amigos americanos, do Rio Grande do Sul, de todos os lugares do Brasil. Humildes, financeiramente falando, mas aquilo tudo só somava, a gente na verdade saía dali todos acrescentados e contribuiu muito pro meu crescimento, meu aprimoramento. P1 – E os estudos? Tinha algum professor, alguma matéria que você gostava? R - Tinham professores muito interessantes, o nível deles era muito bom. Eu me lembro de um professor de física que me marcou muito, chamava Euler Bahia, eu nunca vi ele errar uma conta na sala de aula, eu não sei se ele decorava as continhas em casa, mas o fato é que eu nunca vi. Porque, às vezes, é até natural você trocar algum número, mas eu nunca percebi isso. E tinha um professor de inglês muito bom, professor Negreli, uma pessoa fantástica, muito dedicado. Tinha um professor de biologia que a gente chamava por senhor Veiga, também não lembro agora do primeiro nome dele. E havia muitos professores muito preparados, na língua portuguesa. Era excelente o nível dos professores. E foi importante pro meu preparo, quando eu saí de lá eu tive a oportunidade de prestar vestibular, comecei a fazer engenharia mecânica sem precisar fazer cursinho nem nada, eu passei no primeiro vestibular. P1 – Aonde foi ? R - Eu fiz esse vestibular no Rio Grande do Sul, na cidade do Rio Grande. Foi assim: quando terminei o segundo ano do segundo grau, tudo o que o colégio tinha a me oferecer já tinha me oferecido, não havia mais nada pra eu explorar no colégio, por exemplo, eu fui o atleta do ano, me despontei nas olimpíadas, fui o atleta que ganhei mais medalhas de ouro, em várias modalidades. P1 – Qual que era o seu esporte? R - Em basquetebol, em espirobol, em lançamento de dardos, em atletismo, 100, 200, 400 metros rasos. P1 – O que é espirobol? R - Espirobol é aquele esporte que tem um mastro e lá de cima desce uma corda e você amarra uma daquelas bolas que os boxeadores usam pra treinar, tem uma bola daquela que parece uma cabaça, no formato de uma gota, vamos dizer. Então você pode jogar em dupla ou sozinho com adversário, e aí um enrola para um lado e outro enrola pro outro. E quem conseguir primeiro, enrolar a bola no mastro, ganha o jogo. E eu me destaquei, e já estava muito feliz por isso, acabei ganhando a medalha de atleta do ano. Eu também fui presidente do grêmio masculino, já que também era um colégio interno para mulheres, um ano os homens faziam a festa da amizade e no outro ano as mulheres faziam. Então, no segundo ano do colegial eu já tinha coordenado todos os meninos do colégio, que era na faixa de trezentos meninos. Isso foi na década de 80. E aí eu participava do coral, foi realmente um ano muito proveitoso. Eu tive o prazer de realizar todos esses sonhos, ter essas oportunidades. E aí eu resolvi sair no segundo ano do segundo grau pra fazer o terceiro ano fora junto com o cursinho. Fui pra Curitiba para estudar, e fui morar lá com um colega que também tinha saído do colégio, estava fazendo o cursinho. Fomos estudar juntos lá. P1 – Mas só pra eu entender: por que você resolveu ir pra Curitiba? R - Pra fazer o cursinho. P2 – Mas por que Curitiba? R - Em Curitiba, foi o seguinte: como eu tinha esse amigo lá que trabalhava no cursinho, ele conseguiu uma bolsa de estudos pra mim pra eu poder jogar bola, basquetebol pelo cursinho, então eu não ia pagar nada. Isso facilitava, mas foi também pela amizade, pelo ambiente, acho que Curitiba é um grande centro de formação. Eu acabei indo morar com ele, uma companhia na época. P1 – E o que você achou de Curitiba? R - Curitiba é uma cidade muito boa, acho que podemos dizer que é uma das capitais que se desponta culturalmente no Brasil, tudo o que se aplica em grandes capitais Curitiba sai na frente. Eu acho o povo de lá um pouco frio, eu morei por um período sozinho e sofri muito com isso e, apesar dos meus pais pagarem meus estudos, sempre fui muito equilibrado nos gastos. Então eu morava num ginásio de esportes da Igreja Adventista de lá, tinha dois quartos e eu morava num deles. Não nos custava nada, se custava eu não me lembro, mas era bem pouco, e por conta disso as despesas eram menores. Isso tudo facilitou a estada em Curitiba. Mas não foi muito boa a experiência porque eu acabei deixando um pouco os estudos de lado, fui lá pra estudar mas acabei não cumprindo o propósito. P1 – Vamos aproveitar esse “gancho” pra você falar como era o Elton jovem, as coisas que você gostava de fazer, os passeios. R - Eu sempre gostei muito de aventura, de desafios também. Eu me considero um garoto normal, nada diferente dos demais, sempre fui muito leal, muito companheiro e sempre me destaquei pela minha determinação, garra, persistência e não necessariamente sempre exerci a liderança, mas nas vezes que exerci, ela aconteceu naturalmente. Não sei muito o quê falar mais, mas acho que eram esses os aspectos importantes. Não tive grandes aventuras porque saí de casa muito novo. Com onze anos eu saí de casa. Fiquei num colégio interno e lá era cheio de regras, então não dava pra você fazer muita coisa, mas no colégio a gente fazia algumas coisinhas, por exemplo: lá tinha muitos pomares e a gente não podia pegar as frutas, mas às vezes a gente catava escondido e levava abacates, laranjas, coisinhas assim, nada muito comprometedoras, umas coisinhas até meio ingênuas. Não fui garoto de bagunça, de estar em secretaria de escola, sempre soube das minhas limitações. P2 – Do que você sentia mais falta durante esse tempo que você ficou longe dos seus pais? R - Na verdade, era a ausência de casa, do apego. Eu acho que nessa fase a gente sofre no começo um pouco com a saudade de casa, quando você está tão novo, os pais decidem muito pra você, mas eu tive que tomar as minhas decisões, fazer as minhas escolhas. Eu sentia falta de alguém pra falar: “Elton, faz assim agora.” Mas a gente teve que tomar as atitudes e as decisões, isso foi importante porque eu amadureci muito cedo. Mas ficar longe de casa, da família, era só saudade mesmo que a gente sentia. P1 – E voltando lá pra Curitiba quando voce estava estudando. R - Eu estive em Curitiba por um ano só e acabamos não passando no terceirão [terceiro ano], acabei reprovando porque eu me juntei com esse amigo, ele tinha prestado vestibular e não passou, ele deu uma relaxada, quando chegou no segundo semestre, não estava muito preocupado com os estudos porque tinha “ralado” muito no ano anterior e queria só levar mais tranqüilo. Esse amigo que estava em Curitba chamava André Luiz Fonseca, hoje é cardiologista em Curitiba. E chegou um outro amigo depois, o Tércio Pinho, nós todos já éramos colegas lá do Iasp e o Tércio já era um aluno que não era dado aos estudos, então” juntou a fome com a vontade de comer”. P1 – O que era o Iasp? R - Era Instituto Adventista de São Paulo, o colégio interno que eu estudei. E aí a gente só ficou na festa, dormíamos tarde todas as noites, assistíamos todos os filmes a que tínhamos direito, praia nos finais de semana, praia da Antonina, e acabamos deixando a escola de lado, não teve outro resultado a não ser reprovar Aí, no ano seguinte, eu vim pra Dourados / MS, meu pai não quis pagar mais os meus estudos, apesar de eu não ter contado pra ele que tinha sido reprovado, não tive coragem de contar porque ele sempre bancou meus estudos. Aí eu falei que ia fazer cursinho, na verdade eu estava fazendo cursinho junto com o terceirão em Dourados. Eu resolvi estudar nessa escola e minha irmã mais velha, a Kelly, foi estudar lá também. Chegou num ponto que minhas notas começaram a aparecer no mural e eu ficava com medo dela ver e perceber que eu tinha sido reprovado. Resolvi vir embora pra Dourados por conta disso. No meio do ano eu vi que não dava mais pra esconder. Eu tinha uns amigos em Uberlândia / MG e eu saí com o intuito de ir pra lá pra estudar, mas meu pai já não me ajudou mais. Eu tive que arcar sozinho com as despesas todas, tinha 18 anos. Foi uma fase muito difícil porque eu tive que trabalhar, meu colega pagava a minha escola e me dava comida, mas não tinha mesada, não tinha dinheiro pra comprar roupa, não tinha dinheiro pra nada. E aí foi uma fase realmente um pouco difícil, chata, mas foi só por um semestre. P2 – Mas que trabalho você fez? R - Ele [o amigo] tinha um pequeno atacado de doces, de balas, e eu cuidava do estoque, controlava o atacado, fazia entrega pros distribuidores, pras kombis que saíam pra distribuir. Eu ficava cuidando desse estoque e à noite eu ia pra escola. Aí fui aprovado graças a Deus e fui prestar o vestibular no Rio Grande. Por que no Rio Grande? Porque eu tinha esse amigo lá de Curitiba, o André, ele tinha passado no ano seguinte pra medicina e aí me convidou. Não era uma concorrência muito alta, apesar de ser uma universidade federal, e eu resolvi ir porque eu achei que tinha mais chances também. P1 – Só pra eu entender uma coisinha: o seu pai chegou a ficar sabendo dessa reprovação? Eu não entendi direito. R - Ele não ficou sabendo, eu não contei. Eu não sei se ele sabe até hoje. Eu sempre me cobrei muito e acho que, no mínimo, tinha a responsabilidade de passar de ano. Como eu reprovei, não tive coragem de contar pra ele porque o respeitava muito, me senti envergonhado. Aí eu falei: “Já que é assim, eu tenho que pagar o preço.” E fui pra Minas lá e deu tudo certo, fui aprovado. P2 – E aí na faculdade que curso você escolheu? E por que? R - Meu pai foi criado dentro de uma serraria, e eu também. Sempre admirei meu pai porque ele tinha um jeito pra tudo e eu observava muito isso, então na serraria tem muitas máquinas, caminhões, e não só ele consertava como também orientava o que tinha que ser feito e, às vezes, até criava determinadas peças pra ajustar os equipamentos e fazer o que tinha que ser feito. Eu sempre estive muito junto, desde pequeno, ajudando a consertar, a dirigir caminhões. Cheguei, por exemplo, numa das férias, eu tinha quinze anos de idade, ele falou: “Elton, eu tenho um presente pra você.” Eu fui lá e ele falou: “Olha, é um caminhão aqui pra você puxar tora.” E fui puxar tora com quinze anos de idade, ele acreditava na gente também, confiava muito, então sempre tive muito envolvido com isso, fui criado nesse ambiente de máquinas e equipamentos. Isso me fez pender por esse lado. Eu creio que a minha vocação era pro lado da engenharia, e eu me dirigi pro lado mecânico que eu achava que era alguma coisa que tinha a ver comigo, eu tinha uma certa facilidade pra mexer com isso, por isso eu optei por engenharia mecânica, mas eu só fiz um ano dessa faculdade. P1 – O que aconteceu? R - O meu pai, na época, continuava a me sustentar, e todas as vezes que eu pedia dinheiro, sentia que ele estava passando por uma situação financeira um pouco complicada. Então resolvi trancar a matrícula da faculdade, e falei: “Eu vou ajudá-lo um ano e depois volto a estudar.” E depois de um ano, conversei com ele, e nós tínhamos uma cerâmica aqui em Agachi, no município de Miranda /MS. Essa cerâmica era realmente a causadora da situação financeira. P1 – Qual era o nome da cerâmica? R - Na época, chamava-se Cerâmica Pantanal. Ele mandava muito dinheiro pra essa cerâmica, só que não tinha retorno, isso foi por um período longo e eu resolvi vir pra cá com 21 anos com o intuito de alavancar e fazê-la prosperar. Enfrentei uma barra muito pesada, totalmente diferente de tudo que eu tinha passado até então. Eu cheguei à cerâmica, tinha apenas um forno, dois estavam caídos; as máquinas todas desgastadas, energia cortada, então tinha que fazer rodar e não tinha dinheiro mais. Eu peguei um diferencial de um caminhão que tinha lá desmontado, vendi, fiz um dinheiro, fui a São Paulo, comprei as peças da cerâmica, trouxe, montei, fiz um acordo com a empresa de energia elétrica pra pagar a energia, e começamos a rodar. Eu trabalhei um ano, mais ou menos, e consegui levantar os outros dois fornos, só que era uma fase difícil, porque não tinha dinheiro pra pagar fornecedor, era gente cobrando, às vezes, cheque voltando, era uma pressão muito grande. Mas começamos a melhorar, já estávamos com os fornos levantados, quando eu terminei de levantar o terceiro, uma semana depois caiu o que estava pronto. Eles têm um cabo de aço e esse arrebentou, não deu pra gente prever que ia arrebentar. Esse dia realmente foi muito difícil, lembro que chorei naquele dia e fiquei muito triste porque afinal de contas era um retrocesso, mas eu sempre tinha muita determinação e certeza que ia vencer aquilo ali. Passado um ano, eu me empolguei com os negócios, já estava melhor e achei que poderia ser o negócio da minha vida, resolvi continuar, e não voltei pra faculdade. Nós tínhamos naquela época um sócio que era uma tia, Nilza Karru, que por coincidência tinha sido a minha professora da primeira a quarta série, e resolvemos tirar ela da sociedade, meu pai comprou a parte dela e eu toquei sozinho a cerâmica. Nesse ínterim, eu tenho que botar a mulher no meio já porque ela já tinha entrado na história. P1 – Quando você a conheceu? R - Logo que eu cheguei aqui em Miranda, um ano antes eu tinha estado aqui e conheci a Lucy, a gente deu uma paqueradinha. P2 – Mas qual que foi a circunstância? Você lembra desse momento? R - Eu estava andando com meu primo aqui da cidade e de repente ele falou: “Elton, vou te apresentar umas meninas aqui”. Ele me apresentou, foi quando eu tinha acabado de passar no vestibular. E aí eu conversei com ela, a Lucy, foi só um papo e fui embora. No sábado, eu voltei à igreja, nós freqüentávamos a igreja adventista, eu sabia que ela ia estar lá, mas ela trabalhava no departamento dos menores, das crianças. Sondei pra ver a hora que ela ia chegar e preparei uma cadeira para ela e quando ela entrou na igreja eu fiz sinal pra sentasse ao meu lado. Ela veio e sentou. Eu não sabia, ela tinha namorado, mas a gente conversou bastante, convidei ela pra ir no Agachi, na cerâmica, mas ela disse que o pai não deixava e aí tudo bem. No ano seguinte, eu vim pra Miranda. Eu tinha um propósito quando vim que era administrar a cerâmica, meu pai me deu uma máquina que fazia um tijolo comum e eu tive o intuito de começar a minha produção, independente, era como que um estímulo pra eu ter o meu dinheiro. Eu administraria a cerâmica que era a fábrica de tijolos de oito furos, e ia tocar uma outra máquina que se chamava tijoleira de fazer tijolos comuns, essa pra mim. Então trouxe um amigo comigo que era meu sócio e a gente começou a mexer com esses dois serviços, que era tudo junto no mesmo espaço. No dia em que nós chegamos, eu falei pra ele: “Vamos pra Miranda que eu tenho umas meninas pra te apresentar”. E aí nós mal passamos pela cerâmica e passamos na casa dela. Ela não me reconheceu, mas logo em seguida caiu a ficha, me identifiquei, apresentei o meu amigo e começamos a conversar. Como a gente ficou aqui, aos sábados nós íamos à igreja e consequentemente se encontrava, e começamos a fortalecer a amizade. Ela tem uma outra irmã que o meu amigo ficou interessado. Aos sábados, nós acabamos passando a almoçar na casa dela. Éramos muito amigos mas foi ficando aquele negócio... P1 – Estou vendo que foi demorado esse negócio. R - Foi no mês de maio. P1 – Vocês se conheceram em que mês? R - Nos conhecemos em março. Eu cheguei em março de 1984 aqui. E a gente ficou muito amigo, começou a pintar aquele clima, mas era esquisito. Aí foi um drama pra pedir essa menina em namoro, porque eu ficava sem graça. Eu sei que chegou um dia que não tinha mais jeito, o meu amigo me pressionando, ela pressionava o meu amigo e eu a pedi em namoro. Foi interessante esse dia, porque ela consentiu na hora e eu falei: “Bom, agora nós estamos namorando” Ficamos meio sem graça, os dois um olhando pra cara do outro e aquele beijo tão esperado que não saía, eu tinha muito respeito por ela. Eu sei que aí tocou o sinal da escola, caminhamos em direção ao portão e não tinha jeito de eu puxá-la, e como eu não fiz isso ela me puxou pelo colarinho e me deu um beijo. Fiquei meio paradão, meio assustado, ela falou: “Tchau.” E foi embora pra dentro da escola, e eu: “Vou ter que ir embora também.” E namoramos. Éramos muito jovens, quando eu comecei a namorar, 16 pra 17 anos e o pai não queria o namoro, foi um ano pra eu falar com o pai dela. Quer dizer, eu ia na casa, mas o velho não conversava comigo, eu puxava assunto de tudo que era jeito e ele não conversava. Um dia, ele nos pegou dando um beijo, quando passou na sala e aí ele foi na cozinha, quando voltou a gente estava dando o segundo beijo, mas acho que ele pensou que era o primeiro ainda. Aí ele deu uma intimada nela, falou: “Que negócio é esse, vocês são muito novos, eu não quero esse namoro sério”. Ela me contou e eu resolvi chegar nele: “Eu tenho a maior das boas intenções com a tua filha.” Ele falou: “Não tenho nada contra você. Eu sei que você é um menino trabalhador, mas é que vocês são muito jovens, e vai ficando muito sério esse relacionamento, daqui a pouco tem que casar.” Eu falei: “Mas realmente o namoro é sério, eu respeito a sua filha, a gente não está pensando em casar, mas sei lá o que o futuro nos reserva.” Aliás, quando falava em casar a gente ria um da cara do outro porque tanto um como outro ainda alimentava a possibilidade de estudar. E um belo dia depois de dois anos e três meses eu a levei numa joalheria que havia do lado da casa dela e falei: “Eu quero comprar uma aliança aqui.” “Pra quem?” “Para um funcionário.” “Eu queria que você me desse sua opinião, qual é a mais bonita.” Aí ela escolheu uma, eu fui lá, comprei, mandei arrumar numa caixinha, depois eu cheguei na casa dela e falei: “Olha, isso aqui é pra você.” “O que é isso?” eu falei: “Abre e veja.” Aí ela abriu e falou: “O que? Aliança?” eu falei: “É, nós vamos ficar noivos. Eu não quero mais continuar namorando, eu quero casar. E eu gosto de você e nós vamos nos casar.” Ela ficou meio assim, e eu falei: “Eu quero falar com o teu pai.” Já fomos pra dentro da casa e aí eu falei dos planos e também que eu queria marcar uma data do casamento. E aí acertamos os detalhes, marcamos a data do noivado isso foi em agosto de 1996. Em Janeiro de 2007, nós nos casamos. Desculpa, eu troquei os números, em 1986 em janeiro de 1987 nós nos casamos. P1 – Aonde vocês se casaram? R - Como nós marcamos a data pra janeiro e meu sogro estava fora reformando a casa dele, ele falou: “Até lá, eu não termino. O casamento de vocês só pode ser em julho de 87.” E eu falei: “Eu não agüento esperar até lá, ou a gente casa em janeiro ou a gente não casa.” Ele falou: “Bom, pra casar em janeiro não pode ser aqui, tem que ser fora.” E aí nós casamos na igreja Central Adventista de Campo Grande, o casamento foi lá, não teve festa, não teve nada, mas eu tive o que eu mais queria que era a noiva. P1 – E aí vocês foram morar aonde? R - Aí nós viemos morar aqui, eu tocava a cerâmica, no Agachi, estava numa fase melhor. P1 – Mas ela começou a ajudar você? Como que foi? Qual a atividade dela? R - Não. Foi uma fase difícil até para o nosso relacionamento porque eu acordava de madrugada, quando nos casamos ela exigiu que nós morássemos aqui na cidade, aliás, o pai dela fez a cabeça dela pra que ela morasse aqui e gerou um custo adicional pra mim, a minha renda era muito pequena ainda, mas a gente quando quer casar faz tudo pra agradar a noiva, e acabamos morando aqui por um ano. Foi um ano de desencontros porque eu deitava oito horas da noite, ela deitava às onze, eu levantava as cinco e ela às oito. Eu tinha que levar pessoas pra cerâmica, trabalhar, eu tinha que estar lá. E não foi um ano bom financeiramente, eu tive um período com a energia cortada, fiquei mais ou menos 45 dias sem energia, não tinha dinheiro pra pagar, e aí vieram as prestações do jogo de quarto que eu tinha comprado, o cara da loja de móveis queria levar, mas Deus abençoou, a gente conseguiu pagar e começamos a trabalhar. Chegou o final do ano e não tinha mais jeito, nós tínhamos contraído um volume de dividas razoável, fizemos um levantamento e tínhamos que parar com a cerâmica. Ou melhor, tínhamos que nos mudar pra cerâmica, e fomos. No ano seguinte,1988, nós nos mudamos pra cerâmica, mas não teve jeito, resolvemos fechar a cerâmica. Eu fiz um levantamento das dívidas juntamente com ela e calculamos a quantidade de tijolos que a gente precisava fazer. Entrei na cerâmica e nós fomos produzir tijolo. Esse período foi um período difícil pra gente, tivemos que vender carro pra pagar a dívida, lá não tínhamos meio de transporte, tinha que andar um pedaço a pé pra pegar carona com caminhões que puxavam barros de uma outra cerâmica aqui pra cidade. Então foi realmente uma fase muito difícil pro nosso relacionamento porque a gente estava juntos, deitando e levantando nos mesmos horários, dividindo junto as mesmas coisas, e ela já estava me ajudando. Era ela que vinha fazer o banco, pegava as caronas que precisava e depois que nós fechamos a cerâmica, viemos morar em Miranda. Meu sogro tinha uma casinha aqui de madeira e passou pra nós. Como era de usufruto da mãe dele, nós pagávamos um salário mínimo de aluguel pra ele. E aí eu fui queimando os tijolos que eu tinha fabricado e pagando as contas, pagando as dívidas, até que no meio de 1988 surgiu uma venda pra cerâmica, essa cerâmica não era minha, era do meu pai, então ele vendeu a cerâmica. Aliás foi em 1989 que ele conseguiu vender. Mas deixa eu contar de 88 ainda. Nós viemos morar aqui, estávamos sem atividade, nós não tínhamos o que fazer. Eu tinha a idéia de ir pros Estados Unidos, mandei uma carta para um amigo que estava ali e ele arrumou um emprego pra mim lá, só que quando eu estava pra ir, tive que tirar o passaporte, e uma das exigências era reservista, e eu não tinha jurado bandeira na época, eu me alistei mas não fui jurar a bandeira. Eu achei que era só eu ir lá, jurar a bandeira e pegar meu reservista. Na verdade, o meu alistamento foi cancelado e eu tive que me alistar novamente, ou seja, inviabilizou a idéia de ir pros Estados Unidos. Aí eu tive a idéia de ir com meu pai, trabalhar no Norte de Mato Grosso, em 86 ele tinha se mudado pra lá, pra mexer com serraria na região de Nova Maringá. Eu ia pra lá, eu não tinha outra opção. Nesse ínterim, o meu sogro me chamou e falou: “Olha, Elton, eu estou precisando me tratar, fica aqui na loja um pouquinho, dá uma coordenada aqui até que eu me trate.” Eu falei: “Tudo bem, eu posso ficar um pouco. O senhor não está fazendo isso pra me ajudar?” falou: “Não, não, não. Estou precisando realmente.” Eu falei: “Olha, eu vou ficar por um período.” Eu fiquei por um período de quatro, cinco meses. E meu sogro me chamou pra trabalhar com ele uns dias pra que ele pudesse se tratar, eu fui pra ajudá-lo, isso era o segundo semestre de 88. E fomos eu e a minha mulher pra ajudá-lo, ela como vendedora e eu pra ajudar nos pagamentos. Nós trabalhamos até o final do ano juntos. P2 – Era comércio de que? R - Comércio de roupa, ele tem uma loja de confecções; e no final do ano a minha esposa já deixou de trabalhar porque tinha acabado as festas, ela acabou deixando de ajudar lá na loja. Naquela época, a gente ganhava dois salários mínimos apenas, era livre mas eram dois salários mínimos. Aí eu disse pra ele no início do ano que eu não queria continuar trabalhando porque o salário não era realmente algo que me motivava, eu precisava de algo maior, de projetos mais ousados. E um belo dia ele chegou lá em casa no mês de janeiro, falou: “Elton, você não precisa ir mais.” Aquilo me deu um certo choque porque eu queria, mas ao mesmo tempo eu não tinha mais renda, nem eu, nem ela. E fazer o que, agora? Como ele sabia que eu tinha a idéia de ir pro norte, ele falou: “Por que vocês não vendem roupa?” e a gente então começou a mexer com roupa, começamos a trabalhar com roupa. Eu tinha vendido umas árvores que sobrou do reflorestamento lá da cerâmica, a reposição florestal que a gente tinha que pagar e dava o dinheiro, na época, 1200 cruzados, eu acho. Eu peguei a metade desse dinheiro, paguei um fusca, financiei o resto e com a outra metade fui com ela pra São Paulo para comprar roupas. Nós viemos com duas malas de roupas lá de São Paulo, não conhecíamos nada lá, fomos com a cara e com a coragem e quando nós chegamos aqui, minha mulher, uma exímia vendedora, ela vendeu em quinze dias as duas malas. Só que vendeu fiado e aí acabou a roupa e acabou o dinheiro. Nós ficamos planejando como voltar pra São Paulo de novo, tomamos dinheiro emprestado do meu sogro pra fazer mais uma compra, fomos pra São Paulo, voltamos e começamos a vender, mas nesse ínterim recebemos as prestações das primeiras vendas. E aí começou uma rotatividade, eu sei que em julho de 1989, nós já tínhamos pagado todo o dinheiro emprestado e do fusca também e estávamos planejando abrir uma lojinha. Em agosto de 89, eu consegui alugar um salão, paguei uma luva muito alta, era um salão muito interessante, um ponto estratégico muito bom. Eu aluguei o salão mas não tinha dinheiro pra comprar roupa pra botar dentro dele, falamos: “Vai demorar um pouquinho, mas vamos trabalhar nessa direção.” E começamos a vender roupa, continuamos a vender roupa, mascateando. Nós íamos pra Corumbá, íamos pra Bodoquena, pra Bonito, Aquidauana, tudo no fusca, com as malas dentro e de casa em casa abrindo as malas pras pessoas. E Deus nos abençoava muito porque a gente vendia bem. P1 – Você tem alguma história boa desse período? Eu imagino que vocês conheceram muita gente nesse período. R - Conhecemos muita gente e nossa roupa era uma roupa de bom gosto. P1 – Que tipo de roupa que era? R - Roupa feminina, blusas, vestidos, saias, conjuntos, bermudas. Muita roupa bem diferenciada, a gente não comprava peça repetida, tinha uma certa exclusividade pra cada peça que eu trazia. Era um negócio muito bem trabalhado e de muito bom gosto, então começamos a vender, lá em Corumbá, pra sociedade de lá, apesar de que éramos mascates, como diz no jargão popular, eu não sei se a palavra está certa, mas éramos bem recebidos, chegou a ser até meio que importante as pessoas comprarem com a gente lá em Corumbá. A gente vendendo roupa daquela forma humilde, abrindo as malas nas salas das pessoas, e vendíamos pra diretores da Cimento Itaú, pra advogados do INSS, pra mulheres de oficiais da marinha, pra esposas de empresários. Foi um grande negócio e útil porque deu condições pra gente ir construindo uma estrutura. Resultado: no final de 89, dia 6 de novembro, nós conseguimos abrir a nossa lojinha, porque também a gente não queria abrir de qualquer forma, nós queríamos abrir uma lojinha bem ajeitadinha, de acordo com o padrão que a gente trabalhava. E começamos a agregar, começamos a vender sapatos, e a loja foi crescendo, mas nós não deixamos de mascatear, uma vez por mês nós catávamos toda a roupa da loja e sumíamos uma semana pra ir pra Corumbá porque lá, em três dias representava quase quinze dias da loja aqui. Era um stress danado porque era muito cansativo dobrar aquelas roupas todas, botar e aí já não eram duas malas, eram cinco, seis e lá a gente tinha que subir prédios, andar em casas longe, às vezes, corredores, era um sacrifício, eu que carregava as malas, não tinha ninguém pra ajudar. Ela dobrava tudo porque tinha que expor, arrancar dos pacotes e mostrar. Era muito trabalhoso mas era muito compensador porque a gente só parava às onze da noite e quando ia somar o que tinha vendido no dia, valia a pena. Foi uma fase muito boa, muito abençoada, construímos muitas amizades lá em Corumbá, o pessoal realmente muito agradável, recebiam-nos muito bem, criamos um círculo de amizade, não éramos mais vendedores, era amizade. E depois disso, a gente resolveu parar porque ficou muito cansativo, e aí entra o material de construção. O meu pai mexia com madeira no norte e nessa época, de 89 pra 90, ele deu a idéia de eu montar um depósito aqui, falou: “Porque você não monta um depósito de madeira aqui?”, “Ah, pai, não dá. Tem as serrarias da região, como é que vai vender madeira aqui com esses caras?” A madeira tinha que andar 1350 quilômetros, frete, impostos, tudo, eu falei: “Não tem jeito, pai.” E sempre que ele vinha me falava. Certa vez, eu falei: “Bom, você está animado ainda pra montar, vamos fazer uma sociedade.” “Não, eu mando a madeira pra você e a gente divide o lucro.” Eu tinha um terreno aqui embaixo, um terreno de doze por trinta, e ele então mandou a madeira pra eu construir a estrutura do barracão e mais a madeira pra eu vender. Quando chegou a primeira carga não tinha nada no terreno, só tinha o terreno limpo, eu construí o barracão e botei a madeira embaixo e começamos a vender. Aliás, antes de botar no barracão, já começamos a vender. Nós trabalhamos ali durante três anos, isso foi em 1993 que eu abri, e eu tinha só um funcionário, não tinha volume de negócio até porque a margem de lucro era muito pequena porque eu tinha que concorrer com a serraria. Eu agreguei outros produtos como pregos, como tijolos e madeira eu já estava vendendo, cimento, ferragem. Era pouquinha coisa, eu vendia uma carga de cimento de 500 sacos a cada quinze dias, então era muito pequeno. Como não vendia muito, fiquei preocupado e falei: “Meu pai, meus irmãos vão pensar que eu tô ficando rico aqui, não vão entender porque não vai ter retirada e não tem como mandar o dinheiro pra eles.” Então eu resolvi comprar, pagar a madeira pra meu pai e ficar sozinho, então a gente utilizou um dinheirinho que nós tínhamos na loja, paguei meu pai essa carga de madeira e fiquei sozinho. Mas realmente o volume de vendas era muito pequeno. P1 – Só pra entender uma coisa: você continuou mantendo a loja de roupas? R - Continuamos mantendo a loja de roupas, a minha mulher que cuidava da loja, quando ela tinha que viajar pra Corumbá, eu deixava só o meu funcionário eu ia com ela pra Corumbá. Quando tinha que ir pra São Paulo, nesse período ela estava grávida da nossa primeira filha, eu largava os materiais de construção e ia pra São Paulo, porque a loja era a “menina dos olhos”. Era da loja que a gente vivia, nós não vivíamos do material de construção até então. A idéia era ir capitalizando, mas quando chegou no final de uns três anos, eu vi que eu tinha que fazer alguma coisa pra mudar, se não tinha que fechar. Eu não via muito futuro ali. Eu comecei a procurar um ponto mais central e a pessoa que estava alugando esse terreno aqui queria me vender as instalações. Uma vez ele me ofereceu por sessenta mil reais, depois por 40, depois por 20 e eu sempre perguntava: “Você quer vender o terreno? Eu tenho interesse mas assim não dá.” E um dia passando por aqui eu vi que estava vazio, corri pra ligar pra o dono e ele me disse que tinha interesse em alugar pra mim, era só o terreno e tinha muros altos. Então nós fizemos um contrato e eu resolvi mudar pra cá. O capital que a gente tinha pra mudar pra cá era um consórcio contemplado, eu vendi por 4 mil reais esse consórcio. A minha idéia era construir um salãozinho que eu fiz ali na esquina, primeiro salão, e um barracão que continuava depois do salão pra poder guardar a madeira e ali na frente eu expor alguns produtos que eu compraria, porque eu só trabalhava com o básico praticamente. Eu procurei o Banco do Brasil nessa época e fiz um cadastro, deixei lá alguns recursos disponíveis pra mim, se eu precisasse pegaria esses recursos. Aí foi que eu comecei a diversificar, comprei conexões, esquadrias, comprei pisos. Comecei a comprar e todos os dias aparecia alguém pedindo um item novo, eu anotava aquele item e procurava no fornecedor aquele produto. E comecei a crescer. Naquele momento eu tinha um concorrente muito forte, mas ele entrou numa crise financeira e eu comecei a ser a bola da vez, a medida em que ele foi caindo, eu fui subindo e ocupando o espaço deixado por ele. E a gente sempre corria atrás de atender as necessidades do cliente, se não tinha um produto, eu anotava e procurava comprar. A gente foi ampliando o nosso leque de produtos até chegar no padrão que estamos hoje. Não tivemos dinheiro sobrando, sempre suficiente pra pagar as contas. Nesse período também de início de loja, chegou em 1998 mais ou menos e minha esposa resolveu fechar a loja de roupas, deixei a loja com ela e ajudava nos casos de viagem. E já tinha nascido a nossa filha, Laiane. Começou a ficar um pouco complicado porque a loja tomava muito tempo dela e ela não estava tendo tempo pra minha filha. E um certo dia ela botou na cabeça que tinha que vender a loja apesar de ser extremamente lucrativa e bancar as nossas despesas. Foi um momento muito difícil pra mim porque eu não queria fechar a loja. Pra tomar essa decisão, na verdade não fui eu, eu passei a noite em claro, não dormi, preocupado como ia ser dali pra diante, o homem fica mais preocupado, afinal de contas de uma certa forma a responsabilidade pesa sobre os nossos ombros, mas Deus dirigiu e foi um bom negócio que nós fizemos. Nós vendemos ao meu sogro, o seu Raimundo, e o dinheiro que recebemos, investi em material de construção. Nesse ínterim, eu também tinha uma casa que havia comprado no período da loja e essa casa não era bem localizada, estávamos tendo dificuldade de ir para o trabalho, porque às vezes ela precisava vir ou ir almoçar. A gente resolveu mudar pra baixo, alugar uma casa aqui e alugar a nossa lá. Depois apareceu alguém interessado em comprar e então nós resolvemos vender. Vendemos e investimos o dinheiro aqui, o restante dos investimentos que fizemos era capital de giro que nós pegamos no banco pra podermos ir tocando. P1 – Fala um pouco dessa relação com o banco. R - Foi muito oportuna porque naquela época, eu não tinha capital e o Banco do Brasil tinha uma linha que era um mix de um fundo do trabalhador. Não lembro, mas era um mix. Eu sei que pegavam dinheiro do fundo do trabalhador e uma parte recursos do banco. O do banco eram juros mais altos e o outro eram juros extremante barato e na média dava um número interessante. Capital de giro, pagamento em doze vezes, era complicado, nós precisávamos de mais, e era o que tinha, pegamos esse mesmo. E começamos a pegar e pagar em doze parcelas, mas a demanda era muito alta, precisávamos investir muito e eu cheguei a pagar acho que três, quatro prestações disso por mês. Passamos a ter uma boa relação com o banco, fizemos seguro da loja, compramos carro e também temos seguro, e esse relacionamento foi crescendo a cada dia, conta garantida, sempre tomando os empréstimos, até hoje por sinal. E esse relacionamento foi só crescendo cada vez mais, passamos a operar com desconto de duplicata, desconto de cheques, que o juro é extremamente interessante. E finalmente, pra ter essa loja agora, fizemos um FCO [Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste] que o banco financiou. Hoje nós fazemos folha de pagamento pelo banco e outras mercadorias que o banco oferece a gente tem participado. Pra mim foi muito importante porque eu creio que as linhas de créditos interessantes pra indústria ou pro comércio, quem tem é o Banco do Brasil. Uma parceria muito benéfica, muito interessante e que me permitiu chegar aqui. P1 – Na sua opinião, qual a importância da atuação do Banco pro comércio na região? R - O Banco do Brasil é um financiador do produtor rural, do agronegócio, e pra região eu acho extremamente interessante. Nós temos aqui, alguns lavoureiros que produzem arroz irrigado, esse pessoal todo usa o banco, então eu acho que foi importante esse suporte que o banco deu pras pessoas. Nós também temos muitos pecuaristas aqui e o banco tem aí recursos, por exemplo, tem o custeio pecuário que é um juro muito interessante pro médio, pro pequeno, pro grande produtor, dá um “gás” pro produtor pra ele reformar pastagem, reformar cercas, pagar roçadas, então eu creio que isso é muito interessante. Porque o quê que é importante pra aquele que gera riquezas? Ele precisa ter linhas de crédito baratas que o permitam produzir e ter lucros. Quando você pega um dinheiro meio caro ou caro, o seu lucro vai quase todo pra pagar esse juro, então fica inviável e nesse aspecto o Banco do Brasil é muito interessante porque tem linhas voltadas à produção, e aqui na nossa região especificamente pra agropecuária e também pra agricultura. P1 – E como o senhor vê o futuro da sua relação com o banco? Qual a sua perspectiva? R - Olha, a parceria vai continuar, eu só espero, ter um pouquinho mais de dinheiro pra não ter de tomar tantos empréstimos como tenho tomado, porque uma fase da vida vale a pena arriscar, você pode correr mais riscos. Depois que você já está num certo patamar, que você já tem algo a perder, que você está de certa forma um pouco mais cansado, então você quer um pouco mais de tranqüilidade. É importante as linhas de crédito? São importantes, mas não deixam de exercer uma certa pressão sobre a gente, os compromissos geram uma certa preocupação. E eu não quero mais, eu quero ter uma vida mais light, eu não quero estar mais preocupado com empréstimos, só que eu sou um investidor meio compulsivo. Eu não tenho hobby de comprar isso, de ter luxo, ter alguma coisa, o meu hobby é empreender, o que fascina, o que me realiza é fazer as coisas acontecerem. É gerar emprego, é construir, é crescer. Isso é o que me motiva, me realiza. Então, sendo assim, eu creio que eu devo ficar um pouco mais comedido, mas não vou deixar, e enquanto for necessário usar essas linhas de crédito que o banco tem, eu vou continuar utilizando-as. Eu acho que vai ser ainda muito produtiva, eu tenho muitos sonhos, muitos planos ainda. P1 – Voltando um pouquinho a questão da olaria, eu queria que você explorasse um pouquinho esse assunto pra gente. Como que surgiu? P2 – Uma coisinha antes: aqui, quantos funcionários você tem? Os clientes são da onde? Pra gente conhecer um pouco mais. R - A loja, hoje, tem em torno de 35 a 40 funcionários. Nós temos um gerente, temos um departamento de cobranças, um departamento de contas que ajuda no pessoal, vendedores, temos o setor de entrega, nós temos seis caminhões de entrega e temos um areieiro também que nós resolvemos instalar devido a necessidade do mercado, ou seja, a areia nossa é própria. P2 – Quem são os clientes? R - Ah, o perfil dos meus clientes. Nós vivemos numa região, como eu disse, de muita pecuária, aqui é também uma região de muito turismo, já que nós estamos no Pantanal. Então nós temos muitas pousadas, temos também pousadas de pescas, ou pesqueiros, esse pessoal sempre está investindo, construindo. E a gente fornece pra praticamente quase todas fazendas aqui da região e chegamos mesmo até próximo de Campo Grande, atender algumas fazendas naquela região lá, região de Aquidauana, de Bodoquena, até em Corumbá mandamos mercadoria. Vendemos um pouco na cidade também, nós temos aqui as pessoas do comércio, cidadãos, funcionários públicos que moram em Miranda que estão reformando, construindo suas casas, então a gente tem um leque bem abrangente. Eu creio que ter uma loja deste tamanho até assusta as pessoas porque chegar no interior você anda na rua e a praça às vezes é até parada. Mas graças a Deus a gente conseguiu, devido a esse leque bem amplo, um volume razoável até de vendas. P1 – Agora a olaria. R - Eu estava passando por um momento muito difícil em 2003, eu comecei a construir uma casa pra mim. Em 2002, eu comprei uma casa, e em 2003 eu inventei de fazer uma reforma que foi muito rápida, nós mudamos muita coisa dentro dessa casa e eu gastei um dinheiro bom, gastei na época mais ou menos uns 150 mil reais na reforma dessa casa, e eu me descapitalizei um pouco, não vinha sobrando dinheiro e tirar 150 mil foi mais complicado ainda, e isso num período muito curto. E eu me apertei muito e exatamente nesse momento de crise, o dr. Arnaldo que é o proprietário dessa cerâmica, a cerâmica Vista Alegre, veio e me ofereceu a cerâmica. Eu falei pra ele que eu não tinha a mínima condição de comprar a cerâmica, mas eu não esqueci daquilo e quando chegou em novembro desse ano, de 2003, eu lembrei que ele tinha oferecido. Eu já tinha pagado um pouco das contas da casa, não tinha dinheiro mas resolvi ligar pra ele. Eu sabia que a cerâmica estava sendo vendida em troca de muitas dívidas que ela tinha, você teria que assumir um monte de dívidas. Eu vi nisso uma oportunidade de negócio e resolvi procurá-lo, ele me falou: “Olha, Elton, a cerâmica está praticamente vendida.” Eu falei: “E quando o senhor deve fechar o negócio?”, “Mais uma semana.” Eu falei: “Dentro de quinze dias eu posso te ligar pra saber se o senhor fechou o negócio?”, “Pode me ligar.” Dentro de quinze dias eu liguei e falei: “Fechou o negócio?”, “Não, não fechamos ainda, me dá mais uma semana.” Depois de uma semana eu liguei pra ele, ele falou: “Quando é que você pode vir aqui?”, eu falei: “Amanhâ eu estou indo aí e vamos sentar pra discutir.” Eu fui a Campo Grande e ele me fez toda a proposta e me pediu 500 mil reais na cerâmica, na estrutura da cerâmica e numa área de mais ou menos 210 hectares de terra. Eu não tinha dinheiro, eu fui visitar a cerâmica e num dia eu me peguei andando por lá: “O que que eu estou fazendo aqui? Eu não tenho dinheiro pra comprar isso?” P2 – Que lugar é esse? R - É no Agachi, cerâmica Agachi. Falei: “Bom, mas vamos em frente.” Eu fui até lá, a gente conversou, fiz umas propostas menores pra ele, mas tinha que dar 100 mil de entrada. Resultado: nós fechamos em 450 mil e ele me pediu 100 mil de entrada e eu falei: “Eu não tenho. Você precisa me dar um prazo pra eu te pagar.” Aí eu fiz uma proposta de dar 15 mil reais de entrada pra ele, que era a dívida de um banco que estava ali imediata e o restante eu daria 35 mil com noventa dias e 50 mil com 180 dias, isso a parte em dinheiro. O restante era dívida trabalhista, dívida com Enersul [Empresa Energética de Mato Grosso do Sul S/A], dívida com terceiros e dívida com tributos. Só soube dos montantes, eu não sabia nem o que ia fazer com essas dívidas, mas falei: “Depois eu vou negociar isso e ver como pagar”. A gente acabou fechando o negócio e no dia eu tinha que dar 15 mil reais pra ele, mas não tinha os 15 mil. Eu peguei 8 mil reais do meu sogro e 7 mil no Banco do Brasil. Eu assumi todas as dívidas da cerâmica, comprei as dívidas, essa é a verdade. Foi feito um contrato social passando pra mim e relacionando todas as dívidas, e nós assinamos umas notas provisórias da parte em dinheiro que eu teria que dar. Quando fomos ao cartório, assinei todos os documentos, todas as promissórias, a minha mulher estava um pouco preocupada, falou: “Como é que nós vamos pagar isso?”, eu falei: “Não se preocupe.” E nós pagamos a entrada e viemos embora. Eu assumi a cerâmica e aí começamos a trabalhar. Eu conhecia um pouco do serviço porque eu tinha tocado cerâmica quando eu cheguei em Miranda, então montei uma estratégia pra começarmos a rodar, comprei as peças de reposição em São Paulo e começamos a rodar a cerâmica. Nisso os terceiros já começaram a me procurar e eu dava um chequinho pra um de trinta dias, pra outro mais quinze, pra outro quarenta, fui dando os chequinhos. Tinha uma dívida com a Enersul e a energia cortada, eu precisava rodar, fui lá e pedi um prazo de três meses, as parcelas pra vir junto com as outras parcelas em três vezes e eu fui pagando. Só que eu comecei a me descapitalizar de novo, aliás, eu não tinha nada e comecei a usar o dinheiro do giro ali do dia, eu já não dava conta de pagar as minhas contas do dia, e contraí mais algum empréstimo lá no banco, peguei um ou outro capital de giro, não lembro do detalhe. Mas pra encaixar todo esse material, eu consumi uma parte dele aqui na loja, eu vendi em torno de uma cem mil peças aqui na loja, mas eu produzia umas 220 mil, mais ou menos, 240 mil. E aquilo foi apertando e eu não sabia muito o que fazer, chegou um momento em que achei que ia quebrar, já comecei a não dormir mais, acordava de noite apavorado, desesperado e um dia, eu sou cristão, como eu disse, um dia eu resolvi orar e falei: “Senhor, eu não posso viver assim. Você precisa me mostrar pra que lado eu vou. Ou eu tenho que parar ou eu continuo, eu não sei o que fazer, o senhor tem que me mostrar.” Eu pedi alguns sinais pra ele e eu precisava de algumas provas de que ele estava comigo, e falei: “Olha, eu tinha quebrado o eixo da cerâmica e a possibilidade dela quebrar de novo era muito grande, falei: “Senhor, esse eixo não pode quebrar mais, pelo menos por uns quatro meses.” Três meses daria até agosto, isso era maio, começo de maio. Eu tinha assumido a cerâmica em março, dia 11 de março de 2004, e falei: “Senhor, também não pode fundir o motor do caminhão que está fundindo. Esse motor não pode fundir, senhor, eu não tenho dinheiro pra fazer ele.” E eu levantei da minha oração com as duas mãos e falei: “Agora eu vou esperar um sinal. Se o senhor mostrar é porque o senhor está no comando e vou tocar o serviço, vou continuar.” Logo em seguida as coisas clarearam, eu tinha que pagar 35 mil e não tinha dinheiro. Eu tinha uma carreta Volvo, resolvi vender. Liguei pro meu funcionário, estava na estrada carregado de madeira lá do norte, do meu pai, falei pra ele: “Vou vender a carreta.” Quando ele encostou aqui dez horas da manhã, ele já chegou com o comprador. Meio-dia a gente já tinha fechado o negócio e o cara pagou 90 mil reais na hora e eu fui lá, paguei os 35 que tinha de pagar no final de maio e o restante eu joguei no meu fluxo de caixa pra dar um “gás” pra poder continuar trabalhando. No mês de junho a cerâmica já deu lucro, no mês de agosto eu tinha que pagar mais 50 mil e eu também não tinha dinheiro. E aí eu tava um dia no meu escritório sem saber o que fazer e de repente o telefone tocou, alguém me ligou de Campo Grande e falou: “Você que tem um caminhão pra vender?”, falei: “Sou eu mesmo?” “Quanto você quer?” “Eu quero 50 mil.” “Posso ir olhar?” “Pode.” Ele veio olhar, olhou o caminhão e falou: “O caminhão é meu.” Antes de vencer vinte dias eu mandei o dinheiro dos 50 mil pra pagar os 50 mil. O restante da dívida, eu fui administrando. Até o final de 2004, eu fui pagando os direitos trabalhistas dos funcionários, cada mês eu pagava um, já fui pagando também as dívidas de terceiros, as dividas com impostos alguns eram parcelados e fui pagando, outras, negociando. E fui administrando, graças a Deus hoje ela está paga, ainda existe alguns parcelamentos de tributos que eu pago, mas são valores pequenos e a gente ainda tem um tempo pra pagar, mas o grosso a gente já pagou. Estamos livres dela. E foi aí que a cerâmica entrou no negócio, a gente conciliou porque ela me dá mais poder de fogo, de barganha aqui dentro. Você sabe que hoje existe a competitividade, a briga de mercado e com a cerâmica tenho essa facilidade de ter um jogo de cintura maior, de às vezes poder fazer um preço melhor, foi muito importante a aquisição da cerâmica. Nesses quatro anos e meio que nós estamos nela, não paramos de investir, já formulamos 150 hectares de terra, derrubamos e formamos, já fizemos água encanada, já colocamos poço artesiano em todas as casas, já compramos equipamentos, caminhões, retro-escavadeira. Deus realmente tem abençoado muito. P1 – Conta um pouquinho como é o cotidiano da cerâmica. R - A cerâmica é uma benção porque eu vou lá no máximo duas vezes por semana, eu quase não vou e eu herdei o ativo e o passivo dela, os funcionários que eu tenho são os mesmos quando eu comprei, eles continuam lá. Alguns estão há vinte anos ou mais, alguns até nasceram lá e estão trabalhando comigo. E todos os funcionários moram lá. Eu tenho um gerente que tem um celular e em qualquer parte da cerâmica pega, não precisa de antena, então eu falo com ele várias vezes por dia pelo telefone. Ele me faz os pedidos, os nossos caminhões sempre estão indo lá buscar material pro tijolo e eu mando todo o material que ele precisa, reposição de peças, tudo. Eu faço toda a compra, a folha, tudo por aqui, lá é só a parte grossa. Eu tenho alguém lá, um secretário que faz um relatório de ponto, de recebimento de lenhas que a gente tem, que controla a saída de material, faz expedição das mercadorias expedindo nota fiscal. O restante, eu controlo tudo por aqui: produção, o que foi produzido ontem eu sei, eu controlo tudo por aqui, de certa forma é uma tranqüilidade. P1 – Quantos funcionários? R - Lá nós devemos ter em torno de 22, 23 funcionários. P1 – Você falou da sua esposa, da tua filha, mas você não comentou do segundo filho. R - Ah, é verdade. Vou falar um pouquinho mais da Lucy e depois vou falar dos filhos. Depois que nós vendemos a loja de roupas, ela veio me ajudar na loja de materiais de construção MADEK [Madek Karru Comércio de Materiais para Construção Ltda]. A Lucy também tem um tino pra negócio, uma garra muito grande e realmente foi muito importante aqui na loja. Como esposa também, uma pessoa muito companheira, nesse período todo passamos muita dificuldade, o período que a gente saiu da cerâmica houve momentos que não tinha nem dinheiro pra comprar as coisas em casa. A Lucy nunca reclamou, nunca falou nada pra ninguém, nunca cobrou, então foi muito importante a companhia dela, a participação dela em tudo isso. Quando a gente fechou a loja, ela veio me ajudar e precisava ter o espaço dela aqui dentro, então eu fiquei com o grosso como compras, contas, caminhões, entregas. E mulher é mais detalhista, tem um olho mais clínico, uma visão das coisas, então ela me ajuda aqui no financeiro, faz os pagamentos, cuida de banco, ajuda na exposição dos produtos da loja, opina sobre a contratação de pessoas, é uma parceria. E quando a gente comprou a cerâmica, logo em seguida, não dava pra gente manter as duas empresas ligadas pois nós iríamos perder os benefícios do simples. Então ela ficou sócia da cerâmica e nós colocamos o nosso segundo filho, o Igor, que hoje tem sete anos, sócio dela na cerâmica do Agachi, cerâmica Vista Alegre. E aqui eu fiquei com a minha filha como sócia, assim nós separamos as duas empresas. Mas eu cuido da cerâmica, continuo cuidando da parte externa da loja, de vendas, de entregas e a Lucy continua me ajudando aqui na parte administrativa da loja. Esse filho, de uma certa forma muito aguardado porque a nossa pequena Laiane chegou um momento em que cobrava por um outro irmãozinho. E a mãe era um pouco resistente, até ficou grávida mas perdeu, abortou, e não queria engravidar mais. Uma história muito dramática até, me emociono quando eu falo disso. Ela falou assim: “Se você me levar pra uma praia no nordeste, eu vou pensar em ficar grávida.” Eu falei: “Então vamos comprar as passagens pro nordeste.” E fomos a Fortaleza, ela veio grávida de lá e depois nasceu o Igor. A Laiane já estava com seis anos quando ele nasceu, uma diferença até um pouco grande. É uma benção de Deus, os filhos que eu tenho são maravilhosos e Deus realmente foi generoso com a gente. A Laiane está com treze anos hoje e o Igor está com sete. P1 – Elton, quais foram os maiores aprendizados na sua vida? R - Eu acho que começar novo e passar por algumas experiências, de certa forma até trágicas. Quando somos novos, suportamos tudo, a vontade faz com que você supere tudo. Eu casei novo, saí de casa novo e comecei a trabalhar muito novo. Era novo quando assumi responsabilidades. Com 21 anos, eu já tinha aí uns 12 funcionários sob a minha responsabilidade, eu determinava tudo, não tinha ninguém pra tomar as decisões por mim. Isso foi realmente uma experiência muito interessante porque quando você passa por uma dificuldade nessa fase você aprende e você tem tempo pra recomeçar, você tem tempo pra reconstruir de novo. Nós quebramos a cerâmica, foi trágico. Eu nunca pensava em ter cerâmica de novo, principalmente a minha mulher, ela falou: “O dia em que você pensar em ter uma cerâmica, eu vou largar de você.” Mas Deus foi muito generoso nesse período todo. Eu quero até fazer o meu testemunho, nós somos cristãos e a minha vida até aqui foi dirigida milimetricamente por Deus, tudo o que aconteceu parece que foi planejado por Ele. Nesse período, nós oramos muito, inclusive pelo meu casamento, nós somos felizes, vivemos muito bem, mas no passado tivemos fases difíceis e achávamos que não íamos continuar, eu achava que tinha casado com a mulher errada e ela achava que tinha casado com o marido errado, oramos juntos, choramos juntos e Deus fez um milagre na nossa vida. Eu vejo que eu casei com a mulher certa e ela tem me dito que acha também. Mas eu acho que passar por todas essas experiências difíceis me fez amadurecer, me fez valorizar as coisas, hoje sou mais controlado, independente de Deus. Não sei se respondi sua pergunta, mas... P1 – E qual foi sua maior realização? R - A minha maior realização foi um todo. Pro homem é importante você conseguir criar a sua família com dignidade, saber que conseguiu chegar num patamar aonde pode oferecer a eles o melhor, e esse melhor não tem que ser o luxo, necessariamente, mas o mínimo pra se viver com dignidade, isso pra mim é uma realização. Mas eu vou dizer uma coisa: quando nós vendíamos roupa eu me sentia como um pássaro fora do ninho porque lá era a área da Lucy, às vezes ela estava vendendo roupa e eu tinha que estar lá passando escovão na casa ou lavando as panelas no fundo da cozinha porque era ela quem tinha que estar atendendo, eu me intimidava, eu não tinha condições de estar lá. Então aquilo era terrível pra mim, mas eu achava que aquilo ali eu precisava passar, era importante pra mim, eu fazia as coisas todas que eram necessárias, às vezes me aborrecia. Quando discutíamos e tínhamos divergência em alguma coisa eu saía fora e deixava ela tomar a decisão porque eu entendia que ali era área dela. E consequentemente se era a área dela ela se sentia mais no direito também, e eu recuava. Quando a loja [de material de construção] começou a surgir, isso tudo foi invertendo, eu passei a me sentir o dono da situação, passei a me sentir melhor, sabia que aqui era o meu espaço, que aqui era onde eu tinha mais domínio. Eu acho que essa transição foi extremamente importante pra mim, me tornou uma pessoa mais segura, mais tranqüila em relação ao que eu estava fazendo. Aí ela que começou a ter um problema nesse aspecto, porque era muito importante que ela tivesse um espaço aqui dentro pra se sentir bem. Não é fácil conviver com sua mulher 24 horas, sua esposa. E ela tem opinião, nós divergimos, então houve um momento que nós discutimos, fui atrevido até, falei pra ela sair fora daqui, mas pra que eu possa ser feliz ela precisa ser feliz, e pra ela ser feliz ela precisa se sentir realizada. Aí falei que ela era importante aqui, eu deixei o espaço pra ela, tanto que quando a gente discute de dinheiro é ela quem resolve. O importante é que os dois estejam se realizando, eu era um cara teoricamente fracassado porque eu administrava uma cerâmica que tinha quebrado. Agora viver sob um negócio que a mulher domina, é trágico, foi difícil, ela teve que ter muita paciência comigo em alguns momentos, mas quando a gente inverteu a posição pra mim foi muito importante. Não porque subiu a minha cabeça ou interferiu no meu relacionamento com ela, mas me fez sentir melhor, as coisas melhoraram, porque eu me sentia melhor. P1 – E os seus sonhos, perspectivas de futuro? R - Eu sou um sonhador, tenho orado a Deus pra me ajudar a ser mais comedido porque se eu tivesse hoje, sei lá, dois, três milhões eu tinha lugar pra colocar nos meus negócios, mas eu sei que a gente tem que dar um passo de cada vez. Eu já não sou mais uma criança, já tenho uma certa maturidade, aliás, de um tempo pra cá nós temos procurado desfrutar. Aliás, nós sempre vivemos muito vem, desfrutamos com certo controle, nunca deixamos de tirar férias, sabíamos das nossas limitações e mesmo assim não deixávamos de ir, não é porque não tinha dinheiro que a gente não ia, a gente ia sem dinheiro mesmo. Então a gente tem procurado desfrutar de tudo isso, porque não adianta você ter tudo isso e não viver, não desfrutar. Qual é a valia disso? Nenhuma. Você tem que cuidar pra não passar a vida inteira correndo atrás do dinheiro e com compromissos, só atrás do dinheiro. Eu continuo com planos de investimento, eu tenho planos de terminar a minha loja no ano que vem, falta pouca coisa, e tenho planos pra cerâmica. Eu tenho planos de modernização dela, de investimento em equipamentos, maquinários, em aumento de produção. Eu tenho muitos planos pra ela e tem outros negócios que surgem e que se há oportunidade, estou indo atrás. Eu não perdi a vontade, a garra e a disposição de investir, só tenho procurado ser mais equilibrado pra não fazer tantas loucuras como eu já fiz, acho que não dá mais pra correr tantos riscos. P1 – O que você acha do Banco do Brasil estar resgatando a memória das pessoas através desse projeto? R - Vocês já me explicaram quais são os propósitos, mas na verdade, eu não sei bem o que vai acontecer. P1 – Como você se sente de contar sua historia de vida? R - Eu me sinto orgulhoso e envaidecido, o Banco do Brasil me deu a oportunidade de contar minha história e que talvez possa servir de motivação pra outras pessoas. Mas eu também agradeço a Deus por estar me dando essa oportunidade porque sem ele nada disso seria possível. Eu vejo as minhas empresas como oportunidade de louvar a Deus da seguinte forma: poder gerar empregos, poder dar oportunidades as pessoas, poder ajudar as pessoas também financeiramente. Eu vejo isso aqui como uma grande oportunidade de fazer o bem, essa é a minha visão do meu negócio, só que é pra fazer o bem, pra ajudar as pessoas. Sou eu que administro, cuido de cada centavo, mas depois que ele está na minha mão eu acho que eu tenho a obrigação de uma forma ou outra de partilhar. Não é que eu saia por aí distribuindo dinheiro, mas ajudar as pessoas, de uma forma ou de outra. Seja também pela experiência de vida, seja dando conselho, seja ajudando funcionário, seja contratando funcionários que estão envolvidos com drogas, discriminados pela sociedade pra poder ajudá-los. Eu tenho feito isso, a minha vida tem sido assim. Minha empresa tem um lado social muito interessante e o Banco do Brasil tem sido parceiro porque de certa forma me deu oportunidades e capitais pra que eu pudesse estar aqui. P1 – E como você se sentiu ao dar essa entrevista? R - Estou lisonjeado, envaidecido. Tudo bem que o banco vai usar como uma forma de vender a imagem dele, mas eu creio que abaixo de Deus, o banco me deu oportunidade e eu sou agradecido. Eu fico feliz de poder dar esse testemunho, essa historia de vida que muito mirandense aqui sabe como foi. Sabe da nossa luta, como a gente cresceu e juntamente conosco se orgulham dessa trajetória. Então eu fico feliz de poder estar contribuindo e contando um pouco da minha historia P1 – Está bom, nós agradecemos o seu depoimento. R - Obrigado a vocês por essa oportunidade.
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