E A FICHA CAIU...
No silêncio de uma enfermaria do INCA, percorria as horas daquela madrugada agradável de outubro, me perguntando o que Deus queria me mostrar com tudo aquilo que acontecia diante dos meus olhos.
No dia seguinte, devido ao diagnóstico de câncer na tireoide, eu iria fazer uma cirurgia. Por um momento, me senti mal por estar bem, diante daquelas mulheres tão sofridas.
Eram 3 histórias e 3 lições de vida.
Quando fui internada naquela segunda-feira, sentei em uma poltroninha e voltei minha atenção ao estudo da numerologia. Fátima, na cama ao lado da minha, ao ver o livro, abriu um sorriso e ensaiou algumas palavras. Sim! Fátima era numeróloga amadora. Parecia cheia de vida, mas quando a noite chegou, junto vieram as dores... Quanto desespero! Quanto sofrimento!
Naquela mesma noite conheci o seu marido Paulo.
Trabalhava como jornaleiro e estava na casa dos seus 60 e poucos anos.
Ele, a princípio, era incansável. Fazia massagens e movimentava lentamente as pernas da esposa ao som dos seus gritos guturais. Já são meses de internação, pele amarelada, cansaço estampado no rosto e a esperança havia muito não batia à sua porta. O marido esgotado. Não dormiu à noite, pois Fátima o chamava o tempo todo pedindo que lhe virasse para em seguida começarem os gritos. Às 4h30min, o chamou novamente. Nada... de novo... nada... Foi avisada, por Lucia, a segunda interna do quarto, que ele já havia saído para trabalhar. Foi quando ela fez um muxoxo e não mais se movimentou, nem abriu os olhos. E assim ficou aguardando a volta do amado.
Lucia era a personificação da superação. Viúva há 3 meses, na casa dos 60 anos, não teve nem tempo de chorar a ausência do dileto marido, pois há dois meses soubera que estava com câncer na língua e linfonodos. Foi submetida a três cirurgias, sendo a última na tarde desta mesma segunda.
Demorou muito a voltar e as internas estavam preocupadas com ela. Trouxeram-na por volta dás...
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E A FICHA CAIU...
No silêncio de uma enfermaria do INCA, percorria as horas daquela madrugada agradável de outubro, me perguntando o que Deus queria me mostrar com tudo aquilo que acontecia diante dos meus olhos.
No dia seguinte, devido ao diagnóstico de câncer na tireoide, eu iria fazer uma cirurgia. Por um momento, me senti mal por estar bem, diante daquelas mulheres tão sofridas.
Eram 3 histórias e 3 lições de vida.
Quando fui internada naquela segunda-feira, sentei em uma poltroninha e voltei minha atenção ao estudo da numerologia. Fátima, na cama ao lado da minha, ao ver o livro, abriu um sorriso e ensaiou algumas palavras. Sim! Fátima era numeróloga amadora. Parecia cheia de vida, mas quando a noite chegou, junto vieram as dores... Quanto desespero! Quanto sofrimento!
Naquela mesma noite conheci o seu marido Paulo.
Trabalhava como jornaleiro e estava na casa dos seus 60 e poucos anos.
Ele, a princípio, era incansável. Fazia massagens e movimentava lentamente as pernas da esposa ao som dos seus gritos guturais. Já são meses de internação, pele amarelada, cansaço estampado no rosto e a esperança havia muito não batia à sua porta. O marido esgotado. Não dormiu à noite, pois Fátima o chamava o tempo todo pedindo que lhe virasse para em seguida começarem os gritos. Às 4h30min, o chamou novamente. Nada... de novo... nada... Foi avisada, por Lucia, a segunda interna do quarto, que ele já havia saído para trabalhar. Foi quando ela fez um muxoxo e não mais se movimentou, nem abriu os olhos. E assim ficou aguardando a volta do amado.
Lucia era a personificação da superação. Viúva há 3 meses, na casa dos 60 anos, não teve nem tempo de chorar a ausência do dileto marido, pois há dois meses soubera que estava com câncer na língua e linfonodos. Foi submetida a três cirurgias, sendo a última na tarde desta mesma segunda.
Demorou muito a voltar e as internas estavam preocupadas com ela. Trouxeram-na por volta dás 21h. Logo, estaria desperta e falando bastante, apesar das limitações impostas pela remoção de parte de sua língua. Contou que ainda teria que fazer mais quatro cirurgias. Isso como se estivesse dizendo que ia ao cinema no final de semana.
Bem... na manhã da quarta-feira, nos desejou boa recuperação e saiu junto com a vizinha que fora buscá-la. Foi embora deixando um lastro de risos e beijos. Voltava para a solidão de sua casa, mas dentro dela o sol brilhava!
D. Sonia, a terceira interna, passava o tempo todo com uma pranchetinha colocando em linhas suas vontades e pensamentos. Por que ela escrevia? Por ter tido boa parte da sua língua removida por causa de um câncer que insistia em progredir.
Não mais falava a não ser através da velha caneta e papel.
Dois dias depois, sua filha foi avisada que ela seria submetida a uma segunda transfusão de sangue e não mais teria alta. Pronto! Desferiu todos os provérbios possíveis em cima do pobre médico.
- Absurdo! Sua mãe tinha que ir pra casa, pois ela já não aguentava mais ir e vir todos os dias ao INCA. – disse a moça sob os olhos incrédulos de todos.
Foi acalmada pela sua mãe muda e muito paciente.
A quarta interna era eu. Fiz a remoção da tireoide, mas a minha história não era de superação íntima, mas das teias da amizade. Fui amparada por amigos-irmãos que foram incansáveis. No dia da alta, enquanto uma cuidava da documentação, a outra me ajudava a levar meus pertences com muito desvelo e carinho na tentativa de amenizar minhas dores e enjoos. Qual não foi minha surpresa ao ver que meu amigo amparado por suas muletas seria o nosso motorista e nos levaria em segurança para casa.
Através da janela do carro, meus pensamentos voavam... Uma lágrima rolava ao perceber que esses, assim, como aqueles que me sustentaram através de orações eram a minha verdadeira família e sustentáculo. Pessoas fantásticas! Que orgulho e gratidão por tê-los ao meu lado.
De volta as paredes do meu quarto, os questionamentos voltavam. O que tudo isso queria me mostrar?
E pimba!!!
A ficha caiu!
É isso!!
Diante de tudo o que vivenciei não deveria reclamar de nada! Esses três dias no INCA foram como um lembrete. Não reclame das suas dificuldades, pois há milhares de pessoas em situações muito piores que ainda conseguem sorrir e lutar pelo fio de vida. São batalhas diuturnas que vencidas ou não, não arredam pé da luta. Esse foi o meu aprendizado. Não importa a batalha que está por vir, sorria, pois Deus não faltará jamais.
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