Do quilombo ao parlamento
Jorge Amaro de Souza Borges
Em 1978, era o ano que eu nascia na comunidade quilombola dos Teixeiras, em Mostardas, litoral médio do Rio Grande do Sul no meio do luto, pois a primeira filha de minha mãe havia ido ao óbito ainda pequena. O primeiro ato após o meu nascimento foi correr então para a Igreja São Luiz Rei para que meus tios Pedrinho e Nena, escolhidos como padrinhos me batizassem pelas mãos do Padre Simão Moser, um austríaco que ficou anos na nossa paróquia (inclusive é o único com os restos mortais na Igreja). A foto (Imagem 01) do batizado é emblemática porque é a única que tenho com a minha mãe.
Naquela época, éramos conhecidos como município da estrada do inferno, dada a então ausência de pavimentação naquela que ainda hoje é a única forma de acesso à região entre Capivari do Sul e São José do Norte, a continuidade da BR 101, considerando que, geograficamente, de um lado está o Oceano Atlântico e, do outro, a Laguna dos Patos, um istmo de terras conhecida como península selvagem.
Mostardas, possui três comunidades quilombolas: além de Teixeiras, há a de Casca e a Beco dos Colodianos. Se havia barreiras do ponto de vista do acesso de uma forma geral, as comunidades negras eram certamente as mais vulneráveis.
No início dos anos 80, meu avô materno, Ernesto Chaves de Souza, conhecido como Totóca, veio a falecer e, com isso, minha avó, Josefa Francisca, acabou vendendo nossas terras e fomos morar na zona urbana da cidade, uma ilusão da época, que a cidade era melhor. E o campo, principalmente os pequenos, não possuíam nenhum tipo de política para sua permanência nas propriedades. Minha mãe, dona Marli Miguelina, e meu pai, Baltazar Soares, foram precursores com outras famílias, do início da Vila Norte, bairro que se formou a partir de famílias de pequenos agricultores e quilombolas que, por conta do êxodo rural, voltaram-se para as cidades.
A Vila, na época, não...
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Jorge Amaro de Souza Borges
Em 1978, era o ano que eu nascia na comunidade quilombola dos Teixeiras, em Mostardas, litoral médio do Rio Grande do Sul no meio do luto, pois a primeira filha de minha mãe havia ido ao óbito ainda pequena. O primeiro ato após o meu nascimento foi correr então para a Igreja São Luiz Rei para que meus tios Pedrinho e Nena, escolhidos como padrinhos me batizassem pelas mãos do Padre Simão Moser, um austríaco que ficou anos na nossa paróquia (inclusive é o único com os restos mortais na Igreja). A foto (Imagem 01) do batizado é emblemática porque é a única que tenho com a minha mãe.
Naquela época, éramos conhecidos como município da estrada do inferno, dada a então ausência de pavimentação naquela que ainda hoje é a única forma de acesso à região entre Capivari do Sul e São José do Norte, a continuidade da BR 101, considerando que, geograficamente, de um lado está o Oceano Atlântico e, do outro, a Laguna dos Patos, um istmo de terras conhecida como península selvagem.
Mostardas, possui três comunidades quilombolas: além de Teixeiras, há a de Casca e a Beco dos Colodianos. Se havia barreiras do ponto de vista do acesso de uma forma geral, as comunidades negras eram certamente as mais vulneráveis.
No início dos anos 80, meu avô materno, Ernesto Chaves de Souza, conhecido como Totóca, veio a falecer e, com isso, minha avó, Josefa Francisca, acabou vendendo nossas terras e fomos morar na zona urbana da cidade, uma ilusão da época, que a cidade era melhor. E o campo, principalmente os pequenos, não possuíam nenhum tipo de política para sua permanência nas propriedades. Minha mãe, dona Marli Miguelina, e meu pai, Baltazar Soares, foram precursores com outras famílias, do início da Vila Norte, bairro que se formou a partir de famílias de pequenos agricultores e quilombolas que, por conta do êxodo rural, voltaram-se para as cidades.
A Vila, na época, não dispunha de nenhuma estrutura, como escola, posto de saúde, redes de água, esgoto, luz elétrica. Minha lembrança é de dunas de areia e campos. Grande parte daquelas crianças e adolescentes não tinham acesso à escola. Falamos de antes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). As mães trabalhavam como empregadas domésticas e até mesmo em pequenas propriedades no entorno da cidade, e os pais, nas lavouras de arroz, no plantio de pinus e eucalipto e de cebola. Obviamente, a maioria deles eram analfabetos ou com baixo letramento. E era um tempo em que a cidade era dividida entre os que moravam na “pedra”, onde estava a escola, a Prefeitura, o Hospital, a igreja e algumas ruas com calçamento, e os que moravam na Vila, ou na “areia”, os pobres, em sua maioria negros, com raras oportunidades e possibilidades de ter uma vida digna.
Estudar não estava na agenda de prioridades de quem morava na Vila. Grande parte das famílias tinha mais de um filho, então, alimento era mais importante. Lembro-me de que uma das coisas que fazíamos era “pedir pão nas casas da pedra”, geralmente no final de tarde. Nós, as crianças da Vila, sequer tínhamos nomes; éramos os “neguinhos”. Havia uma pesada carga de preconceito e discriminação. Como ir à escola dessa forma? Um dos resultados triste disso, grande parte de meus amigos de infância, ou estão mortos, ou presos, a maioria sequer estudou. Sonhos foram roubados.
Nas comunidades quilombolas, há uma tradição de respeito e escuta aos mais velhos. Os griôs, ou contadores de histórias, guardam a história e a memória das comunidades de forma oralizada. Por um lado, eu observava meu pai, minha mãe, tios, primos, enfim, todos da família sem estudar e muitos sequer sabiam ler; por outro, a sociedade que menosprezava o trabalho e a função do negro. Porém, estava ouvindo uma história que me encantava. Em todos os cantos do quilombo, eu escutava sobre meu avô Totóca, que segundo relatos era agrimensor, contador, carpinteiro, matemático e, acima de tudo, um hábil leitor de livros. Sim, havia um negro do quilombo que era intelectual. Sobre ele, tantas e tantas histórias, repetidas por brancos e negros em todos os cantos da cidade. A partir disso, em algum momento da minha vida, eu decidi: eu quero ser o Totoquinha, quero aprender a ler e a escrever como meu avô.
Com isso, e entendendo o meu desejo de criança, minha mãe e minha avó atravessaram a barreira invisível entre a “pedra” e a “areia” e me matricularam na Escola Municipal de Ensino Fundamental 11 de Abril. Mesmo sem caderno, roupas, nome, eu fui para a escola, movido pelo simples desejo de aprender a ler e a conhecer o mundo. A palavra me encantava.
Muitas foram as barreiras a que fui acometido. Lembro-me do inverno de 1985, meu primeiro ano na escola. Estava superando a falta de materiais escolares, a fome de dias que ia sem alimento, o estranhamento de alguns colegas com aquele “neguinho diferente”, mas havia uma questão de ordem fisiológica: o frio do litoral gaúcho. Eu não tinha roupa suficiente para enfrenta-lo. Fui, então, até minha professora e lhe pedi que pudesse ficar em casa nos meses frios, onde, ao menos, tinha o velho e aconchegante fogão à lenha, e voltasse à escola após o inverno. Naquele dia, aprendi que a inclusão, antes de tudo, necessita de afeto. A professora olhou nos meus olhos, segurou minha mão e me disse: “venha amanhã que resolveremos esta situação”.
No outro dia, ela me trouxe talvez um dos presentes mais importantes de toda a minha vida: um moletom cinza. Depois vieram calçados, calças, apoios fundamentais para que meu primeiro ano de escola fosse exitoso, não pelos presentes, mas pela atenção, por me enxergar como pessoa. Aquela professora compreendeu que, dentre todos os alunos da turma dela, um precisava de roupa para seguir em frente e continuar estudando em igualdade de condições com os demais.
Permanecia, ainda, o estranhamento por parte dos outros alunos, o olhar indiferente, que, na verdade, era resultado do desconhecimento. Nisso, surgiu outra professora, que, em todo meu ensino fundamental, ficou conhecida como “minha mãe branca”, e eu, seu “filho preto”. Lecionava artes e descobriu em mim um dom: desenhar. Aprendi com ela a sempre apostar no melhor dos indivíduos, assim como ela fez comigo. Uma outra professora, todos os dias me dizia, “a mão tem cinco dedos, nenhum deles é igual” Aquilo me mostrou que eu podia sim construir uma nova história. Assim, sobrevivi no ensino fundamental, com esses gestos eminentemente inclusivos de educadoras à frente do seu tempo, já que estamos falando de uma época em que não tínhamos políticas de inclusão. Porém, havia ali pessoas comprometidas com a educação democrática, plural e para todas as pessoas. Com o tempo, uma das merendeiras da escola, negra e moradora da Vila como eu, percebendo minhas necessidades, sempre me recebia meia hora antes da escola abrir com meu café da manhã. Aprendi que incluir é quebrar barreiras institucionais, isso difere o legal do justo. E que em um espaço educativo, todos educam!
Um dos lugares que eu mais frequentava em Mostardas era a Biblioteca Pública Mathias Velho. Todos os finais de semana, estava lá. O ambiente estava aberto aos sábados e domingos, e duas pessoas muito especiais me acolhiam naquele espaço, servidoras públicas compromissadas com o valor daquele lugar. Ao entrar naquele novo universo, conhecer os países, as obras da literatura brasileira, a cada dia que passava, eu me apaixonava mais pelos livros e pelo aprender.
Além de estudar, como filho mais velho, ajudava a cuidar meus irmãos mais novos; trabalhei de garçom em salão de baile, em lavouras de cebola e arroz, fui vendedor de rapadura, picolé, verduras e pastel, entregador de leite e, por fim, office-boy do jornal da cidade, que foi meu primeiro emprego com carteira assinada em 1995, quando atuei, dentre outras tarefas, como sonoplasta de programa de rádio, chargista e editor de esportes. Um dos fatores que me ajudou no Jornal foi o fato de uma de minhas professoras de português solicitar ao final de aula a escrita de uma redação. Ali, além de ler, me apeguei ao escrever.
Estudei um ano do ensino médio em Mostardas, na Escola Estadual Padre Simão Moser e, no ano seguinte, fui cursar técnicas agrícolas na Escola Técnica de Agricultura (ETA) de Viamão. A ETA era tradicional em receber jovens de Mostardas, pois oferecia, além de uma formação técnica, alojamento e alimentação. Concluí o curso em 1998, sempre com apoio de minha mãe e minha avó, além de valiosos amigos que me ajudaram afetivamente e financeiramente neste período. E inspirado pela história de um dos seus alunos mais ilustres – Leonel de Moura Brizola.
No último ano da escola, houve uma proposta de um professor de uma disciplina: o trabalho mais bem avaliado ganharia um estágio na Prefeitura de Viamão. Me esforcei e consegui a vaga, indo atuar na Secretaria de Planejamento, no Departamento do Meio Ambiente. Ali eu comecei a me moldar biólogo. Foi uma valiosa experiência, pois pude ter contato com problemas socioambientais até então desconhecidos para mim (saia do convívio de um município de menos de 12.000 habitantes e ia para um de mais de 200.000). No ano seguinte, virei assessor do departamento e, depois, diretor de Limpeza Urbana, na Secretaria de Obras.
Era o ano de 2001, estava iniciando o curso técnico de Monitoramento e Controle Ambiental na Universidade federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), após duas tentativas frustradas de passar no vestibular. No feriado do 20 de setembro, iria para Mostardas, para ver minha mãe, a quem não via havia seis meses. No dia 16, ela faleceu. Assim, tive de antecipar a ida pelos motivos que jamais gostaria. Ela tinha apenas 42 anos, e eu, 23. Saí dos atos fúnebres com a tarefa de cuidar dos meus três irmãos: o mais novo com 4 anos e os outros dois adolescentes. Todos vieram para Viamão comigo.
Precisei pausar os estudos de forma drástica. O emprego também não comportaria a rotina com meus irmãos, sobretudo com o menor. Tive então que buscar outra forma de organização, pensando nas novas funções que a vida me ofertava. Naquele momento, surgiu uma vaga para técnico agrícola em um contrato emergencial na Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e Pessoas com Altas Habilidades no Rio Grande do Sul (Faders) órgão gestor destas políticas no âmbito do Estado. O salário era razoável, e o melhor, o local de lotação tinha uma creche ao lado para que meu irmão menor ficasse.
Sem ideia nenhuma do que iria fazer, pensei apenas em ajustar a vida dos meus irmãos. Fui lotado no Centro Abrigado Zona Norte (Cazon). A minha função seria atuar como instrutor de técnicas agrícolas e educação ambiental para pessoas com deficiência intelectual, atendendo em torno de 120 usuários, em grupos de aproximadamente 20. Até então, não havia tido nenhuma experiência com o tema. Porém, o olhar que eu tive desde o início com aquele grupo foi, em um primeiro plano, reconhecer cada um como pessoa, e, em segundo, carregar comigo o afeto e as aprendizagens das minhas professoras do ensino fundamental e as vivências e práticas do quilombo. O resultado foi um trabalho que marcou minha vida e me introduziu na militância por dentro do serviço público articulando acessibilidade, igualdade racial, sustentabilidade e direitos humanos.
Atuei na Faders até 2005, depois tive um novo período em Viamão, onde conheci a Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência e, em 2006, criamos o conselho municipal dos direitos da pessoa com deficiência. Nesse ano, através do Programa Universidade para Todos (Prouni), entrei no curso de biologia do Centro Universitário Metodista (IPA). Em 2007 tive um período como fiscal de meio ambiente no município de Alvorada, vizinho de Viamão, sendo este o meu primeiro cargo obtido através de concurso público. Concluí o curso em 2008, quando voltei para a Faders, agora como concursado. No período de 2011/2012, atuei como vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Coepede) e, de 2013 a 2015, estive cedido ao Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). Em 2015 entrei no Doutorado em Políticas Públicas da UFRGS.
No ano de 2017, retornei à Mostardas como secretário de Turismo e Cultura, Coordenação e Planejamento e Meio Ambiente a convite do prefeito eleito, um colega desde o ensino fundamental, cuja amizade era de mais de três décadas, e foi o meu primeiro “amigo” branco. Éramos vizinhos na Vila. De partidos diferentes à época mas sonhos comuns. A amizade cívica nos uniu. Pela primeira vez que um negro e quilombola assumia tal posição em Mostardas nos 54 anos de emancipação do município. Era preciso fazer a diferença, não por mim, mas por todas as vozes negras até então silenciadas. E eu estava concluindo o Doutorado. Foi em Mostardas que fechei minha tese, e agora, a cidade tinha um negro doutor e quis o destino que fosse o primeiro Doutor em Políticas Públicas da história da UFRGS. O desafio era, como a academia poderia contribuir com o mundo vivido? Por três anos e três meses, fui secretário. Sempre defendendo o povo negro. Criamos políticas inéditas em toda região de promoção da igualdade racial, fomos referência inclusive no Brasil por conta do que ajudamos a construir, o que foi confirmado com Prêmios recebidos a nível regional e nacional. O uso de evidências dos saberes acadêmicos foram fundamentais para o êxito das políticas que implementamos.
Prêmios Recebidos:
Prêmio de Responsabilidade Ambiental RS, Instituto Borboleta Azul pelos trabalhos no Grupo Maricá (2008).
Prêmio Responsabilidade Ambiental RS, Instituto Borboleta Azul pelos trabalho no Grupo Maricá e Projeto Sala Verde da Faders (2009).
20.º Prêmio Expressão de Ecologia, pelo Laboratório de Educação Ambiental Inclusiva e Educação Ambiental, Inclusão e Direitos Humanos desenvolvido na Faders (2012).
Prêmio Pioneiras da Ecologia, Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul pelos trabalhos no Grupo Maricá (2013).
Certificado de reconhecimento aos serviços prestados a comunidade de Porto Alegre, Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (2014).
Comemoração ao Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, Câmara Municipal de Vereadores de Mostardas – RS (2014).
Comemoração ao Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, Câmara Municipal de Vereadores de Parobé – RS (2014).
Prêmio Direitos Humanos - Igualdade Étnico Racial (2018).
Prêmio Espírito Público,[17] a maior premiação para profissionais públicos do Brasil - Categoria Meio Ambiente (2019).*
Prêmio Zumbi dos Palmares 2019.
Prêmio RAPS de Inovação e Sustentabilidade 2020.
* O Prêmio Espírito Público possibilitou uma semana de imersão internacional em Berlim, na Alemanha, com troca de experiência com servidores públicos e agentes governamentais, além de uma semana de formação na Hertie School, uma das mais importantes instituições de Políticas Públicas do mundo.
O quilombo me ensinou a respeitar os mais velhos, os griôs, aqueles que guardavam em sua oralidade o saber, o conhecimento e o legado da comunidade. Sou um filho da África, mas não sei minhas origens, quem eu sou, de onde vim, onde estão meus ancestrais. Aprendi, no diálogo, a conviver com as diferenças, a partilhar o pão e acreditar na educação como instrumento de transformação. A ideia de Quilombo como um espaço metafísico presente na identidade e na essência de nossa luta é a grande herança de Palmares e da luta de Oliveira Silveira, poeta que nos inspira até hoje. O Quilombo é a liberdade, o sonho, a esperança. Os seus membros são irmãos e irmãs de uma verdade que os guia na luta permanente pela memória afetiva e simbólica de todos os seus membros, vivos e não vivos que lutaram uma vida inteira por liberdade. Os livros que tanto meu avô lia e me inspiraram viram sonhos de um menino que, além de ler, escreveu também seus livros.
2014: Sustentabilidade & Acessibilidade: Educação Ambiental, inclusão e direitos da pessoa com deficiência - práticas, aproximações teóricas, caminhos e perspectivas!
2019: Política da pessoa com deficiência no Brasil: percorrendo o labirinto (1º ed.)
2021: Política da pessoa com deficiência no Brasil: percorrendo o labirinto (2ª ed.)
2023: Política da pessoa com deficiência no Brasil: percorrendo o labirinto (3ª ed.)
2023: História do Movimento das Apaes - Resiliência, Resistência e Protagonismo - escrito em parceria com com Erivaldo Fernandes Neto e homenageando Elpídio Araújo Neris (in memoriam), sendo produzidas duas edições em 2023 (1ª e 2ª ed.)
Livros estes que possibilitaram experiências únicas em Mostardas e na vizinha Tavares. No ano de 2015, tive o privilégio de, em Praça Pública, ser o primeiro patrono da Feira do Livro de Mostardas, em uma noite que na frente da Igreja Matriz, o tambor do quilombo bateu mais forte. Já no ano de 2019, o povo Tavarense, igualmente em uma primeira edição de Feira, me deu a oportunidade ímpar de ser o seu patrono.
O Cazon acabou ofertando um espaço para que pudesse ter a prática cotidiana dos familiares de pessoas com deficiência, na busca por seus direitos e, ao mesmo tempo, instigou-me a pensar diálogos transversais que me aproximaram do Grupo de Pesquisa SobreNaturezas, durante meu período no Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Desse modo, em minha vida, tive uma fase de atendimento direto às pessoas com deficiência, com um tipo de abordagem e de aprendizado, e outra fase, especificamente, no âmbito da garantia de direitos a essas pessoas, que me colocou na condição de buscar mais conhecimentos e informações sobre o tema para poder incidir na agenda política. E sempre tendo como pano de fundo os saberes tradicionais quilombolas carregados na minha alma e no meu coração. Daí compreendi por exemplo que acessibilidade nada mais é do que liberdade, cuja luta de Zumbi representava – equidade e igualdade de oportunidades. Me compreendi assim, quilombola e sujeito de direitos humanos. As ideias de transversalidade e interseccionalidade passaram a fazer parte do meu imaginário – a luta de um é de todos e a de todos é de um.
Busco, aqui, construir diferentes narrativas de um contexto no qual nos inserimos todos e que faz parte de um conjunto de lutas e disputas na sociedade e na vida, permeado pela caminhada do Quilombo ao Cazon e do Cazon ao Quilombo, onde considero que todos aprendemos e ensinamos a cada espaço percorrido tendo como pano de fundo as experiências educativas das escolas e das Universidades.
Em 2020 me propus a um novo desafio. Ser candidato a vereador em Mostardas. E busquei me preparar para isso, em todos os aspectos, sejam eles políticos, sociais e até mesmo na busca por novos conhecimentos, distantes da minha agenda de leituras e estudos. Busquei me reinventar para entrar em um mundo até então, no ponto de vista das práticas era completamente diferente do que havia vivenciado até aqui. E defendendo as pautas da igualdade racial, dos direitos humanos, da sustentabilidade e do protagonismo negro. Exatamente em um ano emblemático, obscurantista e complexo. Dois fatos foram importantes neste processo de (re) aprender. Em 2019 fui aceito como Líder da Rede Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), passando um ano inteiro partilhando experiências com político de todo país. Ali aprendi por exemplo, a necessidade de dialogar com os diferentes, porém, tendo sempre princípios e valores inegociáveis. No mesmo ano, fui um dos selecionados para o curso do RenovaBR, escola de formação de políticos. Os movimentos de renovação da política foram fundamentais para que eu pudesse fazer uma campanha que não fosse mais do mesmo, compreendesse as regras do jogo e estivesse pronto para entrar nestas arenas de disputas. Com 397 votos e a quinta maior votação, fui eleito com todas as bandeiras, sonhos e desejos que me trouxeram até aqui. No meio da campanha, tive que enfrentar, além do racismo estrutural, a luta contra o Coronavírus, onde meu pai ficou entubado por sete dias. E após a campanha eu contraí o vírus e fiquei quase duas semanas na luta por ar e por leito. Veio um filme na cabeça. Me internei quando minha filha mais nova fez um ano de idade, eu com 42, a mesma idade que a tuberculose havia acometido minha mãe. Todas as dores do mundo vieram à tona. Mas superamos as adversidades, e no dia 01/01/2021, Mostardas teve uma posse histórica. O quilombo chegou no parlamento! E em 01/01/2024, nos 60 anos de Mostardas, fui eleito o primeiro vereador negro e quilombola presidente da Câmara de Vereadores de Mostardas!
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