Projeto vida Indígenas do Maranhão
Entrevista de Alzenira Guajajara Alves
Entrevistador(a) por : Leila Guajajara, Yuna Guajajara e Marcos Vila Bela
A ponta do Alto do Angelim 23 de Fevereiro de 2022
Código da entrevista: VIM_HV014
Revisado por: Nataniel Torres
P - Qual o seu nome completo e sua data de nascimento?
R – Boa tarde. Alzenira Guajajara Alves e nascida é 5/09/1967.
P – Onde você nasceu?
R – Aqui mesmo na aldeia Piçarra Preta, município de Bom Jardim.
P – Qual aldeia você morava antes, na sua infância?
R – Na minha aldeia, ou seja, na minha infância, eu tive morando, eu fui doada por uma família aqui, que foram meus padrinhos, madrinha, e aí eu, talvez com um 5 anos de idade, fui doada pra essa família e aí depois, depois de muito tempo eu voltei pra casa, minha mãe foi buscar e aí eu tava na Januária. Aí, da Januária, meus pais já vieram morar na Piçarra Preta e então ficou nesse vai e vem, de convívio, durante muito tempo, talvez lá pelo ano de, talvez com 12 anos, eu aí fui trazida e não fui mais devolvida pra lá, aí eu já passei morar, com meu pai e minha mãe na aldeia, já foi na Aldeia Piçarra Preta.
P – A senhora tem alguma lembrança da sua infância?
R – Tenho. Na minha infância, foi um período muito, é assim triste que eu passei na minha infância, porque quando você vai morar com uma família que não é parente seu de jeito nenhum, né, você tem ali aquele sofrimento, aonde você nunca esquece, nunca vai esquecer na sua vida, é então, mas eu, hoje já compreendo esses momentos que eu passei na minha vida.
P – Qual lembrança você tem dos seus pais, dos seus avós e dos seus tios?
R – Ah, eu tenho boas lembranças deles, o que me deixou a perguntar, a me perguntar sempre foi isso, por que que me doaram para aquele família, né? Mas esquecendo isso, meus pais sempre foram bom pra mim, meus tios que tiveram sempre presente e meus avós também muito presentes na minha vida.
P – Na sua aldeia tinha Pajé, como eles eram, o que faziam?
R – Bom, na Januária tinha Pajé e eles, eu só ouvia as pessoas mais velhas contado o procedimento deles, na época. Só que como eu já falei antes, eu não vivi muito tempo na aldeia e não pude presenciar tanto o mal comportamento deles com as pessoas. Porque os pajés eles fazem algo bom, mas também faz algo de ruim pras pessoas, então só ouvia falar, e hoje a gente ainda ouve os comportamentos pajés aqui. Ou seja, onde eu morei na Januária que tinha, depois moramos na Piçarra Preta não tinha nenhum pajé, que eu me lembre. Enquanto que aqui, no Alto do Angelim, também não tem pajé. Então foi algo que chamou muita atenção de pessoas pelos procedimentos deles.
P – Alguém lhe contava as histórias na sua infância?
R – Sobre?
P – Assim sobre algum acontecido?
R – Sim, contava as histórias, muitas história as pessoas contavam. A minha avó contava, minha mãe contava, e outras pessoas contavam relatos que souberam, perceberam, relato sobre pajés ou outras variedades, contava variedade de outros acontecimentos que aconteceu, bons comportamentos e outros que foram tão bem.
P – Pode ser histórias também de lendas, causos?
R – Aham, tem, lendas. A minha avó contava lendas. Minha mãe, meu pai e também eu vinha apreciar mais sobre as lendas, nos livros, as lendas indígenas. Então várias me chamavam atenção na história. É uma história que eu nunca vou esquecer é sobre, a história dos dois gêmeos, dos Guajajara, aí é uma história que me chamou muita atenção. E assim, além disso, tem outras histórias com outros nomes.
P – A senhora poderia compartilhar com a gente essa história?
R – É, sim... a história dos dois gêmeos. Havia chamando Mayara. Mayara foi o criando de tudo na terra na época e aí ele tinha uma esposa que gostaria de viajar. Aí determinado que ele saiu e ela ficou só. Então ela sentiu aquela vontade de sair e o bebê, ela já tava grávida, então Mayara foi andar no mundo, aí o filhote, o filho, disse: mãe vamos viajar. Aí ela disse “como que nos vamos viajar? Eu não sei caminho por onde a gente sair pela mata”, aí ele disse “não se preocupe não, que eu lhe vou te ensinar”, “pois tá bom”, então aí foram, saíram andando, ela já com barrigão. E aí, ela disse “onde nós vamos dormir?”, “mãe, vamos pela aquela vareta”, e foram na vareta e quando chegaram mais na frente, aí ela viu a casa de marimbondo, ou seja, o filho pediu pra ela “oh mãe, a senhora pode me “panha” aquelas flores?”. Então, no momento que ela foi panha as flores, ela peitos na casa de marimbondo e o marimbondo foi e esporou ela e então ela disse “mas o marimbondo me esporou aí”. Aí deu uma lapada nele, que foi uma coisa assim tão incrível que, por isso que sempre me chamou atenção. Aí ele zangou e disse que não ia mais ensinar o caminho pra ela, “pois então tá bom, a gente vai seguir a vareda”. Mais na frente chegar na casa do, numa aonde morava o Mucura, aí ela foi, muita chuva, ela já toda molhada, aí ela disse pra Mucura que ela tava ali andando, mas que ela não sabia por onde prosseguir, já tava de noite. Aí ele disse “pois então a senhora vai dormir aqui”. Arrumou uma rede lá pra ela, e aí ele foi tão esperto que ele fez um furo, fez um teto bem em cima da rede dela e aí a chuva começou a molhar toda, ela toda, aí ela disse “mas eu tô toda molhada” e ele foi, com esperteza dele, disse “pois, vem dormir comigo”, e aí ela foi dormir com ele. E lá, acho que namoraram e lá entrou, fizeram a Mucurinha. Aí a mucurinha, já não era só mais um, já era dois filhote e aí ela disse, deu prosseguimento na viagem no outro dia. Aí um determinando momento, ela chega em outra casa, que tem as roças como as moradoras da casa, nesse momento tinha a velha, os filhos tavam na mata andando, aí ela disse “mas o que tá acontecendo, de onde a senhora veio?”. Ela fez um relato dela e aí foi no momento que os filhos dela chegaram, aí ela disse “mas eu vou te esconder aqui, eu vou te esconder, e eles não vão fazer nada contigo”. De qualquer modo, eles sentiram o cheiro dela, um cheiro estranho, e aí começaram a procurar e até encontraram, mataram ela, e ela com muita tristeza disse “por que vocês fizeram isso, ela era minha visitante? E agora vocês vão partir a barriga dela e tirar os dois filhote”. E aí foi isso que aconteceu, tirou os dois filhote. Ela pegou os pano velho e aí embrulhou os filhote que é Mayra Yra, que é o filho do Mayra, e Mucura Yra, que é o filho da Mucura. Então, com todo aquele jeito, ela cuidou deles, e aí eles foram se desenvolvendo, eles queriam doido pra comer eles e eles disseram “não, você não vai me comer”. Então, veja só que nessa história o que me chama atenção é o comportamento de Mayra yra com referência Mucura yra. Mayara yra sempre teve cuidado com Mucura yra, pra defender ele de todo o mal. Então disse “vamos aqui”, aí o filhote da onça queria esperar eles pra assar, mas não conseguiram, todo jeito eles não conseguia fazer o mal pra eles. Então, tudo bem. Eu sei que o tempo passou e a velha morreu. Aí, um determinado dia, eles foram andar na floresta e lá uma Jacu perguntou pra eles assim “o que vocês andam fazendo por aí?, “Ah, nós estamos caçando”. Aí ele foi contar a história de que a onça matou a mãe deles, relatou. Aí disse, “agora vocês voltam pra casa, mas é bom que vocês saiam de lá”. Então, quando eles chegaram em casa, a avó ainda perguntou, que chama eles de _____, de vó, “mas o que foi que aconteceu que os olhos de vocês tão inchados”. Aí ele foi disse “vó, porque o marimbondo esporou a gente, por isso a gente chorou muito, e aí por isso que nossos olhos estão inchados. Mas então vamos nos concentrar”. E aí eles ficaram. Quando aí ele conversou com o irmão dele “vamos se embora, vamos procurar outro lugar”. Aí eu sei que saíram, e aí, de repente, eles encontram com um velho, um senhor já, um ancião, disse assim “mas, ei Tamuy, o que vocês andas procurando aí?”. Aí eles vão e encontram o pai, o Mayra pai. Aí o Mayra disse “nós somos o seu filho” e “vocês são meus filhos?”, “somos”, “pois então, vocês vão fazer uma tarefa pra mim, pra justificar que vocês realmente são meus filhos”. Aí eles foram, “mas tem três tarefas pra vocês fazer: a primeira, vocês vão encontrar com ajaga, ajaga tua’ur que vocês vão fazer, todos esses três vocês vão matar”. Aí tudo bem, foram e encontraram o ajag, ai disse “você vem de onde?”, “ah, nós tamo…”, “vocês vêm de onde?”, “nós estamos andando aqui, procurando uma saída, que a gente quer realizar uma tarefa” e disse “mas Tamuy ensina nós pescar?”, “tudo bem”. Aí ele foi, ensinou eles pescar e pegaram peixe levaram pra casa, aí tudo bem. E aí, outra tarefa, eles encontram com outro ajag, o ajag do cabelo comprido. Aí eu sei que eles vão passando essa história com cada um, eu sei que eles, resumindo aqui a história, vão acabar matando os três ajag. E aí, no final, eles chegam lá onde o pai Mayra, e disse “pai, o final da história, o final da tarefa que o senhor pediu nós realizamos”. Aí o pai foi, conversou com eles. Eu sei que no meio de tudo isso, “realmente vocês são meus filhos mesmo, eu fico muito agradecido” e “então tudo bem, vamos embora procurar uma terra bonita, uma terra boa pra onde a gente pode produzir, tudo que nós temos direito”. Então gente, eu fiz um resumo dessa história mais longa, tem mais detalhes, então isso é uma história que me chamou muita atenção que chamada: Os Mayra Yra, os dois filhos gêmeos de Mayra. Além de outras histórias muito bonitas também.
P – Dona Alzenira, a senhora ouviu essas histórias na Língua materna, a senhora poderia contar pra gente alguma história da língua materna e depois fazer um breve resumo em português?
R – Aham, sim. A história tem como título dela “A lua e a Estrela"... A lua sempre andava sozinha. (conta em Língua Indígena). A lua vivia só e a Estrela observava o comportamento da Lua. Um dia, a Estrela foi na casa da mãe da lua e disse “por que a lua vive sempre só?”, aí a mãe respondeu “porque ele não tem nenhum companheiro, nenhuma companheira. Por isso, ele vive só”, aí ela disse “mas como eu faço pra ser uma companheira pra ele?”, aí a mãe respondeu “só se você fizer a comida, almoço e janta, e você oferecer pra ele. Na hora você pergunta se ele aceita você como companheira dele ou não. Aí ele vai dizer pra você”. “Então, tudo bem”. Determinado dia, ela encontrou com ele e perguntou “você quer que eu seja a sua companheira?” Aí ele respondeu “você que sabe, se você quiser, você será minha companheira para sempre. Então a gente casa e vamos viver uma vida sempre junta”. É por isso que hoje em dia quando a gente vê a lua, sempre vê uma estrela perto. Então, o resumo dessa história, uma reflexão que a pessoa tem é exatamente sobre isso, né?
P – Com todas as histórias que seus pais, seus avós, te contavam trouxe algum aprendizado ?
R – Sim, principalmente no comportamento, como já foi falado antes sobre os pajés, e aí foi um aprendizado, uma aprendizagem que eu recebi e que me ajudou muito. “Por que professora a senhora falar desse jeito?”, é por que a minha mãe, meu pai, meus avós me dizia assim “oh, aquele ali é pajé, então na frente dele você não pode tá sorrindo, você tem que se comportar, por que tudo isso eles vão interpretar mal, ele pode lhe desejar o mal”. Aí foi algo que eu aprendi, sobre a contagem dessas histórias, se você tem algum alimento, você oferece pra aquela pessoa, e aí são comportamentos que eles vão achar de você bom mais contando que, além disso, ainda tem aqueles maldosos que ainda pode querer fazer o mal pra pessoa, mesmo assim. Então eu aprendi muito com isso e são reflexões que a gente às vezes chega pros filhos, pras filhas sobre isso.
P – Qual língua era falada na sua aldeia?
R – Sempre a Tenetehara Ge'ey, ou seja, a língua indígena dos Tenetehara. Tenetehara Ge'ey. Então, a gente sempre aprendeu em casa a linguagem.
P – Seria interessante a gente aprofundar mais nessa questão da língua. Hoje a senhora atua como professora, dona Alzenira?
R – Eu tava esperando essa pergunta, por isso que eu me calei.
P – Então a senhora poderia explicar um pouco mais sobre o seu trabalho, sobre a importância do seu trabalho, e como é o seu trabalho?
R – Sim. Então, a minha língua materna eu aprendi em casa com meus pais, meus avós, apesar de que na minha doação, a minha madrinha sofreu muito, porque eu só falava na Língua indígena, criancinha, era só na Língua indígena elas ficavam sem entender, sem saber o que eu tava dizendo, e aí o tempo foi passando, passando, e elas foram me estendendo. Mas quando eu voltei pra casa dos meus pais isso nunca esqueceu de mim, ou seja, eu nunca esqueci a minha língua. Quando alguma dúvida que eu tinha, eu perguntava pro meu pai, perguntava não ainda hoje eu pergunto ao meu pai, que a minha mãe é falecida, mas eles me ajudaram muito, ainda ajuda o meu pai, então tudo isso. Mas quando eu comecei a ser professora, alguém disse assim “você vai ser professora da língua Indígena”. Isso também me enriqueceu muito por que são atividades que a pessoa quer, quer muito, mas o tempo passando, vai passando e a pessoa tem que aprofundar nessas atividade. Então eu vejo assim que é muito enriquecedor essas atividades porque tipo, eu tenho, vamos supor, eu tenho a Carlinha, eu tenho minha sobrinha, a menina a irmã Leila, que elas de repente precisam de algum conteúdo, de algumas atividades pra realizar, aí elas se tiver alguma dificuldade, elas têm que recorrer a uma pessoa que sabe, “senhora, senhor, tio ou tia, me explica como é, se eu devo dizer assim”. Então é muito interessante a pessoa correr atrás pra recuperar as dificuldades que a gente sente, principalmente.
P – E, é muito importante dona Alzenira esse trabalho, de repassar esse conhecimento para outras gerações?
R – Aham, isso.
P – Me fala um pouquinho sobre seus alunos, quem são seus alunos, como é que eles estão absorvendo o aprendizado da língua, como a senhora vê essa perspectiva de futuro?
R – Os meus alunos… Eu tive cinco alunos de primeiro ao quinto ano, que esse ano eles já vão fazer o sexto ano na aldeia, são alunos que tem tudo pra eles recuperar a linguagem onde eles não sabem, porque eu sou professora mas também, vamos supor, na Januária eles também têm professores da língua indígena, então eles podem recuperar aí em qualquer momento, eles pode vir perguntar e dizer “tia, como é que se diz essa palavra, como se diz determinada frase?”, e aí pode recorrer ao meu pai também, aí a gente tá disponível pra responder pra eles como que eles devem responder, ou seja , usar o diálogo, porque há muita necessidade da aprendizagem da linguagem.
P – Aproveitando um pouco dessa aula espetáculo da senhora, a senhora poderia falar um pouquinho sobre as línguas dos povos que a senhora conhece, por exemplo, aqui na Guajajara a gente fala?
R – Tentehara Ge'ey
P – Tentehara Ge'ey, e nas outras nações a senhora poderia falar um pouquinho pra gente?
R – Das outras nações… Eu só sei da minha nação. Agora falando de outras nações, eu não sei, porque o Guajajara é o Guajajara n, tem o Ka'apo que é a linguagem dele também é do tronco linguístico Tupi, que algumas palavras que ele fala, a gente pode compreender que é parecida com um dos Guajajara, que também é do tronco linguístico Tupi e outros, vamos supor, os que são de origem, ou seja, a linguagem é do tronco linguístico Tupi, a gente vai entender que, vamos supor, que ele fala “Pira” eles vão dizer algo parecido também, vamos supor que o peixe é “pira”, vamos supor que outra, a borboleta é “Pànàm”, e outras, vamos supor, japucai (çapucái) é a galinha, às vezes eles vão falar algo parecido com o dos Guajajara, a gente vai compreender. Então, quanto dos Canela, dos Timbiras a gente não compreende tanto assim. É uma dificuldade que a gente tem. Por exemplo dos Guajá, os Guajá eles falam coisa também que a gente ficar um pouco sem compreender o que eles falam. E assim são variedades de língua. Por exemplo, no Maranhão, já falei os Canela que a gente não compreende. Há essa dificuldade pra gente enfrentar, enquanto outros que são mais complexo ainda pra gente não entender, vamos supor, os kaingang, que também são do Rio Grande do Sul, e outros também de outros estados, que a gente também não compreende o que eles falam. Enquanto que a linguagem ela traz uma diversidade cultural, o comportamento cultural, é isso que a gente fica sem entender, porque cada povo tem seu comportamento diferente. Então, é dessa forma.
P – Falando sobre as festas tradicionais, a senhora participou de alguma, teve alguma que a senhora mais gostou?
R - Das festas tradicionais, o que eu participei, começou pela minha festa, e aí eu gostei muito. Só que pra mim foi novidade porque como é tudo assim que eu falo, tá repetindo, tá se repetindo ao meu, o que aconteceu comigo, porque foi a Festa da Menina Moça. A Festa da Menina Moça, eu sempre gostei de participar, mas também gosto de participar da festa, que também tá relacionada à moça, é a Festa da Mandiocaba, porque eu gosto da mandiocaba e quando dá pra mim participar, eu participo da mandiocaba também. Agora eu tive que ver bem, eu acredito que talvez duas vezes, a festa dos Rapazes. Só que essa é uma festa muito difícil de acontecer. Então pra mim, a Festa da Menina Moça e a Festa da Mandiocaba, que uma puxa a outra.
P – E sobre as festas dos Rapazes a senhora lembra da primeira festa?
R – Da primeira festa eu lembro. A primeira festa dos Rapazes, que hoje todos são avôs, depois disso, eu fico com dúvida ainda se aconteceu realmente a segunda, porque eu lembro da primeira, eu lembro que foi algo que eu vi, mas eu tenho dúvida se aconteceu da segunda festa, pelo que eu falei da segunda vez, mas foi algo que me chamou atenção, foi da primeira festa dos Rapazes.
P – Da primeira festa, a senhora sabe como que aconteceu, qual o processo da festa?
R – Não, porque eu também não procurei saber como é que exatamente acontece, porque parece, me parece que não tem caça e sim tem tipo mingau de abóbora, são só alimentício assim, mas que fui procurar saber ainda. Então é algo que chama atenção.
P – Dona Alzenira, a senhora poderia falar sobre a sua Festa da Menina Moça, quantos anos a senhora tinha, aonde foi que aconteceu, quem eram as pessoas que estavam por lá, quem cuidou da senhora, a senhora poderia contar pra gente?
R – Sim. Talvez eu tinha de 13 a 14 anos quando aconteceu essa festa, e como eu já falei, eu vivia na casa da minha madrinha, e aí eu fui pintada, aí foram fazer a caçada, tudo aconteceu mas sem eu tá acompanhado, quando disseram “viemos aqui te buscar pra fazer tua festa”, então foi algo que me marcou. Quem cuidou de mim foi a minha avó, foi a minha mãe, que cuidaram de mim. Aí eles foram dizer “não pode fazer isso porque faz mal, tu tem que fazer assim”. Então, quando terminou a festa, eu não voltei pra casa da minha madrinha porque a gente fica toda pretinha da tinta e aí só voltei pra lá depois. Depois disso, acredito que papai não quis mais me dar pra lá, minha liberdade de volta pra lá, então foi isso, mas tem tanta coisa que a gente tem que obedecer durante a festa após a festa, os comportamentos que são e é uma pena que muitos hoje não obedecem mais isso. às vezes vem prejudicar a pessoa, quando não obedece. É assim.
P – Quais eram as regras que podia fazer, o que podia e o que não podia fazer?
R – Determinados alimentos que a gente não podia comer, só após acontecer um determinada atividade que a gente tinha que comer aquele alimento. Não todo peixe a gente poderia comer, tinha que fazer um procedimento da gente, da mãe cozinhar aquele peixe, e o vapor daquele alimento a gente se abaixar é botar pra pegar aquele vapor do alimento assim no estômago da gente, nem todo beiju poderia comer tinha que botar na cabeça, pra não correr o risco de ficar careca, então são tantas coisas que a gente tinha que obedecer pra não causar na gente um determinado… ação que a gente, aí ia se perguntar “por que que aconteceu isso?”, “é por que ela não fez isso, por que ela não obedeceu”. Então tem casos assim que a pessoa tem que obedecer durante tá pintada, durante tá pintada, a gente não pode tá fazendo determinado ação, tem seres vivos que acompanham, procuram acompanhar aquela pessoa, um jovem ou uma jovem, vamos supor que são muito acontecido de acompanhar. Eu conheci uma moça, ela já é falecida, ela faleceu, mas que ela tinha paixão por uma cobra de duas cabeça, e que isso aconteceu durante esse procedimento dela que, eu acredito, isso vem fazer com que ela, não sei, não vivesse muito tempo. Assim também acontece com os homens, são coisas que a gente tem que obedecer pra não acontecer o mal com a pessoa.
P – Como a gente tá falando sobre as festas tradicionais, eu queria saber quem eram os cantores da sua aldeia?
R – Na minha festa havia mais cantores, claro que hoje já são falecidos, que tinha parente, tinha outras pessoas que também não eram assim parentes, mas hoje tem pessoas que, a nova geração, já tão se capacitando mais pra cantar, e aí, eu vejo assim que eles estão progredindo. Agora com relação ao fortalecimento dos cantos, a gente vai está esperando mais incentivo, mais progressão. Por que eu digo isso? Por que com esses jovens que cantam, mais que pra nova geração, com essa pandemia que aconteceu, eles ficaram assim sem tá muito fazendo essas atividades, mas se chama um grupo de Jovens “bora, vamos cantar, bora fazer uma pequena festa, eu vou chamar, diz o nome de cada um”, eu acredito que eles vem, porque tem jovens que sabem cantar muito, canto bonito.
P – Tem um canto que a senhora gosta mais, que senhora pudesse cantar pra gente?
R – Eu vou cantar, tem uma, ela fala do bem-te-vi, como eu falei, são muitos cantos bonitos que há, eu vou cantar essa do Bem-te-vi ela diz assim: (canto em língua indígena de 00:39:32 a 00:40:37), é um canto do bem-te-vi que ele, esse canto ele serve tanto para o turno matutino e vespertino. Então ele tá dizendo que pela manhã os bem-te-vi eles vão para o campo, eles rolam e faz a festa deles na grama, e a tarde também, do mesmo jeito, eles vão rolando, a imaginação talvez seja do cantor, e é assim que é a festa que fala sobre os bem-te-vi, wà quer dizer todo bem-te-vi tem um papo amarelo, fala sobre isso. Katu, eu me emociono durante assim dos cantos porque eu não sei até quanto tempo que vai haver, vai existir esses cantos. Como eu já falei, há jovens que eles estão, eles vão dizer “eu vou cantar, eu vou criar um canto”. Então eu afirmo que tem jovens compositores aqui, vamos dizer assim, que ele realmente, ele sabe criar, ele sabe compor. Pena que, sabe como é, nem toda pessoa dá aquela devida atenção pra aquele canto, pra aquela pessoa que faz isso, é algo que talvez venha entristecê- lo a não compor, porque há algo que chama atenção dessas pessoas, dos jovens. Então é assim que é, aqui tem as pessoas, aqui no Pindaré, tem pessoas que já aprenderam. Mas eu vou falar aqui, não sei se o senhor vai pra lá, mas o que eu vou falar é algo que é muito interessante, que eu acredito que eles vão gostar do que eu vou falar deles, dos jovens da Maçaranduba, eles cantam muito bonito, cada letra que falam é bem compreensível, e assim eu dou maior apoio a eles, é muito interessante.
P – Dona Alzenira, a senhora poderia cantar mais uma musiquinha pra gente?
R – Aham, deixar eu me lembrar aqui… Tem uma que fala sobre a borboleta, tem várias. Pra lhe que assim professor, que os cantos eles falam muito sobre os animais, dificilmente alguém vai cantar pra você tipo um canto que vai falar sobre um coelho, mas eles cantam muito sobre os animais que chamam muito atenção deles, não sei o porquê, eles chegam a compor esses cantos, eu ainda não ouvi cantar nenhum sobre o “pira”, que fala sobre o peixe. Uma vez, um breve histórico aqui, tem um cantor, que é o Nelson, ele canta também bonito, só que a linguagem dele pra mim não é tão clara, ai um tempo eu falei pra ele assim “Seu Nelson, por que o senhor não canta sobre Deus?”, eu falei assim. Aí ele deu um pulo, “não, porque falar sobre Deus…”, deu a maior dificuldades, oxente! Eu fiquei assim “então tudo bem, tá encerrado aí”. É assim que é, porque não gosta, não sei, ou alguma coisa assim. É vou falar sobre, eu ver, tô pensando aqui, é por que tem vários cantos que falam da borboleta. Ah tá, diz assim: (canta em língua indígena 00:45:29 a 00:46:30). Então, é sobre a Borboleta, que ela vai pra montanha, ela canta, e tanto faz de manhã ou à tarde, quando ela vai, ela sempre faz a festa dela que são os canto dela. Então tá se falando não apenas só de uma, não é só de um animal e sim de vários, Pànàm he he, isso que, pra onde ela vai, tá fazendo a festa dela. Se ela vai por um caminho, ela tá ali, algo ela tenha a festejar, é isso que o canto fala. Esse katu tem variedade de sentido, ele significa “obrigado”, “tá bom”, “é legal”. Então é isso que a gente tem, algo assim que “tá bom”, “sempre bom”. É desse jeito que é.
P – Aí a mulher fala “ Katu ma “ ?
R – Katu ma e o homem também fala Katu pá.
P – Como a gente tá falando sobre os cantos, esses cantos tinham algum significado ou têm algum significado?
R – Dependendo da letra de cada um, cada um apresentar significado diferente que tem sobre, vamos supor, uma letra aqui que eu vou dar diferente ela significa sobre a onça, que os Tenetehara chama de Jawara (wàhuàràn), Jawara Ruhu (zàwàrun), que é a onça, então o canto que fala da Jawara (zàwàrun) ela tem um significado onde ela vai demonstrar a valentia da onça, o procedimento que ela protege ela próprio, ela protege outros animais tipo assim, na verdade a onça não protege, ela assim come, então no canto ela faz sobre essa proteção que ela defende, ela se defende, eu acredito que não só ela, mas outros também, dependendo da letra do que ela tá cantando, do que a pessoa tá cantando.
P – Os antigos cantores eram diferentes dos dias de hoje, como ele era, tem alguma diferença assim dos antigos e do agora?
R – Dos cantores?
P – Isso.
R – Os cantores tem. Por exemplo, eu me sinto às vezes só, aí eu fico analisando procedimento do que já aconteceu, do que ainda acontece, não aqui no nosso meio mas por exemplo os cantores, eles sempre gostavam de fumar né, de fumar. Quando eu era criança, durante a minha pintura da minha festa, eu via eles fazia cigarro em casco de Tawari, que aquela que vocês conhecem, era um cigarrão desse tamanho mais ou menos que faziam, e hoje como não existe mais esse Tawari, porque é um processo que dá atividade pra pessoa, pra pessoa tirar, vai na mata tirar aquelas cascas assim, eu não sei como é o nome, e aí bota pra secar e depois vai fazer o cigarro, então é isso que acontece né... Então hoje o pessoal já faz o cigarro de papel. Era ontem que eu tava me lembrando, “meu Deus, sei lá, seria um estudo a ser feito”, será que isso é ruim ou será que o papel que é ruim, será qual é que é bom? É um material que é usado por eles que eles talvez não se deram conta do bom e do ruim. Enquanto que outros procedimentos, vamos supor eles se alimentavam do que? Eles se alimentavam mais de xibeu de farinha, farinha azeda de preferência, ou de mingau de banana que eles se alimentavam, dificilmente aparecia arroz com carne, de galinha ou de pira, que é peixe, eu não sei se era por dificuldade de na época não ter, então era esse o procedimento que eles faziam, aí eu não sei, talvez. Hoje não, eles não mais toma xibeu que é difícil até farinha azeda aparecer né e já se alimentam de arroz feijão, frango, carne de boi ou pira também, de vez em quando eles colocam um peixe, um peixe moqueado pra fazer diferença, então acontece isso hoje. Não sei se a resposta foi conivente.
P – Professora Alzenira, a senhora tava falando que precisava fazer uma correção, a senhora pode explicar pra gente?
R – Sim, é por que eu fui mais no ritmo, aí depois eu pensei porque esse som ele é realmente, o canto da arara, porque são ritmos parecidos, como eu falei. Então ao invés de ser Pànàm é Arara, diz assim: (canta em língua indígena 00:53:35 a 00:54:28). Fiz a correção agora. Eita professor, só o senhor pra me fazer cantar essa hora.
P – E sobre as pinturas, alguma teve algum significado especial pra você?
R – A pintura eu sempre perguntava pro meu pai, pra minha avó, pra minha mãe, e outras pessoas diziam “o que significa a pintura pra pessoa, principalmente a jenipapo?”, que a nossa é do jenipapo, de vez em quando a gente usa o urucu também pra se pintar, mas a resposta que eu recebi era o seguinte: que isso aí nos fortalecer, nos defender de todo mal. Então é isso que tinha como resposta, mas pensando bem, às vezes ela nos defende, mas também às vezes a pessoa quando não respeita, aquela atividade da pintura seja do jenipapo, acontece isso como eu relatei antes, a pessoa pode ser perseguido por alguma coisa, a pessoa pode ficar doente, então é isso que acontece. No decorrer do tempo, apareceu pinturas, porque na minha juventude, minha infância pra juventude, a pessoa só pintava a outra com a mão, metia a mão lá na tinta e começava a passar, fazer uma pintura no rosto bastava sujar o dedo, o jenipapo fazia assim e fazia outras coisas assim no corpo, ali ia prosseguindo aquela pintura, mas depois com a chegada de outros índios, aí “fulano, o que significa isso aqui?”, “esse aqui significa a pintura da borboleta, isso aqui significa do Jabuti”. Então são traços assim que já foi criado com o passar do tempo, pra dizer que o significado é daquela tinta, daquela pintura significar, como eu já falei, a pintura do Jabuti ou de outro que eu falei. A pintura foi cada vez mais se modificando, como a gente observa que a gente já vê pintura diferente. Vamos supor, a Carla também já faz cada pintura bonita na pessoa, só detalhes que tem pessoas que diz “ah, mas aquele ali é sobre a Jiboia”. Então são determinadas pinturas que têm os seus significados, isso que eu entendo. As minhas filhas se pintam bem agora, não sei, parece que o jenipapo não gosta de mim, katu, katu ma. Eu já conheci pessoas jovens que quando se pintou ela dizia assim “eu não gosto de me pintar porque me faz mal”, a pessoa fica doente. Então fica doente por ela obedecer aquele comportamento de dizer “aquele ali não me faz mal”, ou seja, não faz bem, então ela não pintava, é isso que acontece. Diferente de mim, eu não vou dizer que o jenipapo me faz mal ou eu vou sentir febre, eu vou sentir algo assim desagradável, mas assim que acontece. Minhas filhas gostam de se pintar, aquela primeira ali gosta de se pintar, a Carla, de vez em quando também ela se pinta, então são meus netos, mas eles também gostam de se pintar, agora já eu não, eu acredito que é porque a pessoa não tem paciência de me pintar. É isso, katu, katu ma.
P – Na sua aldeia passou por alguma invasão de madeireira ou fazendeiros ou não?
R – Rapaz, aqui na nossa aldeia já vamos completar praticamente 5 anos que a gente tá aqui, mas não teve invasão de madeireira. Primeiro porque na nossa área só tem essas pequenas árvores, não tão… é diferente, e em outros locais que acontece muito mais, aqui não. Por que já é capoeira, não tem planta mais madeira, vamos supor, da grossura daquela palmeira, o que mais tem são essas pequenas árvores. Então não teve entrada, ou seja, invasão. Agora aqui na região da Pindaré, já vou abranger, ela tem invasão de palha de pequenas madeiras cipó, tem isso. Porque a nossa área é rodeada de povoados e aí esses povoados não tem lugar pra tirar uma palha, tirar uma madeira pra fazer casa, pra tirar cipó, então eles entram pra dentro da área indígena ali do tirirical, então acontece, aí já é diferente de nós.
P – O que vocês faziam em relação às essas invasões ?
R – Me traz um pensamento de tão antiga talvez isso aconteceu na minha, durante a minha criancice, que eu só ouvia falar na quebração de coco acontecer, porque, não vou dizer as índias por que é dificilmente a índia que quebra coco, no início talvez nos anos de 80, por ai assim, acontecia que as pessoas viam, entravam na área com suas famílias, quebravam coco e aí sempre teve aquele atividade de, como o pessoal hoje chama guardiões. Na época eles verificavam o que tava acontecendo e encontrava o grupo de pessoa quebrando coco e lá eles tomavam os machados e tomava os cocos, é um relato assim que a gente nem gosta de comentar, só mesmo por causa dessa perguntar, mas isso aconteceu, e hoje, difícil acontecer, porque não anda vigilância pra procurar essas atividades que ficam acontecendo, mas que há, ainda há pessoas não indígenas que entram pra quebrar coco, fazer carvão. Eu reconheço pela necessidade que eles têm, eles são, eu vejo assim a dificuldade deles, eles se sentem obrigados a entrar pra fazer essas atividades. É lamentável, mas acontece.
P – E o que mudou na sua aldeia de lá pra cá?
R - Como eu já falei, na nossa aldeia aqui não tem essas atividades. Agora, nem sei o quê que posso dizer, porque a Carlinha não quebra coco, eu quebro coco pra tirar o leite, às vezes pra temperar alguma comida, mas a gente não tem esse tipo de invasão, porque ainda que não há. Mas na área indígena Pindaré, falando de invasão, temos um lago ali chamado, Lago da Bolívia, que os pessoal entram pra adquirir os peixes, leva os peixes e outras coisas que a gente nem gosta de tá comentando. A minha família tinha poucos gados, eu não sei o que aconteceu com esses gados que eles sumiram, só Deus sabe o que aconteceu, quem levou, eu não sei, mas eu acredito que Deus tomará conta de tudo isso que aconteceu. Então a gente não enfrenta totalmente aqui na nossa aldeia o que tá se falando sobre a invasão, mas aqui na nossa área há esse tipo de invasão.
P - Teve alguma história que você não contou e que gostaria de contar?
R – É, são muitas histórias que parece que eu assim, eu tava pensando que eu ia vir a perguntar, como foi muito importante o relato do professor que essas histórias vão pro museu, elas vão ser lembradas, o que eu falar agora vai ser falado até não sei quando, acredito que até quando Jesus voltar. Mas tem coisas assim que é bom falar do que eu, eu não posso dizer assim “ah, eu não quero isso porque alguém vai escutar e vai me chama atenção”, pelo contrário, que fica algo registrado entre a nação Guajajara aqui do Pindaré, é algo que vai, eu não sei, por que só Deus sabe de tudo é que vai acontecer, será que é verdade que o governo vai tirar a rede elétrica do nosso meio?Porque eu já vi esse comentário no WhatsApp, como será que vai ficar pra nós tudo isso, o quê que a gente pode fazer pra isso não acontecer vai ser bom pra nós, vai ser ruim pra nós? É algo que a gente fica pensando, pensa muito. Só voltando aqui pra perguntar novamente, é sobre?
P – Que assunto que a gente não tratou que a senhora gostaria de falar?
R – Sei. Tem outras situações também dentro da nação do Pindaré que realmente acontece muito, professor, vocês aí sabem também sobre a bebida alcoólica, sobre o uso de entorpecente que é a droga, e aí possa prejudicar os jovem indígena, tanto mulher quanto homem, que eu não sei como vai ser, porque a muitas coisas assim que a gente se perguntar se isso acontece, o que que vai ser resolvido enquanto a educação indígena, o que vai ser resolvido. Porque agora, professor, nós estamos em 2022, talvez em 2017, por assim, eu tô botando a longa mais adiante por aí assim, aqui não tinha educação indígena, falando sobre a língua materna para os pequenos. A partir dessa data que eu falei, talvez foi até mais antes, que foi adotado um trabalho com a educação infantil trabalhando sobre a língua indígena pra esses infantis. É interessante professora, mas seria muito interessante se a família se dedicasse ao aprendizado da língua, ou seja, ao uso da linguagem com essas criancinhas. Por que que a senhora tá falando isso? Por que as criancinhas vão ouvir somente o professor na escola, quando chegar em casa, aí ele ouve totalmente português, que não é a nossa linguagem materna. Aí eu fico pensando “meu Deus, o quê que vai acontecer?”. Então é isso que é uma pergunta que a gente não discutiu, e a gente não sabe o que vai acontecer daqui por diante. Que nem eu falei, se as mães não se interessarem pois ficar, vamos dizer que, sem muito avanço, jovem que não sabem, tudo isso é um questionamento que a pessoa fica repensando no que vai acontecer? Porque a verdade ela tem que ser dita, tem jovem que são filhos de índia com índio, mas eles não sabem muita coisa, talvez sabe o nome de pira, que é o peixe, do Japucai que é galinha, mas falar frases não sabe, aí o questionamento que a pessoa o Karayw que nós chama, o não índio, ele vai dizer para o índio, “você é índio?”, “eu sou”, “pois me fala sobre a sua língua”, ele vai dizer “eu não sei”, aí o Karayw pode dizer “então, você não é índio”, porque tem esses questionamento aí, ele vai questionar “Ora, eu sou índio sim, por que eu não sou?”. Então é isso, que a língua, a linguagem, tá sendo esquecida, ela não tá sendo tão valorizada como deveria ser. Já tem inglês nas escolas indígenas, tá faltando mais linguagem, enquanto que a própria linguagem, professor Marcos, a pessoa diz assim “Ah, essa língua aí é muito paia, eu não gosto da língua indígena, da aula da língua”. Não que é uma língua muito paia, gente, onde é, onde que nós vamos chegar com tudo isso? Então, professor, são questionamentos que a gente, esses questionamento, que vai ser colocado, ele vai ser ouvido mais adiante, e aí, as pessoas vão dizer “bem que realmente ela comentou mesmo isso, se a pessoa não se interessar pra aprender”. Se a Carla não se interessar, se a irmã Leila não se interessar pra falar, aí fica uma situação bem difícil, que quem vai perder, que tem necessidade são os filhos, são meus netos, que vão aparecer. Então a linguagem, eu no meu ponto de vista, ele teria que ter mais valor. Na minha família eu falo na linguagem, eu falo com o papai só na linguagem. Aí tem meus irmãos que falam também, não vou dizer assim cem por cento, mas ele faz o que ele pode. Já tem irmão que não fala também na linguagem. Então é desse acontecer, professor. Na gestão escolar, dizer assim “ah, vamos colocar dona fulana por que ela é índia, nós vamos colocar ela na Língua indígena, ser professor na Língua indígena”, mas onde aquele professor não contribui para aquela situação, onde ele tá sendo colocado? Vamos supor, eu tô nessa idade, mas qualquer dificuldade que eu tenho sobre a língua indígena, eu recorro ao meu pai, “pai como é que diz esse nome ele?”, ele vai me dizer, são coisas que, um dia desse, ele disse pra mim assim “A linguagem está sendo modificada por esses mais jovens que não sabem e não procuram quem quer saber?”. Ou seja, não procura quem sabe pra eles perguntar “fulano, como é esse nome, como é que a gente diz assim?”. Aí ele vai dizer, vamos supor “professora, como é que a gente vamos falar arco-íris”, aí professor vai dizer “não, eu não sei”, “professor, como é que nós vamos chamar arco íris?”, aí ele vai perguntando, perguntando, perguntando, ai ele vai dizer é Janu Rapé (zanurape). Aquele que for bem atencioso vai escrever no papel, no caderno dele, Janu Rapé (zanurape) – Arco íris, e assim isso deveria acontecer com várias outras palavras, katu, katu ma.
P – É como foi pra você contar essa história pra gente, como a senhora se sentiu. Especialmente vendo a sua filha responsável pelo assunto, pelas filmagens e pela Leila também?
R – Como é que eu me senti, como é?
P – É, como foi pra senhora, como a senhora se sentiu?
R – Bom, bem de início, “Carla, o que você vai me perguntar?”, “ah, mãe nunca me disse”, “Carlinha tem que me dizer pra ir adiantando o que eu vou dizer”, “é sobre a educação” mas “tá bom”, “também não vou tá questionando muita coisa”. Foi muito gratificante pra mim ter vocês como referência da realização desse trabalho, como eu falei, eu não falei tudo que deveria falar, mas foi muito importante pra fazer essas colocações que vocês deverão pesquisar mais coisas, ir, fazer pesquisas entre as pessoas. Isso deve ser muito questionado por sobre tudo que, enquanto não for para o museu, mas pode ficar em anotações. Foi muito importante, eu acho, katu, katu ma.
P – E se você fosse levar uma memória da sua vida, qual seria ela?
R – Uma memória da minha é vida, seria falando, é relatando um pouco da minha história porque o que eu relatei aqui foi muito pouco, mas relataria uma história da minha vida, que isso eu acredito, que Deus vai me dar essa possibilidade de fazer uma biografia. Porque é muito interessante cada um, cada uma pessoa fazer a sua biografia, pra que possa deixar até mesmo para os filhos, e dizer “esse aqui é a biografia da mãe e que ela pode fazer”. Então é isso como eu relatei bem no início, professor, que eu tinha muita vontade de fazer um curso de linguística, só que pra mim eu acredito que eu quero dar mais atenção pro meu filho, pra não deixar ele só. Ademais, depois que apareceu essa pandemia, eu digo não, conheço tudo, eu que, eu não vou, mas eu tinha vontade, ainda penso muito sobre isso. Então é isso, falei muita coisa, pouca coisa.
Recolher