IDENTIFICAÇÃO Deborah Colker, nasci no Rio de Janeiro, em seis de dezembro de 1960. FORMAÇÃO Eu acredito que a minha formação defina muito a minha personalidade como artista, é muito eclética, misturada. Durante o primeiro e o segundo grau tive algumas paixões infantis e na adolescência. Sempre gostei muito de atividades físicas, gostava da parte esportiva do colégio, jogava queimado, voleibol, gostava de saltar, essas coisas. A partir das olimpíadas da escola, eu comecei a jogar voleibol; me dediquei bastante ao voleibol, participei de várias equipes no Clube Hebraica e fui convocada para a seleção brasileira duas vezes. Uma vez eu fiz todo o treinamento, sabendo que não era naquele ano que iria jogar, porque eu era muito nova e só poderia no ano seguinte. Mas, no seguinte, foi exatamente o ano da minha grande mudança. MÚSICA / PIANO Anterior ao vôlei – que é uma das características mais fortes da minha vida, por conta até do meu pai, que era músico –, quando eu nasci, já tinha um piano dentro da minha casa, porque meu irmão mais velho estudava. Mas quem foi se apaixonar realmente por esse instrumento fui eu. Desde os seis anos de idade pedia a minha mãe para estudar piano. E a Salomea Gandelman foi a pessoa com quem estudei a vida inteira, quem me iniciou na música. Ela dizia: “É muito cedo. Vamos começar com a iniciação musical, vamos fazer aula de musicalização”. Aprendi o método do Carl Orff e aprendi a lidar com a iniciação musical, a musicalização, o ritmo, a matemática da música pra criança, porque eu tinha uns seis ou sete anos de idade. Aos oito anos, eu comecei a estudar piano mesmo. Toquei piano durante dez anos. Tive uma formação musical sólida, porque não só estudei piano na Pró-Arte, como fiz esse curso de musicalização. Quando parei de fazer musicalização – já estudava piano –, comecei a fazer teoria musical com a...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Deborah Colker, nasci no Rio de Janeiro, em seis de dezembro de 1960. FORMAÇÃO Eu acredito que a minha formação defina muito a minha personalidade como artista, é muito eclética, misturada. Durante o primeiro e o segundo grau tive algumas paixões infantis e na adolescência. Sempre gostei muito de atividades físicas, gostava da parte esportiva do colégio, jogava queimado, voleibol, gostava de saltar, essas coisas. A partir das olimpíadas da escola, eu comecei a jogar voleibol; me dediquei bastante ao voleibol, participei de várias equipes no Clube Hebraica e fui convocada para a seleção brasileira duas vezes. Uma vez eu fiz todo o treinamento, sabendo que não era naquele ano que iria jogar, porque eu era muito nova e só poderia no ano seguinte. Mas, no seguinte, foi exatamente o ano da minha grande mudança. MÚSICA / PIANO Anterior ao vôlei – que é uma das características mais fortes da minha vida, por conta até do meu pai, que era músico –, quando eu nasci, já tinha um piano dentro da minha casa, porque meu irmão mais velho estudava. Mas quem foi se apaixonar realmente por esse instrumento fui eu. Desde os seis anos de idade pedia a minha mãe para estudar piano. E a Salomea Gandelman foi a pessoa com quem estudei a vida inteira, quem me iniciou na música. Ela dizia: “É muito cedo. Vamos começar com a iniciação musical, vamos fazer aula de musicalização”. Aprendi o método do Carl Orff e aprendi a lidar com a iniciação musical, a musicalização, o ritmo, a matemática da música pra criança, porque eu tinha uns seis ou sete anos de idade. Aos oito anos, eu comecei a estudar piano mesmo. Toquei piano durante dez anos. Tive uma formação musical sólida, porque não só estudei piano na Pró-Arte, como fiz esse curso de musicalização. Quando parei de fazer musicalização – já estudava piano –, comecei a fazer teoria musical com a Éster Scliar. A Pró-Arte era a minha segunda casa. PIANO E VOLEI Eu tinha essas duas atividades muito fortes quando pequena, até a adolescência, com uns quinze anos de idade. Eu tinha a escola, o voleibol e a música, com o piano como instrumento, mas a música como arte na minha vida. Depois tive uma crise grande. Aos 16 anos de idade tive uma crise, que não entendo direito. Talvez eu seja uma pessoa, desde pequena, muito dedicada, muito obsessiva. Tudo eu fazia com muita paixão, com muita entrega. Provavelmente, era aquela idade em que você precisa de turma, de ir pra rua e de praia, vivendo os hormônios, a adolescência. Eu tive uma crise e parei de fazer tudo durante um ano. Por isso que eu não fui pra seleção de vôlei. Parei de jogar. Na época, o voleibol estava saindo de esporte amador e começava a se profissionalizar. Peguei o Ênio, que hoje é técnico do Flamengo. Quando encontro o Bernardinho: “Você ainda lembra de mim?”, “É claro que eu lembro de você, pequerrucha, jogando”. Eu era baixinha e jogava na infiltração. Era praticamente levantadora o tempo inteiro. Eu saltava, tinha aquela coisa de atleta, de ter um físico preparado pra isso. Eu me lembro que a Salomea e o pessoal na Pró-Arte ficavam loucos, porque a Hebraica é um clube judaico, um clube bacana, vários atletas se formaram ali dentro, inclusive, de voleibol. Um monte de gente jogou ali, gente boa. A Hebraica e a Pró-Arte eram em Laranjeiras, eu saía correndo, abaixava a joelheira e ia pra aula de piano. E a Salomea falava: “Vai ter uma hora em que esses dedos não vão agüentar: joga na bola, toca no teclado, joga na bola, toca no teclado”. Era outro canal que lidava com aquilo. CONCURSOS DE PIANO Eu participei de vários concursos de piano. Tiveram duas coisas significativas pra mim. Primeiro, eu participei de um concurso em Piracicaba, em São Paulo. Eu me lembro que estava estudando muito seriamente pra esse concurso. As músicas de Mozart têm vários “K” [a letra K aparece frequentemente junto ao título de suas obras; K vem de Ludwig Köchel, biógrafo e responsável pela catalogação das obras de Mozart]. E a Salomea, por engano, viu que eu estava estudando um “K” errado. Era uma peça de confronto, uma peça obrigatória, e era uma das finais. Eu falei: “Ah, não Estou estudando esse tempo todo, vamos trocar esse “K”, eu consigo”. Estudei, comprei o desafio e participei desse concurso. Era um concurso nacional, eu tirei em quinto lugar. As pessoas que participaram do concurso tinham um outro perfil, eram meninas completamente dedicadas àquela vida. Eu percebi essa diferença, mas eu tinha outras necessidades. O piano é um instrumento muito solitário que exige muita dedicação. As meninas que participaram tinham uma idade de quem estudava pelo menos meio período, então, o restante da vida delas era o piano. Depois eu participei de um concurso aqui no Rio de Janeiro, que foi Maria Lúcia Branco, e ganhei vários prêmios. Tirei em primeiro lugar, mas o prêmio era tocar com a orquestra. Eu falei: “Gente, mas o prêmio é estudar mais ainda?”. Fiquei danada da vida, mas acabei tocando com o maestro Roberto Duarte e com a Orquestra de Niterói. Foi muito bacana, eu tinha 16 anos. Foi muito marcante. Depois ainda tentei estudar um pouco com o Homero Magalhães, deixando um pouco a Salomea. Eu tinha algumas facilidades pra tocar piano, tinha uma leitura de primeira vista muito rápida. A minha sensibilidade e a do instrumento caminhavam, dialogavam bem. ADOLESCÊNCIA / DANÇA Nesse ano de grande crise, eu parei com tudo. Pra mim, o piano e o vôlei eram tudo. Lembro que engordei um pouco, tive espinha, uma conjunção de complicações. Aí eu comecei a dançar. O fato de ter começado a dançar – eu só entendi muito tempo depois – conseguiu congregar, sintetizar duas forças que pareciam muito intensas. Era como se a dança pudesse juntar essa expressividade física com uma sensibilidade, com essa necessidade de me comunicar através do meu corpo, do meu movimento e da música. Eu comecei a dançar e como tenho essa característica de quando faço algo mergulho de cabeça, comecei a fazer todas as aulas. Eu não fazia uma aula de balé por dia, eu fazia duas. Eu corria atrás de todos os workshops bacanas no Rio e em São Paulo. Isso foi exatamente no final da década de 1970, havia muita pouca dança contemporânea. Você já tinha alguns grupos significativos, o próprio Grupo Corpo, o Balé da Cidade de São Paulo, o Grupo Estágio, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, mas eram entidades. Eu me lembro que o Carlton Dance já existia no Brasil. Eu ia ver aquilo e era como se fosse um outro mundo, quase como se fosse no cinema, que parece um mundo muito distante. Eu fazia dança clássica e fazia contemporânea. Conheci uma pessoa muito importante pra mim, a Graciela Figueiroa, e entrei no mundo da dança. Acho que foi como cheguei à dança. E teve um outro fato também. Eu terminei o segundo grau, fiz o vestibular pra psicologia. Cursei psicologia na PUC e quase me formei. Eu já dançava. Então tive meu filho, estava no último ano, e não cheguei a me formar. Mas foi importante ter cursado e vivido o mundo acadêmico, num campus universitário e ter participado de uma disciplina acadêmica, de entender o que é uma formação. Eu acho que toda essa bagunça, que aparentemente não contribui pro mundo da dança, contribuiu muito pelo fato de ter estudado psicologia, ter sido uma pessoa que me formei em música e ter tido uma disciplina atlética. Eu olho para isso hoje e, realmente, entendo que o conhecimento vale ouro, que se você consegue absorve-lo com propriedade, você o administra e o fusiona todos esses conhecimentos. Ele gera uma história peculiar. Pra mim é muito peculiar, porque normalmente no mundo da dança, a pessoa começa a estudar dança quando é pequenininha, ou é filha de alguém de dança e não se formou dentro de uma sala de aula. E eu não. Essa inquietação e essas experiências geraram um resultado. Pode ter gente que olhe e fale: “Porcaria”. Pode ter gente que ache bom. Mas gerou uma coisa única e específica, isso não tem como negar. GRUPO CORINGA Eu conheci a Graciela Figueiroa, que foi uma pessoa com quem me identifiquei. Fui do grupo dela, o grupo Coringa, durante oito ou nove anos. Junto a isso, tive filhos. Casei com um fotógrafo mais velho do que eu, uma pessoa que vivia dentro do mundo artístico. Ele começou a me estimular a desenvolver um trabalho meu, ainda no Coringa. Eu também tinha a minha necessidade daquilo que gostava tanto e eu era tão apaixonada pela dança se tornasse a minha profissão. Queria que a dança se tornasse a minha maneira de me comunicar com o mundo financeiramente, socialmente, expressivamente e artisticamente. Comecei a ter isso como uma questão muito forte. E, junto com o Coringa, surgiu a oportunidade de começar a dançar. Coringa é um grupo de dança contemporânea, quem o trouxe pro Brasil foi o Klaus Viana, no final da década de 1970. O Klaus trouxe a Graciela, que é uruguaia, para o Rio de Janeiro. Essa mulher não ficou muito conhecida popularmente, mas foi reconhecida dentro do meio artístico. Acho que foi uma das primeiras pessoas a trazer a dança contemporânea pro Brasil. Ela tinha trabalhado com a Twyla Tharp nos Estados Unidos, depois estudou na Julliard School, em Nova York. Ela tinha uma coisa pessoal, por ser uruguaia e ter estudado nos Estados Unidos. Trabalhar com ela foi muito forte. Fiquei no seu grupo por muito tempo. Como ela era uma pessoa dedicada, às vezes tinha que ir para o Uruguai, porque ela tinha um filho, eu ficava aqui dando aula pra ela. Eu era “pau pra toda obra”: “Precisa dar aula”; “Eu dou”; “Precisa fazer”, “Eu faço”. PRIMEIRO TRABALHO Eu me lembro que ela foi chamada pra um trabalho que não pôde fazer, foi o meu primeiro trabalho. Estávamos de férias no Coringa, as pessoas iam viajar e eu me prontifiquei a fazer. Era um trabalho sob a direção do Domingos de Oliveira com a Dina Sfat, José Mayer, Hélio Ary e Telma Heston: A Irresistível Aventura. Os textos eram do Tchekov. E são essas coisas da vida: encontro a Graciela, começo a dar aula e começo a trabalhar como diretora de movimento, coreógrafa, um monte de trabalho, mas o primeiro foi com uma atriz como a Dina. Ela era uma pessoa genial, tinha uma disciplina e era danada, tinha uma personalidade muito forte. Ou ela me engolia, ou eu, humildemente, aprendia e resistia a aquele tranco, porque ela era um vulcão. As pessoas se intimidavam com ela, o Domingos não conseguia dirigi-la. Eu me lembro da Dina fazendo Hedda Gabler, um negócio incrível Foi a primeira atriz com quem eu trabalhei. Eu me lembro da primeira aula que dei pra eles, quando terminou, ela perguntou: “Você vai aonde?”, “Já acabou a aula”, “Mas já acabou o seu trabalho?”. Eu falei: “Ué, não acabou?”. Aí comecei a entender como um trabalho de corpo numa peça de teatro não começa e nem acaba na aula, na preparação corporal. O que é construir um movimento? O que é construir o corpo de um ator? O que é descobrir a movimentação de um personagem? Durante esse período trabalhei muito com teatro, show business, televisão e cinema. Continuava dançando com o Coringa, mas aos poucos fui parando e cada vez trabalhando mais. Fiquei durante dez anos trabalhando muito como coreógrafa e como diretora de movimento. DIREÇÃO DE MOVIMENTO / TEATRO Eu tinha muita dificuldade em como assinar um trabalho. Quem primeiro me disse para eu assinar como diretora de movimento foi o Ulisses Cruz, um diretor de teatro de São Paulo com quem trabalhei bastante. Eu aprendi muito e até hoje ainda continuo a aprender com ele. Agora ele está trabalhando muito com televisão, com o Carlos Manga. Fizemos algumas comissões de frente de carnaval juntos. Eu falo que ele é o meu irmão mais velho. Sempre que estou trabalhando com ele, por mais que eu seja da área de dança e ele da área de teatro, ele é meu irmão mais velho. Eu ainda aprendo muito com ele. O Ulisses passou um ano na Royal Shakespeare Company, em Londres. Fez um estágio dentro da Royal como diretor de teatro e participou de várias montagens de Shakespeare. Ele me falou que na Royal, durante as montagens, tinha um profissional de luta, uma pessoa de danças de época, uma pessoa que cuidava do desenho do palco e uma pessoa responsável por tudo isso, que assinava como diretor de movimento. A direção de movimento era um cargo dentro da peça. Você tem o diretor, depois o cenógrafo, que faz a direção de arte, o cara da luz, o light designer, e tem o movement director. Fiz várias peças com o Ulysses. Fiz La Ronde, Corpo de Baile, Macbeth, Desejo e fiz Nélson [Rodrigues]. No La Ronde, eu fiz quase o papel de assistente de direção, porque me identifiquei muito com ele. Eu ficava nos ensaios inteiros com ele, me metia na música, me metia em tudo, dava palpite, ajudava, e falava: “Você vai deixar essa cena assim? Essa cena está preguiçosa, Ulysses”. Ele queira que eu assinasse como assistente de direção. Eu falei: “Eu não quero. O meu objetivo não é ser diretora. O meu objetivo é trabalhar o corpo, trabalhar o movimento. Quero me especializar nisso. Percebi que, pra ser uma boa diretora de movimento, tenho que entender a respiração do texto, qual é a textura, a atmosfera. Eu preciso ter um trabalho com os atores e preciso ter um trabalho com a direção. É isso que faço com você. Não tenho que assinar nada de assistência de direção, quero assinar dentro do meu trabalho. Faço isso pra poder fazer o meu trabalho direito”. Ele falou: “Eu sei exatamente. Mas aqui você está começando a desenvolver um trabalho muito sofisticado”. Na época existia preparação corporal e expressão corporal. Numa peça, por exemplo, num musical com 20 músicas, eu faço uma série de coreografias. Às vezes quero que o público entenda. Eu trabalhei com o Marco Nanini, por exemplo, em Uma Noite na Lua, uma peça do João Falcão. Era um monólogo do Nanini, onde fiz direção de movimento. Trabalhei várias cenas em que ninguém tem idéia se fui eu, o João ou o Nanini quem fez. Não importa. O bom do trabalho de direção de movimento é, às vezes, aquele que não aparece ou aparece pouco. É um trabalho minucioso, detalhista. Às vezes é um trabalho grandioso, de determinação de planos da cena, de desenhos da cena ou mesmo da construção do corpo daquele ator. É um trabalho que eu amo, e que eu desenvolvo há muito tempo. Fiz mais de quarenta peças de teatro trabalhando como diretora de movimento e como coreógrafa. Eu fiz Escola de Bufões, com o Moacyr, trabalhei com a Karem Accioly, fiz Mil e Uma Noites, Robin Hood, e uma peça até que acabou não estreando. Fiz várias peças com o Ulysses, com o Abujamra – outro com quem eu aprendi pra burro –, com o João Falcão, com o Nanini, com o Felipe Hirche. Isso é um trabalho muito importante, porque um espetáculo de dança, de teatro, de ópera, um musical, todos, no final, são espetáculos, uma composição estética em que o cenário, a luz, o figurino, o texto, a dramaturgia e a movimentação estão costurados, dizendo algo para o público. TRABALHO DE COMUNICAÇÃO Quando comecei a trabalhar com dança, apesar de não ter um texto, apesar de escrever meu próprio texto, eu entendia que um espetáculo comunica algo. A pessoa que está ali precisa entender que algo está sendo dito. Às vezes, eu falo para os bailarinos: “Vocês têm que sair de um lugar e chegar a outro. Não vai pegar o trem e descer, pegar o ônibus e descer. Tem que ir direto ao assunto”. Essa compreensão do foco, do que está sendo comunicado, pensado, sentido, do extremo necessário tem que estar em cena. O teatro é uma arte prima-irmã da dança; você não vê um ator que não esteja preparado fisicamente, não vê um bailarino que também não se comunica com a sua expressão total – as caras, as mãos, tudo. Esse entendimento foi vivido não teoricamente, eu vivi na prática, eu vivenciei. Isso foi importante, tanto quanto trabalhar com o show business. Quando trabalhei com o show business, às vezes, eu assinava a coreografia, em outras eu assinava a direção de movimento, porque eu trabalhava tanto a colocação dos músicos e dos cantores no palco, quando não tinha tanta coreografia, tinha mais uma movimentação. A Fernanda Abreu, por exemplo, é uma dançarina. Outros cantores não são. Então, eu trabalhava com gesto, com outro tipo de foco. Com o show business, aprendi o que é um espetáculo de gente grande. As artes cênicas, principalmente no Brasil, têm uma platéia e uma dinâmica diferentes do show business. O que é atingir quatro mil pessoas? Um gesto não precisa ser visto. A importância da luz, de tudo que está acontecendo ali. Esse trabalho foi anterior a Companhia. CIA DE DANÇA DEBORAH COLKER / PRIMEIRA APRESENTAÇÃO Eu fui do Coringa e comecei a trabalhar. Dava aula de dança, sempre dei aula. Eu dou aula de dança desde 1982. Desenvolvi minha própria movimentação, minha própria linguagem. Eu dava e fazia aula. Eu fui trabalhando com teatro, ator, bailarino, cinema e dentro da televisão. Eu fui querendo, cada vez mais, sentindo necessidade, porque eu botava sempre uma azeitona na empada de alguém. Eu sempre fui muito dedicada, vestia a camisa. Chegou uma hora que eu tinha vontade de dizer mais coisas, tinha vontade de poder desenvolver. Eu tinha limitações quanto àquilo que eu podia desenvolver, quanto à escolha dos temas. Às vezes, eu fazia peças que não me dedicava muito. Então, eu comecei a ter essa vontade cada vez maior. Primeiro, eu comecei a fazer pequenas participações, 10 minutos. Eu me lembro que a Monique Gardenberg – uma vez eu participei de um panorama de dança – me perguntou: “E aí? Todo mundo já te conhece, está bacana. Você não vai continuar com isso? Com essa turma aí bacana que você arrumou de alunos e atores misturados?”. E eu falei: “Eu vou. Eu quero”. Ela falou: “Por que você não manda um roteiro, não se inscreve pro Carlton Dance?”. Eu fiz um vídeo, um roteiro, e me inscrevi pro Carlton Dance. Foi incrível, porque eu me inscrevi pro Carlton, no segundo patrocínio, e eu recebi a resposta disso mais ou menos em novembro ou dezembro de 1992. Em fevereiro de 1993 o Carlton foi cancelado, e a Monique ficava: “Calma que vamos dar um jeito nisso”. Foi o ano que nasceu o “Globo em Movimento”, e eu fiz a estréia da Companhia junto com o Momix, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Foi incrível, porque foi junto com o Momix, uma companhia que há uns 15 anos era um sucesso no Rio de Janeiro. Estávamos abrindo o Momix, e falei: “Ai, meu Deus”. Me lembrei da Dina Sfat, me lembrei de acontecimentos na minha vida, essas coisas que você diz: “Ou eu vou fazer esse negócio e vai acontecer, ou vou tirar leite de vaca semana que vem”. A ESCOLHA DO NOME O nome “Companhia de Dança Deborah Colker” é culpa da Monique Gardenberg, porque eu estava pensando num nome para o espetáculo e estava difícil – hoje ele se chama Vulcão. E a Monique falou: “Vamos colocar o nome de Companhia Deborah Colker, porque só o meio artístico te conhece. Já é difícil te vender pra patrocinador e pra imprensa. Pelo menos conseguimos um espaço e o meio artístico te conhece. É uma maneira...”. Foi nessa que eu atrelei meu nome à Companhia. Hoje tem lados bons e ruins. Eu dou conta, mas de vez em quando é puxado. Mas isso foi muito bacana. UM VULCÃO Nesse ano a Fórum tirou o patrocínio. Eu falei: “Vem cá. Vocês estão patrocinando o Carlton Dance ou a Deborah Colker?”, “Ah, mas queríamos participar do Carlton no Municipal, se não for lá não queremos”. Fiquei uns dois meses sem dormir, mas continuei ensaiando. Tinha reunido uma equipe que conheci trabalhando no show business, no teatro: Maneco Quinderé, o Gringo Cardia... Era a turma que estava ali. Falei: “Como vou segurar os bailarinos sem dinheiro?”. Os bailarinos eram os meus alunos, pessoas com quem eu tinha trabalhado na vida. É claro que fiz um teste, porque queria me apresentar no Carlton Dance, havia uma coisa chamativa. Quando isso despencou, foi complicado, mas eu segurei. Falei: “Gente, ninguém aqui é contratado do Carlton, nós estamos montando um espetáculo e isso não acabou. O Vulcão está aí”. E foi isso: a raça. Essas coisas não são à toa. “Aquilo que não te mata, te fortalece”; essa frase do Nietzsche não é brincadeira. Realmente, você não sucumbe, você está mais forte e pequenas coisas não te atingem mais. Você percebe porque está fazendo aquilo, pra que está fazendo isso e pra quem. Nos apresentamos no Municipal e foi o maior sucesso. APOIOS E PATROCÍNIOS Fomos pra São Paulo, e já não era mais o “Globo em Movimento”, éramos nós sozinhos. Então, não foi tanto sucesso assim, e no Rio de Janeiro também não. Eu me lembro que nós fizemos uma viagem pra Belo Horizonte, no Sesi, em Minas. Eram 11 pessoas em cena e na platéia, tinham seis pessoas no primeiro dia, nove no segundo, e 11 no terceiro. Era pra olhar e desistir, mas não deixamos de fazer o espetáculo. Eu queria o patrocínio da Fórum de novo, e ela: “Pra quê? Já patrocinei”. Não havia essa consciência de uma continuação. Começamos um projeto com a prefeitura, que nos largou quando a Petrobras entrou: “Você não precisa mais disso”, eu me lembro da Helena Severo falando isso. Começou o projeto de dança na Prefeitura do Rio de Janeiro com a Deborah Colker, e ela falou: “Agora você tem o patrocínio da Petrobras”. No primeiro patrocínio da Petrobras, tinha ainda a DuLoren e o Banco Boavista. Isso foi pro Velox, em 1995. Eu me lembro que já estava muito determinada. Lembro que me chamaram para fazer um desfile na DuLoren. Fui conversar com o cara e falei: “Eu só faço o desfile se você botar uma grana no meu espetáculo”, “Mas você não pode fazer isso”, “Eu só faço se for assim. E vai ter que me pagar também como coreógrafa”. Eu tinha feito um espetáculo que tinha chamado muita atenção, o Vulcão, principalmente no Rio de Janeiro. Deborah Colker era um sucesso, mas a minha Companhia estava começando e eu precisava. Falei: “Eu faço, mas você tem que dar uma ajuda”. Consegui as calcinhas da parede do Velox com a Duloren, que era um maiozinho preto com uma calcinha linda. Eles me deram porque eu estava ali brigando. Com o Banco Boavista, na verdade, nós vendemos um espetáculo. O João Elias, o meu produtor e parceiro até hoje, foi o cara que profissionalizou a Companhia. Ele tem uma raça, nunca desistiu: “Vamos fazer espetáculo pra nove pessoas. O que têm?”. Hoje, a Companhia é um sucesso aqui e fora e, em qualquer lugar, lota. Eu falo: “Não se assustem se um dia o mundo virar de cabeça pra baixo. Eu já fiz pra 9, pra 100, pra mil e pra cinco mil. E faço porque eu preciso fazer, porque preciso dizer o que tenho a dizer”. Claro que vou trabalhar pra cinco mil pessoas sempre, ninguém está discutindo isso. Hoje, eu tenho uma responsabilidade com o meu patrocinador, com os meus parceiros. VELOX / PATROCÍNIO PETROBRAS A Petrobras entrou, primeiro, com uma parte no Velox. Eu me lembro que a Adidas me deu algumas roupas. Ela não era a patrocinadora exclusiva da Companhia de Dança Deborah Colker, mas entrou ali e foi super importante. Logo depois, em 1996, a nossa primeira sede foi na Fundição Progresso. Eu me lembro que inauguramos a sede na Fundição Progresso e fechando o nosso patrocínio com a Petrobras. O nome Velox foi uma palavra que usaram, não foi minha. Foi um espetáculo que modificou a relação com a dança, artisticamente falando, e em termos de comunicação com o público. O espetáculo levou um público que não ia ao teatro, um público que não ia ver artes cênicas, um público de televisão, um público popular mesmo, de todas as idades e de todas as áreas. Eu me lembro do Velox, em 1995, fazendo programas de esporte e de cultura. Um negócio Nós estávamos com a Prefeitura, ensaiávamos no Carlos Gomes. Não tínhamos sede, só fomos ter a sede quando solidificamos o nosso patrocínio com a Petrobras em 1996. Me lembro de colocar uma mesa na Fundição, porque lá era um buraco de rato, um lixo. Pegamos o nosso dinheirinho, em 1994, 1995, começando junto com o patrocínio da Petrobras. O patrocínio foi mudando muito. Foi melhorando. Melhorando e mudando. As duas palavras cabem. Melhorando financeiramente, em termos de responsabilidade de ambas as partes, e mudando de compromisso. PATROCÍNIO EXCLUSIVO Hoje eu tenho um compromisso, sou patrocinada exclusivamente pela Petrobras. Recebo muitas outras propostas e não as aceito. Eu tomo muito cuidado com isso; todo mundo deveria tomar cuidado com os seus patrocinadores. Você não vê quinhentos e cinqüenta patrocinadores, comigo não tem essa. A Petrobras apresenta a Companhia de Dança Deborah Colker. Isso foi uma decisão de ambos, da Companhia – quem estabelece essa relação sou eu e o João, os dois juntos – com a Petrobras. O que começou a acontecer? O nome da Companhia começou a ficar cada vez mais forte, as respostas da Companhia começaram a ficar cada vez maiores. Começamos a colocar cada vez mais as nossas necessidades para a Petrobras e elas foram sendo avaliadas. Um patrocínio tem que ser como um bom casamento; e um bom casamento tem que ser um bom negócio pra ambas as partes. Hoje não se ouve falar em Deborah Colker sem se pensar na Petrobras. O meu nome é imediatamente associado à Petrobras e isso é muito bom, não tenho problema nenhum. É um compromisso que nós temos, que não interfere de maneira nenhuma no meu pensamento estético, no meu compromisso como artista. TRABALHO, CRIATIVIDADE E QUALIDADE Todo mundo que conhece a minha carreira e os espetáculos da Companhia sabe que os meus espetáculos são arriscados, se você pensar nas idéias. Eu aponto caminhos diferentes. O meu último espetáculo – o Nó – fala sobre desejo, passa pela filosofia, pela condição humana. E aí? O público vai vir ou não? O primeiro ato termina com um adágio do concerto em sol maior do Ravel. É um concerto melancólico, uma concentração. O público da Deborah é um público pop, jovem. E aí? O meu compromisso não é com isso. E a Petrobras é muito respeitosa com tudo, muito mesmo. Todo mundo sabe que eu sou uma trabalhadora. Tenho vários amigos atores, atrizes, músicos, diretores de teatro. Eu brinco com eles: “No dia em que vocês conhecerem alguém que trabalhe mais do que eu, me avisem”. Brinco com eles, porque eu sou danada. Todo mundo sabe que ensaio sete horas e quarenta e cinco minutos com a minha Companhia, que estou lá quando o ensaio começa; chego antes e saio depois. E, ao contrário, cada vez fica mais difícil, porque cada vez queremos mais. Esse buraco da arte é um enigma. O fato de como um espetáculo vai ser recebido pelo público também é um enigma. Você sabe que fez um espetáculo criativo e de qualidade, mesmo assim ele pode não ter um bom resultado, mesmo tendo essas duas características. Eu trabalho pra essas duas características. CIA. DEBORA COLKER / PRIMEIROS PASSOS Em 1993, quando começamos a Companhia, eu ensaiava em todos os lugares do Rio de Janeiro que se possa imaginar, até na rua, no prédio, na casa da minha mãe, num clube, na casa de alguém. Ficava correndo atrás. Eu conseguia um dinheiro pra montar os espetáculos e pra pagar as pessoas. Esse estalo [de montar a Companhia] veio antes, mas demorei porque falei: “Vou fazer companhia de dança, mas pra valer”. A dança nessa época, final dos anos 80, final dos anos 70, no Rio de Janeiro, era assim: “Pelo amor de Deus, me deixa fazer um espetáculo?”, “Pega a roupa do seu armário?”. Era quase um favor, não se entendia como mercado, não se entendia como profissão, não se entendia como uma coisa de gente grande. Eu falei: “No dia que eu fizer vou fazer pra valer. Todo mundo vai ganhar. Se eu estou pedindo para as pessoas ficarem aqui, tenho que ter compromisso. E esse vínculo financeiro é importante, a pessoa tem que ter algum vínculo.”. Eu tinha uma consciência disso. Eu queria fazer um trabalho profissional. Mas não tinha dinheiro ainda pra ter um lugar e isso era muito complicado. Em 1996, já com a Petrobras, desde 1995, conseguimos ter a sede dentro da Fundição. Pegamos um lugar dentro da Fundição e começamos a trabalhar lá dentro. Isso foi logo depois do Velox, que fez um sucesso muito grande. Com o Velox fizemos nossa primeira viagem internacional. Em 1997 fiz o Rota, que é o espetáculo da roda. Eu me lembro que no Velox tinha muita gente que falava assim, principalmente o pessoal de dança: “Isso aí é arroz de festa. Ela fez esse negócio sensacional, quero ver continuar”. Que nem o Stomp, que faz um espetáculo que arrebenta, fica não sei quantos anos em cartaz, mas não tinha um desenvolvimento de um pensamento, de uma linguagem, de uma estética e de um caminho. Quando eu fiz Rota continuei a desenvolver essa grande característica do meu trabalho, que é a relação do movimento com o espaço, mas já com outro espaço, com uma vertical em movimento; a música clássica dialogando com a música pop e o mundo erudito dialogando com o mundo contemporâneo, bem diferente do que eu tinha trazido no Velox. Foi um espetáculo sensacional. SEDE PRÓPPRIA / PATRCÍNIO PETROBRAS Cada vez mais, a nossa relação com a Petrobras foi se modificando. A Petrobras entendeu a minha necessidade de ter um lugar para ensaiar. E era preciso, porque ensaiávamos de manhã, de tarde e de noite, mas um dia não podia, outro dia podia. Com a minha sala, com o meu lugar, eu conseguia. Mudei o chão, fiz um palco bom, construí um lugar que eu pudesse colocar a parede e a roda. O nosso primeiro patrocínio foi de um ano, depois de três anos, e mais para cinco anos. O que é mais do que justo, por quê? Porque a agenda da minha Companhia é uma loucura. AGENDA 2007 Esse ano, nós vamos fazer, por exemplo, no nordeste: Salvador, Aracaju, Maceió, Recife, João Pessoa e Fortaleza. Voltamos, passamos 10 dias no Rio. Depois fazemos o sul: Porto Alegre, Curitiba e Florianópolis. Depois Goiânia, Brasília, Paraguai, Uruguai e Argentina. Voltamos, passamos duas semanas, vamos pra Europa: Berlim, Munique e Viena. Voltamos de férias no dia 15 de janeiro e começamos a viajar no dia oito de março. Entre oito de março ao dia 30 de agosto, passaremos apenas três semanas no Rio, o resto do tempo, nós estaremos viajando com o Dínamo – um espetáculo que reuniu o Velox com o Maracanã –, com o Rota – que vai pra Europa – e o Nó. O Dínamo foi um espetáculo que fiz pra Alemanha. É uma loucura. E isso porque estou fazendo um trabalho novo que estréia em 2008. NOVO TRABALHO / CONCEPÇÃO Comecei a fazer o trabalho novo desde o ano passado, onde sigo a idéia do Nó. É uma mesma Companhia que dança quatro espetáculos, é quase uma loucura. Eu fico ali, demoro pra montar um espetáculo, porque demoro mesmo, não quero me repetir, não quero fórmula de sucesso. Se não tiver uma coisa artística, estética, realmente, não vai me interessar, melhor eu ficar em cartaz com os espetáculos que já existem. Repetir? Pra quê? Jogar dinheiro fora? Meu tempo, minha cabeça? Eu demoro, estudo, construo e destruo. Fora que minha agenda é uma loucura. Meus espaços são interativos, a relação do meu trabalho é muito forte com o movimento e o espaço. Estou criando um trabalho novo que já tem uma mesa de cinco metros por dois, quatro espelhos de dois por dois. É um trabalho sobre crueldade, que estou desenvolvendo há uns sete meses, calada, mas trabalhando. O Dínamo é atípico, é um espetáculo de encomenda, não conta. Tem um bom resultado, foi bacana. Na verdade, eu só fiz o Maracanã, porque já tinha feito o Velox, onde tinha entrado no mundo dos esportes. Eu já tinha estudado essas questões, senão eu não conseguia fazer, mesmo sendo de encomenda. O Nó eu demorei dois anos e meio pra concebê-lo.Tem gente que é mais rápida. Mas quem é mais rápido, eu olho e falo: “Eu vi esse passo no outro espetáculo”. CENTRO DE MOVIMENTO Em 1996, fomos para a Fundição, na nossa sede. Mas, na verdade, desde então, eu queria ter uma sede minha, ter uma escola. Eu tentei na Fundição, mas lá só tinha um lugar e um palco. Tentei que fosse uma escola, onde pudesse ter o espaço para as aulas, mas não dava. Agora, há dois anos, nos mudamos para o Centro de Movimento Deborah Colker, na Rua Benjamin Constant, 3032, onde era a casa do pintor Victor Meirelles. É uma casa importante culturalmente, na Glória, um lugar super bacana, berço cultural, musical, social e artístico do Rio de Janeiro. Restauramos a casa, colocamos tudo ali. Se espremer, ali tem meu sangue em tudo quanto é canto, tem a minha grana, tudo que eu acredito está ali. Porque chegou um momento em que eu falei: “Eu preciso ter um lugar meu, um lugar nosso”. A Fundição tinha festas, tinha o Mundo Mix, tinha samba, e eu falava: “Gente, o que é isso? Eu quero formar pessoas, quero que quem entre para a Companhia saia dessa escola. Eu preciso. Estou desenvolvendo uma companhia”. A Companhia tem 14 anos e a escola tem dois. Eu chego à escola e vejo aqueles “pitocos” de cinco, seis, sete anos de idade fazendo aula de balé, hip-hop, dança contemporânea, pilates, jazz, girotonic, alongamento, jazz contemporâneo; consegui botar junto a Companhia e a Escola. Dou aula na escola, faço saraus de poesia com dança com os alunos. Abrimos um site, o pessoal de poesia da PUC entra, o pessoal de música da Unirio. Fazemos saraus de dança com música e artes plásticas, as pessoas trazem fotografias, poesias. Fazemos apresentação de final de ano. A aula de filosofia está começando do jeito que eu acredito. Está me dando um trabalho fazer o meu novo bebê, mas não me arrependo. Tenho muitos amigos que falam: “Por que você não aluga uma sala em Ipanema? Você vai ganhar a maior grana. Quem não vai querer botar seus filhos pra estudar com a Deborah Colker?”, “Porque eu não quero, porque acho que o Rio de Janeiro precisa de outra coisa. E acho que a Glória é um lugar bacana. Tenho uma escola linda, com três salas, fora a sala enorme da Companhia. É uma escola, um centro de artes”. Fazemos colônia de férias em julho, para crianças de quatro a sete, e de oito a doze anos; tem aula de tudo: teatro, música, contador de história, dança e acrobacia. É uma escolinha de arte. É tão bacana Eu sei que seria ótimo botar uma sala em Ipanema e ganhar dinheiro, mas como eu poderia estar na Companhia e na sala ao mesmo tempo? Como desenvolver? Lá é um presente pra cidade, é um compromisso. A Petrobras não tem um envolvimento direto com a escola e com o Centro. O meu patrocínio não modificou em nada. Não é uma reclamação, de maneira nenhuma. Na cabeça deles, eles patrocinam a Companhia e a escola faz parte. O meu orçamento modifica muito, dependo que as aulas dêem certo. Às vezes tenho que investir lá dentro, porque ainda estamos começando. CONTRAPARTIDA SOCIAL No meu orçamento com a Petrobras, tudo aquilo que é anual; por mês, tem a nossa folha de pagamento. São dezoito bailarinos, duas assistentes, professores, todo o escritório da Companhia, um produtor internacional, um produtor aqui dentro, a secretária e o boy. É todo o funcionamento, toda a “infra”. Você não tem idéia de como é viajar com dois caminhões e vinte e quatro pessoas indo pro nordeste. Olha o preço de passagem Vai ver o que é viajar nordeste, sul, viajar o mundo inteiro As contrapartidas são: em todos os lugares, apresentamos um espetáculo pra projetos sociais, pra escolas, pra Ongs; damos workshops de dois dias, gratuitos, pra quem a produção local, junto com pessoas da Petrobras ou não, determinarem. Há um número estipulado entre 20 ou 30 pessoas, dependendo do tamanho da sala. E apresentamos um espetáculo, às vezes, no dia da estréia. Em Salvador, no Castro Alves, estréia é na sexta-feira à noite. De tarde é o espetáculo pras crianças, teatro lotado, sem ninguém ganhar nada. É um esforço pros bailarinos e pra toda a equipe. A montagem tem que ter um excedente de um dia, porque tem que estar pronto às cinco da tarde e não às nove horas da noite. Tem uma logística pra isso funcionar. CENTRO DE MOVIMENTO / ESCOLA Temos o nosso projeto social dentro da escola. Na verdade, claro que a escola é também uma contrapartida, porque tudo que envolve Deborah Colker envolve a Petrobras. Mas eu digo o seguinte: o nosso orçamento não modificou por conta da escola. E as nossas necessidades aumentam cada vez mais. A escola está aumentando. Aos pouquinhos estou montando uma biblioteca e uma “deveteca”. Faço certas atividades que são fundamentais pra formação das pessoas, dos bailarinos. A escola, por estar sediada na Glória, não pode ser tão cara, não tem um perfil da Casa do Saber ali na Lagoa. É diferente. Eu falo isso com muito orgulho. Tenho muito orgulho de a Escola estar junto com a Companhia, de poder olhar, estar dando aula e vivenciando, construindo esses corpos que são distintos. O Centro e a Escola são separados. Eles têm uma secretaria, um telefone, toda uma necessidade separada. Às vezes procuro pequenas parcerias. Estou tentando que me ajudem com a Escola e com o Centro, porque preciso. O meu sonho agora é fazer uma Companhia no centro, um filhote da Companhia. Preciso bancar isso um pouquinho, preciso de vale-transporte, um lanche, uma graninha, porque são pessoas de projeto social. Fiz um teste, estou com uma turma super bacana de 12 jovens, entre 15 e 21 anos. Fizemos um teste chamando vários projetos sociais do Rio de Janeiro, projetos de dança, fora outras pessoas, porque quero fazer a Companhia do Centro de Alunos Deborah Colker pra dançar um repertório, inclusive, o meu. Depois quero ir pras lonas, quero fazer uma série de coisas que já não são mais pra Companhia, mas que são bacanas. E isso é uma contrapartida bacana, mas preciso de apoio. Por enquanto a própria Companhia ajuda o Centro como pode, puxo daqui, discuto com o João, mas preciso de algo que me deixe mais segura. Estamos indo muito bem, porque todo mundo trabalha com muito amor. E vai dar tudo certo ESPETÁCULO PREFERIDO É o Nó. Porque esse meu fascínio pela dança, por explorar o espaço e por invadir os espaços, por mergulhar dentro de uma idéia, tudo isso está presente no Nó. Eu consegui que tudo acontecesse dentro dele e respirasse a idéia do desejo. Agora estou num momento da minha vida que quero muito falar da condição humana. Desejo não se escolhe, ele está aí e você aprende a administrar. Eu não desejo tomar sorvete, é um desejo mais profundo. Às vezes é um desejo mais complicado de como se relacionar com as leis humanas. O desejo é por vezes proibido. Eu acho que consegui um resultado estético e coreográfico no sentido de que o espaço está carregado de significados, de sentidos, propondo metáforas para o público. Consegui ter um espaço que propõe um novo repertório de movimento e que, ao mesmo tempo, propõe que o imaginário vá junto. Acredito que consegui intensificar mais a idéia da forma, mas também da emoção e do significado. Claro que forma é conteúdo, a forma só vibra se tem densidade. Eu consegui que ela interagisse de tal maneira: as cordas, as caixas transparentes, o desejo e a movimentação, a trilha... Acho que consegui. Com o Nó, além de ter um amadurecimento coreográfico, eu percebo que estou conseguindo realmente dirigir um espetáculo, porque coreografar é uma coisa, dirigir é outra. Eu preciso entender que estou dirigindo um espetáculo. O SENTIDO DA DANÇA Pra mim, a dança chega a ser cruel, porque ela é muito necessária. A dança é a urgência de estar vivo, é visceral, é o sangue, é um movimento interno muito profundo, que atravessa as camadas, como atravessa os tempos e a civilização. A dança é o homem, é a civilização. MEMÓRIA PETROBRAS Gostei muito. Um dos grandes problemas do Brasil é a memória. A nossa história é curta, por um lado, porque temos poucos anos de vida se comparar à Ásia, Europa e à história de certos povos. Mas temos uma história, e ela é importante pra sabermos quem somos. A memória é complicada, porque alguns lembram pra tirar proveito disso ou pra fazerem o ano do não sei o quê. Vira um negócio, e não é pela memória, no sentido da sua formação, de quem você é. E nós somos tudo aquilo que já fomos e o que ainda vamos ser. É nesse sentido a sua importância: a memória como construção individual, da sociedade, de uma educação e de uma necessidade dessa sociedade. Eu acho que é um início e é voltado para a memória, voltado para o conhecimento de histórias, não para fazer um show ou pra fazer apenas a comemoração de um ano específico. Você pode até fazer isso também, mas aqui você vê que estão buscando deter, reter conhecimento e que outras pessoas vão usufruir disso e vão ter oportunidade de aproveitar. Acho que o conhecimento é tudo, e conhecimento não existe sem memória. Fico feliz.
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