Entrevista de Fábio Souza Izidio (Fabinho)
Entrevistado por Samara Vitória Borges dos Santos e Jeanne Cunha Ramos
Maceió, 21 de junho de 2025
Projeto Memórias que não afundam
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00:34 P/1 - Obrigada, Fabinho, por aceitar. Vamos começar. Fale pra gente o seu nome, o local de nascimento e a data de nascimento, por favor?
R - Nome, Fábio de Souza Izidio, nascido em São Paulo, Itaquera, 1978.
00:51 P/1 - Me fale o nome dos seus pais?
R - Maria José de Souza Izidio e Isaías de Souza Izidio.
P/1 - E os seus pais trabalhavam com o quê?
R - Meus pais são separados. Eu fui criado com minha mãe. Meu pai é mestre de obras. E minha mãe é dona de casa.
1:09 P/1 - Como foi a sua convivência com os dois?
R - Eu nunca tive convivência com meu pai, não, só com a minha mãe. É sempre a gente trabalhando e ajudando ela, que eram quatro irmãos e a gente sempre morando tudo na mesma casa. O dia a dia da família normal, trabalhando, buscando objetivos.
1:30 P/1 - E você citou que tem quatro irmãos. Como foi sua relação com eles?
R - Bem, graças a Deus, foi bem. Nós sempre fomos unidos, sempre guerreamos juntos, trabalhando, ajudando nossa mãe, sempre próximos.
1:44 P/1 - Você nasceu em São Paulo. Viveu muito tempo lá?
R - Não, seis meses de idade eu vim para cá. Aí, até hoje, 46 anos, na mesma rua.
01:58 - Você viu em qual bairro?
R - Bebedouro, aqui no Flexal de Baixo.
P/1 - E como se deu a sua história no local? Tem algo que lhe marcou?
R - Marcou, porque ali era o convívio da gente, de trabalho, as amizades, o que a gente tinha. As pessoas próximas a gente não sabe nem onde estão, outros morreram, outros a gente para visitar tem que viajar, procurar, saber… Separou, né? A convivência da gente era normal, agora não está mais como antes.
2:32 P/1 - Fabinho, você veio pra cá muito novo. Me conta por que você veio e com quem você ficou?
R - Porque minha mãe se separou do meu pai, aí ela teve que vir para perto dos meus avós, porque uma ajuda, no momento que ela tava passando. Aí, viemos pra cá e aqui ela começou a trabalhar e eu fiquei mais na casa dos meus avós, que moravam próximos. Aí, quem criava a gente eram os nossos avós, levava para a escola todos os dias. Final de semana a gente passava lá. A minha mãe, era mais fim de semana, que ela trabalha, saia de manhã, chegava à noite.
3:04 P/1 - A sua convivência principal foi com seus avós. Conta um pouco a história deles?
R - Meus avós eram um casal de velhinhos, mas viviam mais em casa, aposentados. Aí, eles cuidavam dos meus irmãos, de mim, e a gente ajudava eles em certas coisas. E eles sempre estavam juntos com a gente, fazendo as coisas que a minha mãe não podia fazer no momento, nem meu pai.
3:30 P/1 - A casa que vocês ficaram, tem alguma lembrança que vocês tem?
R - Tem! Tem muitas lembranças. Os meus avós… é uma casa humilde, mas só que a gente gostava, que era uma beliche para três irmãos, quatro. Meus avós sempre dava aquela segurança a gente, que avô dá normalmente, levava a gente para os cantos. E tinha um quintal que a gente gostava muito de brincar, tinha uma piscininha dessas de plástico lá. A gente se sentia bem. E acabou aquilo.
04:03 P/1 - E você estudou?
R - Estudei, até a quinta série.
P/1 - Qual a sua experiência na escola?
R - Eu não tive muita experiência, não, que a gente era muito sofrido naquele tempo. A gente começou a trabalhar cedo, aí na escola a gente ia por ir, mas o foco da gente era mais trabalhar. Aí, não tive a oportunidade de estudar o suficiente.
4:28 P/1 - Sobre o trabalho, você falou que começou a trabalhar cedo. Começou a trabalhar com o que?
R - Sururu. Embarcação, a gente tirava sururu, ajudava. Comecei como ajudante, ajudante de sururuzeira, lavando sururu, ajudando com uma coisa e outra. Aí, ali fui gostando, ganhando meu trocadinho, aí até hoje estou nesse mesmo jeito.
4:49 P/1 - Você passou a sua juventude aqui mesmo?
R - Aqui mesmo.
P/1 - Quando você começou a sair sozinho, a se divertir, teve algo que lhe marcou?
R - Teve. Eu gostava daquela praça ali, Lucena Maranhão, a gente tinha o carnaval. Eu gostava de trabalhar já para arrumar o dinheiro para comprar a roupa e brincar as festas de São João mesmo, que tinha aí, era uma festa muito popular aqui em Bebedouro. Acabou, né? Que era essa Lucena Maranhão, Lucena Maranhão, uma Praça no Bebedouro muito conhecida, muitas festas. Todas as festa eu estava lá. E agora não tem mais. Acabou.
5:30 P/1 - Como se dava as suas relações amorosas?
R - Bem. A gente sempre tinha as pessoas que a gente andava, que se dava bem.
05:44 P/2 - Qual é a lembrança que você tem com os seus irmãos, os seus avós, onde você morava? Tem algo assim que você nunca esqueceu? Um momento?
R - Então, tempo de São João, sempre a gente fazia aquela fogueira. Aqui na rua que eu morava a gente gostava de fazer aquelas fogueira grandes, a gente focava muito. Meu vô comprar umas carnes para a gente comer, aí ficava na porta. São os momentos que a gente tem mais próximos assim, de brincar, né? A minha avó fazia aquelas canjicas, milho verde. A gente na rua, a rua era animada, todas as casas tinham a sua fogueirinha. E hoje a gente… provavelmente nem tem mais.
6:28 P/2 - E quais eram as brincadeiras que você fazia com os seus irmãos? Em modo geral, do que você brincava?
R - A gente brincava de se esconder, de colégio mesmo, um era professor, o outro era aluno, essas brincadeiras de criança. Soltar pipa, jogar pião, raia. Que a rua da gente era de barro, a gente gostava muito de peão e de chimbra. Minhas irmãs gostava mais de boneca. Os homens eram mais puxados para esses esportes. Bola, a gente jogava bola, tinha um campinho. Na chuva mesmo a gente brincava. São lembranças que a gente não esquece.
7:11 P/1 - E a lagoa, como era pra você?
R - A lagoa era onde eu ganhava o dinheiro para comprar a minha roupa, porque sempre eu comprei minhas coisas. Lá eu ia pescar, ajudava um a lavar o sururu lá no porto de Bebedouro. Tinha um porto que vinha dez embarcações. Aí, sempre tinha gente que sozinho não conseguia, a gente ia lá ajudar a lavar o sururu. Aí, pegava uma parte de dinheiro. “Amanhã tu vem?” “Venho!” E a gente todo dia ia para lá, para no final de semana a gente ter um trocadinho para sair com a namorada, ter um dinheirinho para gastar aqui, ir para o cinema. Tinha cinema aqui na época. Hoje não tem mais.
7:48 P/1 - Fabinho, você trabalha com sururu, com pescaria. Me conta uma história marcante? R - Marcante, é que essa lagoa a gente sempre trabalhou nela, foi o nosso sustento. E a gente ia ali com dez panos de rede, a gente chama rede aqui de dez pano, uma quantidade de rede. E a gente trazia muito peixe, era fartura. E agora não, agora a gente trabalha com 30, 40 e não pega a metade do que a gente pegava antes com dez. Isso está marcando muito, porque aqui era bonança, muito peixe, muito marisco, tudo tinha de muito aí. Hoje não tem mais. Não tinha nem onde vender mais, a gente tem a mercadoria, mas não tem comprador.
8:33 P/1 - E por que não tem?
R - Porque os outros agora tem medo de comprar o peixe dessa lagoa, o sururu, porque diz que é contaminado pela Braskem. Porque de vez em quando eles soltam um produto na beira da lagoa que fica manchada a água. Os outros dizem que é produto químico. Aí, ninguém quer mais comprar os nossos peixes. Às vezes, a gente tem até que dizer que escolheu um outro canto, para poder vender.
8:58 P/1 - Como era a lagoa antes desse desastre?
R - O cheiro era bom, era maravilhosa. Era a nossa fonte de renda, de todo mundo aqui do Flechal, tanto o pescador, quanto a marisqueira. Que a gente chega com o marisco, ela pega, prepara, e vai vender em outros cantos. Aí, a gente não tem mais, é difícil, agora é contado nos dedos. Que antigamente essa rua aqui era cheia de esteira e peixe secando, podia levar para os interiores, para outros cantos aí. E hoje não tem mais.
9:32 P/1 - Muita gente parou de trabalhar?
R - Muita. Principalmente quem a Braskem pagou, digamos, uma casa, pagou o dinheiro da casa. Aí, não teve casa para comprar aqui suficiente, aí teve que ir pra outro canto, aí longe do seu habitat, não tem como trabalhar com essa mercadoria. Eu mesmo fui morar lá no tabuleiro um tempo, um bairro que tem aqui em cima. Aí, não deu certo, eu tive que voltar pra cá, para morar perto da lagoa, porque minhas coisas tudo aqui de trabalho, minhas ferramentas, que é o barco, rede, motor. E a gente de longe não tinha como… Só de gasto, de carro, para vim, o horário, que é 4h00 da manhã que você levanta pra vir pescar, aí a gente de longe, tinha que acordar 2h30, 3h00, para se locomover pra cá.
10:16 P1 - Você falou que você se mudou e depois voltou. Como foi essa volta, essa nova realidade aqui?
R - Rapaz, dificultoso, porque a gente vivia a vontade aqui e hoje não tem mais outras pessoas, não é mais aquelas pessoas que a gente convivia no trabalho. Tinha canto pra gente ficar, já não tem mais. A gente está num apertado ali, quem não tem nem espaço para a gente botar nosso barco, nossa rede. Digamos que dê para cinco pessoas, cinco embarcações, tem vinte. Aí, já mudou tudo, já está tudo meio difícil.
10:52 P/1 - E o que você mais gostava naquela antiga rotina?
R - Rapaz, tinha várias coisas. Era a situação que a gente vivia, a gente chegava, já ia para o quintal do vizinho, tinha uns colega de embarcação, a gente juntava as embarcação, ia conversas sobre isso, aquele projeto. “Futuramente a gente tem que fazer uma rede assim, tem que ter um barco melhor assim e tal.” E hoje não tem mais.
P/1 - Você lembra de algum personagem marcante nessa sua vida como pescador?
Tem. Tem os pescadores mais antigos, que me ensinou a pescar. Que tem canto que você tira sururu com água nos peitos. Mas tem canto que a gente mergulha quatro, cinco metros de fundura. Aí, sempre tinha aqueles mais velhos, que dizia: “Olha, Fábio, quando você for faça assim.” Aí, segurar num pau, a gente descia para dentro da água. E depois foi normal. Aí, foi aprendendo. Ensinando a gente, né? Aí, essas pessoas não estão pescando mais, saíram da região para outro canto e se aposentaram. Não tem mais eles aqui. E outros morreram, que teve muita gente que teve depressão, infarto, porque foi morar em outros cantos e o ambiente… Pescador que mora na beira da lagoa, quando ele sai, é mesmo que um peixe fora d'água. A vida dele vai mudar, ele não vai ter mais aquele hábito que ele tinha. Que nem aqui, a gente acorda 3h30 da manhã, vai para o quintal olhar o barco, preparar uma coisa e outra. E a gente morando em outro canto vai fazer o quê? Acorda e vai ficar dentro de casa, vai bulir o celular ou a televisão.
12:22 P/2 - Fabinho, você é pescador. Mas e os seus irmãos, também seguiram?
R - Não, minha irmã, ela tem uma lanchonete, a outra casou, foi para São Paulo, vive em casa, como dona de casa. E meu irmão é tatuador, trabalha com tatuagem e mora em outro canto também. Se espalhou todo mundo. Depois que a Braskem tirou a gente daí, todo mundo se espalhou.
P/1 - Então, todos moravam aqui?
R - Na mesma rua. Próximo. Na mesma casa. Aí, casaram, ficaram na casa afastada… Outro ali. Agora não, agora mora cada um num bairro diferente.
13:00 P/2 - Certo, e sua mãe e seus avós?
R - Meus avós morreram, faleceram. E minha mãe mora ali, num bairro aqui próximo. Ela mora sozinha, na casa dela, mas sempre a gente está lá, indo lá. Mas ela tem problema hoje, porque era a gente tudo num canto só, e hoje se espalhou.
13:20 P/1 - Fabinho, você nos contou que a sua mãe acabou tendo problemas por conta de tudo que aconteceu aqui no bairro. E quanto a você, como está a sua saúde mental?
R - Tá mais ou menos, que a gente, às vezes, tem um jeito de viver e a gente teve que fazer mudança na nossa rotina, dia a dia. Aí, a gente sempre fica perdido, porque antigamente era de uma forma normal, agora não, agora a gente tem que se adaptar. Aí, prejudica um pouco, mas dá para levar.
14:00 P/1 - Me conta um pouco sobre o passado. Você se lembra da primeira semana em que aconteceu aqueles boatos?
R - Lembro. Muita gente ficou nervosa, uns diziam que era mentira, outros diziam que era verdade. E quando aconteceu a gente foi pego de surpresa, já chegou assim, a Braskem pegando relato de quem mora nas casas. Foi um choque, um choque muito grande que a gente teve no momento.
14:28 P/1 - Como que você soube que algo não estava normal?
R - Porque geralmente na rua onde a gente mora, aterrava muito, as casa lá de cinco em cinco anos a gente tinha que “altear”. Quer dizer que estava afundando. Aí, a gente já ficava com medo. Aí, os outros começaram a soltar o assunto da Braskem. “Rapaz, a Braskem está cavando demais aí, está afundando.” Tá isso, tá aquilo. A gente foi percebendo, conforme a gente “alteava” as casas e ia afundando, era mais lama. A gente ficou meio assim, aí foi o tempo que a Braskem chegou e soltou comunicado que o Pinheiro, ali Mutange, aí partiu para Bebedouro, aí foi que caiu a ficha. Que a gente espera que não vai acontecer, aí de repente aconteceu.
15:18 P/1 - Recentemente teve o afundamento da mina 18. Você estava pescando?
R - Estava não, estava aqui em casa. Aí, quando disseram que afundou, a gente viu a filmagem que publicaram, a gente ficou até com receio de pescar, que a gente pensou que… Porque disseram que era mais de quinhentos metros de fundura o buraco lá. A gente pensa que a gente está na lagoa, pode fazer um redemoinho e puxar a embarcação. Aí, a gente ficou um tempo, aí eles fizeram uns estudos aí, marcaram e limitaram a lagoa pra gente pescar. Até nisso a gente foi prejudicado. E a gente não pode pescar tantos metros da margem, tem que ser pra cá. Aí, limitou o nosso trabalho.
15:57 P/2 - Hoje são quantos pescadores que ficam na Lagoa pescando, você tem ideia?
R - Uns 200.
P/1 - E era quantos?
R - Era uns 500. Mas agora é menos. De rede, né. Fora que cada um tem uma profissão, um pesca peixe, outros vão tirar sururu, outros vão tirar ostra, outros pescar camarão, outros pescam manjubeira, outros pesca caiçara. Caiçara é uma roda que a gente faz de madeira e bota umas madeiras, aí o peixe vem comer ali naquelas madeira. A gente chama caiçara, que a gente faz o redor de pesca. E hoje não tem mais aqui na lagoa, ninguém pode mais fazer que os outros têm medo de querer investir na lagoa.
16:46 P/1 - E o porto dos pescadores, ainda permanece?
R - Não, acabou. A gente vive ali na beirada de favor, num sítio que tem ali. Aí, disseram que ia fazer uma marina pra gente, mas até agora nada. Estão mexendo ali, mas já tem mais de um ano, e a gente não tem canto. A gente procura um canto que estiver aberto na beira da lagoa, pra gente botar a nossa embarcação, que antigamente tinha o porto do sururu, que a gente guardava o nosso barco, os outros ia lá comprar. E aqui não, aqui ninguém nem vem comprar mais.
17:18 P1 - O que você acha que pode melhorar para vocês, pescadores?
R - O saneamento dessa lagoa, tirar todos os dejetos que estão jogando aí e fazer uma limpeza nessa lagoa, que chama assoreamento. Porque através de tudo que jogaram aí nessa lagoa, está tudo assoreado, que era quatro, cinco metros de fundura que tinha canto, hoje não dá dois metros, dois metros e meio, aí o peixe não entra. E muita lama, muito bagulho. A gente até solicitou ao pessoal da Braskem que se pudesse assorear a Lagoa, dá uma limpeza, aí melhorava para a gente, amenizava o sofrimento.
17:58 P/1 - Teve alguma espécie de peixe, algum marisco que deixou de existir, ou vocês não conseguem mais pescar por conta de tudo?
R - Tem. Pronto, a curimã, que é um peixe bem vendido aqui. A gente ia ali na beirada e pegava ali mais próximo ao mangue. Aí, agora eles limitaram, aí a gente não pesca mais que nem antes. Antes a gente pegava cinco, seis peixes por dia. Hoje a gente não pega nem dois. Nenhum, às vezes. Porque o peixe vai desovar lá e é o ponto principal, ali atrás da Braskem. E eles agora limitaram a metade da lagoa para a gente só pesca para o lado de cá. O peixe pode estar de boa pra lá, mas ninguém pode ir.
18:38 P/1 - E quanto a área financeira, você como pescador, você tinha funcionários?
R - Não. Mas a gente ganhava um dinheiro bom, tirava dois salários, ou mais um pouquinho. Quanto mais trabalhava, mais ganhava, porque é por produção. E hoje em dia a gente vive daquela maneira, assando e comendo. Tem que trabalhar só para manter a casa mesmo. Não é que nem antes.
19:03 P/1 - Fabinho, eu vou querer voltar um pouquinho. Falar sobre você, sua relação. Você chegou a se casar?
R - Cheguei, me casei, tenho cinco filhos. Um tem sete, outro tem nove, dez, onze e dezoito. Aí, uma casou, mora três comigo e um me ajuda de vez em quando na lagoa, mas eu prefiro que ele vá estudar, porque não quero a mesma vida, porque a gente está vendo que futuramente não vai ter o que a gente tem hoje. Aí, ele estuda, está focado no estudo. E os outros também, todos três que moram comigo estão focados no estudo.
19:44 P/1 - Você nos falou que você gostava muito de ir para a Lucena Maranhão, para a praça. Além da quadrilha, teve outra celebração que lhe marcou?
R - Teve, teve, que o carnaval melhor de Maceió era aqui, na praça Maranhão, que a gente arrodeava a rua. Era maravilhoso. Aquele carnaval que os vereadores promovia pra gente lá. Acabou. Era uma brincadeira… Pronto, São João mesmo, que a gente fazia a quadrilha, que nem a gente vê aí, todos os cantos. A gente para assistir quadrilha hoje tem que ir para o Jaraguá, aqui não existe mais. Era o pé de serra, o pé na lama. Na rua da gente a gente chamava de pé na lama, porque a gente dançando quadrilha e se melava na chuva assim, e tinha lama. Mas era divertido, e era gostoso aquele tempo. Hoje não tem mais.
20:37 P/1 - Conta tudo. Quais foram as marcas que ficaram na sua família?
R - Marca de melhora ou de…
P/1 - Pode ser tudo.
R - De melhora nenhuma, que a gente saiu do nosso habitat, que a gente vivia bem, para ter que fazer nova mudança, morar em outros bairros. E ficou todo mundo abalado com isso aí, que a gente vivia numa comunhão, todos juntos, de repente vai um para um canto, outro para outro. Já mudou o padrão de vida de um e de outro, já não é mais as mesmas pessoas, as pessoas já modificaram seu jeito de ser. E aqui, tudo junto, a gente se acompanhava, um ao outro. Dava ideia um para o outro, se precisasse a gente era unido, se precisasse a gente estava sempre dando apoio. E hoje a gente vive distante, a pessoa precisa, mas fica até com vergonha de falar. E a gente quando era perto, não, a gente percebia que aquela pessoa estava com dificuldade de alguma coisa, a gente ia um ajudando o outro. E hoje a gente tem que ir atrás, às vezes, a pessoa não fala.
21:42 - E hoje, qual o sentimento que você carrega, ao relembrar de tudo?
R - O sentimento é tristeza, porque a gente viver de um jeito e depois ser obrigado a viver de outro. Que a gente convivia, e hoje não tem mais como voltar atrás. Porque chegou uma mineradora desconhecida e destrói a vida de muitos. Não só a minha, de muitos onde eu morei, que hoje eles tem até problemas mentais, problemas de saúde mesmo, porque deu depressão. Tem um colega meu que faleceu agora, semana passada, um senhor que me ajudava muito, pescava comigo e tudo. Ele foi morar num bairro aí, só vivia isolado dentro de casa. A mulher: “vai lá visitar Bebedouro”. Ele não tinha coragem de vir para cá. Que ele veio uma vez, ficou chorando na porta, ali na rua onde a gente morava. Ficou de frente, parado assim, ficou emocionado, chorando, lembrando da convivência. E hoje morando numa cidade que não tem nada a ver com ele, aí faleceu.
22:47 P/1 - Hoje você mora aqui, né? Pode se dizer isolado, dentro de tapumes. Qual o sentimento que fica quando você passa por aquelas partes?
R - Tristeza, porque a gente é isolado. A pessoa que fica isolado já está dizendo tudo, a pessoa não vive bem. A gente vai vivendo, tem que se esforçar, não pode parar a vida. Mas aqui a gente vive que nem tivesse engaiolado, porque a gente não tem um mercadinho grande aqui para a gente comprar, tem que se locomover para o centro, para ir para o mercado. Não tem uma lotérica, não tem uma escola, que aqui, se eu não me engano, era cinco, seis escolas grandes. Hoje não tem uma. Meus filhos mesmo, tem que esperar o ônibus aqui para se locomover lá para o CEPA, ou outro canto. E antigamente não, menino ia sozinho para a escola. Hoje não pode mais. Tem que esperar o ônibus da prefeitura, quando libera, às vezes tem problema, aí perde aula. Ou se não a gente tem que pegar um carro para levar. A dificuldade está grande.
23:48 P/1 - E você como pescador, como que você vê o futuro da lagoa?
R - Rapaz, eu acho que não tem futuro mais não, do jeito que está, ainda assim. Porque botaram limite numa coisa que é da natureza, a Braskem colocou do limite na nossa renda, bem dizer. Porque a gente pescava num espaço grande, aí a pessoa chegar aqui e dizer: “você só vai até aqui!” Aí, indenizou umas partes, deu uns danos morais aí de dois mil e pouco, três mil. E outras pessoas não ganharam, porque não tinha uma carteira que eles necessitam lá, que é uma tal de SEAP [Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca] . Eu tenho mais de 30 anos de pesca. Aí, um dia que eu fui fazer essa carteira, a máquina tinha quebrado, passou mais de dez anos, aí não fiz. Aí, quando veio agora a defesa para ajudar os pescadores… Eu tenho prova que eu tenho esse tempo de pesca, mas não recebi. Aí, limitou até isso da gente, trabalho. A gente não tem mais.
24:48 P/1 - Você acabou de falar sobre a questão de indenização. Você chegou a ser indenizado?
R - Cheguei, cheguei, que eu tinha umas cinco casinhas ali, construí, tinha um terreno, fiz umas casinhas, aí quando eles vieram, me indenizaram.
P/1 - Você acha que foi justo?
R - Não, não foi não. Uma, porque quando você vai vender algo seu, você está disposto a vender, pode vender do jeito que você quer. Mas quando você não está pronto para vender, que você não quer vender, é obrigado a vender. Não é justo. Ele pode dar o dinheiro que for. Mas não chega o sentimento que a gente tem por onde a gente mora, o que a gente construiu. Suei cada tijolo que botei naquela casa, carregar barro, fazer telhado. A gente faz com amor. Aquilo ali foi tirado, obrigatório.
25:36 - Você agora, como pessoa, como cidadão, como que você vê o futuro das regiões afetadas?
R - Rapaz, o futuro daqui eu acho que só vai ter benefício a Braskem mesmo. Porque ela ficou com os terrenos tudo aí, futuramente eles vão fazer fábrica, tipo polo. E a gente vai saindo. Porque se eles quisessem mesmo fazer algo pela gente, que nem disseram que já tamparam não sei quantos buracos, eles devolviam o terreno, ou se não fazia moradia para crescer o bairro. E o bairro tá morto, isolado, que nem vocês podem ver aí.
26:13 P/1 - O que você gostaria que as pessoas soubessem de toda essa experiência?
R - Eu gostaria que as pessoas soubessem, que de mais valor onde você mora. Porque às vezes a gente não dá valor ao bairro da gente, aí quando perde é que a gente vem dar valor. Porque a gente acaba, a metade da nossa nossa vida, a infância da gente foi embora por água abaixo. Aí, a gente tem que valorizar o nosso bairro. Que nem aqui, se eles fizessem condomínio, e crescesse de novo, eu tenho certeza que vendia. Porque tem gente que se mudou para fora e voltava pra cá de novo, se tivesse moradia.
26:56 P/2 - Fabinho, me conta como foi a sua primeira experiência. Você como pescador, não como ajudante, mas como pescador. Conta como foi.
R - Foi bem, foi maravilhoso. Porque quando eu fui ser pescador mesmo, pra mim mesmo, foi bom, porque eu já tinha a minha esposa, uma filha recém nascida. Aí, eu ficava pescando com vontade, com gosto. E eu sabendo que tinha obrigação com a minha família, com a minha filha, com as pessoas que estavam dependendo de mim. Foi bom. Foi uma experiência maravilhosa. E nessa época a gente ganhava muito dinheiro na rede, pescador. Principalmente no sururu. A gente trabalhava com vontade, porque sabia que tinha gente que dependia da gente, tipo minha mulher, minha filha. E depois veio os demais, veio outro, veio outro. E aí, foi uma experiência boa, que a gente tem vontade de adquirir mais rede, objeto de trabalho, cada vez mais evoluir. Foi uma experiência muito boa.
27:58 P/1 - E onde que você vendia?
R - A gente vendia aqui mesmo, só chegava, encostava o barco, já vinha os compradores, vinha com carro. Vinha até caminhão. Dizia bem assim: tire dez barcadas. Ai vinha de pescadores, cada um com o barco cheio de sururu, botava nos sacos e vendia, nos interiores, saia para distribuir. Hoje não tem mais.
28:19 P/1 - Você lembra quais eram os principais compradores? Quais os municípios?
R - Era Lajinha, União, esses interiores aí de fora. Quebrangulo.
28:33 P/1 - E qual foi o sentimento e o processo de ver todo mundo saindo?
R - Foi triste. Foi triste porque a gente vai se distanciando das pessoas que a gente gosta, que a gente tem um apreço muito grande. Hoje em dia a gente já tem que fazer novas amizades, novas pessoas. Que nem tipo aqui, os pescador daqui, diminuiu 70%, só tem 30%, no caso. Aí, a gente já conhece outro de fora, que a gente não sabe quem é. A gente tem que ir para fora para vender nossa mercadoria. Tipo, eu pesco aqui em Bebedouro, aí eu tenho que ir para o Vergel, mas os pescadores do Vergel já tem sua freguesia. Aí, a gente tem que fazer nova freguesia. Aí, fica mais difícil.
29:13 P/1 - E como foi a sua saída do bairro?
R - Rapaz, foi… A partir do momento que eles deram o dinheiro pra gente, a gente pensa que vai ser uma coisa, mas não foi. No mesmo momento que a gente estava alegre. Aí, depois a gente vê a realidade, que não é como a gente pensa. O dinheiro vai se embora. Aí, eu tive que me adaptar, não consegui trabalhar em outras funções. Que a minha função era pescar. Aí, lá eu fui trabalhar de pedreiro, de outras coisas. Mas não me adaptei. Aí, eu voltei pra cá, vendi o que eu tinha pra lá, voltei pra cá, para morar aqui no Flexal.
29:50 P/1 - Quando você saiu, você foi para qual bairro? E como foi, para além de você, os seus filhos também, ter essa mudança?
R - Teve que mudar de escola. Aí, fui para o bairro Tabuleiro, perto da Feirinha. Teve que mudar de escola. Um processo de modificação. Agora não tinha mais escola aqui, a gente teve que procurar uma vaga lá em cima, aí botou em outras escolas lá. Mas não se deu, porque aqui eles tinham os colegas deles aqui, na escola aqui. Se aperfeiçoava melhor. E lá, não, lá eles ficaram… A gente passou três anos, mas não foi bem, foi difícil. Aí, a gente teve que retornar para cá, para Bebedouro. Porque aqui já conhece a maioria das pessoas. A dificuldade é o ônibus, que agora não tem escola aqui, tem que pegar um ônibus aqui embaixo para levar os meninos para a escola e voltar. E para mim foi melhor, porque eu vivo da lagoa, eu tenho que estar perto do meu serviço, quanto mais próximo do seu serviço, melhor é.
30:42 P/1 - E para sua esposa, como foi?
R - Ela não gostou não também, que foi difícil para ela se adaptar, que saiu de perto da família, ficou mais distante. Para a gente ver um familiar, tinha que ser no final de semana, para ir para a casa de A, de B. E aqui não, aqui a gente morava, duas, três casas, estava na casa de fulano, de mãe, de irmão, de tio. E agora não, agora era mais distante.
31:09 P/1 - A família dela também é daqui?
R - É daqui.
P/1 - E família também de pescador?
R - É não. A família dela é mais pintor, pedreiro, entendeu? Só eu e ela. Que ela é marisqueira.
P/1 - Então ela também trabalha?
R - Trabalha, que ela trata os peixes, ai pesa, a gente salga, botava na esteira. Que esse peixe que a gente pesca, o Mororó, a gente trabalha ele com sal, a gente trata ele e salga, e depois lava e bota na esteira, aí fica o peixe seco, que é chamado peixe seco. Aí, eu chego com o peixe e ela faz o manejo.
31:47 P/1 - Então, quando você se mudou para o Tabuleiro, você ficou sem trabalhar?
R - Foi, bastante tempo sem trabalhar, porque não tinha onde a gente pescar. Porque ele mandou paralisar a lagoa aí, enquanto resolvia esse negócio. A beirada aqui não tinha onde a gente botar barco. Aí, eu desfiz de tudo, depois tive que comprar tudo de novo, agora, porque eu voltei pra cá. Aí, comprei tudo de novo, e tocando a vida.
32:09 P/2 - E como foi o seu retorno?
R - Difícil. E antigamente ele deu aquele dinheiro pra gente, a gente comprou uma casinha, ainda tinha um trocadinho. Depois ele foi embora. E para a gente adquirir o que a gente tinha? Teve que suar mais um pouquinho, sacrificar, vender algo que a gente tinha, pra começar de novo, do zero. Que a gente tinha aqui, e a gente teve que vender. Porque ele botou a gente para sair, não tinha onde ficar. Aí, teve que vender tudo. E depois que não deu certo, a gente teve que voltar. Aí, começar tudo do zero de novo.
32:39 P/1 - Você citou que tinha cinco imóveis aqui no bairro, eles foram demolidos?
R - Foram, tudinho. Não só os meus, como os dos meus vizinhos. A rua toda demoliram.
32:57 P/1 - Antes da demolição, você chegou a passar por lá? A visitar?
R - Já, passei. Cheguei a andar na rua lá onde eu morava, parar em frente a casa da minha mãe, da minha família. De gente até que já se foi. Muito triste, lembrar daquela pessoa, é não está mais aqui com a gente. Que ele morreu de infarto porque ficou depressivo por causa dessa Braskem. Porque teve que sair, era pescador há mais de 50 anos aqui, de repente ficou isolado em um canto que não é o habitat dele.
33:28 P/1 - Você nos fala com tanto carinho dessas pessoas. Me conta a história de um que marcou?
R - Eu tenho um que é que nem um pai pra mim. Que graças a Deus, primeiro Deus, depois ele me ajudou. A minha primeira casa, ele que me cedeu, era o finado Seu Geraldo, ele era um sargento aposentado, aí ele me acolheu, me ajudou muito, e hoje ele está na glória com o senhor. Ele me ajudou muito. Ele comprou a minha primeira rede. “Você tem vontade de trabalhar mesmo?” “Tenho.” Eu trabalhava de servente. Aí, ele disse: “Sua vontade é a lagoa?” Eu disse: “É!” Ele disse: “Pronto, vou lhe dar um negócio.” Aí, comprou um barquinho, comprou uma rede. “Olha aí para você começar. Você vai dar conta?” Digo: “Vou!” Aí, até hoje, eu tenho o que eu tenho, primeiramente Deus, depois ele, que me deu força e sempre me apoiou. “Vamos fazer uma casa para você sair do aluguel.” Me ajudava muito. Em tudo ele me ajudou. Era um pai que eu não tive, era esse senhor.
34:26 P/1 - Seus avós pescavam também?
R - Não, não, já era velhinho, aposentado. Aí, ele vendia na feirinha de Bebedouro. Que tinha uma feirinha ali, que todo mundo aqui tinha umas barraquinha lá, um verdura, outro açúcar, arroz, feijão, cereais. E todo mundo trabalhava nessa feirinha, até isso acabou.
34:46 P/1 - E de onde surgiu sua paixão pela pescaria?
R - A necessidade. Porque quando eu era garoto que eu comecei a trabalhar, fui ganhando meu dinheirinho, a gente quer comprar uma roupa melhor, minha mãe não tinha essas condições, aí eu comprava as minhas coisas através da pesca. Aí, a gente vai se habituando a ter as coisas boas, sempre que ter outra melhor, uma bicicleta. “Vou ter que comprar uma bicicleta, vou trabalhar mais vezes.” Aí, a gente ia até conseguir. O objetivo é ter as coisas.
35:16 P/1 - E quais as paisagens que te marcaram e os caminhos por aqui?
R - A lagoa. Quando a gente vai pescar às 4h00 da manhã, que vai amanhecendo o dia, a gente vê aquele nascer do sol. É uma sensação boa que a gente tem, todo dia a gente tá naquela rotina, mas é uma paisagem que muita gente não tem, que a gente vê. A gente está no meio do oceano, aí na lagoa… Quando a gente pega na rede, que vê o peixe, é uma sensação boa que a gente sente. É uma fisioterapia, a gente pescando.
35:55 P/1 - Qual a dificuldade que você enfrentou de achar um outro lugar para morar, quando você teve que sair?
R - A dificuldade é que a gente não escolhe canto, a gente vai atrás de uma casa não sabe onde vai ter. Aí, a gente foi morar numa rua que não conhecia ninguém, a gente não podia sair, não sabia como era. A gente ficava mais isolado. Para ir para a venda, tinha que ser eu ou a mãe, que os meninos a gente não confiava de sair. Ficou isolado. E aqui não, aqui a gente conhece todo mundo, os meninos podem ir na padaria comprar um pão, comprar uma bolacha, um café, o que for. Mas nesses outros cantos aí, ficou isolado.
36:39 P/1 - E aqui, como foi achar um novo lar?
R - Aqui, rapaz, eu fiquei um bocado de ano vindo aqui atrás de uma casa, atrás de uma casa, até quando eu achei essa que eu estou hoje. E foi difícil, hein! Porque tem poucas casas, e os outros não querem sair. Os outros pensam que a Braskem vai vim dar dinheiro, mais, não sei o que. Não quer alugar, não quer vender. Aí, fica difícil!
37:06 P/1 - E essa nova casa, comporta você e sua família bem?
R - Comporta. Tem três quartos, sala, cozinha, banheiro, garagem, água, energia, quintalzinho. Agora sim, estou num canto mais à vontade.
37:25 P/1 - E para você hoje, o que falta ser reparado? O que você acha que ainda precisa ser mudado?
R - A convivência aqui, que tivesse um espaço para a gente poder usufruir. Tipo um campo. Porque a gente trabalha, mas a gente quer se divertir também, jogar uma bola. Local de trabalho, que era pra ter uma beira de lagoa aí para os pescadores poder chegar e ter um acesso ao comprador, pra gente distribuir nossa mercadoria. E ter uma certeza que a gente vai vim e vai vender. Está faltando.
38:12 P/2 - Esse espaço que você acha que precisa, já foi solicitado?
R - Já foi. Eles estão fazendo aí, um espaço aí, mas já tem mais de cinco meses, e não saiu do projeto ainda. Aí, tipo, eu chego 4h00 da manhã, lá é um escuro total, que é dentro do sítio ali. Ai, não sabe se vai pegar um bicho, pegar uma cobra, um negócio, ou vai ter alguém que vai querer roubar a pessoa, fazer o mal a pessoa. A gente solicitou energia, já tem três meses, a gente está lá nos containers. Que ele botou uns containers dentro dos matos ali, pra gente ficar, botar as mercadorias. Aí, nem energia, nem atenção eles dão.
38:47 P/1 - E hoje? O que mudou pra sempre?
R - Nosso hábito, que antigamente a gente tinha prazer de chegar aqui e trabalhar. Hoje a gente vem forçado, que a gente não tem mais aquela relação que tinha antigamente, que a gente vinha um grupo de pescador, e a gente tudo... Agora não tem mais. Hoje em dia a gente vai porque é o jeito mesmo.
39:10 P/1 - Fala pra gente hoje, como é que está a sua rotina?
R - Diferente, diferente. Que antigamente a gente gostava de trabalhar todos os dias, hoje já não trabalha todos os dias porque quando a gente vai, que não traz nada, a gente fica triste, né? Aí eu já estou fazendo outras coisas, já. Eu tenho uma caminhonete, eu faço frete. Já estou mudando o foco do trabalho, do que eu gostava, para uma coisa que é necessidade, necessidade. Que é trabalhar de outra forma para colocar o sustento dentro de casa. Aí, faço mudança, faço frete. Ou às vezes pego uma mercadoria aqui e vou vender em outro canto. Que nem às vezes eu tiro uma bancada de sururu lá, vou ter que botar na caminhonete para vender nas ruas. Mas antigamente era só a gente chegar aqui, parar, vinha os compradores no trem, de Rio Largo, Ferro Velho, aí descia, a gente lavava, eles botavam e levava. Hoje, não, tem que pegar mercadoria, ter um carro… Eu, ainda bem que eu tenho um carrinho velho que dá para ir vender. E quem não tem? Aí, fica aí atoa.
40:10 P/1 - Fabinho, você tinha algum outro trabalho além da pesca?
R - Eu gostava de pegar caranguejo, guaiamum, aí no Mutange, campo do CSA [Centro Sportivo Alagoano], naquela beirada de mangue ali, sempre tinha bastante caranguejo, tanto guaiamum como o sá. E hoje não tem não. Aí, naquele tempo era bom, porque além da gente pegar caranguejo, no tempo que a gente esperava a ratoeira bater. Que a gente arrumava uma armadilha chamada ratoeira. Aí, a gente ia catando, quando pensa que não, a gente pegava coco, manga. Tinha um bocado de pé de fruta, sempre na beira da lagoa, a gente usufruía daqueles pé de manga, pé de jaca, coco. E eu ganhei dinheiro com isso também, que a gente juntava o útil ao agradável. Aí, vendia coco, da terra do mangue, vendia os caranguejos guaiamum, que são muito procurados, os azulão. Ajudava muito na situação financeira da gente.
41:05 P/1 - E quanto a religião, você frequentava alguma igreja aqui?
R - Frequentava. Fui evangélico dez anos, Assembléia de Deus. Aí, teve culto… Afundou a igreja, a gente tinha que secar água no caco para ter o culto, na metade da igreja, porque não dava para ter culto com a igreja cheia d'água. Aí, teve que sair a igreja do bairro, colocaram ela pra outro canto, aí eu me afastei, até hoje estou afastado.
41:32 P/1 - Então, depois que ela saiu, você não voltou a frequentar mais nenhuma uma igreja aqui?
R - Não, não fiquei triste. E passou aquela vontade, aquela… Que aí você já vai ter que frequentar outra igreja com outras pessoas. Quando a gente já está em comunhão com aquele pessoal, já tem um convívio. Depois se afastou todo mundo, aí não deu vontade de ir mais.
41:55 P/1 - E quanto a diversão, qual diversão você tinha?
R - Aqui tinha muitos bares. Tipo, o Rogildo, o restaurante que tinha ali, muito popular aqui, comida do mar. Aí, eu levava minha mulher, meus filhos, para almoçar, comer um siri, uma casquinha de siri, um peixe, uma peixada. E hoje não tem. É diversão, era a lagoa, eu pegava minha família, botava no meu barquinho, aí tem o passeio das nove ilhas, aí esse barquinho que eu tenho aí, a gente ia para todas elas, sem precisar gastar. Já levava caixinha de isopor com bebida, ou com alimento. Aí, os meninos tomavam banho de praia, na beirada lá do Coqueiro Seco, por ali. E a diversão era muito boa naquele tempo.
42:43 P2 - Além da pescaria, o que a lagoa trazia pra você?
R - Tinha a procissão de São Pedro, que a gente juntava as embarcações e trazia a imagem em duas embarcações para a beira da lagoa, e trazia muito o pessoal que era devoto. Aí vinha, juntava no Porto do Sururu. Aí, entrava, cinco, seis pessoas em cada embarcação e fazia tipo uma carreata, procissão. Agora, procissão dentro da água. Aí, vinha de lá de Bebedouro, do
começo, aqui para o terminal. Chegava aqui tinha festividade, de Santo Antônio. E tinha fogos, tinha festa junina, tinha variedade de coisas.
43:21 P/2 - E era só aqui em Maceió, ou estendia também…
R - Estendia. Vinha gente de Coqueiro Seco, vinha gente do Vergel, vinha gente do Pontal, vinha gente do Trapiche. Vinha gente de todo canto. Quem tivesse embarcação na beira da lagoa, vinha tudo se concentrar aqui, no porto da gente. Aí, a festividade da gente crescia, tinha movimento de muitos adoradores de Santo Antônio.
43:46 P/1 - Nessas festividades teve algum ano que lhe marcou? Se sim, conta uma história.
R - Teve, teve. Pronto, da lagoa mesmo, a procissão, a gente ficava grato que os meus avós mesmo entrava no meu barco, eu tinha prazer de levar minha mãe, meu avô, que era devoto de Santo Antônio, a gente vinha beirando ali. Era marcante a gente levar a nossa família pra procissão, que a gente chama de procissão. E muitos fogos. Um momento família em comunhão com Deus e com devotos, que cada um tem o seu santo. Aí, vinha aquele monte de gente e participava, vinha de longe, tinha gente que vinha de longe, só pra vim participar da caminhada. Agora, só que era lá no lago, não era terrestre. A gente começava na lagoa, aí daqui, descia, vinha de pé, levava para a igreja de novo, Santo Antônio, que tinha no fundo das pedras, que agora não tem mais.
44:42 P/1 - Então, quer dizer que essa comemoração, essa festividade, não existe mais?
R - Existe não. A gente estava pra fazer agora, dia 29, a gente estava programando, só os pescadores, pra soltar fogos e fazer uma corrida de canoa. Que a gente sempre faz aqui na beira da lagoa, corrida de canoa pros pescador, que é um modo da gente se divertir. Aí, a gente arma uma vela, que chama vela, aí sai correndo, pra ver quem bate a meta lá e volta e chega primeiro. Aí, a gente sempre organiza, nesse tempo agora, que é tempo de festa junina, que é Santo Antônio, a gente faz. Une o útil ao agradável, que a gente faz a procissão, que os devotos vem e fica aí na praça. Que não tem mais agora como a gente fazer de canoa, aí fica na praça. Aí, pra não ficar em branco, a gente faz a corrida de canoa, que é de vela, vai e volta. Vem o pessoal do Vergel, Trapiche, Coqueiro Seco, junta aqui os melhores, a embarcação melhor, que a gente gosta de fazer uma melhor do que a outra e tal, que corre mais, que corre menos, tipo uma corrida de carro, o carro mais veloz, e também tem a canoa, a embarcação mais veloz.
45:40 P/2 - Essa festividade durava quantos dias?
R - É um dia só. A gente começava de manhã, aí fazia o preparamento das canoas e tal. Aí, a gente ia, brincava. Depois que terminava de correr, de brincar, a gente sentava na praça e juntava, os pescadores, comprava carne, uma cervejinha e se divertia. A família também, filho, mulher, menino. Tudo estava presente. Hoje não tem mais.
46:08 P/2 - E tinha depois missa?
R - Tinha, depois da procissão. Aí, três horas a gente parava, as pessoa que queriam a caminhada da procissão, e vinha de pé por aqui, ia bater lá na igreja, e ficava lá até às seis horas da noite.
46:26 P/2 - E você já ganhou alguma corrida?
R - Não, que eu só gosto de participar olhando. Porque tem as funções, quem tem o barco apropriado, tem que ter a embarcação pra corrida. Não é qualquer embarcação. Tem a embarcação de pesqueira e tem embarcação só de correr, que a pessoa faz aquele modelo bem fininho pra correr mais, bota uma vela, cada um tem uma função.
P/2 - E qual era a sua função?
R - A minha era só organizar, ajudar os meninos lá pra organizar, chamar, entrar em contato, organizar uma barraca, cadeiras, fazer essas coisas. A gente fazia aquele quadrado lá, pra quando chegasse da corrida a gente comemorar. As nossas mulheres, uma trazia um filé de fritas, ou trazia um caranguejo, trazia uma carne, fazia aquela festa.
47:11 P/2 - Em que ano começou essa tradição?
R - Eu não lembro bem em que ano foi. Quando eu vim morar aqui, já tinha. Aí, já tem mais ou menos uns 40 anos que eu venho acompanhando. Porque quando eu comecei a andar nessa tradição, a minha mãe pegava na minha mão, eu era menino que não podia nem ficar só, era criança. E desses anos pra cá a gente foi se adaptando, aí foi na hora que a gente foi pegando conhecimento, vontade. E continuar. Porque os nossos avós, nossas mães, já vinha fazendo, a gente foi pegando o hábito e andando. E eu acho que durou mais ou menos uns 40 anos. Foi acabar agora, em 2018, porque teve esse negócio da Braskem aí, acabou com o bairro, a igreja, que era a fundadora dessas procissão, aí acabou, e a gente ficou… Agora, a gente inventa assim, só pra não passar em branco, que ainda tem muitos pescadores antigos aqui, e tem uma praça ali na frente que tem a imagem. Aí, a gente faz essa festa aí de corrida de canoa, pra fazer uma mobilização, pra ver se traz para aquelas pessoas que ainda restam aqui, um pouco da felicidade que tinha antes. Que não é como antes, mas pelo menos preenche um pouquinho do vazio.
48:20 P/2 - Você, então, assistia. E com quantos anos você começou a participar mesmo do festival?
R - Acho que com uns 14 anos, por aí. Que eu ainda ajudava os meninos. Que é dois pescadores que ficam na canoa, um fica segurando o leme e o outro fica numa corda puxando para a vela não pender. Aí, primeiro eu ajudava a segurar. Aí, depois fui me habituando pra correr. Mas eu não sou muito de correr, não, eu gosto mais de ver. É que de vez em quando a gente afunda lá fora e é um trabalho da porra para desafundar a canoa.
49:01 P/2 - Como é isso? Esse processo de afundar, e desafundar?
R - Porque quando o vento pega, se não tomar cuidado ela vira, aí tira tudo, aí um segura na canoa, desbota, para armar de novo a vela, pra correr de novo.
49:17 P/1 - Fabinho, pra terminar. Conta pra gente alguma história de pescador? Você tem alguma para contar para a gente?
R - Essa é a diversão da gente, a gente inventa. Às vezes, a gente inventa, comparação: “Vamos ver quem bagre limão.” E o peixe que a gente tem. Eu não, não tenho coragem não, porque ele tem uns esporão que é arriscado furar a gente. Tem uns três colegas meu, que eles mergulham aí, e quando já vem, já vem com o peixe na mão. Sem rede, sem nada, só com a mão limpa. Vai lá, e já vem com o bagre. Chama pesca de bagre. Aí, eles vão, é uma coragem que eu não tenho não. Eles vão lá, mergulham, na beira das madeiras, quando acha o peixe, pega com a mão aqui, que é o bagre e traz para a superfície. Aí, que pega mais, ganha. Aí, sempre tem isso aqui. Tem um colega meu chamado Noé, que mora ali no Fernão Velho, ele é o rei de pegar peixe de mão.
50:11 P/2 - O Noé. Ele sempre que ganhava?
R - Sempre ele. Teve uma vez, passou até na televisão, ele e um galego de fora aí, foi pescar e ele ganhou. O rapaz também pescava peixe de mão, mas ele tirou em primeiro lugar. Passou até na Rede Globo.
P/1 - Fabinho a gente está chegando nos momentos finais da nossa entrevista. Você gostaria de acrescentar algo a mais, alguma história que não foi citada?
R - Não, a gente conversou tudo que está na mente no momento.
50:44 P/1 - O que você acha que vai ficar de legado seu para as próximas gerações?
R - Legado meu para as próximas gerações. Essa história. Porque a gente vivia de um jeito e foi obrigado a viver de outro. Mais nada. Só essa história mesmo. Se futuramente, Deus permitir, eles fizerem o que a gente tem no coração de fazer, assorear a lagoa, ampliar mais os terrenos, fazer umas casas. Aí, sim, a gente pode ter um futuro melhor, mas se não fizer isso, e disso aí a pior.
51:26 P/1 - Fabinho, como foi contar a sua história para a gente?
R - Foi emocionante. Porque a gente vai lembrando de coisas que tinha esquecido, e que a gente não pode esquecer, que são as pessoas que a gente conviveu, o nosso habitat, que era tudo que a gente tinha. E foi emocionante.
51:48 P/1 - Fabinho, eu gostaria de agradecer pela disposição de contar sua história para a gente, o Museu da Pessoa, o projeto. Só tenho que agradecer a você. Muito, muito obrigado.
R - Igualmente. Foi muito bom também relatar um pouco da minha vida. Muitos queriam estar aqui falando algo da sua vida, e não pode, né? E hoje, graças a Deus, felizmente estamos aqui, contando, para amanhã ou depois ter alguém da minha parentela, ou próximo a mim. “Eu lembro desse tempo que o Fabinho trabalhava lá, que ele ajudou a gente, que a gente ajudou ele e vice versa.
P/1 - Isso aí! Obrigada.
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