P/1 – Dani eu posso te chamar de Dani mesmo? Como você prefere?
R – Dani. Eu falei com ela agora, ninguém me chama de Danielle. Difícil.
P/1 – Dani, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Danielle Aparecida de Ornelas Santos, nasci em Duque de Caxias, Rio de Janeiro, no dia 25 de Julho de 1977.
P/1 – Seus pais são de Duque de Caxias?
R – Não. Minha mãe nasceu em Minas, na cidade do Cinema, Cataguases. E meu pai em Campos.
P/1 – E seus avós são de Minas, maternos e paternos?
R – Não, meus avós maternos, sim, de Minas, e os meus avós paternos são de Macaé, no Rio de Janeiro.
P/1 – E você sabe qual que é a origem deles, o quê que eles faziam?
R – Pouca coisa, pouca coisa. Sei muita coisa do pai da minha mãe que ele tinha uma fazenda pequena, que a gente tá perdendo, até esse ano, eu acho porque a família abandonou e saiu de lá por briga política, isso nas histórias que eu ouvia. E minha avó, dona de casa. Os pais do meu pai, minha avó também dona de casa e meu avô era um homem da terra.
P/1 – Tipo plantava?
R – Plantava, vendia.
P/1 – Você chegou a ter contato?
R – Não conheci. Quando eu nasci todos já haviam falecido.
P/1 – Você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?
R – Acho que no bairro onde minha morava; o meu pai foi fazer um trabalho no bairro e conheceu a minha tia , irmã da minha mãe. E, aí, começou um flertezinho e no dia seguinte ele conheceu a minha mãe e ficaram encantados, apaixonados e minha tinha rodou .
P/1 – E o quê que seu pai fazia?
R – O meu pai trabalhava no Ministério da Saúde, como ascensorista. E, aí, depois, passou a trabalhar no Banco do Brasil mas eu não lembro a função dele lá e a minha mãe trabalhava como faxineira de escola. Meu pai teve uma história, uma vez ele foi em casa pra almoçar – eu não era nascida, só os meus irmãos – e ele caiu do ônibus na volta, bateu com a cabeça no meio fio, perdeu a memória e foi internado – levaram documento, a bolsa dele – como louco, num Hospital Psiquiátrico. E ficou sumido quase um ano, a família procurando o meu pai e ele fazendo tratamento, eletrochoque, todos os tratamentos de loucura...
P/1 – Como que foi a história? Ele caiu?
R – Bateu com a cabeça...
P/1 – Perdeu a memória e, aí, não sabiam o que fazer com ele?
R – É. E não tinha documento, nada, ele ficou internado como louco e ele dizia: “Eu não sou louco, eu não lembro, não lembro”. Fez tratamento pesado. Aí, minha mãe encontrou ele, quase depois de um ano...
P/1 – Como ela encontrou?
R – Não lembro, não lembro. Eu ouço as pessoas mais velhas da minha família...
P/1 – Você não tinha nascido?
R – Não, ainda não. Meu irmão é mais velho que eu 15 anos e minha irmã dez. Então, teve. E, aí, minha mãe voltou a estudar nesse período procurando o meu pai, terminou o Segundo Grau dela e reencontrou meu pai. O meu pai teve que se aposentar; chamam “aposentadoria por invalidez”, chamam uma pessoa de inválida. E ele teve que voltar a trabalhar porque o salário que ele recebia como aposentado inválido não dava pra ele sustentar a família; voltou a trabalhar como mestre de obra, meu pai desenha e constrói casas.
P/1 – Mas ele recuperou a memória?
R – Recuperou a memória, voltou pra família mas meu pai toma remédio até hoje, ainda em consequência disso. Até hoje ele toma remédio, ele não consegue dormir.
P/1 – Mas, aí, voltando, seu pai e sua mãe se casaram; seu pai tinha esse emprego no Ministério da Saúde...
R – Já com dois filhos aconteceu isso com ele.
P/1 – Mas eles moravam lá, em Minas?
R – Não, minha mãe veio pra cá com três anos de idade.
P/1 – Ah, ele conheceu ela aqui, a trabalho?
R – Aqui, isso. Morando na Baixada Fluminense, onde eu nasci. Meu avô saiu fugido de lá.
P/1 – Mas aí, ele conseguiu transferência de cargo? Como ele saiu de lá?
R – Aqui? Não, meu pai já morava no Rio; minha mãe que veio de Minas pra cá. Meu pai já morava no Rio. Meu pai não é mineiro.
P/1 – Ah, tá, Macaé.
R – Meu pai nasceu em Campos e eles se encontraram na Baixada Fluminense.
P/1 – Aí, a casa de vocês era na Baixada Fluminense?
R – Ainda é.
P/1 – E o nome dos seus irmãos? Você tem um irmão e uma irmã?
R – Tenho. Meu irmão é Luiz Carlos de Ornelas Santos e minha irmã é Regina Célia de Ornelas Santos.
P/1 – Aí, quando você nasceu eles tinham dez e 15?
R – Meu irmão tinha 15 e minha irmã 10 quando eu nasci.
P/1 – E como é que era a casa de vocês?
R – A casa foi mudando. Porque a família foi crescendo e meu pai precisou construir uma casa, no mesmo quintal, que era um terreno grande. A gente até brincava, chamava de “Quilombo dos Ornelas” , porque morava uma nêgada, a família inteira e cada um com suas casas. Depois, as pessoas foram saindo mas sempre teve a casa ¬– a nossa casa – grande; a casa da minha tia mas ela nunca morou lá, então sempre morava outra pessoa da família na casa e tinha uma outra casa de um tio meu nos fundos. Era bem grande o quintal.
P/1 – E de criança só tinha você na casa ou tinha outras?
R – Não, eu fui a caçula durante muito tempo e aí, depois, a minha mãe adotou primos meus. Adotou três primos.
P/1 – Por quê que ela adotou?
R – Porque esses três – Bel, Helen, Edilson ficou pouco tempo e Júlio – três porque um ficou pouco tempo, foi pra uma outra casa. A mãe de dois faleceu e meu, alcoólatra, bebia e usava todas as drogas possíveis e impossíveis e não dava conta de cuidar das crianças. E, aí, elas ou iam pra uma instituição ou a família tinha que acolher essas crianças. E a família acolheu assim, eles foram pra minha casa mas todo mundo tava junto. Eu lembro da conversa da minha mãe comigo: “Olha, tem os primos de vocês; o tio não dá conta, não tratando bem eles; ou a gente traz eles pra cá ou eles vão pra uma instituição mas eles vindo pra cá vai mudar muita coisa; não vai ter mais iogurte todo dia, não vai ter roupa nova sempre. Já é apertado com três e chegar, de uma hora pra outra, mais três... Então a gente tem que resolver isso”. Eu falei: “Não, nossa família” e, aí, eles ficaram muitos anos com a gente.
P/1 – Eles tinham a tua idade?
R – A Helen, minha prima, mais velha que eu também, assim, uns oito anos. Eu era a menor da turma mas não...
P/1 – E como que era a convivência lá, em casa?
R – Quente! Imagina.
P/1 – Literalmente?
R – Ô! Já era um quintal quente . Mas era bom; era bom.
P/1 – Vocês brincavam lá?
R – Nossa, meu quintal tinha galinheiro, tinha horta, árvore frutífera. A gente pintava, o quintal era o nosso refúgio. E brincar na rua. Então, o portão ficava aberto, das casas, dos vizinhos, a gente se frequentava, as pessoas se conheciam. Aqui, em Paquetá, tem isso, as pessoas se falam na rua “Boa noite”. No bairro onde eu moro tem isso, as pessoas se frequentam, eles falam, eu compro fiado na venda depois eu vou lá e pago; na minha infância foi assim também. Hoje as pessoas ficam presas dentro de condomínios, dos seus apartamentos. Mas na minha infância eu brincava com os meus primos, com as crianças na rua, muito, muito! Aprontava muito.
P/1 – E a Baixada Fluminense, como é que era?
R – Engraçado, porque sempre teve violência mas tinha poesia também. Então, acho que dessa Baixada Fluminense da minha infância eu lembro muito dessa poesia, de poder brincar na rua, de decorar a rua pra festa junina, fazer bandeirinha, enfeitar a rua; Copa do Mundo todo mundo dar um dinheiro e fazer festa; um vizinho tomar conta do outro, falar: “Ó, eu vou falar pra tua mãe o quê que tu tá fazendo aí, hein?” , então você já sabia: “Tá bom”. Eu tive essa infância na Baixada, brincar, ter meus amigos, passar férias com a família de um amigo em Mauá, no Rio. Tinha a minha turma; tenho ainda. Eu não moro há bastante tempo na Baixada mas eu vou visitar meus amigos. Quem tem neném, se tiver festa, por favor, me convidem que há muito tempo vocês não me convidam pra festa nenhuma aí . Mas eu vou! Mas hoje é bem mais violento do que era quando eu era pequena.
P/1 – E como é que era a convivência lá, quem exercia a autoridade, seu pai ou sua mãe?
R – Acho que os dois. Os dois. Mas eu sempre conversei mais com a minha mãe, muito. Tinha um certo meu do meu pai, “o homem da casa” então quando ele falava amis alto eu já ficava com vontade de chorar . Mas os dois.
P/1 – Você teve algum tipo de formação, educação religiosa?
R – Todas. A minha família passou por todos os lugares: ecumênica. Minha mãe foi da Umbanda, eu lembro de ir a uma Casa de Cabloco com a minha mãe, quando eu era pequena; era católica, enquanto ela era umbandista ela era católica, tentou me obrigar a fazer Primeira Comunhão, fiquei de castigo pra fazer isso mas eu me recusei, consegui não fazer. Depois, saiu da Umbanda, ficou só na Igreja. Depois, conheceu a religião evangélica, foi evangélica. A família inteira: meus irmãos são evangélicos até hoje, ainda. Mas eu conheci um pouco de tudo. Minha mãe, depois, voltou a estudar e se formou em História. Era faxineira de uma escola e, então, um dia uma diretora falou pra ela uma coisa que ela não gostou: “Você nunca vai ser nada; você nunca vai ser mais que isso”. Aí, falou pra pessoa errada isso. Ela falou: “Ah, eu vou” e voltou a estudar, fez faculdade fazendo bolinho. Pagou a faculdade dela e se formou em História. Aí, eu conheci mais um pouco sobre religião com a minha mãe, com essa formação e essa informação.
P/1 – Mas ela deixou de ser evangélica?
R – Sim e não. Ela nunca deixou de tomar a cervejinha dela, de fazer as coisas que davam prazer pra ela mas ela ia à igreja.
P/1 – Seu pai também era?
R – Meu pai não. Só se tornou evangélico depois que a minha mãe faleceu. Minha mãe faleceu e, sei lá, acho que um mês depois ele entrou pra Igreja.
P/1 – Seus irmãos também; você não?
R – Não, eu fui um tempo que eu tinha que agradar o meu pai. Naquele momento difícil dele, nosso, de perda. Aí, eu fui, frequentei durante um tempo mas era pra estar perto da minha família nessa perda da minha mãe. Era importante a gente ficar junto.
P/1 – Faz tempo que ela morreu?
R – Faz. Faleceu em 2001.
P/1 – Você tinha 20 anos?
R – Não, acho que eu tinha 24.
P/1 – E a escola, com quantos anos você entrou na escola?
R – Quatro pra cinco, porque a minha mãe era professora.
P/1 – De quatro pra cinco?
R – É.
P/1 – E você tem lembrança desse período ou só mais do Primário?
R – Não, eu lembro mais de cinco pra seis anos. Eu lembro da minha professora.
P/1 – Como que é o nome dela?
R – Tia Zuma. Isso eu lembro bastante.
P/1 – Do quê que você gostava na escola?
R – Dos amigos. Eu achava a escola um lugar de fantasia. A primeira vez que você sai da tua casa, fica longe desses responsáveis, pai, mãe e irmãos. Então, eu achava fantástico a escola.
P/1 – E depois, no Primário, tinha alguma matéria que você gostava, que se dedicava?
R – Português. Mais por causa dos livros, das histórias. Eu gostava bastante.
P/1 – Gostava de ler?
R – Sim. E de ouvir história, minha mãe lia bastante coisa.
P/1 – Lia pra vocês, em casa?
R – Lia pra mim. Pra mim. A relação com os meus irmãos não foi essa. Dez, 15 anos fez diferença na vida de todo mundo.
P/1 – Você lembra de algum livro que você tenha lido nesse período, alguma história que te marcou?
R – Sim, um livro da “Para Gostar de Ler”, uma coleção que tem um pintinho assim, na frente. E ali tinha histórias incríveis, assim, do Veríssimo, aí, tinha umas que era “O Livro Comestível” que ia contando os sabores das histórias nas páginas. Essa história eu... Era muito bom minha mãe contar isso pra mim (choro de emoção).
P/1 – É, a gente fica emocionado lembrando. Você consegue lembrar um pedacinho da história?
R – Minha mãe alfabetizou quase o bairro inteiro.
P/1 – É mesmo?
R – É.
P/1 – Mas, eu tinha entendido... Ela era professora.
R – Não, ela era faxineira dessa escola, que essa diretora falou pra ela um dia que...
P/1 – Mas ela voltou depois pra essa escola?
R – Ela voltou e foi estudar, terminou o segundo grau dela, Normal que chamava, que formava professores pra dar aula de primeira à quarta série. Aí, ela se formou. Na mesma escola – ela fez concurso na Baixada Fluminense – e foi trabalhar na escola em que ela era faxineira como professora, de primeira à quarta série. Trabalhando, salário aumentou um pouquinho, alguns desses primos que a minha mãe adotou foram morar com uma outra tia minha e a minha mãe foi fazer faculdade. Ela se formou em História.
P/1 – Bacana, hein?
R – Sim. Aí, eu perguntava: “Mãe, como é que você pagou a faculdade?”, ela falou que um dia ela prestou vestibular e chegou pro dono da faculdade e falou: “Olha, eu passei e queria saber se você pode me dar um bolsa, não sei de quanto você pode me dar”. Aí, ele deu uma bolsa e ela falou: “Mas eu ainda não posso pagar” “Mas o quê que você sabe fazer?” “Eu sei cozinhar”, ele: “Tá bom, então a partir de hoje você vende as comidas da cantina”. E ela começou a fazer bolinho, eu me lembro ajudando a minha mãe a fazer; bolinho de aipim, risoles, não sei quê, não sei quê, cocada e levava aquilo, meu pai ajudava ela levar pra faculdade onde ela estudava e ela vendia pra pagar a faculdade dela. Virou um ofício, a família inteira trabalhava junto, eu, meu irmão, minha irmã, meu pai, pra ela estudar. Minha mãe foi a primeira pessoa da minha família a fazer faculdade. E pagou faculdade pra primos meus depois: “Esse é o compromisso de vocês”.
P/1 – E, aí, você fez o Primário nessa escola, você adorava... você ia como pra escola, a pé?
R – Era do lado da minha casa, na mesma calçada. Na mesma calçada, uma escola linda chamada “Escola Municipal Gastão Reis”, do lado.
P/1 – Seus irmãos tinham estudado lá também?
R – Acho que não. Não, minha irmã estudava na Penha, outro bairro. Acho que não tinha a escola ainda.
P/1 – Ai, a adolescência você passou lá na Baixada mesmo?
R – Mais ou menos, porque essa minha tia que foi flerte do meu pai morava ali, na Vila da Penha. Aí, eu passava o final de semana pra poder ir pro baile com a minhas primas, na casa da minha tia. Então, sexta-feira eu, adolescente, ia embora. Aí, de lá eu ia pra todos os lugares, ia pra Copacabana, porque de Duque de Caxias era impossível. Minha mãe não me deixaria ir. Aí, eu vinha conhecer outros lugares do Rio de Janeiro, com esses meus primos mais velhos.
P/1 – Que lugares você ia?
R – Ah, eu ia muito pro Irajá, Madureira. Madureira! Pro baile charme que tinha, o “Portelão” e eu não tinha idade pra entrar, então eu tinha que ir com os meus primos como meus responsáveis. Tinha o “Portelão”, tinha o baile de charme chamado “Vera Cruz” que você tinha que ir muito arrumado senão não entrava; de tênis não entrava. Então, primeiro eu fiquei muito no subúrbio total do Rio de Janeiro.
P/1 – E você achava bacana?
R – Adorava, era um universo completamente diferente do que eu tinha na Baixada Fluminense.
P/1 – O que você via que era de diferente?
R – Ah, eu via um mundo de ritmos e cores que na Baixada Fluminense, pelo menos onde eu morava e as pessoas que eram meus amigos não frequentavam aquilo ali. Então, era um universo muito mágico e muito lúdico de cores e de pessoas lindas, montadas. Negros lindíssimos, com cabelos diferentes, Escola de Samba! Minha família nunca foi de Escola de Samba mas com as minhas primas eu ia.
P/1 – Começou aí?
R – Começou aí.
P/1 – Que escola?
R – Eu sou mangueirense, nunca desfilei em nenhuma escola esperando um convite mas, aí, eu ia pra Portela, que era em Madureira. Mangueira eu só fui sozinha já, com 18.
P/1 – Você ia pro ensaio da Portela?
R – Não sempre. Eu ia mais pro baile charme, lá.
P/1 – Como que era esse charme? O quê que tocava lá?
R – Tocava funk melody, ritmo muito parecido com o que toca em Suburbia . Alguns MC’s brasileiros e americanos, passinho de baile. Ah, muito bacana.
P/1 – Você dançava?
R – Eu adoro dançar. Danço até hoje; danço muito, adoro . Você gosta?
P/1 – Adoro.
R – Adoro dançar.
P/1 – E como que eram as roupas que você usava?
R – Nossa, é muito cafona. Cafona! Eu lembro que eu tinha uma roupa que eu achava linda e hoje eu falo “como que eu tinha coragem?”. Meu Deus, eu saía com uma calça, tipo Michael Jackson, assim, meinha assim, por cima da calça, um sapato chamado “Nauru”, horrível, nunca vi nada tão feio !
P/1 – Como que era esse sapato?
R – Mas era um cafona legal, também. Um sapatinho de camurça, cor de burro quando foge lacinho aqui em cima. Eu me achava linda, o Michael Jackson com esse sapato.
P/1 – E você já tinha namorado nessa época? Gostava de alguém?
R – Ah, tinha. Eu sempre gostei muito de paixão platônica, ficar vivendo uma história que nunca ia acontecer. E eu fiz muito isso nessa época, da minha adolescência.
P/1 – Qual o primeiro que você se apaixonou?
R – Ah, o Lyon dos Thunder Cats, desenho animado . Eu queria casar com ele. Depois, o Djavan, aí eu comecei a usar o cabelo igual ao dele. Aí, fui me apaixonando, por várias pessoas, homens, mulheres lindíssimas do cinema que eu queria ser... Ficava apaixonada! Então, primeiro, as paixões platônicas. Nesse momento que eu comecei a conhecer baile, eu achava interessante namorar, olhar as pessoas namorando, tal. Mas eu tava a fim de dançar, meu negócio era sair pra dançar. Eu comecei a namorar um pouco depois.
P/1 – Mas você tinha alguma coisa porque, aí, você já tava no colegial ... Você fez colegial?
R – Não sei como é que é colegial. É de que ano a que ano? Quinta à oitava série?
P/1 – É ensino médio.
R – E segundo grau, o quê que é?
P/1 – É de primeiro a segundo ano.
R – Muito confuso na minha cabeça.
P/1 – Quinta à oitava.
R – É de primeira à quarta série; quinta à oitava; de primeiro ano do segundo grau ao terceiro e faculdade.
P/1 – Isso. Quando você ia pra esses bailes você tava no primeiro ao terceiro?
R – Começando a estudar no segundo grau... Ah, não, tá ainda na oitava. Eu comecei a sair cedo, com 15, 14 anos.
P/1 – E seus pais tudo bem?
R – Eu ia pra casa das minhas tias, então...
P/1 – Então, tudo bem?
R – A minha tia que era a responsável!
P/1 – Sua tia era bacana?
R – Minha tinha, fantástica. Eu perdi minha tia ano passado também. Minha tia: “Tem que conhecer o mundo; sua mãe fica dizendo que você não pode sair, vai sair! Eu vou te levar”. Minha tia era pra frente, total. Tia Elza. E ela me levava, deixava as minhas primas: “Tem hora pra voltar, hein”, mas podia voltar tarde, diferente da minha casa que tinha que voltar dez horas da noite. Lá, eu tava com meus primos. Podia me jogar na noite, era bom. E aí, eu comecei a sair e quando eu fui pro segundo grau, entrei pela primeira vez na minha vida em colégio particular. Não me adaptei, difícil pra mim, minha turma tinha duas negras, eu e mais uma. Falava: “Meu Deus, que colégio é esse? Que escola é essa que eu tô estudando?” Diferente de colégio público onde eu estudei. Sempre teve muito negro, professores negros. Colégio particular não – esse pelo menos, em que eu fui estudar – e foi difícil me adaptar: foi o primeiro ano triste. Mas foi ótimo, conheci...
P/1 – Você sentiu algum tipo de discriminação racial?
R – Nesse colégio, nessa escola, não. Eram coisas de minhas, de minha estima. Olhar pro lado e pensar: ‘como pode? Meu bairro inteiro tem brancos e negros. Como é que nessa sala, que tem 50 pessoas, só tem eu de negro?’ quando a Ana Cláudia faltava. Então, eu ficava me questionando, todo o tempo: ‘onde é que estão os negros que não estão aqui, nessa sala de aula, nessa escola?’ E quando eu saía pra comer eu ficava, assim, contando. E contava e sobrava dedos. Meu Deus! Eu não identificava com aquele escola.
P/1 – E você falava isso pra sua mãe?
R – Falava mas ela dizia que como eu conhecia a escola pública e tenho amigos e relações, não teria o menor programa conviver em lugar diferente. Era observar essa diferença e o quê que eu podia fazer com essa diferença. Então, ela não alimentava esse sofrimento, que era uma coisa teatral. Pra ela era “a qualidade de ensino que eu nunca pude te dar, que agora eu posso e você vai ter; precisa pra sua vida”. Primeiro, eu não conseguia acompanhar as matérias; era tudo muito difícil pra mim. A qualidade do ensino deu um salto, assim, do que eu estudei quando eu entrei nessa escola.
P/1 – E você tinha já nessa época alguma coisa “quando eu crescer eu quero ser”?
R – Atriz?
P/1 – É, ou qualquer outra coisa.
R – Eu sempre quis ser várias coisas. Até hoje , eu quero ser muito, ainda vou fazer Medicina, Jornalismo . Mas primeiro eu admirava, e admiro muito a minha mãe ensinar outras pessoas. Levava os alunos pra casa pra dar aula de reforço e eu ficava ali, aprendendo isso. Então “eu quero ser professora”, acho que a profissão de toda criança. Depois, pensei em ser atleta; eu corria de quinta à oitava, a escola tinha uma treinadora, eu queria ser atleta, era aquilo que eu queria fazer. E fiz uma peça na oitava série, quando eu tava saindo pra essa escola particular. E, aí, eu falei: “Nossa, como isso é incrível”, adorei fazer aquilo. Eu fazia uma prostituta, achei ótimo. Guardei. Fui estudar nessa escola, a galera com outra condição financeira, todo mundo com mais grana que eu . E, aí, meus amigos vinham pra zona sul e me convidavam: “Ah, vamos, Dani, tem alguma coisa na Lagoa” ou não sei o quê. Aí, falei com um primo meu que era professor, já era professor de inglês, francês. Falei: “Poxa, eu fiz uma peça na escola e eu adorei”. Ele falou: “Ah, então eu vou te levar num lugar” e me levou na escola Martins Pena. Eu fiquei apaixonada pela escola e voltei, guardei também isso. Aí, esses amigos dessa escola disseram: “Pô, Dani, tem uma escola chamada Tablado e a gente quer estudar; vamos lá com a gente?” e eu fui, só pra fazer matrícula com eles. Cheguei no Tablado e o que eu senti lá, no Martins Pena, foi... Eu falei: “Não, é isso que eu quero fazer” e falei com a minha mãe: “Tô no segundo ano, do segundo grau e ano que vem eu vou prestar vestibular porque eu quero fazer Teatro, quero estudar um pouco esse mundo”. Mas como eu já tinha tido tantos desejos de fazer tantas coisas, eu lembro que a minha mãe falou: “Se você quer isso, eu não tenho dinheiro pra jogar fora. É suado, você sabe. Vai mas não quero nunca que você reclame da escolha que você tá fazendo. Você é mulher, negra, vive num país onde as pessoas não têm dinheiro pra comprar comida e você quer trabalhar com Cultura? Quer estudar, quer se meter nisso? Então, vai mas tem que fazer vestibular pra outra coisa”. Aí, eu fiz vestibular pra outra coisa e comecei a fazer Tablado.
P/1 – Fez vestibular?
R – Fiz pra várias coisas. Fiz pra História, comecei a fazer faculdade de História, cursei um ano e achei que nada daquilo tinha a ver comigo, saí da faculdade. Só que a minha mãe não sabia; ela achava que eu tava fazendo faculdade e eu tava estudando outras coisas. Durante um período eu menti pra ela. E, depois, prestei vestibular pra Direito. Esse eu nem passei pela faculdade, só fiz matrícula. E, aí, eu já tava fazendo vários cursos; Tablado eu já tava fazendo há dois anos, três anos; fazendo vários cursos no Martins Pena, vários professores, pessoas que eu admirava.
P/1 – Como é que foi esse curso no Tablado? Quem eram os professores, seus amigos?
R – Eu cheguei no Tablado em 96 e a minha professora foi a Thais Balloni. Eu cheguei pra fazer inscrição pra esses amigos, eu não tinha dinheiro, eu não tinha nada e eu resolvi que eu ia fazer aquilo. Pedi pra eles segurarem uma vaga que eu ia dar um pulinho em Caxias pra pegar um dinheiro e voltar, fazer a inscrição. E eu fiquei naquela fila imensa que tinha lá, no Tablado. Outra vez, na minha turma de Tablado, tinha duas negras mas, aí, eu já tava escolada do segundo grau, era uma turma grande que foi reduzindo, reduzindo, reduzindo, funilzinho, assim. Eu tenho pouco contato com pessoas da minha turma; alguns continuam atuando outros produzindo. Mas era uma turma bem boa, da pesada. E, nesse ano que eu entrei, a Maria Clara Machado supervisionou o meu trabalho de formação, que foi a “Ópera do Malandro”, com supervisão da Maria Clara Machado, presente dos deuses, assim. Sempre conheci muitas pessoas...
P/1 – Que papel que você fez na “Ópera do Malandro”?
R – A Lúcia, um presente incrível. Mas eu sempre encontrei pessoas que...
P/1 – Aí, quando você entrou no Tablado, você falou: “Isso aqui é o que eu quero fazer”?
R – Eu tinha certeza absoluta.
P/1 – Mas mesmo assim você continuava tentando outra faculdade?
R – Não, aí, eu já... Tentei um ano, depois de um ano eu falei: “Não tem condições de fazer isso; tô perdendo o foco: o que eu quero fazer é isso aqui” e eu saí da casa dos meus pais, na Baixada Fluminense e vim morar em Santa Teresa.
P/1 – Mas, aí, você tava trabalhando?
R – Me virando, dando nó em pingo d’água.
P/1 – O quê que você fazia?
R – Tudo! Tudo, trabalhava num bar chamado Simplesmente que tem ainda em Santa Teresa, com um uma amiga, ajudando; uma amiga fazia pão integral, a gente fazia pão e vendia; fazia evento, recepção em eventos. Fazia muita coisa.
P/1 – Qual foi seu primeiro trabalho remunerado? Você tinha quantos anos?
R – O meu primeiro trabalho remunerado? Eu tinha 18 pra 19 e foi uma recepção em um evento. Uma semana trabalhando como recepcionista, acho que era de evento de informática, Telecom, alguma coisa assim, como recepcionista. Foi o que sustentou pra eu continuar trabalhando como atriz, trabalhando com turismo; eu sou formada em Turismo. Eu fiz faculdade, quatro anos depois...
P/1 – Mas você fez junto com o Tablado?
R – Não, eu fiz depois que a minha mãe faleceu. Eu já tinha feito quatro, cinco anos de Tablado. Eu nunca parei de estudar; eu estudo até hoje. Mas tablado eu já feito quatro anos, três, quatro anos; outros cursos também. Já trabalhava. Em 2001, quando minha mãe faleceu, eu tava fazendo um filme, “Cidade de Deus”, tava fazendo a minha primeira novela que era “A Padroeira” e fazia um espetáculo no Teatro João Caetano.
P/1 – Só pra eu entender, aí, você fez Tablado por quatro anos...
R – Não, antes desses quatro anos, em 97, um ano e meio depois de entrar no Tablado, eu fui fazer umas fotos pro Cidan, que é um site que a Zezé Motta tem, de artistas negros do Brasil inteiro. Quando eu fui fazer essas fotos, pra as pessoas me conhecerem, eu não sabia como é que eu podia fazer testes. Eu não sabia, eu tava no Tablado mas eu não sabia. Aí, fui fazer essas fotos e uma pessoa falou: “Você não quer fazer teste pra um longa metragem do Sylvio Back? Você conhece ele?”, falei: “Não” “Então, é um diretor de Cinema que vai contar a história de Cruz e Sousa, então o elenco é negro. Você não quer fazer teste?” “Quero!”. Aí, uma semana depois eu fiz teste, uma semana depois eu tava filmando em Florianópolis, meu primeiro longa metragem.
P/1 – Como foi esse papel que você fez?
R – Fiz um papel lindo! Fiz a Petra Antioquia da Silva, a noiva, o amor de Cruz e Sousa. Ele escreveu poesias pra ela; eu conheci Cruz e Sousa porque eu só conheci na escola, assim “ah, esse é um poeta simbolista mas é muito difícil”. Você fala isso pra um adolescente e dá um livro. Você acha que vai ler? Peguei li um pouco, não entendi, guardei lá, falei: “Não”. Aí, fiz o teste e fui filmar lá em Floripa, com Léa Garcia; o falecido, meu amigo querido, Kadu Carneiro; Maira Ceiça; direção do Sylvio Back. Um elenco... Guilherme Weber fazia, vários, vários atores e foi minha primeira experiência no Cinema, pouco tempo depois de entrar no Tablado, um ano e meio, dois anos depois.
P/1 – Aí, você começou na carreira?
R – Sim, mas sempre fazendo tudo ao mesmo tempo. Sempre. Aí, comecei, fiz esse em 98 e sempre fazendo Teatro, Cinema, comercial.
P/1 – Comercial você fez também?
R – Alguns. Nunca fui bem sucedida mas fiz alguns.
P/1 – Mas mesmo assim, depois, você foi fazer a faculdade de Turismo. Por conta da sua mãe?
R – Fiz, fiz. É, porque foi em 2001 o ano que a minha mãe faleceu e, profissionalmente foi um ano incrível até o falecimento da minha mãe, porque foi o ano em que eu consegui fazer, ao mesmo tempo, Teatro, Cinema e Televisão.
P/1 – Foi seu primeiro papel na Televisão, não é isso? Qual foi?
R – Meu primeiro papel na Televisão. Eu fazia essa novela, “A Padroeira”, eu fazia uma personagem chamada Benta -era esse o nome da personagem? Acho que era- numa novela de época, fazia uma escrava, a Deborah Secco era protagonista da novela. Foi a que o Walter Avancini ia dirigir e faleceu. Aí, o Tauma...
P/1 – Como é que foi? Você foi chamada pra fazer teste?
R – Fui chamada pra fazer teste pelo Luiz Antônio Pilar e eu fazia um espetáculo com ele… foi isso? Acho que sim, que ele dirigia, ele e o Abul. Aí, ele me chamou pra fazer teste pra essa novela e eu fiz. Eu tava ensaiando esse espetáculo com o Pilar e tava em cartaz com outro, com “Mitologia dos Deuses Africanos”, em 2001. Eu consegui fazer tudo junto, cinema, teatro, televisão e, aí, tava num momento incrível e minha mãe faleceu, assim, do nada.
P/1 – Ela não tava doente?
R – Não, pegou uma gripe e faleceu.
P/1 – E, aí, você fez esse teste, sua mãe faleceu e você falou: “Vou fazer faculdade”?
R – Aí, terminei esses trabalhos que eu achei que não ia dar conta. Consegui terminar os trabalhos e fiquei sem fazer nada, assim, um ano. Não conseguia trabalhar, não conseguia focar em nada. Aí, meu pai falou pra mim: “Por que você não volta a estudar? Pô, você já começou a faculdade várias vezes, foi uma coisa que sua mãe pediu pra você fazer. Pelo menos vai ficar em cela especial. Vai fazer faculdade, pelo menos isso se você não quiser nada com o diploma” .
P/1 – Cela especial é ótimo!
R – Exatamente. Eu falei: “Tudo bem”. Ele usou esse argumento depois, falou: “O quê que sua mãe sempre pediu? Pra você fazer faculdade e por que você não vai fazer?”. Aí, eu voltei, fui fazer faculdade, segundo ano daquela faculdade eu falei: “O quê que tô fazendo na faculdade de Turismo? Tô louca, completa”, aí, terminei, consegui fazer. Quatro anos! Eu falei: “Essa eu não vou abandonar”.
P/1 – Mas você nunca trabalhou com Turismo?
R – Sempre, sempre. Trabalhei com recepção muito tempo, depois produzindo quando as pessoas começaram a me conhecer como recepcionista, as donas das agências me chamavam pra fazer supervisão. Trabalhei muito em São Paulo, com empresas de lá, produzindo eventos aqui, no Rio e lá. Fiz cursos de A e B, Alimentos e Bebidas...
P/1 – Mas isso junto com a carreira de atriz? Como é que você associava?
R – Sim, igual agora. Eu sou, tá aí, eu sou atriz, eu sou turismóloga e eu cozinho. E, aí, eu faço tudo. Tem hora que eu tenho que deixar algumas coisas paradinhas, assim, eu tava apresentando uma série no Canal Futura e, aí, engravidei. Falei: “Meu Deus do Céu, e agora? Pô, tem uma coisa que eu sempre quis fazer, Alimentos e Bebidas. Sempre estudei, tá aí, vou trabalhar com isso” e montei uma Cozinha Industrial, preparava refeição integral, alimentação mais saudável, no meu bairro, em Santa Teresa.
P/1 – Você montou na sua casa?
R – Na casa da minha amiga, em frente da minha casa. Um fogãozão industrial, geladeira, freezer, tudo.
P/1 – Você montou tudo?
R – Tudo! Uma pessoa trabalhando comigo, montamos uma cozinha linda, Ciranda dos Sabores. Cozinha entregando refeição, sucos naturais, tudo. E, aí, voltei a fazer teatro; o Walter Lima Jr me convidou pra fazer um espetáculo, isso tudo agora, a propósito de senhorita Júlia. Aí, eu ficava com a cozinha e ensaiando. Mas cozinha você não para. Acaba, você vai pra Mercadão, comprar fruta na madrugada e ensaiando. Aí, eu conseguia fazer as duas coisas. E comecei a fazer testes, fiz testes pra duas séries mas não consegui, passei nas duas. Como que eu ia ficar com a cozinha? Aí, a cozinha tá paradinha mas eu retomar.
P/1 – É, que testes? Não, vamos voltar . Aí, você se formou em Turismo?
R – Me formei em Turismo.
P/1 – E, aí, você tava com qual papel? Você já tinha feito o filme.
R – Já tinha feito alguns.
P/1 – Quais filmes?
R – O primeiro que eu fiz foi “Cruz e Sousa Poeta do Desterro”; depois fiz “Cidade de Deus”...
P/1 – Como foi o convite pro “Cidade de Deus”?
R – Fiz teste. Em todos os trabalhos de Cinema que eu fiz, eu fiz teste com várias pessoas. Fiz teste pro “Cidade de Deus” e fui fazer; depois fiz ‘Filhas do Vento’, do Joelzito Araújo, o elenco inteiro negro, lindo o filme, lindo. Depois, fiz “Meteoro, Alguém Falou em Racismo, O Inventor de Sonhos”, que ainda não foi lançado e vai ser não sei quando, então, eu fiz cinema...
P/1 – E o primeiro em televisão foi “A Padroeira”?
R – Foi.
P/1 – Depois de “A Padroeira”?
R – Aí, televisão eu fiz “A Padroeira”; fiz “Cidade dos Homens”; “Força Tarefa”; fiz a novela “Duas Caras”; fiz uma novela em coprodução com Portugal, com a RTP, “Paixões Proibidas”.
P/1 – Sempre na Globo?
R – Não, ‘Paixões Proibidas” foi parceria com a TV portuguesa, a RTP, com a Bandeirantes. E, assim, emissora Globo, Bandeirantes e o Canal Futura também. Lá, eu fiz “Tecendo o Saber” e apresentei um programa no ano retrasado “Nota Dez: a Cor da Cultura”, viajando o Brasil inteiro, falando sobre educar para a igualdade social. Então, emissoras eu já trabalhei nessas.
P/1 – Como foi essa experiência de viajar?
R – Nossa, falando da educação do país: são escolas que ganharam prêmios por conscientizar, educar, orientar e conscientizar as crianças do valor da Cultura africana. São professores que se destacaram com projetos maravilhosos, fui pra lugares, nossa, fantásticos, de sonho, poesia no Brasil. Nosso país é muito lindo.
P/1 – Qual foi o lugar que te marcou mais?
R – Eu fui pra Bom Jesus da Lapa e de lá fui conhecer um Quilombo remanescente que tem um projeto de educar pra igualdade racial. Esse lugar, eu me senti em casa quando cheguei lá, assim. As pessoas me recebiam como se eu tivesse almoçado com elas no dia anterior. Cultura viva de matriz africana na música, no corpo das pessoas, na fala. Esse foi um lugar muito especial pra mim. Eu agradeço ao universo todo dia por esse presente. Fiz teste também pra apresentar, porque eles queriam um homem pro programa. Especial o trabalho, maravilhoso.
P/1 – Acabou essa série?
R – Eu engravidei no meio da série.
P/1 – Aí, você casou nesse meio tempo?
R – Casei antes, casei em 2000.... Gente! Quando eu casei?
P/1 – Esse é o pai do seu filho, seu marido?
R – É. Não lembro quando eu casei, acho que foi em 2004; 2006, eu acho, com o pai do meu filho.
P/1 – Como é nome dele?
R – Casé, Carlos José. É meu filho moreno. Então, é isso, de cinema que você perguntou, voltando lá ao cinema, fiz esses filmes. Se eu esqueci algum... e sempre fazendo várias coisas, teatro, cinema porque pra continuar vivendo de Arte tem que dar nó em pingo d’água , fazer de tudo.
P/1 – E o convite pra minissérie, como é que foi?
R – Não foi convite, foi teste também.
P/1 – Você ficou sabendo como?
R – O Nelsinho Fonseca me ligou um dia e, aí, no dia seguinte meu empresário me mandou um e-mail falando: “Ah, eu conversei com o Nelsinho” “Falei com o Nelsinho ontem” “Ele falou com você mas me mandou e-mail”. Aí, Nelsinho marcou um teste, tinha um briefing da personagem.
P/1 – Qual personagem?
R – Vera.
P/1 – Já era a Vera?
R – Eu já fiz teste pra Vera. Todos os testes que eu fiz foram pra ela. Mas foi muito encontro, assim, porque o Nelsinho me ligou em um dia, me chamando pra fazer o teste, o meu empresário me manda um e-mail e a Ruth de Souza me ligou e falou: “Olha só, o Luiz Fernando Carvalho vai fazer uma série, eu acho que tem tudo a ver com você. Eu vou falar com ele, se você não pode fazer um teste, alguma coisa”. Eu falei: “Ruth, duas pessoas falaram comigo desse trabalho”; ela: “Como assim?” “Meu empresário e o Nelsinho, produtor de elenco”. Ela falou: “Então, eu tô com o telefone dele aqui pra você ligar” “Não, eu já liguei” “Então vem aqui pra gente conversar”. E fui à casa dela, aí, ela ficou conversando comigo sobre como o Luiz é – ela é muito apaixonada pelo Luiz – falando que ele é uma pessoa especial e eu sempre quis trabalhar com o Luiz, era sonho mas com um distanciamento, assim. Já tinha feito teste pra fazer outros trabalhos com ele mas não aconteceu. E, aí, ela disse: “Eu vou falar com ele pra ver se ele pode pelo menos olhar o seu material, o que você tem”. Eu falei: “Tá bom” mas eu já tinha teste marcado. Então, o universo tava vibrando muito e eu também pra esse encontro. Nunca pra um trabalho tantas pessoas falaram comigo sobre o trabalho. Vai fazer esse teste, lê...
P/1 – E você tinha empresário já?
R – Já, já tenho há algum tempo.
P/1 – Quando que você começou a ter?
R – Empresário? Sempre trabalhei com várias pessoas mas o meu melhor empresário sou eu.
P/1 – Chega direto em você.
R – É, por que você vai falar com uma pessoa que não sou eu pra oferecer um projeto? É claro, eu preciso dele, ele me ajuda, me orienta muito. Mas eu...
P/1 – Orienta como? No sentido, assim, financeiro?
R – Sim, contrato. Ele tem lá uma equipe que senta e lê o contrato. Tem várias coisas que eu não tenho ideia. Ele me explica. Mas, às vezes, atrapalha: eu fiz um filme que sou apaixonada que chama “Cores e Botas” que ele falou pra diretora que eu não faria o filme. Aí, ela conseguiu meu telefone, me ligou e me mandou o roteiro. Eu falei pra ele: “Como é que você falou que eu não vou fazer o filme? Eu vou fazer” “Ah, mas não tem o dinheiro” “Não interessa, tô apaixonada pelo roteiro; eu pagaria se eu tivesse dinheiro pra fazer o roteiro”. E, aí, eu fiz o teste. Cheguei lá e tinha várias atrizes e eu ficava ouvindo os testes ‘nossa, ela fez muito bem, meu Deus do Céu, tenho que fazer muito melhor’ .
P/1 – Você tava ouvindo? Dava pra ouvir?
R – Dava mas, aí, teve uma hora que eu percebi que isso tava me deixando muito nervosa. Eu saí da casa, que era uma rua, um bairro, perto de Madureira, Praça Seca. A rua não tinha saída; eu fiquei lá me alongando, fazendo exercício, até a hora de entrar pra fazer o teste.
P/1 – Quem tava no teste?
R – O Carnevale. Aí, uma delicadeza... Sou completamente apaixonada pelo Antônio . Ele é incrível, um ator brilhante, um diretor... E ele fez o teste e foi orientando com muito carinho, com muito amor. Eu senti muito amor: a primeira vez que eu fui fazer um teste que eu me senti abraçada, eu sempre fico nervosa, o cara fala: “Vai lá, se tiver pronta pode fazer”, assim. “Tudo bem, a gente tá a sua disposição”, com cronometro. E o Antônio, totalmente assim, um maestro, regendo. Eu fiz o teste, saí de lá sem saber nada mas só o estado que eu saí de tranquilidade, daquela atmosfera de amor que eu recebi, já me fez ir pra casa feliz por ter feito o teste e isso já era muito bom. E, aí, depois, o Nelsinho me ligou de novo, falou que teria um outro teste, com outras pessoas, lá no Polo. Aí, eu fui, fiz o teste de novo. Aí, o Nelsinho me deu uma carona e a gente foi conversando. Falei: “Ai, Nelsinho, tô vibrando muito por esse trabalho, tem que ser eu! Esse personagem é pra mim, tá escrito isso, eu tô trabalhando, mentalizando isso todo dia quando eu acordo, que a Vera é pra mim; eu tô apaixonada por ela”. Aí, o Nelsinho falou: “Assim que eu souber de qualquer coisa eu te falo”. Aí, eu fui chamada pra um terceiro encontro, que eu achei que eu tava indo fazer um outro teste e as pessoas diziam: “Não, não é um teste” “O Nelson falou pra mim que é teste”. Eu e uma outra menina, o Nelsinho deu um exercício pra falar; ela tava fazendo o exercício, me mandava sair depois o contrário. Aí, eu entrei e falei pra ela: “Que você tá fazendo aqui? Tá com uma crise de identidade? A Vera sou eu, dá licença!” e tirei a menina da sala . E, aí, o Nelsinho ficou rindo e falou: “Essa é a Vera”, eu fiquei rindo, fui embora pra casa, sei lá quantos dias depois eu tava botando meu neném pra dormir, o Moreno e toca o telefone: “Alô”, a pessoa: “Oi, eu poderia falar com a Vera?” “Não, acho que você ligou errado” “Não, eu quero falar com a Vera” “Não é Vera; é a Dani” “Dani, sou eu, Nelsinho, a Vera é sua”, e eu: “Aaaai”, e meu filho, que tava dormindo foi pro colo do meu marido e eu, nossa, presente ir trabalhar com o gênio que o Luiz. Um presente porque eu já trabalhei com vários diretores, alguns que gostam de ator; outros que diziam não gosto de ator e eu já ia com medo porque trabalhar com uma pessoa que não gostava de mim, que eu sou atriz. Luiz, ele é um mágico (riso); Fabrício definiu muito bem, ele joga um pozinho e tudo vira magia, assim. É um presente fazer a série; a Vera é um presente; trabalhar com o Luiz Fernando Carvalho é um presente. Eu agradeci a ele no primeiro encontro pelo reencontro que ele tava me proporcionando.
P/1 – Qual foi o primeiro encontro que você teve com ele? Como é que foi, ele já te viu atuando?
R – O primeiro encontro foi... Não, eu não fiz teste com ele; ele viu o teste. Foi quando reuniu todo o elenco, as pessoas da caracterização, todos os profissionais e teve uma roda enorme, todo mundo se apresentou. E, aí, eu agradeci minha amiga, Ruth Souza; agradeci a ele, ao Antônio. É uma equipe apaixonante, assim. Eu tô muito feliz com os ganhos que são muitos. Os amigos que eu reencontrei Fabrício, Rosa.
P/1 – E como é que é o personagem da Vera? O quê que tem de comum com você?
R – Eu preciso, assim, pra fazer a Vera eu tenho que iluminar muito a minha individualidade porque o Luiz e o Antônio eles falavam isso “você é muito doce, a Vera não é doce, Dani, verticaliza ela”. Então, ela tem uma agressividade grande, eu acho, eu não sou assim, eu sou mais tranquila que ela. A Vera recebeu a missão divina de organizar o mundo e eu não tenho essa missão, se eu conseguir organizar o mundo que sou eu já tá bom! É difícil, eu não tenho missão de organizar o mundo de ninguém. A Vera é um furacão, assim, é evangélica. E tudo que ela é ela é mesmo, ela já foi prostituta e quando ela foi prostituta ela foi mesmo; ela já foi ladra, ladra mesmo; ela já mulher de bandido e ela era e agora ela é evangélica mesmo. Então, é um mundo muito rico da Vera, assim, uma pessoa que já fez tudo isso, quando era criança ia pro Teatro Municipal ouvir Mozart com o pai, muita sede de viver. Viver todas as vidas nessa vida. A Vera, se eu tivesse que definir ela, seria sede e fome de viver e se perde, se perde. Mas é um personagem. Não sou eu, Dani. Eu sou aqui, o que você tá vendo.
P/1 – Ela tem uma coisa de solidariedade muito grande.
R – Tem. É uma família que acolhe e ela aprendeu em casa a acolher. Tem isso: eu aprendi na minha casa a acolher ; isso eu aprendi. Mas eu sou acolhida por muita, assim, e isso eu retribuo. Quando eu saí pra fazer Tablado, eu falei pra minha professora: “Eu não posso mais fazer” depois de um ano porque tá perigoso voltar pra Baixada Fluminense -nessa época, a Baixada tava pegando fogo, eu passei por vários tiroteios saindo de ensaio de Teatro, aí, a minha professora falou: “O problema é isso, você voltar pra sua casa?” ela pegou a chave da casa dela “pronto, a partir de hoje você mora na minha casa”. Eu falei: “Nossa, ela não conhece a minha mãe ¬– olha a minha cabeça –ela não conhece meu pai. Eu achava a casa dela... E quando eu cheguei tinha um quarto pra mim e, aí, todos os dias que eu tinha ensaio, que eu tinha aula no Tablado, eu ficava na casa dela, tinha a chave. Então, eu fui acolhida por muita gente, eu sou acolhida ainda. A Ruth me acolheu total e, aí, tem que multiplicar isso. Então, a Vera tem isso aí. Você foi (fazendo com de estalo), ela acolhe e isso bom. Ser acolhida e acolher é bom; é não estar sozinha.
P/1 – E como é que está sendo atuar com os outros personagens que não tinham experiência ainda no teatro, com a Conceição?
R – Nossa, é ótimo. Ela tá com a vida à flor da pele. É isso que o Luiz consegue, a mágica é isso porque mesmo as pessoas que, no primeiro dia o Luiz falou isso “não tem diferença nenhuma pra mim” e isso ficou claro pra todo mundo ali, naquele momento. E não tem diferença nenhuma no set. Sabe? Todos os personagens estão vivos, desenvoltos, iluminados. Todos! Isso é... Que pena que o teaser saiu. Vocês chegaram a ver? O teaser do... Nossa.
P/1 – Não. A chamada?
R – É. A Globo tirou do ar.
P/1 – Por quê?
R – Eu já recebi vários e-mails falando coisas diferentes. O que eu soube foi que o Luiz liberou, não sei se a Globo não autorizou. Nem no cinema eu não vi nada ousado assim. É quente, é quente. As cores são acesas; o ritmo da série é quente. Lembra que eu falei de MC’s, de passinho, não sei quê? Essa música é quente, você escuta e não consegue ficar com o corpo parado. Sabe quando você vai num sambão e vai ficar sentando, vai sozinho assim? E quando você vê você tá... É assim, a série é assim, tem esse ritmo.
P/1 – Você acha que vai ser um marco?
R – Já é! Onde, em que emissora você vê um elenco formado 90 por cento de artistas negros, no Brasil? Eu nunca vi. E sem estereótipos, são pessoas normais, você, ele, ela que vai, que sai, que trabalha. No cinema eu já tive o prazer de fazer isso, em “Filhas do Vento”, fala de redenção e de amor. O elenco inteiro é negro mas é o filme não tá levantando essa bandeira e levanta, porque as pessoas se identificam, as pessoas saem tocadas “poxa, eu vi a minha família ali”. E quando uma pessoa negra diz isso é porque ela viu a família mesmo, porque ela liga a televisão e não tá lá, a família não tá lá representada. E agora tá .
P/1 – Dani, olhando sua trajetória de vida, o pouco que a gente conversou. Porque é uma vida muito... Se você pudesse ou tivesse a oportunidade de mudar alguma coisa, você mudaria?
R – Acho que tudo . Tudo! Imagina , se eu recebo a oportunidade eu quero experimentar. Ou nada também porque eu sou feliz com a minha vida mas experimentar coisas diferente eu gosto.
P/1 – Quais são seus sonhos? Grandes sonhos, maiores sonhos, pequenos...
R – Aí, um sonho que eu nem sabia que tinha, eu realizei, que é ser mãe. Eu não sabia que é tão bom ser mãe. Agora eu entendo muita coisa da minha mãe. Porque eu tenho um filho… Mas sonho? Tem tantos, eu sou sonhadora, eu gosto de ficar deslumbrada com a vida, assim. Acho que continuar fazendo o que eu amo. Se eu tiver que vender banana na feira pra atuar eu vou vender banana na feira porque eu amo. Ah, tem muitos sonhos, tem muitos. Um deles eu tô realizando agora, que é fazer a minissérie que eu tô fazendo. Ah, continuar. Continuar seguindo, ter meus amigos, a família que eu ganhei da vida conseguir manter isso o tempo que eu tiver aqui ainda, acho que já é uma puta realização. Manter a minha família, os meus amigos, que são as minhas joias. Essas são as joias que eu coleciono; as minhas histórias, isso não tem dinheiro pra mim, assim, sabe? É meu.
P/1 – Vera, não, Dani!
R – Eu passo o dia inteiro sendo chamada de Vera !
P/1 – Eu nunca fiz isso! Eu fiz vinte entrevistas e nunca fiz isso nenhuma vez.
R – Sério? Acho que isso é coisa boa. Gostei disso, se te passou...
P/1 – Juro, eu não fiz nenhuma. Eu fiquei aqui, escutando, e te chamar de Vera
R – Olha me chamou de Vera! Isso é bom.
P/1 – Eu entrevisto ator, faço tudo.
R – Você sabe que isso é a coisa mais louca? Quando eu vou pro set, assim, ninguém me reconhece, não sou eu!
P/1 – Eu vi você passando, o cabelo ele é preso aqui, assim.
R – Preso. Não, eu entendo, assim, qualquer pessoa mas o Tejido e o Leandro, que estão com a câmera ali, o tempo todo, me vendo, passar por mim e não me ver e depois falar: “Dani?” “Não, para, vocês estão malucos. Não me reconhecem”.
P/1 – É, eu vi também. Dani, o quê que você achou dessa experiência de contar um pouco da sua história, assim, de dar uma passada nela pro Museu da Pessoa?
R – Bom, eu já comecei dizendo que eu tava em pânico. Que eu queria começar a entrevista fugindo. E não foi a entrevista, foi um bate papo que a gente tava fazendo lá embaixo. É que vocês me deixaram a vontade. Eu tava em pânico, acho que por isso desmarcou tantas vezes, eu tava “meu Deus, eu não vou conseguir falar nada, eu vou chegar lá”, ou, então, eu elaborei várias coisas que eu ia falar e não funcionou nada, óbvio. Adorei o bate papo, to adorando o bate papo. O projeto é incrível, a Rosa leu o site pra mim e pro Fabrício. São pessoas, seres humanos, cheios das suas vidas, contando a sua vida. Obrigada, pela oportunidade de viajar um pouco, lembrar e me emocionar e ir pra minha infância, pra minha adolescência . Adorei a viagem.
P/1 – Nossa, agradeço você ter compartilhado sua história pra gente poder aprender com ela. Obrigada!
R – Obrigada. Aprendemos juntos, trocando com você também.
P/1 – Daqui a dez dias seu depoimento já vai estar no ar e no site novo, que vai ser um novo portal, reformulado. Tá lindo. Então, ele vai entrar agora, vai estar na reformulação e vai ser lançado junto com a minissérie.
R – Junto? Ai, Jesus!
P/1 – Não, no Portal da Globo. A loucura toda tá nisso. Fazer a história de vida dos atores é uma coisa também que a gente nunca tinha participado e acho tem tudo a ver com o seriado. Porque é incrível, tem uma correlação de histórias com personagens que parece até uma coisa psicografada.
R – E você me chamar de Vera, agora, no final da entrevista, tava escrito ! Nossa, eu achei que era a Michele. Eu ia falar “calma, Michele, to indo”. Coitada, ainda bem que eu não falei.
P/1 – E esse fundo ficou incrível.
R – Nossa, que lugar é esse! Lindo. Obrigada.
P/1 – Entrevista linda, gente. Você é completamente zen.
R – Não, mas você sabe que eu tava... Eu começo a falar as coisas. A Rosa falou: “Tenta organizar as suas ideias” e eu nunca consegui fazer isso; não vou fazer hoje. Você não vai me ajudar e você me acha zen?
P/1 – Nossa, completamente deliciosa, a entrevista vai fluindo.
R – Obrigada, são vocês. Eu vou e volto.
P/1 – Muito bom.
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