Depoimento de Diane Padial
Entrevistada por Ane Alves e Alisson da Paz
São Paulo, 08 de abril de 2020
Conclusão do curso TSM 2019
Transcrito por Ane Alves
P/1 – Primeiro preciso que você fale seu nome, local e data de nascimento?
R – Diane de Oliveira Padial, eu moro em São Paulo, Campo Limpo, nascida em 18/01/1959
P/2 – Aonde você nasceu?
R - São Paulo
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Joaquim Antônio Padial e Ilda Vasconcelos de Oliveira Padial
P/1 – Seus pais também nasceram em São Paulo?
R – Não eles vieram do interior, minha mãe nasceu no interior de São Paulo, Noroeste, foi na cidade de, esqueci o nome da cidade, acho que é Brauna, uma cidadezinha bem pequenininha no interior
P/1 – E o seu pai?
R - E o meu pai e da região de São José do Rio Preto
P/1 – Qual era a profissão dos seus pais, o que eles faziam?
R - Olha, a minha mãe quando ela veio para São Paulo em busca de melhores condições de vida, aqui ela trabalhou um tempo no hospital das Clinicas, quando ela chegou eu acho em São Paulo, eu acho que ela trabalhava na área de serviços, auxiliar. E o meu pai era tanta coisa assim de profissão, quando eu nasci meu pai tinha uma farmácia, naquele momento, foi a primeira farmácia do Campo Limpo, foi o meu pai o fundador.
P/1 – Então, quando você nasceu eles já moravam no Campo Limpo?
R – O, a história e mais ou menos assim, minha mãe ficou grávida, tanto é que eu sempre escutei que eu nasci de 7 meses, mas nunca acreditei, né! Eles casaram, eles vieram para o Campo Limpo e montaram a farmácia, eles vieram juntos, não é que eles já moravam aqui.
P/1 – Quando você nasceu, a primeira casa que você morou foi no Campo Limpo?
R – Primeira casa no Campo Limpo
P/1 – Volta um pouquinho no tempo e tenta lembrar como era essa casa pra falar pra gente, como foi sua infância nessa casa?
R – As minhas primeiras lembranças do Campo Limpo elas são relacionadas a Estrada do Campo Limpo, porque nos morávamos exatamente na estrada do Campo Limpo, onde é hoje as Casas Bahia, dois comércios antes era a minha casa, então eu morava nesse pedacinho, quando eu vim para cá, eu me criei nessa casa, era uma casa muito grande, nos éramos em cinco, cinco filhos do casal, eu me lembro muito da poeira, levantava muita poeira quando passava um carro, eu lembro que os muros eram muito baixos, tinha um portãozinho, havia nesse lugar, ao lado tinha um lugar que recolhia lixo, tinha muito trabalhadores, depois tinha uma cooperativa de alimentação, eram poucas coisas aqui na Estrada do Campo Limpo e na frente da casa havia um salão que era então a farmácia do meu pai. Eu me lembro muito das brincadeiras de quintal, tinha arvore no fundo do quintal, e hoje é muito interessante, porque hoje eu moro no fundo dessa casa, na rua atrás, então eu ainda dou uma espiadinha ali, parece que eu vejo a goiabeira que eu vivia em cima, a ameixeira que eu também vivia em cima, eu subia nela e esperava a poeira abaixar pra poder descer da árvore, eu moro num apartamento, então eu olho de cima as vezes minha lembrança vai muito para aquele lugar, que era o lugar da minha infância, eu to muito emotiva, tudo eu choro, tá!
P/1 – Esse momento que estamos passando tá todo mundo muito emotivo
R – Então, eu fiquei pensando como vai ser, falar de tudo isso do jeito que eu to.
P/1 – Eram cinco filhos, você é quatro irmãos, devia ter muitas brincadeiras nesse quintal, quais eram as brincadeiras, fala um pouco das brincadeiras?
R – Nossa infância era muito rica, então todas aquelas brincadeiras tradicionais de infância, desde pular corda, amarelinha, jogar com caixinha de fosforo, eu me lembro da história daquele saquinho de feijão, eu não lembro o nome, mas aquele saquinho de feijão que você vai assim jogando com a mão e pegando, era roda, a gente tinha uma vizinhança cheia de crianças, então era pega pega, todas essas brincadeiras que hoje a gente lembra como as brincadeiras tradicionais da infância, elas tiveram presentes nessa minha lembrança da minha infância, era rodeado de brincadeiras esse lugar, eu me lembro dos passeios a tarde, passeios pela estrada do Campo Limpo, pelo bairro, então a gente subia, tinham chácaras próximas, chácaras de flores, chácaras de muitos produtos que a gente comprava diretamente na horta, ia com a mãe até esse lugares, buscar essas coisas, então eu me lembro um pouco disso, me lembro muito dos ônibus, acho que era de uma em uma hora que passavam esses ônibus pela estrada do Campo Limpo, essa foi um pouco da infância, tem muitas histórias do meu pai, da figura do meu pai que também se deu nessa infância.
P/2 – Que histórias você lembra do seu pai nessa parte da sua infância?
R – Quem era o meu pai? Meu pai foi um homem muito voltado pra esse trabalhador do comércio, era um comerciante nato, então ele tinha a história da farmácia que eu peguei bem pequena e depois da farmácia ele começou a entrar no ramo de construção, então ele comprava alguns terrenos, inicialmente eram terrenos, ele tinha um sócio que era meu tio, eles tinham esse terreno, e ai eles começavam a fazer construções, nessas construções eles foram aumentando e eles foram comprando espaços maiores e cada vez mais para dentro da periferia e fazendo muitas construções, então assim, a gente estima, eu não tenho esse dado completo, mas a gente estima que eles tenham construído pelo menos 800 casas nessa região, então ele construía, vendia, tinha uma imobiliária pra venda e depois toda aquela região por exemplo do Pirajussara ele foi muito desbravador, assim, das primeiras ruas, das primeiras casas, a primeira água, depois eu posso até mandar algumas fotos, tem a inauguração da primeira caixa d´água do Jd. Sta. Cruz, que era uma caixa d´água enorme, eu lembro que eu estava no meio, eu bem pequenininha e era a primeira caixa d´agua, Jd. Sta Cruz é o que é hoje o Pirajussara, aquela parte mais central do Pirajussara lá de cima, então foi a primeira caixa d´água que chegou lá, meu pai que fez essa história, o que era a farmácia se transformou em uma imobiliária, com esse processo, com a sociedade com o meu tio eles foram crescendo e tinha uma condição financeira melhor, então me lembro que ele tinha uns carros, uns carros grandes. Depois da imobiliária, eu tinha por volta de sete anos, foram muitos anos assim, depois no período de 67, mais ou menos 68, tinha um terreno muito grande, nesse terreno ele montou o que seria uma espaço de filmagem, não sei nem como a gente chama isso, uma espécie de estúdio aberto que ele fazia uns filmes, então ele se tornou ai o zorro brasileiro, ele tinha uma carro que tinha escrito: Mestiço - O Zorro Brasileiro, um Simca Chambord, no outro lado era cinematográfica Kaiowá, ai com essa cinematográfica ele começou a se envolver muito com essa história de shows, de gravação de filmes e ai ele começou a gravar, o mestiço, que era o personagem, que era o zorro, o personagem, mestiço era ele, era o apelido que ele tinha, e ele começou a gravar muitas coisas nesse lugar, na cinematográfica que era lá no Jd. Sta. Tereza, que era quando não existia absolutamente nada, depois a gente começa a entender que era uma boate que ele tinha, ele tinha esse espaço, então a noite funcionava como um bar, e lá tinha o que? Tinha cavalo, tinha um estabulo, o lugar que guardava esses cavalos, tinha os lugares para ele fazer as cenas de filme e tal! Era curioso porque ele andava todo vestido de zorro na rua e isso me dava muita vergonha, tinha uma vergonha absurda! Hoje eu tenho maior orgulho de contar as histórias, nada como o tempo, mas imagina você sair do lado do seu pai, seu pai com dois revolveres de brinquedo, era de mentirinha, mas dentro da cartucheira, com aquelas camisas de cavalo, tinha bolso bordado, bota de cano alto e de cinturão, chapéu, aquelas história bem meio faroeste, Dom Diego, então isso era uma vergonha danada pra mim, mas hoje olhando para trás era um cinema que estava surgindo naquela época, aquele cinema bem trash mesmo, tanto é que eu me lembro muito bem do Zé do Caixão indo em casa nessa época e a gente correu pra se esconder, porque aquele homem com aquela capa, aquelas unhas, lembro até hoje da unha dele e a gente se escondeu de baixo da cama, lembro que eu fui parar de baixo da cama de tanto medo que deu da visita do Zé do Caixão lá em casa, mas era justamente para tratar dessas coisas, desse cinema que surgia, porque ao mesmo tempo ele fazia um programa de rádio, então ele tinha um programa na rádio América, meu pai, né! E esse programa de rádio falava um pouco tanto da propaganda da imobiliária das casa, das vendas, como fazia propaganda do filme, inclusive eu era atriz, eu era uma das personagens do filme, olha que bagunça. Eu era uma personagem do filme, meu nome era Anaí, eu tinha na época, sei lá, devia ter oito anos, sete, oito, por ai, ai eu cantava, tinha umas coisas assim de cantar na rádio e tinha esse programa que ele fazia, então ele acabou entrando para um universo artístico, através do programa de rádio, através das história dos filmes, ai ele tinha um empresário, e esse empresário ficou com todas as cópias de tudo que ele gravou e a gente nunca deu importância pra isso, só fomos dar depois de adultos, mas ai já tinha se perdido, o empresário já havia sumido, a gente nunca soube, então a gente não tem nada, nem um rolinho de filme, eu me lembro que em casa tinham rolos de filme, caixinha, né! Super 8, tinha muito lá em casa e ficou tudo com esse cara que estava cuidando do filme, da gravação, das coisas, então muita coisa se perdeu assim ao longo do tempo, então eu tenho essa história assim, ele foi um cara que eu falei que gostaria muito de contar a história dele, porque ele foi um marco aqui do Campo Limpo, as emoções já vem, né! Eu faço muito a ponte entre o que a gente faz hoje com essa história.
P/1 – Família na cultura a muito tempo. E só você participava do filme ou o seus irmãos também?
R – Tinha de tudo um pouco, eu lembro que eu era uma das, tem foto dos meninos naquele lugar.
P/2 – Tem algum dia nesse set de gravação que te marcou, alguma história?
R – Eu lembro de uma vez, não sei exatamente o que é, até hoje eu não sei, mas teve uma grande festa nesse lugar, era uma festa muito grande, muita gente, eu me lembro que tinha fotos, na época era uma mulher na prefeitura de Taboão, me lembro que teve Ary Daú e tinha uma mulher, eu esqueci o nome dessa mulher, mas estava toda essa gente lá nessa festa, era uma festa muito grande e foi no lugar, lá! Então eu não sei se foi uma inauguração, alguma coisa assim mais do espaço, mas foi um momento que as pessoas importantes estavam presentes nesse lugar e tinha história de gravação, de gravação mesmo, aquelas câmeras enormes, tinha umas coisonas, assim, e ai gravava algumas cenas, tem uma que eu estava junto que foi muito bonita, que foi quando eu conheci tem uma casa de bandeirante aqui no Caxingui, e eu me lembro que ele fizeram uma sessão de fotos, então eu me lembro muito dessas fotos do meu pai, a gente tem algumas delas ainda, que foram feitas nesse lugar, e ai ele está todo caracterizado, bem legal! Então acho que tinha duas coisas, acho que tinha uma coisa do desbravamento territorial, de ser meio desbravador na medida que ele vai e começa a formar todo esse bairro, acho que desbravador e muito corajoso, muito longe do seu tempo, imagina um homem da periferia de São Paulo montar uma cinematográfica, você consegue imaginar isso? No Campo Limpo em 1965, eu me lembro também da participação da música, ele era um tocador, ele tocava violão e tinham muitas pessoas, muitos grupos de música nque estava sempre com ele, tinha os caras que tocavam desde forro, tinha os grupos musicais que acompanhavam, porque as vezes iam para a rádio fazer apresentação, então tinha um universo cultural aqui que o meu pai já estava de certa forma inserido nesse universo cultural, e sendo também um provocador, sendo também uma pessoa que já trazia essa coisa nele, eu só não consigo saber de onde veio, o meu bisavô era espanhol, a minha vó era uma imigrante que veio para o Brasil, a minha vó era uma pessoa muito cabocla, ela era uma cabocla, ela parecia muito indígena, eu acho que tenho muito traço dela, meu avô era espanhol, e a minha vó era uma pessoa muito da terra, ela tinha um aspecto muito indígena e ao mesmo tempo a mistura com negro, então eu queria saber um pouco, as vezes eu fico na curiosidade pensando de onde é que veio, quem era essa vó, quem era esse vô que traz no meu pai essa referência mais cultural, artística, esse viés dele, então já tinha, eu queria contar um pouco essa história do zorro brasileiro, que é uma história que eu acho que vale a pena, tem bastante fotos a gente só não tem os filmes do zorro, mas tem algumas fotos, tem um documentário também na net que é possível, que conta, algumas pessoas falando dele, que o conheceu.
P/1 – Qual o nome do documentário?
R - Eu não sei se tá no nome dele, Joaquim Padial, mestiço zorro brasileiro, alguma coisa assim, mas eu vou pegar o link depois e eu passo para vocês, então tem essa história que pra mim faz muito sentido, dessa história na periferia e a nossa história hoje na periferia, tem uma continuidade de algum jeito, pelas coisas que a gente faz, pelo o que o Binho faz, pelo o que eu faço, acho que tem tudo a ver
P/2 – Eu queria saber da sua mãe, como ela encarava esse trabalho do seu pai?
R – Minha mãe era uma pessoa muito apoiadora, aquela mulher que apoiava, era mãe de cinco filhos, acho que o caçula deve ter nascido em 67, então uma vida intensa para criar cinco filhos, lotada de coisas e afazeres, então era mesmo aquela mulher muito voltada para a casa, para o cuidado, nos anos sessenta infelizmente a gente ainda não esperava outra coisa da mulher, era muito presente na vida dela esse cotidiano, mas minha mãe era uma pessoa fantástica no sentidode ser uma pessoa muito amada por todo mundo que a conhecia, ela era muito solidária, eu me lembro muito dela nessas coisas da solidariedade, de ajudar outras pessoas, de ajudar outras mulheres eu acho que ela tinha os círculos dela, de mulheres que eu me lembro, tinha umas coisas de reunir, de estar junto, apesar de estar criando cinco filhos, cuidando de casa e tal, mas acho que teve isso, ele foi também uma mulher muito sofrida, por outro lado, porque essa história não foi fácil de carregar, ela teve um peso, meu pai foi envolvido com muitas mulheres, tenho outros irmãos que apareceram tanto depois do casamento, como antes do casamento, que ele já tinha, ao todo somos em treze irmãos, então é muito Padial espalhado por ai, e isso tem um peso forte, mas era tão maluco que a gente teve períodos que esses irmãos moravam com a gente e minha mãe os acolhia de uma maneira super generosa, era uma pessoa incrível, eu acho que tem algumas coisas dela que eu vejo em mim, que as vezes me dá esse clique, eu lembrei minha mãe agora, fiz como minha mãe, coisas do dia a dia, tem isso! E eu ia contar também que viver nessa periferia nesses anos, eu falo que a única vantagem de ficar velha e você olhar para trás e ver coisas, você pode ver o tempo, pode ver as coisas como elas se deram, como elas se passaram, eu vejo muito minha mãe nesse processo das mulheres, das lutas, das discussões, mas ainda muito abafado esse movimento pelo próprio machismo, eu acho que a possibilidade das mulheres terem uma participação politica mais ativa ou cultural ainda era muito contida. Era uma periferia crescente, uma periferia que estava em um movimento muito grande, de chegada de muita gente o tempo todo, em busca da cidade de São Paulo, em busca de ter uma possibilidade financeira, de se manter na vida melhor, possibilidade de estudos, possibilidade de tudo, São Paulo era a promessa de você poder dar certo, de ter emprego, se você pegar lá nos anos 60, 70, a gente foi vendo um crescimento muito grande, hoje você adentra da ponte pra cá e você vê um outro universo, um mudo que a gente viu de alguma forma essa explosão lá nos anos 70 com a busca de terrenos mais baratos, onde as pessoas construíam e eu me lembro que estudar também era uma grande problema, foi um problema, mas pra mim foi ótimo, foi uma solução, um ganho, quando eu estudei, aqui eu só conseguia fazer até a quarta série, quando eu terminei a quarta séria tinha um programa de admissão, que você tinha que fazer uma prova para continuar, eu fiz essa admissão aqui e muito curiosamente foi um período de mudança, foi quando a gente mudou da Estrada do Campo Limpo para uma outra casa que meu pai construiu pra gente, ali bem próximo da delegacia do Campo Limpo, bem ali naquela rua, e ai eu fazia admissão, a minha antiga casa se tornou uma escola, que era onde eu fazia o cursinho de admissão, meu pai alugou para a professora, todo mundo tinha que fazer esse curso, era um curso pago, tinha que ficar um ano fazendo esse cursinho, para prestar um concurso, uma prova, pra você ir para o que é hoje a quinta série.
P/1 – A escola que você estudou da primeira a quarta série, era no Campo Limpo, perto da sua casa?
Era no largo do Campo Limpo, em frente a praça do Campo Limpo tinha uma escola que era o grupo escolar Presidente Kenedy , que foi onde eu fiz até a quarta série.
P/1 – E o ginásio você estudou aonde?
R - Então, era uma dificuldade, porque aqui só tinha até a quarta, a gente não tinha aqui no bairro possibilidade de continuar a estudar, ai eu fui estudar no Caxingui, então aos onze anos eu pegava ônibus e ia pro Caxingui todos os dias, voltava sete horas da noite todos os dias de ônibus pra estudar o que foi o período do ginásio, as dificuldades para isso eram grandes, eu fico pensando hoje as crianças pegando ônibus aqui com onze anos, não ia, né?!
P/2 – Você falou que o ônibus passava de uma em uma hora?
R – Não, não, agora já era década de 70, essa lembrança e de quando eu tinha uns dois anos, que levantava uma poeira enorme, aqui era Zona Rural, né! Era um lugar de chácaras, Campo Limpo era um lugar que as pessoas com mais grana tinham chácaras, essas casas de campo, se você for pegar a história do Campo Limpo dos anos 40, no começo dos anos 50, a própria praça do Campo Limpo era uma grande chácara, que era do Sr. Gastão, que foi doada depois o casarão, todo aquele complexo que a gente tem hoje ali, tanto é que você vê, você tem escola, biblioteca, quadra, tem o Cita, tem as creches, tem a casa de cultura, aquilo é uma doação, ele era um pessoa que não tinha filhos, ele doou aquele espaço pra que fosse revertido pra ter todo um trabalho com crianças, só que o que era lá antes? Um cassino, sabe aquele casa que tem um estilo mais europeu, que é uma creche hoje, do lado do Cita, ali era o Cassino e eu fui diretora daquela creche, na gestão Erundina, 89 eu acho, fui diretora por 2 anos, na época não era um concurso, mas era uma seleção, ai dentro da casa, tem uns elevadores de levar bebida , a casa é muito bonita, interessante de conhecer , faz parte desse período que aqui tinhas as casas de campo, os caras vinham para jogar, tem também uma coisa do Jockey, das chácaras do Jockey, onde é o parque hoje, também era uma chácara. Quando eu saio daqui e vou estudar no Caxingui, ai eu sinto as desigualdades, eu começo a perceber as diferenças sociais, porque eu estava num bairro bem diferente do que eu morava, embora eu já percebesse, porque de alguma forma eu transitava pela cidade com os meus pais, pra visitar os parentes lá na Zona Leste, então já via que um bairro aqui da Sul pra minha tia que morava no Tatuapé, era bem diferente, comecei a adentrar para a minha puberdade com 11 anos.
P/2 – Em qual escola você estudava no Caxingui?
R – Hoje ela chama Adolfo Gordon, mas era ginásio estadual do Caxingui
P/1 – Tem mais alguma coisa que você quer falar sobre a sua infância?
R – Eu lembrei da parte da comida, eu não poderia deixar de falar disso, a gente comia muito bem, a nossa alimentação era muito diferente do que a gente tem hoje, tudo muito produzido, processado, lembrei da comida da minha mãe, aquela coisa boa, coisa de infância, outra coisa que eu fiquei pensando é como era aqui, a gente tinha um aspecto muito industrial, a gente tinha indústria naquela época, estava chegando muito e um marco aqui do Campo Limpo que eu me lembro era a Metafil, onde hoje é a UNIBAN, era uma grande indústria, então a gente tinha um aspecto de muitos trabalhadores, era uma característica da região, também lembrei quando eles estavam fazendo a Estrada do Campo Limpo, acho que ai que eu descobri que queria fazer faculdade, eu me lembro que vinha um grupo de estudantes da USP, vinha aquele pessoal agrimensor e era encantador quando a gente recebia aquele grupo que visitava o bairro, era estudantes para todo lado, quero ser esse negocio ai, quero estudar! Era uma infância aonde a gente tinha violência, mas era de um outro jeito, então era uma outra relação com a violência, depois foi ficando pior, que eu to considerando aqui até os meus dez anos, então era tudo muito despreocupante, tanto é que é isso, pegava ônibus, ia pra fora daqui muito novinha e ai depois a gente começa a ver as formas de violência, que tinha uma mortandade, que as pessoas apareciam mortas, que eram assassinadas, você via cadáver no meio da rua, tinha briga de gangues, depois veio os pés de pato, tinha todas essas histórias que a gente acompanhou na periferia
P/1 – Queria te fazer uma pergunta sobre a alimentação, a sua família se reunia nas refeições, como acontecia essas refeições?
R – Isso é uma coisa muito bacana da gente falar, porque a minha família ainda hoje sofre muito com isso, da não tão presença disso, mas era muito comum que a gente se reunisse, no almoço e na janta, o almoço de domingo eu saberia falar o cardápio, e era todo mundo reunido e tinha essa tradição da reunião, todo mundo sentava para comer, as crianças todas ali, sentadas a mesa, com o pai, com a mãe, era bem importante esse momento e era tão prazeroso que a gente depois que cresce, casa, vai embora, a gente volta no domingo pra comer na casa da mãe, porque tem isso ainda, ai volta todo mundo, essa relação de ali se fortalecer como família, colo gostoso que a gente recebia da minha mãe, depois que eu fiquei adulta, trabalhando, casada, era o programa de domingo pra dar aquele cheiro gostoso, a gente sempre foi unidos, os cinco irmãos, uma história bem gostosa de família, de laço, tanto é que a gente ainda lembra muito disso, a gente ainda fala muito disso, meu marido de vez em quando fala: não é possível, vocês sentam já começa a falar do seu pai, da sua mãe, da sua família! Mas é uma delicia é um assunto bom, era muito carinhoso, muito gostoso, muito afeto envolvido, uma família bem afetuosa, em que todo mundo que passou por ela, porque passava muita gente, imagina cinco irmãos, cada um com cinco amigos, fim de semana era sempre muito tranquilo que a gente tinha lá em casa pelo menos uns vinte comendo, participando, então todo mundo tem essa relação acolhedora com a nossa família.
P/1 – Bom você ter tocado no assunto dos amigos, porque eu quero saber como foi a juventude, quando você começou ir para as baladas?
Mas eu quero falar um pouquinho antes se der.
P/1 – Pode ficar a vontade
Eu falei que fui estudar fora do bairro, então você acaba tendo outras relações, conhecendo outras pessoas, foi ai que eu comecei a namorar, foi ai que eu descobri que se tinha muita coisa boa pra se fazer, e nesse período, aos 14 mais ou menos acho que deu um clique na minha cabeça com as coisas as quais eu comecei a me relacionar, com a música que eu gostava, com os papos que eu gostava, então eu gostava de falar de politica, os meus ídolos, eu já amava desde pequena Chico Buarque pra mim era um consagrado, eu assistia os festivais da Record até de manhã, eu tinha uma seletividade para o gosto musical, esse gosto musical, claro, me apontava para muitas coisas que estava acontecendo no país. Eu comecei a me tornar uma pessoa mais ligada nesses assuntos, comecei a participar de campanhas, eu fui estudar fora, eu estudava na Av. São João, no primeiro ano, num colégio particular, porque eu trabalhava no centro, mas aguentei pouco, era muito estressante. Eu comecei a trabalhar aos 14 anos, meu primeiro emprego foi na rua São Bento, aguentei cinco meses, ai comecei a desmaiar no ônibus, eu estudava a noite chegava em casa meia noite, cindo da manhã eu já estava na ativa pra conseguir chegar, porque era muito distante, pouco ônibus, as 8h eu tinha que estar na rua São Bento, no segundo ano eu voltei pro Campo Limpo, porque ai já tinha o colegial, eu fiz o segundo ano na primeira turma do colégio Kenedy e nesse momento as amizades eram muito interessantes, claro eu já me ligava nas pessoas que tinham um discurso mais politico, que gostava das coisas que eu gostava, isso eu estou falando aos 16 mais ou menos, e ai começar a participar de reuniões clandestinas, não podia chegar todo mundo de uma vez, não podia se reunir, era meio escondido, tinha uns professores por trás, porque a gente estava ainda num período muito da ditadura militar, um período de muita repressão, e ai a gente começava a participar dessas coisas, ouvir musicas muito diferentes, começar a ser influenciador, o Binho fala isso, que eu tenho influencia sobre essas escolhas dele, principalmente em relação as musicas que eu tocava, então imagina, naquela época tocar Merce de Sosa, faz tempo pra caramba, estamos falando aqui de 40 anos atrás, sei lá! Milton Nascimento, Lo Borges, Chico, Gil, Caetano, essas eram as coisas que eu tocava por lá, então eu acho que tem tudo a ver as musicas que agente escuta com as ideias ideológicas que a gente faz, então eu fico muito preocupada com o que essa juventude está ouvindo, como é que ela vai se conectar com as realidades, com as ideologias, com o país, com tudo que tá acontecendo politicamente falando, essa é uma coisa que a gente precisa combater muito, combater no sentido de melhorar a qualidade musical do que o adolescente escuta, sei lá, to falando besteira, coisa de velho, mas eu acredito nisso. E ai, dessa juventude que você me pergunta, eu tive uma juventude maravilhosa eu acho, eu acho que eu fiz tudo que eu queria fazer na vida, só não tive dinheiro, a única coisa pela qual eu me arrependo é de não ter ido estudar fora um período, tive essa oportunidade e acabei que não fui, mas ai por exemplo, aos 18 eu fui fazer mochilão, pus uma mochila nas costas e fui para muitos lugares, pra Belém do Pará de carona de caminhão, era outra realidade que eu não consigo pensar hoje minha filha, minha neta, fazendo isso.
P/1 – Mas como seus pais encararam isso?
R – Foi bem difícil! A minha mãe era muito maravilhosa, ela sempre dizia: eu acredito em você! Era as palavras dela “então, vá! Que eu tenho certeza que você vai tirar coisas positivas disso”. Sempre muito estimulante, pra estudar, pra tudo, eu fiz Belém, eu fiz Salvador duas vezes, tudo no dedão, juntava algum amigo ou amiga e ia, depois fui pra Bolívia, fiz aquele trem da morte, também foi uma aventura, ai depois de um tempo eu me casei, ai eu parei com as minha viagens, mas muito aprendizagem, muita coragem, conhecer outras realidades, conhecer outras culturas, outras pessoas e saber que o mundo é muito maior. A os 19 anos já estava na faculdade, ai abriu um leque enorme, tem uma passagem bacana que acho que faz parte do que eu fui a vida inteira, no terceiro ano do colégio eles estavam precisando de professor e abriram uma oportunidade para ser professor eventual, eu morava muito perto da escola, e ai eu topei, ai entrei pra ser professor eventual na escola, e ai a minha vida tomou um rumo muito pela educação. Nessa época nos tínhamos, psicologia, sociologia, era uma outra realidade, mesmo sendo educação publica, nem se compara com a educação que a gente tem hoje, a gente tinha que ler mesmo, a gente tinha que ter um desempenho, eu tinha um professor de psicologia, o mesmo que me chamou para ser professora, ai eu me apaixonei pela psicologia perdidamente, gente é isso! Descobri o que eu quero fazer! Achava lindo essa coisa de trabalhar mais com o lado emocional, entender a mente, terminei o terceiro ano já professora, já dando aula eu fui pra faculdade, não consegui entrar em uma USP, porque essa educação era de qualidade, mas nem se comparava com o que precisava. Ai eu fui fazer psicologia, ai o mundo se abre, quando você vai para a universidade, meu Deus o que é isso? Muito novinha também, na faculdade eu comecei a participar politicamente do que era o centro acadêmico , ai já fui pra diretoria do centro acadêmico, já fazia festa, já fazia as coisas, participava de vários movimentos, a faculdade me deu esse Bummm! De algo que já aspirava, mas não sabia direito o que era, na faculdade eu pude talvez desempenhar alguma coisa, ai me formei, mas no meio do caminho, eu estava no segundo ano, tive uma oportunidade de um estagio na PAE de São Paulo, que era uma extensão com um trabalho, ai eu fui contratada para trabalhar em uma escola de educação especial, em Osasco, eu trabalhei durante oito anos para a prefeitura de Osasco, cinco anos nessa escola, de lá eu prestei uma prova, uma seleção e fui para a direção de uma escola infantil, crianças de 4 a 6 anos, fiquei diretora em um período de três anos, por mudanças politicas eu sai de lá, mas foi ai que a educação entrou na minha vida de uma forma mais apaixonante, eu tenho muita paixão com esse trabalho com crianças, de lá eu vim para a prefeitura de São Paulo e fui ser diretor de creche, aquela na praça do Campo Limpo que chama Natalia Rosemberger, fiquei dois anos lá, depois eu inaugurei uma creche novinha, eu tive problema nessa da praça, porque eu vinha com tudo, grupo de estudo piagetiano, era muito Paulo Freire, eu queria mudar o mundo ainda, ai você chega chegando, querendo fazer mil mudanças, eu via aquelas crianças dentro daquele quadrado olhando pro teto o tempo todo, bebês, aquilo me dava um incomodo muito grande e era o ano da transformação, a gente tinha muito apoio, respaldo da supervisão, de mudanças mesmo, era um período transitório, ai eu fui tirando todas aqueles caxotinhos, botei as crianças tudo no chão, coisa que hoje é normal, mas eu fui uma das primeiras a fazer isso, nas creches em São Paulo, tirar as crianças do chiqueirinho para por as crianças nos colchonetes no chão e isso foi uma luta que você não tem a dimensão de como isso pegou, imagina os educadores acostumados a ter todas as crianças presas, e ai de repente você tem dez crianças andando pelo espaço, andando pela sala e um em cima do outro, mordendo o outro, loucura, o meu embate com os funcionários foi bastante grande, porque foram muitas mudanças, eles comerem sozinhos, eles se servirem, nas mínimas coisas da autonomia e principalmente da estimulação, foi lindo esse período na creche, já vinha do que foi lá na EMEI em Osasco, eu comprei ferramentas, kit de ferramentas pequenininhas, a gente tinha uma oficina de marcenaria para as crianças de 4 e 5 anos, gente era bárbaro, era maravilhoso, eu passava nas marcenarias levava aqueles restos de madeira, ai um dia eu chamei os pais para experimentar a oficina de marcenaria, explicando cada conceito, a escolha de um objeto redondo, de um objeto quadrado, como é que você gruda, como é que você corta, como é que você põe um dentro do outro, como é que você monta uma caixinha, então eles tiveram que fazer, e eu ia explicando todos os processos mentais que as crianças precisavam desenvolver para aprender fazer aquilo, foi um sucesso, os pais amaram, pararam de criticar e aceitavam as marteladas no dedo que acontecia, mas foi fantástica aquela história, eu venho pra São Paulo, faço também essas coisas, que foi mesmo pioneira, imagina você pegar funcionários que estão a 20 anos fazendo as mesmas coisas e mudar tudo, então eu chegava tinha macumba, cabelo na minha mesa, porque queriam que eu fosse para o espaço. Depois eu recebi a chave de uma creche, uma creche nova, que é a Paulo e Admar no Jd. Rosana, eu fiz a inauguração, foi a coisa mais linda do mundo, eu pude trabalhar durante 3 meses sem crianças, com os educadores fazendo um processo de formação magnifico, eles foram em todas as creches possíveis, da USP, a gente visitou brinquedoteca, chamei vários profissionais piagetianos, o pessoal mais na linha do Paulo Freire, ai a gente começou a entender o desenvolvimento das crianças, foi super bacana, crianças de 10 meses começaram a andar, falar, porque elas eram estimuladas desde os dois meses, mas ai eu estava dentro de um sistema extremamente politico, que era a prefeitura de São Paulo, na época entrou o Pitta ou o Maluf, nem sei qual do dois, e ai eu fui embora.
P/1 – Você começou a trabalhar com 14 anos, quais atividades você realizou antes de chegar na educação?
Nesse momento de 14, tudo que eu queria era negar a família, como todo adolescente, negar família, negar origem, queria construir minha própria história, ai lembra que eu falei que eu desmaiava no ônibus, que eu tive que parar, ai fiz alguns empreguinhos que eu fiquei pouco tempo, na área de auxiliar de escritório, essas coisas. Meu pai nessa época tinha uma empresa de portas e janelas, quando acabou a história da imobiliária em setenta e pouco ele comprava carretas que vinha do sul e começou a montar lojas em São Paulo, na época ele tinha 19 lojas na cidade de São Paulo, tinha desde São Matheus, Jd. São Luís, Vl. Joaniza, Osasco, Rosana, tinha em tudo quanto era lugar as lojinhas e ele precisava de ajuda, ele me ofereceu um emprego, eu não queria muito, mas acabei ficando, hoje me arrependo muito, porque nessa época de negação, eu sai as coisas degringolaram e acabou perdendo todo um patrimônio, a gente poderia estar muito bem hoje, numa outra situação. E aos 17, 18 eu já fui dar aula, a minha história na educação começou muito cedo, quando eu fui pra faculdade eu já dava aula como eventual.
P/1 – E quando você começou como produtora cultural?
R – Quando eu sai da creche eu fui trabalhar na coordenação de uma ONG, eu tinha que bolar as atividades da parte pedagógica para as crianças, eu trabalhei em algumas ONGs, nesse período eu trabalhei com alfabetização de adultos eu era supervisora de alguns grupos aqui da Zona Sul, eu trabalhei na Caritas como coordenadora pedagógica, depois eu fui como educadora para a Fundação Julita o primeiro projeto de formação profissional, quando eu estava na Julita eu recebi uma proposta de ser a diretora da creche da Julita e recebi uma proposta para ser a coordenadora da Casa dos Meninos, eu fiz a opção pelo mais difícil, fui para Casa dos Meninos, e casa dos meninos era um ONG com todas as mazelas que você pode imaginar, porque era resquícios de um internato só para meninos, por isso tem esse nome, e era um lugar horrível energeticamente falando, trazia muito impregnado a coisa do orfanato e eu senti que tinha que fazer alguma coisa por aquele grupo, por aquela ONG e o caminho era a cultura, tinha convenio com a prefeitura para atender 120 crianças, e ai a gente foi ampliando, naquele dilema, pra fazer um bom trabalho eu preciso de parceiro, mas pra ter parceiro eu preciso mostrar um bom trabalho e era uma incógnita que a gente tinha que resolver todos os meses para pagar as contas, foi onde eu trabalhei um período de 11 anos e acho que aonde eu fui me encontrando mais com esse viés cultural, porque a gente tinha que promover muitos eventos eu comecei a escrever muitos projetos pra cultura, foi um dos primeiros pontos de cultura do Brasil inaugurado pelo Gilberto Gil, ele foi lá inaugurar, foi uma coisa bacana, a gente começou com o que tinha ali ao nosso redor, apropriação da informática, captação dos jovens para o trabalho e a gente sempre enfiava coisas culturais no meio, nascimento de um grupo de teatro, parcerias com a secretária do estado da cultura que foi bem legal, desde grafite, isso foi o embrião do que é a Fábrica de Cultura, na verdade a gente fazia oficinas para a Fábrica de Cultura, a gente começou a ter teatro, dança, cinema, produção de vídeo, tinha várias oficinas com a Kinoforum, musica era muito forte lá, tinha um grupo de percussão maravilhoso. Quando você junta um monte de coisas cultural, só podia dar o que deu, eu diria que ela foi percussora de todo esse movimento cultural que tem ai hoje somado as iniciativas da Monte Azul, um luar que se implantou tanta coisa junto eu desconheço, a gente tinha uma efervescência cultural naquele lugar que era fantástico, de você ver a juventude se articulando em grupos, um poder criativo, eu sinto que isso teve uma repercussão muito positiva na formação de um grupo de jovens que se impoderou dessa coisa cultural e prosseguiu, tanto é que a gente tem hoje uma diversidade e uma variedade cultural diferenciada no Jardim São Luís, somado a isso teve muitas iniciativas do VAI, o VAI também foi muito responsável por isso, a gente teve muitas pessoas que passaram pela Casa dos Meninos e estão fazendo coisas incríveis hoje, o povo tá na faixa dos trinta e pouco, teve o Jair Guilherme com oficina de pintura, o Jair é do tempo que fazia a ponte com o Ademar Guerra que era um projeto da secretária do Estado e a Fábrica de Cultura, como lá não estava pronto, eu recebia as oficinas na Casa dos Meninos, ai foi o despertar para a cultura, eu trabalhava com uma equipe maravilhosa, tem vários depoimentos que era a melhor equipe de educadores do Brasil, eu era da direção, mas eu estava em tudo, eu não ia dar uma aula, mas toda a fundamentação, as possibilidade e principalmente a autonomia do educador, eu acho que isso gerou um conteúdo diferenciado, a gente começou a desenvolver muitos projetos com a juventude, eram jovens engajados desenvolvendo projetos para outros jovens, era um fator multiplicador, eles saiam para a comunidade para desenvolver projetos, teve uma época que a gente tinha 450 alunos, pena que teve muitas coisas que terminaram que eu nem quero mencionar, fechou, hoje é um lugar que não existe mais nada. Ela existe como espaço físico, mas perto do que se teve, era uma referência, mas foi um trabalho fantástico, eu acho que ali foi uma construção de saberes coletivos, não fiz isso sozinha.
P/1 – E você ficou lá até que ano?
R – Eu fiquei até 2006, fui a ultima a apagar a luz. Hoje eu tenho relação com muitos daqueles jovens, eu continuo acompanhando de alguma forma a vida deles, os meninos que trabalhão hoje na área cultural, muitas vezes somos parceiros de algumas atividades, e isso é muito bom, você saber, não vou falar que teve minha mão, mas que você influenciou de alguma forma, e eu falo que o projeto social, projeto cultural é uma porta que com certeza vai abrir mais uma infinidade de outras, e estar nesse momento para abrir a porta para esse jovem, para mim e de uma riqueza fenomenal, eu poderia abrir a porta de várias coisas, de uma igreja, mas a gente abriu a porta pra cultura que pode transformar a vida da pessoa a visão, a ideologia, ai se eu tivesse encontrado uma casa dessas quando eu tinha os meus 14, que eu tinha uma ânsia e não sabia direito aonde colocar, então a gente cultivava através de grupos de amigos, de músicas, mas a gente não tinha um espaço de criação, de poder pirar nas ideias, de fazer o Berinjela Refogada, era o nome do grupo, de fazer música, de fazer teatro e juntar arte, cultura, tudo junto, fantástico!
P/1 – Depois da Casa dos meninos, em 2006 para onde foi a Diane?
R - Eu dei uma perambulada, fui para alguns lugares que nem vale a pena, mas em 2007 eu cheguei em Paraisópolis.
P/1 – Como foi o seu trabalho em Paraisópolis?
R – Eu fui contratada pela Bolsa de Valores de São Paulo para ser gestora de um projeto esportivo que trabalhava com oitocentas crianças na comunidade de Paraisópolis, eu tive esse grande desafio de juntar o esporte com a cultura, porque lá eles tinham aula de tênis, futebol, basquete, a gente tinha um espaço super pequeno, era uma quadra grande, tem muitos meninos do tênis, hoje se você passa por Paraisópolis você vai ver os meninos com as raquetes do tênis, e tudo passou por lá, porque era uma escola de tênis, nasceu com essa missão que era a difusão do tênis, porque ao redor de Paraisópolis a gente tem muitas academias e essas quadras todas precisavam de mão de obra, eles trabalhavam nas quadras como catadores das bolinhas, alguns já entendiam um pouco de tênis, ai eles começam a jogar. Projeto lá nasceu da seguinte forma: o diretor da bolsa que é magnifico, maravilhoso, uma pessoa encantadora, embora o capitalismo seja selvagem, existe uma pessoa ali que é maravilhosa, que é o senhor Raymundo Magliliano, ele jogava tênis ali nos arredores, no Morumbi, e ele via aqueles meninos e ele dizia “puxa vida, podia ter alguma coisa que ensinasse esses meninos lá no Paraisópolis”. Ai ele começou a querer saber mais daqueles meninos, então ele alugou um espaço dentro de Paraisópolis, contratou uma pessoa do tênis para ser o administrador e montou essa escola de tênis, ai junto veio o futebol, veio outros esportes, ele tinha uma intensão muito bonita por trás das coisas, e ai chega eu em uma quadra, menino com uma bola só vai querer saber de jogar bola, se acha que vai querer saber ler? Ai ele montou junto, tinha o espaço da quadra, tinha uma biblioteca, e tinha um espaço aberto coberto, e ai eu fui para o novo desafio, arregaçar a manga e começar tudo de novo. Primeira coisa que eu fiz quando eu cheguei, foi ver quem eram os meus vizinhos, fui em todas as ONGs, na frente tinha a ONG Florescer da Karina Bacchi, atrás tinha o Pró-saber, o Einstein, Associação de Moradores, fui me apresentar humildemente “oi! Então, o que dá pra gente fazer junto?”. “Tem café ai?”. Nessa eu comecei a entrar no esquema de Paraisópolis, de entender, porque a gente não pode chegar em Paraisópolis sem entender, a gente demora um tempo para entender, porque existe um mundo, ali é outro mundo, é uma realidade muita distinta de tudo que a gente esta acostumado, sempre trabalhei na periferia, mas é uma outra periferia, ela tem um limite muito certeiro, você sabe aonde começa e aonde acaba, quando você entra, quando você sai, e entender toda dinâmica de funcionamento, ai eu comecei a participar ativamente de um núcleo de organizações que discutia as questões todas, tudo que chegava, tudo que era feito, fazíamos coisas juntos, mas voltando lá para a organização, o meu grande desafio era fazer a junção entre a biblioteca e a quadra, essa era a minha tarefa, e ai eu fui com o que eu tinha na manga, todas as coisas culturais, comecei com oficina de comunicação, artes visuais, produção de vídeo, fazendo oficinas com os meninos que jogavam futebol, oficinas dentro da biblioteca, eles se matriculavam em outras atividades que tinha dentro da organização, comecei a levar livro para a quadra, levava em um cestinho, eles davam uma olhada antes de jogar, começou a fluir um pouco mais a questão da biblioteca, ampliamos a questão do feminino, as meninas, porque era um lugar muito dos meninos, começamos a trazer outras modalidades esportivas que as meninas pudessem jogar, a equipe de futebol, de tênis, começou a ter uma espaço para as mulheres. Algumas pessoas foram comigo, que já trabalhavam lá na Casa dos Meninos, tinha oficinas de jogos e brincadeiras, tinha muita atividade de contação de história, de leitura, a gente chamava muita gente pra ir lá falar, tinha uma atividade de produção de jornal lá dentro na área de comunicação, tinha uma restrição de espaço, a gente tinha uma única sala que era a biblioteca, esse trabalho começou aparecer de alguma forma e dentro de Paraisópolis a gente começou a fazer algumas coisas em parceria com as outras ONGs, uma delas foi a semana das bibliotecas de Paraisópolis que foi um sucesso bem grande, a gente juntou as bibliotecas do Einstein, Pró-saber, BECEI do Cabral, a biblioteca da União de Moradores, fizemos articulação com o CEU, e ai a gente começou a fazer um evento que tinha mais a ver com as bibliotecas, com os livros, da estimulação a leitura e tinha de tudo, a gente chamou várias pessoas, eu lembro que a primeira vez que eu falei em uma reunião sobre Sarau, ninguém sabia o que era isso, então tinha algumas coisas que você levava um susto, por exemplo ter um site que colocasse tudo que acontece em Paraisópolis, teve algumas sugestões que eu ajudei a construir, depois teve a Mostra Cultural de Paraisópolis que a gente teve uma participação grande de articular, de juntar gente, de escrever o próprio projeto, eu fiz parte da escrita desse projeto, eu, o pessoal do Einstein, a gente escreveu um PROAC pra conseguir manter essa mostra, a mostra tinha uma caráter quadradinho, a gente começou a trazer coisas mais abertas, vamos sair dessa exposição de cartolina e trazer gente, lembro que eu levei a filha do Paulo Freire para fazer uma oficina, Marcelino Freire participou, lembro que teve uma que foi sobre comunidade indígena, a gente levou muitos indígenas pra falar, os guaranis.
P/1 – Por ser uma das maiores favelas de São Paulo, você tinha medo de trabalhar lá? Passou por alguma situação de risco?
R – Eu tive uma situação, eu sempre ia por dentro de Paraisópolis mesmo pra cortar o transito, a policia me parou, me deixou do lado do carro, revistou meu carro inteiro, disse que tinha um denuncia de uma mulher com um carro vermelho e eu fiquei muito constrangida com essa coisa de ser parada pela policia. Foi a única coisa assim que eu me lembro, claro, teve momentos tensos, 2009 teve uma intervenção da policia militar que durou 4 meses, foi um período muito difícil, muita violência, eu nuca tive medo de trabalhar em Paraisópolis, muito pelo contrario foi um período bastante prazeroso, de poder conviver com aquelas crianças, poder oferecer as coisas que a gente tinha, dizer que não é violento, é! Dizer que não é ameaçador, é! Mas existe um respeito com as pessoas que trabalham lá dentro, da própria organização, do trafico, trabalhei lá durante 7 anos, nunca tive uma situação de constrangimento.
P/1 – Depois de Paraisópolis já foi a ideia da FELIZS?
Não! Eu sai de Paraisópolis meio mal, fiquei muito frustrada, porque foi um trabalho muito intenso e de repente eu sai, mudou direção, mudou o parâmetro das coisas e ai eu fiquei pensando que eu não queria trabalhar mais pra ninguém, falei chega, uma vida inteira e muito tempo, nesse momento eu falei, vou buscar aquilo que é minha essência, as coisas que eu gosto e vou tentar colocar nesse novo trabalho, ai eu fiquei um tempo patinando no que eu queria, e fiz um curso de gestão cultural, eu já escrevia projeto, já tinha essa expertise de alguma forma, ai eu fiz um curso online de gestão, nesse curso tinha que escrever um projeto, agora vou escrever um projeto pra mim, porque eu sempre escrevia projeto para os outros, e o projeto que eu escrevi foi a FELIZS, foi a feira literária, era um exercício, e esse exercício ficou mexendo comigo o tempo todo, porque lá eu acabei colocando esse desejos das coisas que eu acreditava, do movimento cultural aqui da periferia, o meu sonho, quando eu idealizei a FELIZS, eu via muitos trabalhos, mas todos separados, a gente nunca conseguia ver todo mundo reunido, na minha cabeça, eu quero escrever um projeto onde a gente possa ver tudo isso acontecendo, sabia que era muito grandioso, que seria bem difícil, mas eu coloquei isso lá, de uma forma que seria uma apresentação de grande parte dos grupos, todos os escritores, e o que era uma feira literária acabou acontecendo de uma forma gigantesca, porque quando a gente foi por em prática viu que a gente era muito maior que tudo aquilo que a gente pensava, então assim, a feira foi idealizada por mim, o nome dela também foi um exercício que eu fiquei aqui fazendo, fazendo, feira, feira não sei o que, ai cheguei nesse nome, Feira Literária da Zona Sul, ai eu falei, nossa, acho que é um pouco piegas esse negocio de FELIZS, mas depois eu amo ter sido essa a escolha, levei pro grupo, mas ai todo mundo acabou falando, FELIZS, FELIZS, e sonoramente ela começou a fazer muito sentindo, e eu falei: é isso mesmo! A gente quer falar da parte feliz, da parte que da felicidade, da parte que é bom, da parte da alegria, da parte do processo criativo, tudo é felicidade, e ai esse nome ficou, pegou, hoje eu acho que as pessoas gostão muito desse nome “que nome, que bárbaro ter a FELIZS”. Mas vou contar um intervalo que eu não contei, como é que ela começou, e ai estava a ideia, estava no papel, isso em 2015 eu escrevi um projeto RUMOS pro Itaú, eram várias coisas, eu comecei a trabalhar com o Sarau do Binho, que era minha referência, minha possibilidade, que era uma empresa jurídica, essas coisas todas, também por afinidade, por estar no sarau desde o começo dele, nessa época que eu escrevi o projeto eu tive a felicidade de colocar muitas coisas, a gente tinha saraus em muitas escolas, o projeto era enorme, ai eu coloquei um dia de feira, a gente tinha pouco dinheiro era R$20.000,00 para realizar a feira, na hora que começamos a produzir a feira a gente viu que tinha muita gente para chamar, não dá pra deixar fulano de fora, o outro de fora, vamos chamar, vamos chamar e ela foi crescendo de um tamanho, ai a gente saiu atrás de outras parcerias, quem que podia nos ajudar a realizar, então aquilo que era um dia se tornou uma semana de feira, porque a gente acabou fazendo várias interlocuções com vários parceiros, a DRE Campo Limpo nos ajudou, o SESC nos ajudou, e ai ela foi tomando um corpo, crescendo e a FELIZS durou uma semana, com esses vinte mil e mais alguns apoios que a gente conseguiu de pagamento de palestrantes, e ai a gente tomou gosto pela coisa, vamos continuar, não dá para parar, no outro ano escrevi um PROAC, essas parcerias também aprovaram, o projeto tinha dado super certo.
P/1 – Qual foi o primeiro ano que aconteceu a FELIZS?
R – Em 2015! Eu fiquei muito feliz, foi uma parceria com o Sarau do Binho, porque foi dentro desse projeto do RUMOS, a gente tomou gosto pela coisa e não dava pra deixar de continuar fazer uma coisa tão bacana, eu escrevi outros projetos para a segunda, terceira, a gente esta indo já para a quinta FELIZS, infelizmente nesse momento extremamente difícil que ainda existe milhões de questões que a gente precisa tratar, saber como vai fazer, ela acontece sempre em setembro, porque ela faz a relação da felicidade com a primavera, preferencialmente na entrada, bem ali entre o dia 22, 23, o encerramento, esse ano talvez tenhamos mudanças, e ai assim, o que que a FELIZS representa, ela pra mim tem um conteúdo muito poderoso, ela é muito bem construída do ponto de vista da discussão do que a gente quer, então assim, que FELIZS é essa? O que a gente quer dizer? A gente quer falar de que? Então ela sempre vai ter um tema, só a primeira que não teve um tema, porque o tema era ela própria acontecer, essa junção dos artistas, poetas, hoje ela tem um tema, e nesse tema a gente procura aprofundar, então a gente já passou pelo tema: Aonde habita a poesia? Que é uma pergunta bem profunda, qual o lugar da poesia na vida das pessoas? Onde você enxerga a poesia? Onde está a poética da vida? A outra temática bem interessante, que deu um caldo maravilhoso: De onde você vem? O que a gente queria cutucar com isso? Pra gente não se esquecer de onde a gente vem, todo o processo da ancestralidade, qual a conexão que ele faz com o nosso presente, e ai a gente procura trazer autores que fala disso, procura trazer vivencias que possa se comunicar com essa pergunta sempre. A temática do ano passado: Meu corpo minha marca no mundo, então que corpo que é esse? Com quem ele dialoga? O que ele sofre? Quais são as pressões sócias sobre um corpo? A gente falou de xenofobia, a gente falou da gordofobia, a gente falou da questão de gênero, foi muito profundo, sempre é muito profundo, se você pegar a programação da FELUIZS e dissecar ela traz essa profundidade, a gente gasta meses só discutindo isso, esse conteúdo, a temática, o formato vem depois, o que a gente quer é se aprofundar, e junto com a temática, sempre temos uma relação com uma linguagem paralela, vamos dizer assim, então a gente esta falando de literatura, é uma feira literária, ela tem sempre uma preocupação de ter essa linguagem paralela, ano passado foi o teatro, junto com o meu corpo, então a gente traz um pouco mais de conteúdo desta linguagem, então foram várias apresentações teatrais, no ano anterior a gente trabalhou com o audiovisual, o proposito era trabalhar um pouco com a linguagem do cinema, e assim a gente vai, e nesse ano, eu vou contar o tema da FELIZS e vocês não vão acreditar, na hora de escrever o projeto eu já coloco muito do projeto, quem vai estar, qual a temática, nesse ano a gente colou modos de se viver e a temática era o que te alimenta, a gente fez uma relação com a gastronomia, é incrível, porque modos de se viver, eu queria falar dessa coisa de você se conectar com a natureza, do sistema indígena, então a gente vai trazer muito dessa questão, e ai acontece tudo isso, a gente esta vivendo um novo modo de se viver, né! A gente esta falando disso toda hora, todos os dias, a gente esta num processo de descoberta, um processo de criação de um modo de viver diferente, e o tema da FELIZS alguém assoprou aqui no meu ouvido, foi uma coisa muito louca, porque a gente discuti muito, e esse tema veio pra mim no ouvido mesmo, eu diria que foi uma intuição, esse modo capitalista que a gente vem vivendo, esse modo de consumo, esse modo frenético que a humanidade vem vivendo, ela não podia continuar, e foi nessa inspiração que a gente pensou. Apresentar o que? Apresentar a permacultura, apresentar formato de habitação, você trabalhar com outro tipo de construção, a gente até pensou em muitas coisas em termos de formato visual, que é sempre uma grande viagem, um mergulho fundo e junto com isso a gente pensou o que te alimenta, o que te alimenta na vida? O que te faz levantar da cama todos os dias e falar vou seguir em frente e querer construir tal coisa, quais são os desejos que te movem? O que te alimenta não é uma pergunta que vem só pela boca, mas que entra por todos os seus sentidos, essa é a temática da FELIZS, estou dando aqui um spoiler de 2020, só que assim, agora tudo está muito incerto eu diria, a FELIZS é certa que ela vai acontecer, só não sabemos ainda como, porque a gente vive um processo também bastante difícil de busca de parceria, normalmente tem um PROAC que nos apoia, que eu escrevo todo ano, esse PROAC é o mínimo para a feira acontecer, o custo dela é muito maior que isso, ai então a gente começa a buscar parcerias, sempre no começo do ano, porque mal a gente termina uma já tem que começar a outra, porque a gente vive todo um processo de prestação de contas, em janeiro a gente já tá falando, e agora é março, sempre o mês que a gente sente e fala: vamos por onde? E ai aconteceu tudo isso, então a gente ainda tá muito atado, inclusive com o formato, como será que em dezembro a gente consegue colocar na praça o número de pessoas que a gente coloca lá, como é que a gente vai para as escolas juntando todo mundo, esse ano talvez a primavera não estará na FELIZS, porque a gente acredita que a gente não consiga, a gente tá pensando nela talvez para novembro, mas ainda é um pensamento.
P/1 – Mas a produção está acontecendo dentro da quarentena?
R – Já está acontecendo!
P/1 – Me fala um pouco das dificuldades dessa produção dentro da quarentena? Como está sendo a busca por parcerias?
R – Então, a gente tá um pouco, vamos dizer assim: não é parado, mas ainda esta no susto, estamos olhando esse cenário pra ver por onde a gente vai, a gente já tem indicação de algumas parcerias que já estavam apontadas ano passado, mas agora a gente esta reelaborando toda proposta pra poder ter algo mais concreto pra chegar nessa FELIZS, a gente tá em busca de parceiros, mas muito ainda na definição de como? Como será, porque por exemplo, eu vou pedir uma estrutura enorme para uma feira na praça que talvez não venha acontecer, olha que nó, ai também se eu não peço e ela vem a acontecer, é complicado, porque você está mexendo com dinheiro, você está mexendo com financiamento, então são decisões que a gente vai ter que tomar ainda muito difíceis num momento de tanta incertezas, mas a gente está em busca de parceiros, a gente quer parcerias para pensar essas coisas, a gente vai fazer, já estamos encaminhando, já estou produzindo, por isso estou trabalhando de mais, porque a gente está escrevendo projeto, está escrevendo proposta, tá falando com esses parceiros, então a gente já teve uma pareceria fechada agora, que é a Tide Setubal, essa já esta confirmada, um valor ainda pequeno, mas estamos ai, a gente tem um PROAC confirmado, que já estamos com o recurso e ai a gente vai fazer essa FELIZS de qualquer jeito, porque ela tem que acontecer, a gente acredita, agora dentro da FELIZS é muito complicado, a gente trabalha com um equipe que são pessoas que já trabalham com produção, tem pessoas que entraram ao longo desses anos, pessoas entraram, pessoas saíram da equipe, tem a Suzi e eu, a gente está desde o começo, o Binho que tá com a gente também, é super rica a presença dele na equipe, tivemos algumas mudanças de 2019 para esse ano, estamos adaptando também, porque ela tem um problema sério, são poucas pessoas para fazer uma coisa gigantesca, hoje ela tem duas semanas, o que era um dia esticou para uma semana, e no ano passado a gente fez em 13 dias, foram 13 dias de atividade, a gente percorreu 21 espaços culturais, desde escolas, centro cultural, casa de cultura, fábrica, SESC, entidades, Bloco do Beco, então a gente sempre tem uma atividade espalhada nesse território, a construção da FELIZS é muito baseada no território, a gente até recebe gente de fora, mas sempre pensando esse formato é um de fora é um de dentro, por exemplo, a gente recebeu ano passado o Mia Couto, pra mim era um sonho quase que inatingível, eu quase morri, mas a gente teve a Maitê que estava junto, que é uma pessoa daqui que acompanhou, que entrevistou, tinha o Marcelino Freire, mas tinha a Raissa junto com ele, ai você tem uma atividade na escola, você tem os autores daqui, tem muito essa preocupação de fazer uma coisa mais equilibrada, tanto em relação a gênero, você vai fazer uma mesa, você tem que ter uma coisa equilibrada em relação a isso, outra preocupação que a gente vive muito é essa profundidade da temática, porque depois a gente tem um material riquíssimo, de onde você vem, a gente fez essa pergunta pra todo mundo que participou, daria um vídeo maravilhoso, acho que é um pouco isso a FELIZS, tem uma equipe bacanérrima de gente super comprometida, todo mundo que participa é extremamente comprometido, ela é muito propositiva, ela não é uma feira que tem uma finalidade de venda, embora ela seja uma feira literária a finalidade maior dela não é isso, a finalidade maior é da visibilidade para os autores, eles fazem muita articulação naquele espaço, eles conseguem articular outras programações é muito interessantes os processos que se dão pra além da feira, então a gente acaba conhecendo um pouco isso, seja na escola, os alunos que vem o que eles levam, como eles trabalham isso dentro das escolas, é fantástico, a gente tem depoimentos lindo de continuidade e de antecedência também, muitos professores as vezes trabalham esses autores, chega lá faz uma atividade com o autor, com as crianças, é divino, eu sou apaixonada pelas FELIZS, realmente meu coração bate muito forte quando eu falo da FELIZS.
P/1 – Você teve três relacionamentos, né? Me fala um pouco sobre esses relacionamentos.
R – Eu me casei eu estava no ultimo ano da faculdade quando eu encontrei meu companheiro na época, ele era artista plástico, você vê que eu tenho uma ligação com as artes bastante grande, com esse companheiro eu tive duas filhas, a Naiara e a Raissa, foi um relacionamento de 13 anos, em algum momento na vida eu senti essa necessidade de separar, mas foi uma pessoa maravilhosa, um pai muito bacana pra elas, a gente se separou, eu acabei indo para um outro relacionamento que foram mais 10 anos, esse foi um relacionamento mais difícil, passei por relacionamento abusivo, por coisas bem difíceis de lhe dar, foram 10 anos que eu fiquei muito afastada de toda minha essência cultural, era uma coisa muito casa trabalho, trabalho casa, uma vida muito voltada para o relacionamento, não foi legal, mas foram 10 anos, bastante tempo para não ser legal, né?! Ai depois fiquei um tempo sem relacionamento e foi no sarau que eu conheci meu companheiro atual, que também é poeta, também é desse universo e isso facilita muito as coisas, porque a gente consegue dialogar muito sobre o que tá em mim, o que tá nele e isso gera uma cumplicidade, um companheirismo, gera processos criativos, porque a gente consegue idealizar e falar de coisas, acho que tem um crescimento muito grande que eu devo a ele, e acho que ele deve a mim, a gente tem uma conta equilibrada, eu encontrei na figura dele essa presença da arte de novo na minha vida, ele é professor de história, então gosta de politica também, isso me faz bem, a gente discuti muito essas coisas, é bom, a gente já tá ai a 12 anos, uma pessoa que eu amo muito e que trouxe muita alegria pro meu coração.
P/1 – E como é a Diane mãe? Me fala um pouco do relacionamento com as suas filhas.
R – A Diane mãe foi a coisa mais babona desse mundo, embora não pareça, mas mãe com todas aquelas coisas, mãe de primeira viagem, aquela mãe que cuida, que acha que tudo vai fazer mal, aquela mãe muito presença, eu trabalhava longe, trabalhava em Osasco na época que a Naiara nasceu eu vinha na hora do almoço de Osasco até aqui, Taboão na época eu morava lá, para amamentar, pra não perde o vinculo da amamentação, porque eu queria, porque precisava, tinha que amamentar até um ano de idade, nesse sentido eu acho que fui uma super mãe, mas eu tenho um outro lado mãe, tem um período na minha vida que eu trabalhei de mais, ficou um pouco mais difícil cuidar de tudo, de filho, e vida, foi um período complicado, mas a Diane mãe é uma mãe babona, até hoje eu babo em cima das minhas filhas, elas são maravilhosas, são as filhas que eu queria ter, cada uma geniosa do jeito delas, tem uma essência que elas carregam que eu vejo, o bichinho da arte tá lá presente na vida delas de alguma forma, a Raissa desde muito cedo ela começou a frequentar o sarau, ela já vinha comigo trabalhando nas ONGs nos processos todos, a Naiara foi trabalhar dentro da ONG comigo, era um jeito de tela ali perto, acho que o primeiro trabalho dela, então ela me auxiliava lá, elas viveram muito de perto essas coisas que eu fiz, como todo filho, como eu também neguei o meu pai que eu contei pra vocês, eu sinto que também teve uma negação delas em algum momento de falar “a não chega, to de saco cheio desse negocio de trabalho cultural, assistencial” e cada uma buscou sua praia, mas a Raissa é uma poeta que eu como pessoa e não é como mãe, eu acho uma das melhores e não é uma coisa que eu digo, tem muita gente que diz, ela tem a profundidade da poética, da escrita muito presente nela, ela viveu esse mundo, esse universo familiar rodeado de pessoas fazendo arte, buscando arte, buscando cultura, trabalhando, todos nos somos assim, eu tenho um irmão que faleceu que era extremamente criativo, ele não era desse universo como nos, de escrever projeto, de por a mão na massa, trabalhar com arte cultura, mas ele era fantástico no processo da criação, ele criava qualquer coisa com as mãos, eu falei dos cinco irmãos? Um deles que é o caçula, que também tem um viés politico, artístico, ele tem uma casa junto com a família dele lá em Ribeirão Pires, ali tem aquela comunidade ribeirinha ali da represa, ele trabalha com aquela comunidade, faz um trabalho magnifico, grandioso, na área assistencial, então tem algo ai que eu não sei o que é, a Lola minha irmã, sempre presente em todas as coisas que a gente faz, do jeito dela, com o saber dela, ela ficou muito tempo trabalhando na brechóteca, que era uma biblioteca que tinha um brechó, pra sobreviver a biblioteca vendia-se coisas, ela ficou muitos anos trabalhando lá com a criançada, fazendo mediação de leitura, acompanha sarau, ajuda a gente em tudo que pode, super presente, as filhas dela também, presentes nas nossas histórias, na FELIZS, onde estamos, o Binho que despensa apresentação, uma pessoa que tem um trabalho super grandioso na área da poesia, do incentivo a leitura, tem muitos projetos maravilhosos, que são projetos que eu acompanho, ele me acompanha, eu o acompanho nesses anos todos a gentes sempre teve muito junto nas nossas histórias, tem vários projetos que ele desenvolve e eu escrevo, a Suzi produz, a gente tem um núcleo familiar muito produtivo dentro da arte e da cultura, essa família tem um viés que acho que vem lá daquela história que eu contei do meu pai e a gente traz ai no DNA, uma coisa muito presente dessa necessidade de fazer, eu por exemplo não sou artista, mas eu to sempre enfiada nas coisas das artes de alguma forma, seja na criação, na produção, minha mente não para de pensar coisas possíveis de fazer em relação a isso é o tempo todo criando muito, então eu sou uma artista do lado de cá que a gente fala, eu sou dos bastidores, eu gosto deste bastidor, de pensar coisas e conseguir por em pratica, quero falar mais das minha filhas.
P/1 – Eu quero saber da emoção de ser vó?
Eu estava falanda dessa negação que o filho tem muitas vezes daquilo que a gente faz, eu tenho a minha filha mais velha que é a Naiara, ela é publicitária, ela quis caminhar com as pernas dela, foi pra onde ela quis ir, então ela foi, viveu isso, trabalhou em grandes empresas de publicidade e de repente ela se deu conta que também não é bem isso que ela queria viver, porque trabalhar em empresa de publicidade é um trabalho muito insano, de muito esgotamento, de muita escravidão, se chega as nove da manhã e sai as duas da madrugada, e um trabalho que se suga muito, sempre gostei disso, dela ter se formado, é hoje ela tá procurando um outro caminho, que é um caminho que também cruza com o que a gente faz, uma publicidade voltada mais pra esse universo, levando em consideração essas coisas que a gente produz aqui, que não é um universo só do capital, de vender veneno, vender o que precisa vender, e é uma pessoa extremamente criativa também, eu também acho que ela é uma artista, mas ainda é uma artista de outro lado, ela também carrega esse DNA, eu tenho duas filhas que são maravilhosas, teve um período bastante difícil, da criação, de batalhar muitas vezes só, mas estão ai, fui o que eu pude oferecer para o mundo, e sou feliz por isso, porque são pessoas muito generosas, amorosas, que tem amor no coração, que pensa no outro, como mãe, claro, sempre quis fazer muito mais, mas foi bacana. A Raissa eu acho que ela se descobre hoje dentro de um trabalho muito diferenciado, e eu falo: menina aonde que eu estava que você construiu tudo isso eu não vi. Ela tem um conhecimento profundo de muitas coisas, ela montou hoje um centro de desenvolvimento humano, o que que é isso? Ela trabalha com várias coisas, medicinas das floresta, ela trabalha com as pessoas, ela tem um vinculo astral e astrológico que eu nem sei falar muito desse universo, mas ela e meio bruxa, mas uma bruxa no bom sentido, ela é meio guru e ela conhece muita coisa do mundo e da vida, ela é uma alma velha, sempre foi desde criança, e isso me deixa feliz, de saber desses passos que cada um precisa dar, desses passos que cada um precisa construir da sua história, da sua vida, das suas relações com o mundo, pra que que eu vim, de onde eu vim, o que que eu preciso fazer aqui? E eu sinto que ela esta fazendo muito, tem ajudado muita gente, saindo de histórias muito complicadas, saindo de drogas, da depressão, tem encontrado um caminho maravilhoso, tem muitos depoimentos muito bonitos e quando eu olho eu falo: meu deus, milha filha esta fazendo isso! E muito profundo isso, e acho que é isso, as duas no seu jeito de ser estão construindo coisas muito legais.
P/1 – Aproveita que está emocionada e conta pra gente da emoção de ser avó?
P/2 – Você estava presente no dia do nascimento?
R – Claro! Eu sou uma mãe que estou sempre presente.
P/1 – Como é que foi esse dia, você consegue descrever?
R – Nossa! A Shantal não é a minha primeira neta, eu tenho duas. Você está falando das duas, né? Então, a Naiara foi mãe muito cedo, aos 16 anos, isso pra mim foi um dificuldade enorme, porque eu sabia o que acarretaria para a vida dela, na gravidez toda eu estive presente com ela, mas eu sempre uma pessoa muito ocupada, eu sempre assumo mais coisas do que eu posso, então quando ela passou mal, ela me ligou e eu falei: pera ai que eu estou terminando uma reunião! Que absurdo, né! E ela lá com bolsa estourando, mas ai fomos, foi aquela luta, nasceu, deu tempo! Ai veio a Julia ao mundo, que foi um dia que eu lembro perfeitamente, eu não pude acompanhar o parto, mas fiquei lá na espera, ai a enfermeira trouxe a Julinha, ela só abriu o olho azul, azul, eu falei: meu deus, erraram...rs...Que olho azul é esse? Foi muita emoção, a emoção de ser vó é inenarrável, porque é algo tão profundo, pega o amor de filho e multiplica ele e coloca ele em um espaço mais confortável, é uma coisa muito maravilhosa, e ai veio a Julia, a Julia quando nasceu teve alguns probleminhas, então o primeiro ano dela foi extremamente difícil, porque era uma questão de sobrevivência, muita pesquisa do que ela tinha, quando a gente deixou ela mais livre ela se desenvolveu mais, ai fluiu, hoje a Julia ta com 17 anos, meu deus, minha loira, loirinha de olho azul, coisa mais linda, ai eu vejo a força da Naiara, de criar a filha dela, sempre trabalhar, de ir a luta, ela passou uma vida muito dedicada a essa menina Julia e depois de um tempão eu fui vó de novo, a Shantal agora com 5 anos, veio em um outro momento da minha vida, um momento um pouco mais flexível, que trabalho por conta, trabalho muito também, mas tenho uma flexibilidade maior, esse eu também acompanhei a gravidez toda, o parto eu estava lá, ela fez um parto humanizado, teve todo o sonho, na casa Ângela tal, chegou na hora não deu pra ser na casa Ângela, ai foi para um outro hospital, sofrido, aquela coisa, a mesma coisa que você tivesse parindo de novo, mas quando você escuta o chorinho lá, meu deus! To avó da Shantal a 5 anos, figuraça, de uma inquietação, ela é inquieta, mas não é inquieta no mau sentido, ela é inquieta nas buscas, Raissa e ela são extremamente parecidas, eu ponho uma foto das duas assim, é muito igual, esses dias que a gente tem que ficar em casa, já fizeram umas 5 festas lá, e ela faz todo processo criativo da festa, os convites, os doces, arruma a mesa, arruma como é que vai ser o cenário, festas diferente é claro, cada uma com uma temática, e ela fica se ocupando da criação, não para um segundo, Shantal tem essa condição de alegrar muito o coração da família, todo mundo conhece a Shantal, bruxinha já, fala coisas que você fica meu deus, de onde tirou isso? Agora já tá num processo de criar, ela compões musicas e ela canta, o pai dela no violão e ela vai cantando, dai você fala: de onde ela tirou essa frase? Porque o vento não sei o que, porque as flores, muito poética, eu não tenho duvidas, espero estar aqui para ver isso, mas ela já é artista, eu tenho certeza, só por um desvio de percurso muito complicado a Shantal não será uma artista, porque ela é atriz, ela é cantora, ela é poeta, ela tem a matriz da arte dentro dela, ela tem só cinco anos, mas eu diria que ela á junção de todos nos, de potencia artística, ela dança muito, todas as artes ali muito presente, que é natural da criança, só que ela extrapola, com essas composições, a ultima era “eu amos seu amor”, era o refrão, ela sabe o que é poesia, ela sabe o tom da poesia, é fantástico ser avó, é divinal, é você saber a sua marca no mundo, ai eu já fico emocionada! E saber que você pode contribuir, que você trouxe para esse mundo o que faz a diferença, porque somos todos únicos, mas com essa essência da ancestralidade, então sem esquecer de onde a gente vem, ser avó é algo que não tem descrição, um sentimento maravilhoso, se gente é maravilhoso, poder criar, poder fazer, pensar no outro, eu acho que eu tive uma vida de pensar no outro, a minha construção de vida inteira foi sempre pensando no outro e as vezes eu até me esquecia um pouco, eu podia ter feito um projeto de vida pra mim, talvez um pouco mais estruturado, mas eu acho que eu estava tão ocupada com os projetos, com os meus meninos e meninas, que foi isso!
P/1 – A gente está chegando nos momentos finais, e eu lembro que você falou que queria falar de uma poesia.
R – Eu queria falar desse tempo de Coronavírus, nos meus 60 anos e nunca vi nada que chegasse nem muito perto, eu já vivi muitas coisas, já vi muitas coisas, já me surpreendi com a vida, com os acontecimentos, mas algo que fosse planetário, tão forte, nunca! Realmente a palavra que eu encontro é surreal, estou dentro de casa sem abrir a porta do meu apartamento, sem descer pra por o lixo tem mais de 20 dias, alguém põe o lixo....rs. Numa angustia profunda, porque o meu medo é abrir a porte e encontrar com a morte e eu não quero morrer, eu ainda tenho tanta história que eu quero fazer, a minha mente é inquieta, eu quero criar, eu quero fazer coisas, eu tenho pessoas para cuidar, eu tenho ainda uma história para realizar, e eu não quero que esse cara me pegue, esse corona, é muito angustiante ficar vivendo assim, isso tem me afetado, emocionalmente eu to abalada, eu to no grupo de risco, eu sou fumante, eu tenho idade, mas eu quero fazer muita coisa ainda, então eu estou vivendo um medo intenso, mas muita reflexão também com isso. Por quê foi que a gente chegou nesse ponto? É tão claro quando eu penso na teoria de Gaia, por exemplo, quando você imagina o nosso planeta um ser vivo sendo tão agredido, tão maltratado, sendo tão devastado, que impossível que não tivesse uma reação desse ser, eu acho que a história, esse sistema capitalista falido e que esta matando tanta gente, eu penso de mais nas pessoas que tão ai, que tão virando objeto, tantas pessoas morrendo, cada dia aumentando, aumentando e da muito medo, muito medo da perda, de perder alguém, perder amigos, perder familiares, de se perder, de encerrar uma vida aqui, é muito difícil porque se eu sou uma pessoa toda espiritualizada eu não vou ter medo da morte, mas eu tenho, eu tenho, porque eu tenho laços, eu sei que um dia eu vou, mas não quero que seja, então eu vou faze tudo, tudo, pra que eu não vá, acreditar, acreditar na ciência, acreditar no poder divino mesmo, acreditar em tudo, muita fé que as coisas vão encontrar um caminho e que a humanidade se reveja, que a humanidade seja outra, a gente vai encontrar outros modos de se viver e que esse modos sejam mais saudáveis, que tenha uma harmonia maior, uma rede planetária da humanidade vencendo através do respeito a esse lugar, ao sistema ecológico, a tudo isso.
Tem uma coisa que eu não falei que eu quero falar, que eu esqueci!
Fora isso eu faço muita coisa, eu tenho um outro projeto que eu tenho me dedicado também bastante que é o E-bairro, que é uma plataforma digital que trabalha com empreendimentos, são empreendedores, então a ideia é que a gente tenha um registro desses empreendimentos que acontecem aqui no nosso território, eu tenho uma preocupação muito grande com o território. O E-bairro e meu em parceria com a Carla Prates e Naiara também trabalha comigo, a gente tem uma proposta de mostrar o que se produz aqui nesse território artisticamente, só que de um outro jeito, a gente vai lá e mostra na FELIZS, agora a gente quer mostrar virtualmente, então as pessoas tem sua lojas com suas produções artísticas e artesanais, outra coisa legal que tem lá e a agenda cultural, então a gente junta tudo que acontece no território, que ta tudo pulverizado, cada um tem sua agenda, a gente pões tudo lá, pra gente ter uma visão mais global do que está acontecendo, nesse momento por conta do corona, a gente abriu a agenda online pra tudo que ta acontecendo, então não é centralizado, mas é um trabalho que tem foco no Jd. São Luís, no meu coração, Campo Limpo, Ângela e Capão, então a gente abrange esses territórios, ainda é um projeto pequeno, ele ta nascendo, embora já tenha cinco anos de trabalho em cima dele ali costurando, é um projeto que ainda é bebê, mas eu acredito muito nele, principalmente agora que a gente tá num momento muito online, e talvez na nossa vida as pessoas comecem a acreditar em comprar mais online, é uma forma das pessoas sobreviverem também, então tem esse trabalho que eu acho bacana de falar, porque ele traz na essência dele a questão cultural, a questão de território, e a criatividade ta ali, porque são produtos criativos, é isso!
P/1 – Diane, quais são seus sonhos?
Essa pergunta é difícil, eu faço ela pra mim todos os dias, todos os dias a gente pensa um pouco nisso. Primeiramente eu não sou uma pessoa centrada, eu sou muito mais de fora, por isso que eu to sofrendo tanto de ficar dentro, mas tudo bem, faz parte do processo e é bonito também, o meu sonho é sempre de construção, eu não vou falar o jargão de um mundo melhor, porque o mundo melhor agora ta todo mundo falando, é de construção de uma sociedade mais justa, eu acho que isso é um ponto grande, e como é que a gente faz isso? A gente faz isso valorizando quem tá fazendo o pequeno, que as rendas distribuídas sejam mais igualitárias, mas isso é um sonho geral, é um sonho ideológico, mas agora o meu maior sonho é morar no mato, poder ta conectado, sair dessa cidade maluca, mas está perto dela, porque eu não consigo ficar longe eu acho que eu sou urbana, tem os movimentos, mas to num sonho nesse momento muito voltado pra vida mais natural, eu quero pisar na terra, eu quero plantar, eu quero continuar os meus projetos culturais, eu quero continuar fazendo a FELIZS, eu quero ver minha neta crescer, elas todas estudando, fazendo as coisas e eu acho que eu ainda tenho muito a oferecer de conteúdo, de cabeça, de possibilidade, quero ir embora bem mais velhinha e ainda produzindo, então o meu sonho é continuar o que eu produzo, continuar acreditando na arte, continuar acreditando nos autores, nos artistas daqui, da força pra quem eu puder, ver as histórias acontecerem, mas tem esse sonho de poder viver pelo menos parcialmente no mato, como eu queria agora tá plantando.
P/1 – Diane como foi contar a sua história?
R – É revisitar a sua vida, foi muito gostoso, é sempre bom falar da gente, é muito bom a gente relembrar quem a gente é, de onde a gente veio, o que que alimenta nossa vida, qual é a poética que a gente encontra no meio de tudo isso, exaltar o belo, considerar o que não foi bom, e entender que a gente ta aqui, tá vivo, ta respirando, quanto a gente almeja poder fazer para esse mundo algo melhor, então contar minha história aqui, fazer parte desse projeto de vocês é uma honra, registrar um pouco a história do meu pai é muito maravilhoso, poder se olhar de frente e entender quem você é, com esse coletivo, eu sou coletivo.
P/1 – Eu gostaria de agradecer em nome do Museu da Pessoa
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