Entrevistado de Walisson Claudio da Silva
Entrevistado por Jennifer Ester, Larissa Nogueira e Priscila Correia
Maceió, 8 de junho de 2025
Projeto Nosso Chão, Nossa História
NOS_HV019
00:47 P/1 - Antes de iniciar as perguntas. A gente gostaria de agradecer por você ter aceitado o convite. E quando você sentir necessidade de pausar, por pausar, avisa a gente, que a gente faz uma pausa e depois retorna. Então, nós queremos te agradecer por ter aceitado o convite para a entrevista. E vamos dar início.
R - Ok! Também quero desde já agradecer pelo convite. Estou aqui a todos ouvidos para escutar vocês.
01:26 P/1 - Qual é o seu nome, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Walisson Cláudio da Silva, mais conhecido por Baby. Resido ali na parte do Flecha, Bebedouro. E nasci em 1993.
1:41 P/1 - O nome dos seus pais?
R - Nome da minha mãe completa é Delma Cláudia da Silva, é meu pai é Manoel Honório. O resto… Eu não vivi muito com ele.
1:54 P/1 - Com o que os seus pais trabalhavam? Você tem recordação, você sabe dizer?
R - Tenho recordações. A minha mãe sempre trabalhou de faxineira, serviços de pessoas… de barão rico. E o meu pai, ele sempre foi aquele cara, Severino da vida, sempre foi desenrolado, mexia com tudo. Assim, vim passar a conhecer ele já quando eu tinha uns oito anos de idade, porque aí houve uma separação dele da minha mãe. Assim, escutei boato, e também, tipo assim, quando a minha mãe estava gestante, ela sempre falou de uma situação, que ela ia morrer quando me teve, porque eu nasci faltando nada para 5Kg e foi normal. Então, ela teve essa dificuldade e falou pra mim. Então, o que acontece… Aí, quando eu era pequeno, a minha situação, que eu escutava, a vizinhança toda, do lado, sempre falava que eu não conseguia andar, eu ficava perto das cachorras, as cachorras buchudinhas, eu chegava a mamar nas cachorras, na teta das cachorras. Daí veio o apelido Baby, que era aquele desenho da Família Dinossauros. Então, foi a minha tia Bárbara, que ela um inspiração para todo lado naquela rua, até hoje ela reside lá. Então, isso daí foi um pouco da situação dos meus pais.
3:25 P/1 - Então, essa convivência foi mais com a sua mãe do que com o seu pai?
R - Na verdade, a minha convivência era eu, minha avó, porque antigamente o povo morava muito em família. Então era eu, meus avós, meus irmãos, tias, tudo num cômodo só, numa casa que era nas quebradas, no Chã de Bebedouro. Então, era tudo muito… Eu vou dizer a você, voltar a esse tempo era muito gostoso. Então, o que acontece? Minha avó, eu cheguei a vivenciar, mais o meu avô, era abria pra todo lado, naquela grande família. Então, eu vivenciei tudo muito “pan” essa situação. Então, assim, chega até dar emoção, por causa dessas coisas que eu estou puxando aqui. Minha avó, ela foi para mim uma inspiração para tudo. Hoje ela não se encontra mais, mas a minha veinha… Ela me educou até aqui, correu atrás de tudo para me botar na escola. Minha mãe vivia ocupada, então…
4:48 P/1 - Com relação aos seus irmãos, como era a relação? Quantos irmãos você tinha?
R - A relação com os meus irmãos sempre foi ótima, mas como era convivência de criança, adolescente, a gente brigava muito. Sempre tinha aquelas brigas, brincadeiras, né? Hoje eu até levo com grande amor. Meus irmãos sempre me apoiaram em tudo. Então, brincava lá na rua mesmo, de bola de gude, soltar pipa, pique esconde. A gente brigava com os pessoal da rua, tipo, um menino mais velho que vinha bater em mim, eu não aguentava. Então, dizia: “Tá beleza, tá beleza, você está aí, né?” Aí, esperava dar um vacilo, eu ia com o meu irmão lá, e tacava o pau. Aquela rotina de rua. Depois estava, como dizia o matuto, um cheirando o cu do outro. Aquela convivência daquela favela era tudo que eu tinha. Com o decorrer do tempo, a minha mãe comprou uma casinha, mais humilde. A gente foi morar numa casa de taipa, por causa que a família estava grande com os meus avós. E como é que se diz, eu era também um pouco apegado ao meu vô. Cheguei a viver com ele um pouco. Meu avô era um cachaceiro daquele jeito. E sempre eu dei apelido a ele, ele já estava na situação dele, já estava caducando, ele metia a sola em mim. O que doía da sola dele não era lapada, era a última, que batia o bico, que eu pedia cinquenta centavos. Cinquenta centavos antigamente era um dinherão, a gente comprava… Chegava na venda da dona Neide, na padaria, na venda do Seu Olímpio, que hoje em dia não existe mais. Então, era um monte de confeito, isso daí era minha felicidade. E ao decorrer do tempo aconteceu uma tragédia, o meu avô do nada, ele estava tomando café… E lamentável chegar numa situação dessas, ter que contar umas lembranças que estava tudo escondido. Ele chegou a óbito, se engasgou com um pedaço de pão, por causa da idade, estava coisando... Então, ali foi a primeira perda da nossa família, então foi muito doloroso, aguentar, ver a minha mãe… E como se eu tivesse agora no tempo, vendo a minha família chorar, aquela sensação, que eu tinha uns nove anos de idade, aquele tormento todo. Daí pra frente a guerreira da casa foi a minha avó pra tudo, sempre vivi debaixo dos pés dela, a gente tinha aquele aconchego, aquele café da vó, aquele almoço, que eu não vou ter mais, aquele simples bobó. Que eu dormia no sofá com ela, na sala. Então, a sala antigamente, era muito assim, quando a gente reformava, a gente fazia por partes, a parte da frente ou a parte de trás. Então, a gente sempre começava pela parte da frente, para utilizar a parte de trás. Aí, botava a lona, botava tudo. E isso tudo, a minha infância foi maravilhosa. Coisa que eu digo que os jovens de hoje em dia não vão ter. Antigamente a gente não tinha celular, antigamente só que tinha celular era rico, era aqueles celulares que parecia um tijolo. Então, a vivência da gente era brincar, se divertir, com um reforço. E os jovens de hoje em dia, eu espero que acompanhe muitas trajetórias que a gente já viveu, vivenciou, como subir num pé de uma árvore, ir para o quintal da vizinha pegar pitomba, e o vizinho estar lá botando todo mundo para correr. Pé de brinco da viúva. Então, essas são coisas raízes de um passado da gente que a gente vem trazendo. E isso daí era a minha vivência com os meus irmãos brincando, brincando de pega ladrão. É isso que eu tenho a dizer.
8:45 P/1 - E quantos eram?
R - Comigo são cinco. Tem a mais velha, a Débora, o Everton, o Eduardo Cláudio da Silva e a Ana Cláudia da Silva. Eu sou o terceiro deles.
8:58 P/1 - Você tem um apego maior a um deles?
R - Eu tenho sim, é o Everton, o Chocolate, é o segundo. É um cara que eu desabafo, é um cara que quando a gente está tomando uma, a gente se identifica muito, a gente conversa, ele desabafa, quando ele briga com a mulher, ele não tem para onde correr, ele vai lá desabafar comigo. Até videochamada mesmo, nas confusões dele… E o bom de tudo, que além de ele ser o mais velho, ele me escuta. Os meus irmãos tubinho, eu sou tipo um pilar para eles, tudo é o Baby que tem que resolver. Ah, não sei o que, é o Baby. Não só para ele, como também para a família em geral, tá entendendo? E eu fico feliz com essa situação.
9:38 P/1 - Você falou da sua infância. E com relação a escola, como era o Baby na escola?
R - Ah, eu era um cara… Vou dizer a você, eu era maloqueiro da vida. Era brincalhão, sempre arrancando o sorriso de um e de outro. E o meu jeito de ser moleque. E o moleque que se faltasse, tipo, na sala de aula, até a diretora já ligava para a minha mãe, “Por que o Baby não veio hoje, o que está acontecendo?” E a minha mãe, às vezes, pensava que eu ia para escola, mas eu gazeava, às vezes, por causa do desenho do Dragon Ball Z, era muito famoso nessa época, e ele passava mais ou menos, a partir de umas dez, dez e meia da manhã, para as onze. E eu estudava de manhã. Aí, às vezes, eu tinha que gazear a aula, e tinha lá o campinho para a gente jogar bola, aí eu dava um perdido na professora. Mas isso aí, a minha mãe já sabia de tudo, então é “taca-lhe pau”, tá entendendo? Mas, aí, eu já saía… A gente assistia desenho animado antigamente, parecia que os bonecos voavam, o Goku, esses bonecos tudinho. A gente tentava voar também, saia correndo, aí dizia que estava se transformando em Super Sayajin. Essa situação foi a minha infância, no decorrer do tempo na escola.
10:53 P/1 - E sua adolescência, sua juventude?
R - A minha juventude e adolescência, foi tipo, tanto trabalhando, como também vivenciei a minha infância, foi maravilhosa. Então, logo cedo, eu sempre procurei trabalhar para ter minhas coisas, porque eu tinha que trabalhar para ter as minhas coisinhas, uma roupa nova. Então, ao decorrer do tempo eu também cheguei já a catar reciclagem, para ter o meu dinheirinho, que eu não gostava de abusar de ninguém, ia para o mercado. Que minha mãe se envolveu com um rapaz, que por incrível que pareça, a amizade da gente era tão grande, que eu passei a chamar ele de pai, porque ele me apoiava em tudo. Então, ele tinha uma banca no mercado, e ali eu aprendi muitas coisas, a coisar o boi, a carregar, a negociar, através dessas etapas todinhas. Então, a minha infância, chegou um período em que eu tive que me casar. Casei cedo, com mais ou menos 15 anos de idade, saí de casa, tive o meu casamento na Ponta Verde, isso tudo. Tive que vivenciar isso daí já desde cedo, um legado bem… Então, decorrer do tempo eu tive que fazer coisas que eu não queria, mas fiz. Porque aí eu tive que me envolver na parte do crime, para sustentar a minha casa, para não estar dependendo… Aquela coisa, quero ser independente, tá entendendo? Para não estar abusando. Porque eu já vi o sofrimento da minha família, dizia: “Não, eu não quero abusar ninguém, não”. Está entendendo? Eu quero ser independente, não quero abusar da minha família. Se eu puder ajudar eu vou. Então, tipo, tinha aquela família que chegava lá, você vai comer um prato de comida. “Ah, vagabundo, tá não sei o que, vai procurar o que fazer.” Então, isso daí eu já… Para evitar essas coisas, eu tive que fazer, vou dizer, as minhas correrias. Sempre eu fui cobra criada. Então, eu não abusava de ninguém. Então, conforme o decorrer do tempo, a minha ex, a mãe dos meu filho, ela disse que estava grávida. Aí, foi um momento que eu disse, pô, nessa situação aqui que eu estou vivendo eu não vou chegar a ver minha filha, era a primogênita.
Então, foi aí que o meu raciocínio, a linha do tempo, mudou. Aí, mudou minha cabeça. Eu cheguei no pessoal, “Estou te devendo quanto? E quanto isso?” Paguei tudinho, saí de cabeça erguida e fui procurar um trabalho, que foi na construção civil, ali mais ou menos no Ouro Preto, na engenharia sólida. E comecei a trabalhar de servente. Ali foi mudando o meu jeito de ser, consegui muitas coisas através disso, conhecimento e tudo. E sempre me adaptando à melhoria. Trabalhava na construção civil, mas apanhava uma coisa e outra, para ter o meu dinheiro. E assim, foi a sabedoria que Deus me deu. Fui sempre pedindo e me adaptando. E até hoje eu sou esse microempreendedor, graças a Deus. E é isso aí.
14:01 P/1 - São quantos filhos?
R - São cinco.
P/1 - Pode falar o nome deles, falar um pouco sobre eles?
R - Meus irmãos são cinco, como eu já tinha citado, o Everton, a Débora, o Eduardo Cláudio e a Ana Cláudia. E a vivência deles, tipo, um trabalha de segurança, outro trabalho no estilo do rolo também, a minha irmã trabalha de faxineira, e a outra da trabalha de fazer menino, que são uns dez. A mais nova.
14:35 P/1 - E com relação aos seus filhos, são quantos filhos?
R - Com relação aos meus filhos, no meu casamento eu tenho dois, então é a Júlia e o Jonatan. Está entendendo? Minha relação com eles é ótima. Eu tento dar a eles o que eu não tive. Tudo o que eles me pedem eu me esforço para dar a eles, porque eu não tive vida boa. Eu digo sempre para eles: “Olhe, tudo que vocês têm hoje, eu nunca tive na minha vida”. Então, eu me esforço, deixo de comprar qualquer coisa para mim para dar a eles, me viro nos 30. Pago pensão, fora da pensão, faço o que eu posso, pego, vou no shopping, pego, vou passear. E quando tenho esse tempo, eu sempre estou dando esse auxílio a eles.
15:21 P/1 - Você convive com a mãe deles ainda.
R - Não, não. Não convivo não, chegou a um ponto que cada um teve que procurar o seu destino, porque é aquela coisa, o homem nasceu para ser o cabeça da casa. Sou muito pela Bíblia. O homem é o que domina. Então, quando a mulher passa do ego dela, tá entendendo? Que não quer escutar. Então, para evitar muitas coisas que a gente vem vivenciando aí na televisão, a gente tem que procurar o nosso destino, e cada um seguir um canto. A amizade continua, porque querendo ou não, ela me deu dois belos filhos, a minha herança. Então, eu acho que manter a conduta, é melhor assim.
16:02 P/2 - Você atualmente está morando onde você nasceu, ou você se mudou?
R - Não, atualmente eu tive que mudar para os Flexais. Flexais é Bebedouro, tive que sair, por causa que eu me casei, e até esse exato momento estou vivenciando lá. Então, é uma trajetória… Outra história que eu vivi lá, conheci novos amigos, conheci novas rotina, aprendi a andar de barco, com os colegas lá, os pescadores, meus amigos também. Conheci muitos amigos lá e ali aconteceu tudo, cachaça. E é isso aí.
16:49 P/2 - Você falou dos seus amigos. E como é essa relação com os seus amigos?
R - Minha relação, eu sou aquele cara que se não me chamar para a festa, os outros meus amigos se doem. Aquele cara resenheiro, aquele cara que só tem ele para animar a festa, é eu, e o Baby, é o Cocada de Sal, tem que chamar ele, ele é um cara… Eu sou um cara muito divertido, pra mim não tem tempo ruim, fase ruim. E também não sou aquele bebo… Só tem aquelas confusãozinhas que os caras levam muito na brincadeira, aí já se zoa, aí já começa a vim pra cá, vim para lá… Eu só vou ali para frente. E é isso daí.
17:29 P/3 - É onde é que você estava quando aconteceu o tremor?
R - O tremor, eu estava na minha residência, tinha a minha barbearia, tinha três funcionários. Eu também sou barbeiro. Então, foi no ano de 2018, no meio de março, dia 13, mais ou menos. Então, a gente começou a ouvir esse rumores, quando aconteceu. “Isso é culpa da BRK. Isso é o solo que está coisando por causa das águas.” E assim até descobriu o ponto, usou a competente, defesa civil, até achar o ponto que aconteceu essa tragédia. Mas enquanto isso, a população estava com temor, aquela dúvida de tudo. Aí, através dessa situação, quando deu o laudo certinho, justamente o laudo certo. Foi aí que começou a aparecer nos jornais, no Fantástico saiu, que aconteceu tipo efeito dominó, a cratera abriu, a mina 18, e que a mina 18 são três campos do Maracanã, que ia descer. Ia acontecendo isso, muitos amigos meus que morava no Chã de Bebedouro, distante, começou a se mudar, o pessoal não conseguia dormir direito. Eu também fiquei apavorado. E também através disso teve as percas, pessoas que se mudaram dali, se mudaram da rua do Ponto das Pedras, o pessoal da Ladeira do Calmon. As vizinhanças ao lado, que ia para a minha barbearia tomar uma Heinekezinha, brincar lá, se distrair. A minha barbearia, para ter ideia, fechava mais ou menos umas meia noite, por causa que a clientela era muita. E aquela convivência a gente não estava tendo mais, porque começou cair a demanda, porque estava todo mundo distante. Começou já dali, já começou as perdas, começou as perdas da praça. Aí, veio o Pinheiro, aí veio o Mutange, aí ali fechou e começou o trânsito que tem hoje, essas vias aí estão infernais, a realidade é essa, quem tem carro sabe disso. A moto dá para tapear. Então, foi muita perda, ver as escolas… Aí, foi caindo a ficha disso tudo. Começou já a levar a sério aquela tristeza, os Flexais começaram a ficar ilhados, começou a ficar desertos, sem segurança, começou a botar aqueles tapumes fechando tudo. A feira não tinha mais, o mercadinho piorou. Quem tem o seu automóvel para ir em uma feira comprar os seus alimentos, beleza. Mas para quem não tem? Então, os mercadinhos pequenininhos, os microempreendedores, se aproveitaram disso. Então, oléo que era R$7,00, hoje em dia está quase R$15,00, um café está daquele jeito. Já estava caro, aí com esse ilhamento socioeconômico, as coisas só pioraram. Então, com isso tudo, não só teve essa perda do meus clientes, como também eu tive uma perda tão grande, que eu não posso hoje em dia mais contar para os meus filhos. Dizer assim: “Olha, seu pai hoje em dia está vindo do Reviver e do Renascer, dançando naquela praça”. “Oh, meu filho, eu estudei naquela escola ali que você poderia estar estudando hoje.” O Bom Conselho, está entendendo? “Olha, o seu pai pegou carrego ali naquela feira ali, andava para aqui e acolá. Tinha um barzinho, o Mariola, tinha o barzinho do Denis, tinha a borracharia aqui, quando furava o pneu eu ia lá, conversava com os meninos.” Então, essas convivência tudo lá, Pontofrio, do mercadinho, que eu era da região, quando eu passava, dizia logo, “Olha o Baby.” Parecia até Deputado, acho que se eu me candidatasse eu ganhava os votos de muita gente. Então, a gente perdeu também não só isso, como também os parques, aquela diversão de levar os nossos filhos. Eu cheguei a levar os meu filhos para andar na roda gigante com eles, quando eles eram mais novos. E eu não vou ter mais isso. Eu não vou ter mais um torneiozinho, um campeonato de quadrilha e tudo, que eu dançava para disputar uma medalha, que para muita gente era um pedaço de plástico, mas para a gente… Está entendendo? Era muito valoroso sair em primeiro lugar, a gente não queria sair em segundo. A tendência era sair em primeiro lugar. Então, isso tudo foi se destruindo. Está entendendo? Como hoje mesmo estou vivenciando uma perda do Porto, que era o nosso campinho, quando a gente batia o nosso racha, meus irmãos, meus amigos lá do Flexal. Então, a Braskem, ela está fazendo um centro pesqueiro lá para os pescadores. Mas e aí, como é que fica a nossa população, que só tem aquele campinho? Já basta perder o campo da sal-gema, os campos do lado do Zoraide, que era lá na linha do trem. Isso tudo. Do Porto das Pedras. Então, cada vez mais dificultando a vivência da gente naquele bairro. E vamos ver o ponto que vai chegar, com os competentes, as autoridades, porque a gente está vivenciando uma cena de terror. E como se fosse uma série que não tem mais fim. Toda a série, eu acho que no filme, na Netflix, ou seja em qualquer tipo de aplicativo, ela vai chegar ao fim dela para vim a temporada. Qual será a próxima temporada de cada um da gente que está vivenciando relatos e relatos? Agora entrou de novo a Fernandes de Lima, esse rachão que cada dia mais está baixando. Qual bairro precisa ser afetado? Mas aí, com tudo isso, vem um pouco de esperança, com um programa chamado Nosso Chão, Nossa História, que ele veio fomentar muitas coisa, tipo uma luz no fundo do poço, que veio com projetos qualificando e tentando ajudar essas pessoas da área de borda, que a gente hoje em dia está vivendo um câncer, e se esse câncer não for parado, vai se alastrar. E ninguém sabe onde vai parar. Então, o que a Braskem está fazendo, é uma forma de maquiagem. É como pegar, bater numa mulher, e deixar o olho dela roxo, e tentar passar uma maquiagem, pensando que o povo não vai perceber a agressão que o esposo dela fez. A mesma coisa é a Braskem. Ela pode tentar fazer o que quiser, mas não vai conseguir tirar do cidadão de bem as suas trajetórias, a sua cultura, a sua vivência nesses bairros que foram afetados. Então, é lamentável, é triste vivenciar uma perda tão grande, uma perda tão grande que eu lembrando direitinho, a minha avó sempre falou em Sal Gema, o nome dela, quando ela se apresentou. Ela se apresentou como Sal Gema. Então, depois veio esse nome de Braskem. E os antigos, pessoas antepassadas, sempre falaram que ia acontecer isso. Minha avó não está viva hoje para falar dessa situação, que levou ela, a doença chamada diabete. Mas isso daí já estava previsto. Isso tudo. Todos nós fomos prejudicados, como meus amigos, o Passaporte do Batata. Aquele churrasquinho que eu tinha lá, do Denilton. A praça foi o primeiro dia que eu bebi, a Praça Lucena Maranhão, foi aquele primeiro dia que eu bebi ali onde antigamente era uma bola, no meio, que tiraram até hoje. Eu analisando como ela era antes, ela tinha uma bola, e ali a gente se concentrava ali, os amigos compravam as coisas botavam nos ______ de coca-cola, a gente começava a beber ali. Ali vivenciei os melhores momentos também na minha vida, coisas que eu não vou viver mais, não vou viver mais, porque não existe mais o local. O que me dá uma dor e quando eu passo, quando eu venho fazer cursos, essas coisas todinhas, eu vejo direto, a praça está lá, intacta, sem ninguém poder usar. Tá entendendo? Como se fosse um museu. E o museu de quê? O Museu da Solidão? Que museu é aquilo ali? Que ninguém pode chegar mais, porque se chegar só vai ver tristeza. A gente não vai ver mais aquele amigo, a tia Rosa, que costurava a nossa roupa para a gente se apresentar. A ACACB (Associação de Crianças e Adolescentes do Chã de Bebedouro), a ACACB foi tudo que começou a minha história, a Associação da Criança, do Estatuto do Adolescente, que é na rua… Deixa eu me lembrar aqui, um minutinho, por favor. Rua Nossa Senhora da Conceição, que dá divisória com as quebradas, que é a Chã de Bebedouro. Dali, quando eu vim conhecer esses bairros, eu saí dali, eu fui revelação da ACACB, que eu dançava no Coco ACACB e através dali eu conheci a banda Afro Palmares, a banda Arranha Céu, que eu fui ali desenvolver projetos. Que quando eu ouvi o meu irmão tocar no surdão, me apaixonei. Então, ali eu comecei a ir pra dançar Coco e pra tocar na banda Afro Palmares. Eu participava toda sexta feira de uma reunião. Tinha que ser, se você faltasse nessa reunião, no outro dia você não ia ensaiar. Era obrigatório. E era obrigatório também tirar notas boas também na escola, pra manter os ensaios, para manter o teatro, para manter tudo. Eu gostava de me envolver, eu participava de tudo que dava, porque tinha os passeios, tinham as brincadeira lá. E também, querendo ou não, era a comunidade todinha lá, porque se você não entrasse lá na comunidade pra participar da ACACB, tipo, a rua ficava deserta. Tipo, “cadê os meninos?” “Ah, tá na Associação.” “Oxi mainha, eu quero entrar.” Foi aí que eu entrei. Aí, eu me tornei o melhor aluno nos batuques, no surdão, no repique. Eu comecei a ensinar, depois já com os meus 10 anos. Com meus 10 anos de idade, já comecei a ensinar no teatro também, no futebol. Participava de tudo. Aquilo dali, tudo era gostoso. Então, a gente saía dali para fazer apresentações na praça Lucena Maranhão, na Praça do Mirante, ia pra Brejal, viajava. Ali era um momento que a gente esquecia, desconectava do mundo para vivenciar aquilo tudo. E hoje em dia… É lamentável como a ganância do homem… Olha que ponto vai chegar essa ganância do homem. Tudo destruído, né? Eu fico triste. É muita lembrança. Tipo, da parte ambiental, da Lagoa, vejo hoje a minha tia marisqueira reclamar, passou cinco anos sem ter sururu, os peixes morrendo. A culpa é de quem? “É a lagoa que está poluída, porque o esgoto está batendo não sei aonde.” E aí, vai viver nisso até quando? Da lagoa está poluída, dos guaiamuns estar sofrendo, as garças. Teve muitas pessoas que tinham suas casas, num cômodo, fazia tipo uma vilinha pra ganhar o seu benefício da Braskem. Um monte de gente usou dessa inteligência, que até qualquer um faria isso. Então, muitas pessoas dessas foram acusadas de crime ambiental, por causa que o seu quintal dava de fundo com a Lagoa, fizeram uns barraquinhos, e até hoje eu vejo muitos desses respondendo processo. Crime ambiental pior do que esse que a Braskem fez? Não está sendo julgada. Até quando os poderes públicos vão ouvir a voz só que tem dinheiro e os pobres, mais humildes, que não tem essa condição todinha, a voz dele não vai poder ser clamada, não vai poder ecoar. Então, é muito lamentável essa situação que estamos vivenciando hoje. É muita tristeza, uma cicatriz que não vai apagar nunca mais. Quem está morando aqui perto, nas bordas, sabe disso, né? Aquelas pessoas deem graças a Deus de não ter vivenciado isso que a gente está vivenciando. Então, isso tudo, essa trajetória todinha, e me apego aonde? Eu me apego com um amigo, chamado Paulo Rodrigo, onde a gente vem desenvolvendo a felicidade e a alegria da população, ali na Chã de Bebedouro, as crianças, os adolescentes, a gente vai pegando uma coisa de um e de outro, um aqui e acolá. Isso tudo começou em 2016, quando começou a gente… A tia Maria Helena, ela já faleceu…. Não tinha mais como apresentar a nossa banda ali, a nossa banda não tinha como se apresentar. Então, surgiu essa ideia de fazer a FQ. Então, essa página, graças a Deus, hoje em dia, faz muito grande sucesso, porque a gente tenta sempre buscar dos órgãos, que ainda tem aquela sensibilidade de olhar para cada um de nós, né? E a gente arrecada, e vai ajudando as famílias carentes, vai incentivando os jovens pra não passar pelo o que eu passei, para não ir para o mundo do crime, tá entendendo? Porque, é tipo, é uma saída sem volta. Só tem dois caminhos, ou o mundo da cadeia, ou o mundo da morte. Mas graças a Deus, com a bondade de Deus, Deus tocou no meu coração e eu consegui sair. E tudo isso que a gente está vivenciando fica como? Tá entendendo? Os órgãos públicos aí, e a gente tenta ser mais prático em tudo isso.
31:49 P/3 - Baby, você falou da perda da Praça Lucena Maranhão, que você participava do Coco de Roda e tal. Onde é o seu lugar de lazer hoje em dia? Você tem?
R - Meu lugar de lazer, hoje em dia, eu posso dizer que tinha, porque vai fazer mais ou menos uns quatro mês, seis meses, que aconteceu… A BRK está fazendo o saneamento básico na rua, na rua Tobias Barreto, onde é essa minha residência, que lá minha casa é tipo um sítio. Que eu tentei também fazer um bar, abrir, só que não consegui através do isolamento socioeconômico, as coisas tudo, distância dos amigos. E o que acontece? Ela está fazendo um saneamento básico, um negócio de lotação. Então, em fevereiro, dia dois, ela estava lá com os maquinários dela, passando com os caminhões tudo grande, e em frente a minha casa tinha aquelas placas bem grandonas, que ela cava, bota as bombas sapo, um monte de bomba chupando a água da terra, em frente às residências que praticamente todas racharam. Só que a minha não aguentou, a minha veio por água abaixo, então quando veio por água abaixo, perdi o meu lazer. Foram lá tentar negociar, até hoje não resolveram nada, está na justiça. Estou desabrigado, em termo de que? Estou dormindo na rede. Perdi uma cachorra de alto porte, por causa da queda, perdi meus móveis todinhos. E com essa chuva tá lá o buraco todinho, água está caindo. Eu estou sofrendo até hoje. Já basta a situação das perdas que eu já tive, em relação a amizade, em relação a praça, em relação a tudo. E o lazer que eu tinha lá, para me aconchegar, tomar minha cervejinha, trazer minha família, no final de semana botar a piscina lá de plástico. Hoje em dia eu não tenho mais. Então os órgãos competentes, como Defesa Civil, chegou lá e disse que é porque a casa era antiga, caiu, isso era normal. Não deu nenhuma compensação para me ajudar no aluguel, pra mim sair de lá. Tive que me afastar da minha família, estou lá vivendo esse tormento todo, porque elas, a Passarelli, com a BRK, ficam jogando, uma para outra. E outra, o juíz, o Tribunal de Justiça, já deu a ordem com o juiz e eles até agora não acataram. O prazo deles foi até dia dois agora, recentemente, e eles nada resolveram. E estou vivendo esse tormento todinho, com isso tudo.
34:36 P/1 - Além dessa perda que você teve da sua casa. Como foi para você perder esses lugares que você citou?
R - Rapaz, o meu coração clama por justiça. Está entendendo? Essa perda eu vou levar comigo para o resto da vida. Enquanto Deus me der consciência da vida, eu não vou esquecer nunca. Esse dinheiro que ela dá, irrisório, de compensação, o que seja lá, não vai pagar nunca a minha trajetória de vida, as coisas que eu vivenciei, os meus melhores momentos da minha vida. Não tem dinheiro nenhum que pague isso. Não tem. Ela pode querer dar… “Você vai ficar rico para o resto da sua vida, vai ter as melhores coisas.” Não vou ter não. Eu não vou ter meus amigos por perto, eu não vou ter como apresentar para os meus netos, para os meus filhos… E o que é prazeroso do ser humano, eu diria: é você vir com o seu legado, chegar e dizer bem assim: “Seu pai que fez isso, tá ali. O filho está ali representando o seu pai”. Coisa que eu não vou poder mais ver isso. Isso daí que eu almejava pra mim futuramente, coisas que eu não tive nem com o meu pai, nem com a minha mãe. Eu queria dar para os meus filhos. E isso mais uma vez sendo destruído, por causa de ganância do homem, e porque os poderes públicos faz vista grossa por isso tudo que a gente está vivenciando. Então, essa é a minha situação.
36:08 P/1 - Você também citou o Coco de Roda. Eu gostaria de saber, que festas, celebrações, as tradições culturais que mais marcaram você e a sua comunidade?
R - A cultura do Coco de Roda, que mais marcou, porque era parte de São João. São João, Palhoção, isso tudo chama o turismo. Era um encontro na Praça Lucena Maranhão, que descia ali os amigos, que descia todo mundo para olhar aquele… tipo um campeonatozinho básico. Mas ali onde a gente se encontrava, todo mundo junto, ali naquela praça, aquela praça foi a herança, a herança que a gente tinha. Perdeu. Hoje eu vejo meus amigos tudo reclamando. Não tem outro espaço para brincar. Onde é que a gente vai pegar, vai fazer outro espaço para fazer o que fazia naquela praça? Não tem mais. “Ah, o espaço.” Que espaço vai ser esse? É isso.
37:12 P/2 - Você falou sobre justiça. Para você, o que seria a justiça diante dessa situação toda?
R - Justiça para mim seria que esse povo voltasse para o seu lugar. Mas isso não vai acontecer mais, né? Então, essa trajetória de tipo de… Como eu posso lhe dizer? Desse negócio de compensação banal… Porque assim, a Braskem sempre dá aquele jeitinho para dizer que não é culpada de nada, aquele desvio. Então, justiça para mim, seria nada mais, nada menos, tentar resgatar algum local, algum canto, que esses pessoal possa se encontrar em definitivo, as suas atividades, as suas culturas, as suas religiões, está entendendo? Tentar amenizar essa perda. Então, nada mais, nada menos, fazer, ou trazer algum projeto. Isso daí é o básico, está entendendo? Porque tudo o que ela fez, isso daí é injustiçado. O país, os governos, os órgãos competentes, faz vista grossa para isso. Então, pra mim não tem dinheiro nenhum que não pague isso aí não. É só perda.
38:40 P/2 - Baby, você é morador das bordas, e na sua visão, o que seria viável para os moradores de Borda? Vocês querem ficar lá, querem sair?
R - Eu sou muito daquele ponto que respeito a opinião de cada um. Aqueles que querem ficar, fique, e aqueles que querem sair, saia. Porque no meu ponto de vista, só vai fazer essas áreas de borda sofrer mais. Porque esse pessoal vai acordar, vai vivenciar toda essa situação que está acontecendo. Então, cada vez mais vai sofrer. Mas eu respeito quem quer ficar. O meu ponto de vista, eu sairia, porque eu me sinto tão bem quando eu vou para outro canto, porque eu me esqueço desse pesadelo que eu estou vivenciando. Então, quem quer ficar, quem quer ficar nesse sofrimento… Porque através dessa situação de borda, eu vi muitas pessoas se matarem, como Dona Pureza, se matou, matou a filha. Como já vi também… eu passei negócio de poucos segundos, policial na esquina mesmo dando com a mão, se matou. E muitos outros que tiraram a vida com a sua saúde mental afetada. Até quando essas áreas de bordas vão ficar vivenciando uma tragédia dessa para acontecer outro… Como eu posso dizer, outra fatalidade? Então, o meu viável, no meu ponto de vista, era que essas pessoas que tivessem na borda, fossem realocadas. Fossem viver a vida dela em outro lugar, para que a saúde mental dela… Pelo menos não vai esquecer, mas eu acho que vai tranquilizar em muitas outras coisas, porque não é fácil viver numas áreas de borda, vivendo, vivenciando uma situação… Empurrando com a barriga. Aí, joga pra prefeitura. A prefeitura sabe como é que é… Vai jogando com a barriga, vai jogando com a barriga, e a população sofrendo. Sofrendo com a saúde, sofrendo com a falta de um posto, sofrendo com o mercadinho, sofrendo com falta de feira, sofrendo com isso tudo. E até quando vai viver essa situação de área de borda? Sofrendo com o trânsito. Porque a passagem que a gente tinha era ali no Mutange, já saia no centro. Hoje em dia você tem que rodear. Se você pegar o trânsito aqui de manhã, só Jesus na causa. Então, é uma coisa puxando outra. Então, no meu ponto de vista, que essas pessoas fossem realocadas para tentar viver a sua vida em outro local.
41:08 P/1 - Vamos para a última pergunta. Se você pudesse voltar a cinco ou seis anos atrás, antes do problema em si. Qual o lugar que você gostaria de visitar?
R - O local que eu gostaria de visitar? A praça Lucena Maranhão. Não tem para onde correr, ali foi minha infância, ali foi minha trajetória, ali foi as pessoas que eu conheci, verdadeiros amigos, falsos amigos, que me ensinaram a lição de vida. Foi os meus primeiros amores. Foi as escola. Porque ali pra mim, era tipo… Pra mim era uma cidade, sabe? Porque eram as escolas, era bom demais, ver aquela sensação de todo mundo largando, enchia todo mundo aquela praça. Ali eu me sentia acolhido por uma família. Todo mundo se conhecia, né? E hoje em dia a gente não vai ter mais. E é lamentável eu passar todo dia e ver que uma parte de mim foi se embora, e foi aquele local.
42:19 P/1 - Gostaria de te agradecer pela entrevista. E a gente encerra por aqui.
R - Tá! Ok! Obrigada! Gostaria também de agradecer essa oportunidade de estar aqui me expressando um pouco da minha história, um pouco do meu viver. É isso, só tenho a agradecer.
P/4 - Baby, e como é que foi contar um pouco da sua história para a gente?
R - Foi voltar o tempo, foi voltar o tempo. Foi pegar, tipo um arquivo que estava velho lá, cheio de aranha, pegar o pincel, limpar e puxar um pouco dessa trajetória. Eu fiquei feliz, me emocionei. A sensação que eu estou sentindo aqui, espero sentir muitas vezes, como relembrar um pouco o cotidiano dessa situação de cada um de nós. E cada um que vai contar a sua história vai sentir esse amor de puxar as coisas que a gente não vai vivenciar mais. Tipo, as avós, as mães, os irmãos, as brincadeiras, as comidas, os lugares, né? É isso daí.
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