Projeto: VLI – Estação de Memória: Porto & Pesca
Entrevista de José das Merceis dos Santos
Entrevistado por Luíza Gallo e Ane Alves
São Luís, 26/09/2025
Entrevista nº: VLI_HV012
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1 - Seu Zé, qual é seu nome completo?
R - Meu nome completo é José das Merceis Santos.
P1 - E que dia o senhor nasceu? Qual é o dia do seu nascimento? Seu aniversário?
R - Eu sou 08/02/1944
P1 - E que cidade o senhor nasceu?
R - A idade?
P1 - Cidade?
R - Que idade eu tenho?
P1 - Onde você nasceu?
R - Senhora, eu não tô... Eu nasci em fevereiro.
P1- E em qual região?
R - Dia 8 de fevereiro.
P2 – O senhor nasceu aqui?
R - Se eu Nasci aqui? Não.
P2 - Fala pra gente onde o Senhor nasceu?
R – Não, lá em Toamirim, Toamirim de cima. Agora, minha mãe veio para cá, e eu vim pequeno, me criei aqui. Quer dizer, na realidade, eu já posso dizer que eu sou filho daqui. Tô com 81 anos, que eu vivo aqui. Quer dizer, já é um tanto.
P1 - Opa! E você veio pra cá com quantos anos?
R - Com 4 anos.
P1 - Ah, bem pequeno! E que recordações você tem dessa época?
R - Dessa época, estou com 81. A minha idade.
P1 - E quais lembranças você tem de pequenininho?
R – Rapaz, eu esqueço, não tenho lembrança, não encontro.
P1 - Da sua infância. Na sua infância, o que você fazia?
R - Ah, eu trabalhava com lavoura. É, sim senhora. Ainda, até hoje. Não estou trabalhando por causa da vista. Mas graças a Deus, até hoje eu tenho disposição de trabalhar, de trabalhar, viu? Hein, hein! Que aí tem esse braço aqui, eu sou todo exteriorizado, viu? Aí, eu fui tirar, um animal que eu tenho aí, tem uma carroça aí, bem aí! Eu fui tirar capim, aí quando chegou no meio do caminho, eu encontrei duas caçambas, e ela é acessórios para carro. Na hora que ela coisou, o carro buzinou, bem de acordo com a carroça, quando eu chego do outro lado da estrada,...
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Entrevista de José das Merceis dos Santos
Entrevistado por Luíza Gallo e Ane Alves
São Luís, 26/09/2025
Entrevista nº: VLI_HV012
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1 - Seu Zé, qual é seu nome completo?
R - Meu nome completo é José das Merceis Santos.
P1 - E que dia o senhor nasceu? Qual é o dia do seu nascimento? Seu aniversário?
R - Eu sou 08/02/1944
P1 - E que cidade o senhor nasceu?
R - A idade?
P1 - Cidade?
R - Que idade eu tenho?
P1 - Onde você nasceu?
R - Senhora, eu não tô... Eu nasci em fevereiro.
P1- E em qual região?
R - Dia 8 de fevereiro.
P2 – O senhor nasceu aqui?
R - Se eu Nasci aqui? Não.
P2 - Fala pra gente onde o Senhor nasceu?
R – Não, lá em Toamirim, Toamirim de cima. Agora, minha mãe veio para cá, e eu vim pequeno, me criei aqui. Quer dizer, na realidade, eu já posso dizer que eu sou filho daqui. Tô com 81 anos, que eu vivo aqui. Quer dizer, já é um tanto.
P1 - Opa! E você veio pra cá com quantos anos?
R - Com 4 anos.
P1 - Ah, bem pequeno! E que recordações você tem dessa época?
R - Dessa época, estou com 81. A minha idade.
P1 - E quais lembranças você tem de pequenininho?
R – Rapaz, eu esqueço, não tenho lembrança, não encontro.
P1 - Da sua infância. Na sua infância, o que você fazia?
R - Ah, eu trabalhava com lavoura. É, sim senhora. Ainda, até hoje. Não estou trabalhando por causa da vista. Mas graças a Deus, até hoje eu tenho disposição de trabalhar, de trabalhar, viu? Hein, hein! Que aí tem esse braço aqui, eu sou todo exteriorizado, viu? Aí, eu fui tirar, um animal que eu tenho aí, tem uma carroça aí, bem aí! Eu fui tirar capim, aí quando chegou no meio do caminho, eu encontrei duas caçambas, e ela é acessórios para carro. Na hora que ela coisou, o carro buzinou, bem de acordo com a carroça, quando eu chego do outro lado da estrada, arrebentou e a carroça caiu e eu caí por cima, aí deslocou isso aqui do meu braço aqui. Porque eu sou mesmo... Porque eu gosto de trabalhar, porque se eu fosse uma outra pessoa, encostada, estava na cama, na rede, deitado. Mas Nossa Senhora, não meu deito, de jeito nenhum. Tem essa menina aí que sabe, meu Senhor. Que ela me conhece, ela me adora, ela é muito amiga minha, ela aqui. Aí, quando foi agora, passou uns tempo, eu fui ali no Porto, fui pescar camarão. Eu pesco, tá vendo? Aí, quando eu cheguei ele falou: “bora lá buscar...” Fui buscar o puçá, ai ele subiu na bicicleta. Aí, eu disse: não, pode ir lá, eu vou andando. “Homem, na bicicleta é mais ligeiro, venha.” Quando chegou bem aí, senhora, bem de frente ali, tinha uma cachorra no meio do caminho. Aí, para ele não pisar na cachorra, ele saiu.... Aí, ele tombou e eu acompanhei o tombo dele. Aí, caiu todos os dois. Eu caí com a minha cabeça aqui na pista e com o braço que já estava quebrado. Acabou de lascar. Passei cinco dias no hospital. Não vim nem em casa, de lá mesmo o menino me pegou no carro e me levou para o hospital. Passei cinco dias no hospital. Aí, de lá pra cá, foi que me apareceu essa surdez. Que eu não era surdo não. Não era surdo não. Está com dois meses que estou com esse problema. Mas eu estou conseguindo um dinheiro, que é pra mim mandar… Que eu fui lá na Santa Casa mandar “coisar”, mas lá não é de graça não, é particular também. Então, eu estou juntando um dinheirinho aí, para mim poder providenciar para ver se fico bom. Aí, eu caí de novo, ali, que eu aqui. E ainda caí aqui, quando cheguei aqui. Acabou de escangalhar. Mas assim mesmo ainda sou útil. É isso, trabalhando, tenho coragem. Graças ao bom Deus, tenho a minha disposição para o meu serviço. Tudo isso aqui eu que faço?
P2 - Seu Zé, o Sr. chegou aqui com quatro anos. O que que o senhor fazia? Brincava ou já trabalhava com quatro anos?
R - Ô, meu Deus do céu…
P2 - Quando o senhor chegou aqui no Porto, o que que o senhor fazia? Brincava ou já foi trabalhar?
R - Não. Quando eu cheguei aqui, eu já trabalhava.
P1 - E o Senhor trabalhava na agricultura?
R - Na roça.
P2 - Na roça? E quando o senhor começou a pescar?
R - Na lavoura, pescar, tudo. Eu pescava.
P2- Começou a pescar com quantos anos?
R - Eu tenho meus utensílios tudo aí, de pesca, canoa, tudo eu tenho.
P2 - Mas o senhor começou a pescar com quatro anos?
R - Não leve a mal, fala mais alto, porque não estou…
P2 - Com qual idade o senhor começou a pescar?
R - Com a idade de 16 anos pra frente, comecei a pescar.
P2 - E aprendeu com quem? Quem ensinou o Senhor a pescar?
R - Quem me ensinou a pescar? Senhora, na realidade Deus Nosso Senhor que me deu isso de eu pescar. Eu pesco de rede, eu tenho rede aí, tenho Puçá. Tudo tenho aí. Tenho as minhas duas canoas lá no Porto. Tudo eu tenho. Mas pescar foi Deus Nosso Senhor que me deu a dica de eu já pescar. Eu pescava junto com os outros, e com aqueles que eu pescava, que eram mais antigos do que eu, aí eu fui encaminhando com eles lá. E hoje, graças a Deus, eu sei pescar.
P1 - E o que que você pescava? O que você pescava?
P2 - Qual o tipo de peixe o Senhor pescava?
P1 - Era peixe? Camarão?
R - Não tinha medo não, era peixe, camarão, tudo, eu pescava.
P1 - Tudo?
R - Tudo. Até hoje eu ainda arrasto camarão e pesco ainda. Aí, a mulher que não quer deixar, depois desse problema que ela não quer mais deixar eu ir pro mato e nem pescar. Mas eu pesco ainda.
P1 - E você entrava para dentro do mar. Ou você pescava na beira.
R - Não, no meio.
P1 - Conta umas histórias pra gente?
R - Aqui é rio, entende? Aqui. Mas eu pescava lá na baia, pra lá. Andei muito embarcado, muito embarcado eu andei. Porque eu cortava, nessa época, negócio de corte de mangue, eu cortava muito mangue também. Eu trabalhava com lavoura, trabalhava cortando mangue, trabalhava em capinar, tudo eu trabalhava. E trabalho ainda. Graças a meu Deus, eu tenho a minha expulsão e minha coragem. Eu vivo em torno disso.
P1 - E seu Zé, você tem algumas histórias sobre a pesca? Um dia na pesca, como que é?
R – Se eu tenho alguma história?
P1 - Isso! Conta umas histórias pra gente, da pesca?
R - É pra mim contar uma história da pesca?
P1 - Isso.
R - Tá bom! Olha, a pesca é o seguinte: quando era na rede, a gente botava a rede na beirada. E quando não era na beirada, era no meio do rio. Aí, a gente ia arrastando a rede. Ela ia de “lambuda” e a gente ia na canoa. Observando ela. Bem, quando o peixe batia lá, aí a gente corria nela, aí ia tirando o peixe e tornava espalhar, no meio do rio.
Agora, quando era na beirada, aí eu ia na beirada da lama aqui e o outro ia por fora. Aí, nós ia andando, arrastando ela. Quando entrava o peixe, que aí o peixe batia, aí agarrava nela, ela é segura. Que eu tenho aí, tá tudo aí, a minha rede, Aí, do lado de fora assim, fechava, e eu vinha daqui, aí nós fechava aqui assim. Quando escutava, nós levantava o chumbo, ele de lá e eu daqui. Aí, nós ia recolhendo. E depois saia, tainha, bagre, todo tipo peixe, agarrava, quando nos pescava à rede. Aí nós levava, a mesma coisa, arrastando um do lado de fora e outro por trás, e depois batia na rede assim, aí nós tornava a negociar. Tinha vez que a gente pegava 30, 40, 50 quilos de peixe. Era… A tainha, mais era tainha. Na época. Quando era época da tainha, dava muito aqui. Essa aqui terminou. Agora eu vou contar o artigo da pescaria de tapagem. Quer dizer, esse aí era outro modelo de rede. Eu tenho aí. Eu trabalhava no igarapé, eu saia sozinho, no igarapé eu trabalhava sozinho. O cachorro que sempre me acompanhava. Aí, eu cercava o igarapé, o poço do igarapé é esse aqui, aí eu cercava ele todinho, aí passava a rede lá da beira do mangue, aí vinha estendendo aqui até chegar na outro lado. Agora lá eu vinha coisando e vinha aterrando. Primeiro no córrego, no meio do igarapé, eu fincava um gancho, assim, para firmar o cordão da rede. Pisava bem e ia abafando, ia pisando e cobrindo assim, com lama, alisando tudinho. Aí, quando terminava... Aí vinha me embora para casa. Quando era na hora de levantar, tinha outra maré, na enchente. Eu chegava quando era umas 22h00, pra dizer o horário da maré, era de noite. Aí, eu ia, eu só e Deus e meu cachorro que me acompanhava. Aí, quando chegava a hora de levantar, pegava lá da ponta, na outra, e ia levantando e amarrando na estaca. Ela ficava todinha, de fora a fora. O peixe que estava lá dentro, ficava preso. Aí, quando ela secava, aí eu saía, ia lá de vasca, lá de cima para baixo, e ia descendo o peixe. Eu pegava, às vezes, era 40, 50, 60, 80 kg de peixe. Eu pegava. Eu sozinho e Deus e Nossa Senhora. Eu tinha, a primeira rede, eu convidei o menino que morava ai, para nós inaugurar a rede, a primeira pescaria que eu fiz. Aí, eu convidei ele pra ir pescar. Aí, ele disse que não, que ele não ia pescar, que ele estava ocupado… “Tá bom!” Eu agarrei a rede, botei dentro do saco e fui pra lá. Quando cheguei, botei as estacas. As estacas que eu chamo aqui, é o pau que a gente finca para firmar a rede. Aí, eu fui lá tapando o igarapé. O igarapé é comprido, agora é estreito. Fui tapando lá. O cachorro junto comigo. Aí, quando a maré passou de enchente, aí eu fui suspender ela, era de noite, era uma 23h00. Eu só e Deus. Aí, eu suspendi ela, quando eu pus uma escada de manhã, quando pus a escada, caiu peixe. A minha canoa era 20, 24, palmos de comprido, com uns seis, sete de largura. No banco do meio, dos botes, para a proa, foi certinho no dormente, de peixe. Toda ela. Pescada, uritinga, bagre, todas as qualidades de peixe. Tudo eu pegava. E quando eu cheguei no Porto, a canoa chega vinha assim... Aí, chegou o pessoal... Aí, eu disse, assim: olha, a primeira pescaria que eu fizer com esta rede, é pra mim dá. E assim eu fiz… Quando eu cheguei lá, a turma estava lá no Porto. Meu nome é Zé das Merceis, mas apelido de Zé Uru. Aí, eles me chamaram: e Zé Uru cadê o peixe? “Tá ali.” Aí, colei a canoa, eles olharam. “Rapaz, tu pegou mesmo!” Eu digo: vem cá, me dá teu saco. Derramava, enchia de peixe, “pra você comer.” Aí, para os que estavam lá no Porto, eu dei! Agora, o resto eu trouxe pra casa. Ainda vendia ainda. Aí, daí para cá eu faço assim, graças a Deus.
P1 - É como o Senhor vende os peixes. Como você vendia os peixes?
R - O preço? Ah, como?
P1 - Você limpava antes?
R - Tudo era barato. Às vezes, era três... Nesse tempo ainda não era real, era cruzeiros. Três cruzeiros, quatro, conforme o tipo do peixe. Que a pescada sempre é mais cara, era cinco conto o quilo, nessa época. Hoje o quilo de pescada tá o que? Parece que R$30,00. Para ver o tanto que modificou. É assim.
P2 - Mas o senhor vendia o peixe aqui? As pessoas vinham comprar peixe aqui?
R – Tinha vezes que eu vendia aqui, na região aqui. E quando o peixe era bastante, eu botava no carro de mão, ia para Vila Maranhão vender.
P2 - Com carrinho de mão? Levando o peixe no carrinho de mão?
E - Era, empurrando todo tempo. Nessa lonjura todinha. Aí, eu passei... Tem um pescador aqui, outro pescador. Aí, ele passou o peixe pra mim comprar. Aí, eu passei pra comprar o peixe. Às vezes, eu comprava 200 quilos, 150. Não tinha quantia certa, porque a pescaria é assim: hoje você vai, pega uma quantia, amanhã você está para outro igarapé, pega outra quantia. Não tem quantia certa não… Porque às vezes, você pega demais, pega de menos, pega na média. Por exemplo, eu pego 50 quilos hoje, quando é amanhã, eu estou para outro lado, eu pego 20. Eu vou, às vezes pego 40, às vezes pego 70. E é assim, não tem quantia certa não. Está sempre pegando aquela quantia, não senhora.
P2 - Mas o senhor acha que muda, por quê? Por que às vezes pega mais peixe e por que às vezes pega menos peixe?
R - Quando eu pego bastante peixe, aí, eu faço o quê? Aí, eu dou. Eu dou, sempre dou. Graças a Deus. Por isso que, graças a Deus, Deus e Nossa Senhora sempre me olha. Porque quando eu chego... Porque tem muito pescador que é Nenga, eu não senhora. Eu sou um pescador, quando eu chego com o meu peixe aí____, a gente tinha que ter começado. Outra história, eu tenho um amigo, ele é morto. Ele foi pescar comigo, aí nós apanhamos. Rapaz, nos apanhamos uns 80 quilos de peixe. Quando chega no Porto, a turmas esta lá... Peguei uma raia, na época, ela era quase a largura dessa sala aqui. Aí, quando eu cheguei lá, reparti a raia, tudinho. Dei essa raia tudinho. Pra mim dizer que não dei tudo, tirei um pedaço para o rapaz que estava comigo e tirei um pedaço assim, para mim. E o resto dei todinho. E aí, eu ia para o outro igarapé, lá embaixo. Aí, o rapaz disse que não ia mais pescar. Eu digo: rapaz, tu não vai, por que? “Porque você pesca, quando tu chega dá o peixe todo. Tu dá o peixe todo.” “Olha, Pedro, a pescaria é muita ambição. A pescaria quer que a gente nem esteja olhando, o que a gente faz aqui. Deus está olhando o que a gente faz. Porque olha, esse peixe que eu estou dando aqui, a gente vai para outro igarapé e a gente pega o duplo, que é o dito e certo.” Aí, quando foi... Ele disse que não ia. “Não vai, não? Pois eu vou, eu vou só e Deus”. Aí, eu fui. Meu cachorro sempre me acompanhando, ele nunca me largou. Aí, o cachorro foi comigo, de noite, só pelo igarapé. Aí, nós estava lá indo, ele chegou. “Rapaz, eu vou!” Eu digo: mas rapaz, você vai achar ruim que eu dou. Eu dou! Então não adianta você ir.” “Não, eu vou!” “Então, vamos!” Era um igarapé lá pra baixo, Minhas irmãs aqui sabem o que eu estou dizendo. Aí, quando foi de noite, agarramos outra manga de rede, atravessei e subimos igarapé arriba. Quando chegou aqui no final da maré, aí agarramos a vara assim, e comecei, bá, bá, bá. Bati lá pra baixo. Quando chegou em certa parte da rede, aí eu agarrei duas estacas, uma do lado, outra do outro. E agarrei outra ponta de rede por cima, atirei outra por cima da grande. Aí, quando a maré secou, de manhãzinha. Pode crer que ele não podia nem pisar dentro da água do Igarapé, de peixe. Aí, a gente olhava assim, chega tava assim, de peixe pulando! Batendo, batendo. Aí, o peixe furou a rede, chegou lá na outra rede. Aí, ele queria voltar. Eu agarrei outro ponto de rede, tudo certinho. Aí, achei uma rede de arrasto, pequeno, dessa largura aqui dessa casa aqui. Um agarrou de um lado, outro agarrou de outro, e saímos arrastando. Três homens não pode botar dentro do casco, de peixe. Aí, repartimos, botamos dentro do casco. Tornamos. Demos três lances. Foi de ponta a ponta de peixe. Eu digo: olha aí Pedro. Que o nome do cara era Pedro, Pedro dos Santos. Eu digo: olha, Pedro dos Santos, eu não sovinei e não sovino. Tu estava querendo ser canega, mas olha, Deus escutou a minha proposta. Escutou o que eu estava fazendo aqui. E o que tu está fazendo. Quer dizer que nós pegamos o duplo do que nós podemos. E aí, chegamos no Porto. “Olha o peixe aí para vocês comerem.” Assim que é. Mas todo tempo eu matava peixe. Todo tempo. Aí, foi tempo que passou pra... Mas sempre trabalhando com a minha roça. Sempre trabalhando com a minha lavoura. Aí, cortava mangue. Mas aí o corte de mangue parou. Aí, eu fiquei com a minha roça, trabalhando de roça. Eu trabalho de roça... Oh, outra, eu não sei ler. Essa menina aí, às vezes, ela que assina pra mim. Mas eu não sei ler, eu não boto a culpa nos meus pais. Eu boto a culpa em mim mesmo, porque meus pais queriam me botar no colégio, pra mim estudar. E eu ia brincar. Quer dizer, eu não me incomodava do estudo, eu queria era brincar. Bom, papai ainda disse: olha, eu não tô criando vagabundo! Tô criando é homem, não é vagabundo. Então, vamos embora pra roça. Eu saí da escola. “Vamos pra roça, que eu não estou criando vagabundo, não.” Quando era de manhã, no facão. Levava o facão para capinar a roça. Que papai quando trabalhava com roça, era quatro, cinco, linhas de roça, era roça grande. Aí, nós ia capinar. Ele disse: olha, tu não quer estudar, vamos trabalhar com roça. Eu me achei muito satisfeito, graças ao bom Deus. Hoje eu sou aposentado por que? Por causa da lavoura. Quer dizer, que eu não sei a leitura, mas ele me ensinou o trabalho. Como ele disse: olha, quem não trabalha, rouba. Então, trabalhe pra você ver o peso do serviço. Quando você tiver a sua família, você já está sabendo o que você vai fazer. Ele não me batia não, mas ele me dava lição. E com isso, graças a Deus, não me dei mal não.
P1 - É a sua mãe, o que ela fazia?
R - A minha mulher?
P1 - Sua mãe.
E – Também, é a mesma coisa. Ela fazia a mesma coisa. Olha, a minha mulher, eu trabalhei... A primeira família que eu tive, trabalhava com roça, mas não era daqui, era do interior do Itapecuru. Ela era de lá. Nova, ela era nova. Essa era da cor dessa menina aqui. Aí, quando eu trouxe ela de lá de Itapecuru para cá, aí eu não deixei ela trabalhar com roça. Mesmo lá, eu trabalhando, eu pescava. Pra lá, eu pescava, tirava sururu, tudo eu fazia. Era. Aí, ela morreu de parto. Tem um menino, esse que ela morreu de parto, mora em São Paulo, nós não se conhece. Eu doei ele para gente dela. Então, eles foram, se mudaram, foram pra São Paulo e levaram ele. Aí, só me comunico assim, de celular. Mas eu não conheço ele não. E nem ele me conhece. Bom, aí vai pra lá. Aí, quando em vim embora lá de Itapecuru para cá, aí arranjei outra outra mulher, que é mãe do marido dela aqui, que trabalhava com roça. Essa nós convivemos 47 anos, trabalhando todo tempo com roça. Aí, também Deus levou. E eu fiquei. E arranjei outra, mas essa aí, coitada, eu não boto ela... por causa dos olhos. Mas ela faz as coisas aqui em casa. Mas eu não deixo ela fazer não, porque eu sei que ela não pode fazer. E estamos vivendo!
P1 - E a sua mãe? A sua mãe, que era casada com o seu pai?
R - Não. Não senhora. Meu pai, quando morreu, a primeira ____ do , meu pai era morava mesmo assim depois de casado, não era casado não. Essa outra mulher que eu tive, eu ia me casar com ela, mas não deu para casar, que ela morreu logo de parto do menino. Aí, a mãe, a sogra dela aqui…
P2 - Seu Zé, a gente quer saber da mãe do senhor. O senhor falar um pouquinho da sua mãe?
R - A minha mãe? Não era casada, também não.
P1 - Mas como que ela era?
E - Ela trabalhava com roça, todo tempo era com roça.
P2 - O Senhor tinha irmãos?
R - Se eu tenho irmãos? Não. Tenho uma irmã. Nós éramos três. A mais velha faleceu, é falecida. E tem uma que é mais velha do que eu, ela mora numa casa branca lá na frente ao Luís. Só nós dois, e Deus Nossa Senhora. Mas estamos vivendo, graças a Deus, até quando Deus quiser.
P2 - E filhos, o senhor tem filhos? Quantos filhos o senhor tem?
R - Eu tenho... Olha, filho vivo, só esse que eu estou dizendo, que mora em São Paulo. Agora teve um, lá em Itapecuru, com outra dona lá. Mas aí, esse lá, eu não sei, não conheço não. Quando eu fui embora de lá, a mãe dele ficou buchuda, entende? Bem, ela teve a criança, mandou um recado para mim, que era pra mim buscar o menino, que ela me entregava o menino. Mas eu era novo, garoto novo, não quis, entende? Mas aí… Me arrependi de não ter criado o meu filho. Aí, teve outro aqui, ela morreu. Não, ela não morreu não, minto. Ela matou o menino. Ela queria morar comigo. E eu não, eu era novo, eu devia estar com 17 anos, 18, por assim. Aí, ela queria morar comigo, aí eu não queria, eu queria era brincar. Aí, ela disse que se eu não morasse com ela, ela matava o menino. Eu digo: não mata o menino, a criança, que eu crio mais a minha mãe. Ainda minha mãe era viva. “Eu crio mais minha mãe. Eu faço tudo que precisar.” Eu falo, eu fui uma pessoa sempre de coragem! Graças a Deus fui uma pessoa sempre de ter disposição. Tem essa menina aí que sabe. O que eu estou dizendo aqui, ela sabe, ela sabe tudo que eu estou dizendo. Aí, viajei, passei um mês e 15 dias viajando. Aí, quando eu venho, ela tomou remédio para matar, matou a criança. Aí, por causa disso, eu não quis mais ela não. Falei: tu cuida da tua vida. “Você nao quis morar comigo.” Não, não quero mais não. Aí, tive outra, da onde, meu Deus?… Lá do Maracanã, ela engravidou, aí ela queria morar comigo. Eu não quis. Mas eu não quis. Não queria morar com ela não. Essa dai eu também passei. Mas eu gostava. Não, eu, graças a Deus, eu tive minhas mulheres assim, mas sempre ajudava. Eu gostava de ajudar. Tinha uma ali, que eu vivi com ela seis meses. Aí, ela queria ser mais eu.. Eu digo: não, não serve. Eu só queria comer... Olha, eu ajudava de tudo, comprava de fardo de arroz pra ela. E tinha ela aqui, tinha a minha mulher, a sogra dela aqui. Eu tinha era quatro mulheres, senhora. Que dizer, que... Sério mesmo era a mãe do marido dela aqui. Era a de casa mesmo aqui. E as outras moravam... Era três aqui para baixo, e uma lá na Vila Maranhão. É assim que eu era. Mas nunca desprezei pedindo pra eu gastar meu dinheiro com outras mulheres e a minha de casa... Não. Essas baixarias... Mas sempre tive os meus utensílios, sempre gostei, sempre gostei de ter os meus utensílios. Por que? Para me ajudar. Porque no dia quando eu não ia... “Zé, me arranja seu carro, sua canoa, sua rede...” Ta aí, ó....
P1 - E seu Zé, um dia na pesca, já foi muito difícil para você? Em um dia de pesca você já passou por uma situação muito difícil no mar ou no rio?
R - Não, não. Difícil, não.
P1 – Nunca?
E - Não.
P1 - E você já viu alguma coisa dentro da água?
R – Se eu tenho alguma coisa?
P1 - Alguma história de esquisita?
R - Independente disso aqui?
P2 - Quando o senhor foi pescar, já aconteceu alguma coisa que o senhor falou, “Nossa!” Viu alguma coisa e falou: "Nossa, o que é aquilo?”
R - Não, eu contava, a história da pesca? A pesca, teve muitas histórias de pesca, porque a pesca escolhida a maré, a maré, porque tinha a maré de ir no melhor horário. Como agora, ela está vazando. Eu saia nessa época, nessa maré, eu saía para baixo, pra pescar, aí matava peixe. Quando eu ia, eu ia para camarão, pescava meus camarões, vendia! E tudo isso.
P1 - E não tem mais peixe agora?
R - Se não tem mais peixe agora? Tem.
P1 - Tem?
P2 - Mas tem muito, que nem tinha quando o senhor começou a pescar?
R – O peixe agora... Aqui nesse rio, tinha muito peixe, mas depois que o rio começou, um negócio de motor, navio, tudo passar aqui, aí o peixe escabriou, entende? Ainda ponho, mas não era como antes, que eu punha nessa época. O rio não tinha esse negócio de zoada de motor, o peixe era mais manso. Mas hoje não, hoje, o peixe, na zoada, o peixe escabrea. Mas a gente mata! Num igarapé, na beirada assim, como eu to dizendo, que arrasta a rede, a gente pega, às vezes, 15 quilos, 20 quilos. É assim. Mas sempre pega.
P2 - Seu Zé, por te chamam de seu Zé Uru?
R – Olha, me chama de Zé Uru, porque nesse tempo eu bebia. Eu bebia. Aí, quando chegou aqui um rapaz com nome Antonio Baldez, ele era experiente. Ele já estava idoso já. Aí, teve uma festa aí. Ali teve uma festa. Daí eu comecei a chutar cerveja e cachaça. Aí eu já estava vermelho… Ele chegou, com o Pai Zé e o Toninho. Aí, ele chegou e disse: ih, rapaz, você tá o que rapaz? Eu digo: nada! Eu estou meio. “Rapaz, você está com os olhos que nem de Uru!” Aí pegou. Ele disse: você está com os olhos que nem de Uru. Com o olho encarnado.” “Agora a noite, brincando.” Com o olho encarnado. Aí, a turma começou a me dar apelido de Uru, Uru, Uru...
P1 - Mas o que é Uru?
R - E com isso, se alguém me chamar. “Ê Zé!” Eu não respondo… Quando me chamam Zé Uru. “E Uru!” Aí....
P1 - Mas seu Zé, o que é Uru?
R - Rapaz, Uru é um pássaro. É um pássaro de campo. Que no campo tem muitos pássaros e tem muitos nomes de pássaros. Às vezes, quando eu tô... Pô, eu não bato a asa, eu já sou Uru, só no tamanho. Mas não tenho asa para acompanhar… [risos]. Eu sempre gostei da minha brincadeira, graças a Deus. Olha, dona, vou dizer uma coisa para você. Eu sou assim, mas eu não gosto de estar atrapalhando a vida de ninguém. Nunca gostei. Eu posso até dizer: Olha, como você faz isso? Larga e vira, não queira estar cuidando da vida de ninguém. Cuide da sua. Aí, por isso eu estou. Não cuido da vida de ninguém. Às vezes, uma pessoa… Se ele está tirando caranguejo, está comendo caranguejo. É porque ele foi tirar, e ele gosta. Se eu dentro da minha casa, como… vamos botar, mingau de farinha, não tenho o que comer… Eu chego lá na casa dessa aqui, está comendo carne, não tem nada a ver… Porque ela teve dinheiro para comprar. Então, trabalhe eu e compre também. Assim é! Eu não me incomodo com jeito de pessoa nenhuma, não! Se ele tem, é porque ele teve pra ter. Se eu não tenho, não tenho! Mas que às vezes, ele não tem, vê aquela outra pessoa, tal.. E cria... Essa que é a pior gente do mundo. É olho grande em cima das pessoas. E eu Graças a Deus, não tenho nada disso. Eu creio para mim, que eu não tenho olhos grandes não.
P1 - E o que você gosta de fazer quando o senhor não está trabalhando?
E - O que mais eu gosto de fazer? Rapaz, falar a verdade, eu preciso, todo serviço eu gosto de fazer. Eu não vou dizer que gosto de fazer isso, que u gosto de fazer aquilo... Todo o trabalho. Mas bem na realidade, o que gosto de fazer, era pescar. Eu pesco, mas não é como era. Aí, foi o tempo que chegou a minha idade. Aí, a mulher não quer mais que eu pesque, assim. Essa aqui reclama muito que eu pesco, que eu não tenho mais idade… Mas eu cuido, eu pesco mesmo.
P1 - E por que que o senhor gosta tanto de pescar?
R - Por que eu gosto de pescar? Porque eu acho que é de mim mesmo. Porque eu acho bonito a pessoa pescar e matar o peixe, trazer a fartura, é maior fartura. A pessoa pescando, matando o peixe, é fartura que a gente tem. É sim senhora.
P1 - E o senhor gosta de ficar perto da água? Você gosta de água?
R - Gosto, eu gosto muito.
P2 - Traz tranquilidade? Ficar no mar pescando?
R - Eu não escutei.
P2 - Quando o senhor tá no mar pescando, o senhor se sente tranquilo? Como o senhor se sente?
R - Sim! Me dou mais com o mar do que com terra. Porque o clima do Mar, para mim, é mais saudável do que em terra. Quando eu andava embarcado, no Mar, é quando eu me achava forte. Mas quando trabalhava aqui em terra, aí… eu mesmo me acho mais fraco, fracassado. Porque no mar, olha, no mar, Dona, é uma vida muito boa, para quem gosta, é uma vida muito boa! Por causa de quê? É por causa do clima do mar. Porque o mar, não joga doença nenhuma pra pessoa. E aqui em terra, joga… Joga, porque, ó, às vezes, você está aqui, uma pessoa, daqui a pouco outra pessoa. “O meu Deus, eu estou com um febrão.” E no mar não, todo tempo as pessoas possíveis.
Aqui, por acaso, eu estou aqui em Terra, eu saio daqui lá pra estrada. Aí eu: “Pow!” Quer dizer que aí não estou me dando bem não… E no mar, não. No mar eu vou topar? Todo tempo está com o clima melhor, o mar. Porque no Mar, a gente sente todo o ar, no Mar. Você sente frio, você sente calor, você sente normal, todos os jeitos a gente sente, no Mar, é. Aí, é isso, estou pescando. Olha, eu trabalhava... Eu trabalhei aqui para fora... Já viajei aqui para fora, também. Aí, quando eu chegava lá, às vezes, passava três, quatro meses viajando.
P2 - Pra pescar?
R - É… Não, outra idas. Aí, quando eu chegava, era forte. Tem umas meninas que nem me conhecia. Era! Quando eu chegava, com três, quatro meses, sem vir aqui em terra, aqui no Brasil. Aí, quando eu chegava era forte. Por quê? Por causa do ar do Mar. Era. Viajei muito. Essa menina já sabe.
P1 – E quais são as histórias do mar que você conhece?
R - A história do mar? Não, a história do mar é assim, porque ó, principalmente a água, têm muito banzeiro, entende? Eu vou contar uma história do mar. Eu viajei, que eu viajava aqui para o estrangeiro, viajei. Nós, chegava lá, uma noite... Nesse tempo não era motor, era Vela, um pano, no barco. Aí, uma noite, o mar por cima do barco, e rolando… O barco caía naquela cava d'água, quando levantava, o rabo do pano se enchia de água. Bem, tinha um menino, quero era um amigo meu, ele é falecido. Se ele não tivesse no leme, porque ele era bom de leme. Governar. Se fosse outro, nós tinha morrido tudinho! Com seis dias, correndo só pra fora, e quatro noites. Ninguém sabia pra que lado estava a terra. Aí, vem esse mar, rolando por cima. Pois chegou, despejou um bocado, dentro da canoa, bahhhhh. A canoa gemeu, Senhora, eu escutei ela gemer. Deu aquele gemido tão doído. Aí ela ficou no ponto. O barril foi embora, encheu tudo de água! Aí tampou a escotilha, tampada. Tampamos a escotilha. E um tambor, que nós chamamos de tonel, de água, saiu por cima do berço, assim. Ver que ela estava afogada! Juro por Deus. E eu agarrei, não, não sai isso daqui. E agarrei aqui e puxei pra cima, pra dentro do barco. Esse foi embora. O outro barril foi embora, de água. Nós passamos, sabe o quê? Bebendo água salgada com açúcar. Mas é ruim! Que a água estava ruim. Até que quando nós chegamos em Amazônia, foi que nós derramamos aquela água, lavamos o vasilhame, e enchemos com uma água boa. Porque a travessia de Amazônia é só água boa, água natural, água doce mesmo. Aí, a gente se banhava, lavava a roupa da gente. O barco viajando. Aí, enchia a água, tudinho, enchia o vasilhame tudinho e atravessava a Amazônia. A Amazônia, passava um dia todinho para nós atravessar ela, o rio, e de lá partir pro meio e ir embora. Aí, é assim. Mas sempre eu gostando. Sempre eu gostando. Aí, quando chegava aqui, tinha outra carga. “Rapaz, vamos viajar de novo!” “Vamos embora!” Porque nesse tempo o dinheiro estava correndo bem. E pronto! Mas graças a Deus... Só mesmo essa coisa que passou… Muito mar! O mar ai para fora, é Mar, não é brincadeira não. Um barco caiu aqui numa cava d'água, que vai, cai assim. Aí, a outra vinha lá como na estrada. Aí o barco caia assim, quando aquela vinha, o barco subia lá, e caia assim na água. E já vinha outra de lá? Mas era magra, maior que uma mangueira dessas aí. Mas graças a Deus nunca teve avaria nenhuma. Essa avaria que teve, que quase que nós se perde. Se o menino que estava no leme, fosse outro, que não soubesse, tinha perdido.
P1 - O mar estava bravo, é isso?
R - Tava. Olha, tem dias que o mar, ele está manso. Mas tem dias que o mar está bravo. Quando ele está bravo assim, Ave Maria! É Maresia só pra contar. Mas quando tem dia que ele está manso… Mas o que faz o mar, a senhora sabe o que é? É o vento! É o vento. Quanto mais venta, mais o mar assanha. Mas quando o vento tá brando, o mar é brando também.
P1 – Você já encontrou alguma coisa diferente ou esquisita dentro do mar?
R - Se eu sei cantar?
P1 - Se você já viu ou sentiu, alguma coisa diferente no mar?
E - No mar? Ah, dona, A gente vê muita coisa! Olha, o mar é mais vizagem do que em terra. É sim senhora! De peixe, no mar... Você olha o peixe assim, cada peixe medonho! Olha, vou contar essa aí! Nós estávamos com cinco dias, não, seis dias correndo pra fora, num boto, só pra fora. E seis dias e cinco noites, só correndo pra fora, ninguém sabia pra que lado estava a terra. Quando foi de manhã, nós estávamos agachados em cima do toldo, aqui assim, quando vinha um curió, lá da quina do pano, lá em cima. O Curió cantava que salteava! Tiá, tá, tá, tia, tá, tá, tá, tia, tá, tia, tá, tá, tá, bastante coisa... Aí, nós ficamos tudo olhando pra ele, um pretinho, pretinho, o Curió. Aí, ninguém dizia nada, que coisa assim, a gente não diz. Não diz nada. Olhou, calou! Aí, chegou, Senhora, esse Curió pegou o voo, ninguém sabe para que lado que ele foi.
Outro, nós vinha lá de fora, pra cá, lá passa numa pedra por nome, Pedra da Coroaca. Essa pedra é uma ilha. Olha, nunca tinha visto na minha vida, uma pedra se transformar em uma ilha. Ilha mesmo, ilha grande mesmo, e altura. Mas é uma pedra! Fazia essa ilha todinha. A gente trepava no mastro do barco, pra olhar a distância, olhava ela certinha na água! Aí, estava para lá. Quando a gente passava, lá longe, assim, dela... Agora, em cima dela, ela fazia assim… Agora, em cima dela, tinha outra pedra que fazia assim, tipo uma igreja. Mas grande também. E mato, em cima dela tudo cheio de mato. Mas o corpo dela era pedra mesmo. Aí, nós viemos de lá para cá, acompanhou um barco, nós, de noite. E nós, virava o boto para lá, o boto para cá… E eles também. Quando chegou lá na frente dessa pedra, aí nós viramos para fora e ele virou pra terra, quando viemos de fora, pra terra, pra passar na pedra. Nós não sabemos nem pra que lado eles foram... Ficou lá na pedra! Porque era encantaria. Encantaria, viu? Moravam lá. Então, eles fazem aquilo, pra saber o que o camarada fala. Isso aqui, é uma droga. Mas diz assim: Olha, aqui, o que se vê... “Olho viu, boca calou-se!” Ninguém diz nada. Dizem que era. Outra vez, nós viemos... Foi, nós viemos de lá, já passando a Amazônia pra cá. E se ressuscitou uma canoa com duas pessoas dentro. Fora senhora, fora. Duas pessoas dentro. Aí, subia Santa Maria, tentava descer. E não levava remo, não levava nada para governar. Canoa ia... Aí, eu olhando, os meninos olhando. “Rapaz, ninguém dizia nada. Mas, minha gente, eu vou dizer uma coisa para você, eu já vi muita coisa no mar, mas com licença de um negócio, que nós olhamos no mar, até hoje eu ainda tenho medo. Olhar as duas também. É que eu já viajei muito para fora. E quando o rapaz disse assim: olha, o que a gente vê no mar, a gente não diz. Tá bom! Só, que aí, nós íamos de boto pra fora. Quando eu olho, o menino disse assim: Zé Uru. Eu digo: oi! “Rapaz, passa um café pra nós.” Era umas quatro horas da tarde. “Passar que café macho?” Eu fui passar o café. Porque era uma semana de cozinha para cada marinheiro. Aí eu fui. Passei o café. Eu olho pra debaixo do estrado assim, e vejo aquele negócio, de cima pra baixo. Senhora, era mais grosso do que essa casa aqui, aquele negócio preso assim, quase, tipo, um cano, mas grosso que coisa assim. Aí, eu fiquei olhando assim: eu digo: E, trovoada? Que o apelido dele era trovoada. Eu digo: e, trovoada? Ele disse: oi? “Olha pra debaixo do pano.”
Os outros iam debaixo do toldo. Aí, ele olhou: ih rapaz! Acorda, levanta todo mundo aí, vem um bicho aí, ó! Aí, olhava todo mundo. “Ih, rapaz! A riopona, a riopona, a riopona.”
Aí eu olhava. Agora o pano enganchou lá, na cabeça do barco, no mortão. E nós assim, via a hora do pano não querer arriar. Aí, junto, um tripulante, por nome Pedro, ele é sereno. “Me dá uma faca aqui!” É um… Ô rapaz, esqueci o nome do coiso… Vinha um “tiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim” no nosso rumo, aquele negócio, um furacão! Aí, ele disse assim: rapaz, é um furacão! Me dá uma faca aqui. Tirei a faca de dentro da frasqueira, dei para ele, ele apontou, fez assim, fez assim, fincou no mastro. A faca fazia tac, tac,tac, tac, tac, tac, tac, tac, tac, tac, tac, tac, tac, tac, tac, tac. Ela mesmo fazia,
sem ninguém mexer. Ele fincou no mastro. Aí, o bicho redondo, rodando, rodando assim, zuando: Tiiiiiiiiiiim. Todo tempo. Mas feio! Aquele negócio feio, imenso. Aquele negócio assim, pendurado, assim. E agora, a água que ele vinha puxando assim. Agora, o redemoinho de água, fazia aquele redemoinho assim. É aquele buracão, por onde ele ia passando, ia abrindo aquele buracão dentro da água. Aí, ele passou assim, uma distância assim, mais longe de que ali na estrada. Ele passou, longe de nós.
Só a água atingiu, do redemoinho da água que vinha fazendo, a cabeça ficava assim, ó… Se ele passasse, o menino não tivesse olhado, não tivesse feito, nós tudo tinha morrido, que ele tinha passado por cima de nós. Furacão, é feio, é feio. É preto, aquele negócio preto. Pode crer.
P1 - Você teve medo. Você ficou com medo? Você teve medo?
E - Se eu tenho um jumento?
P2 - Se o senhor ficou com medo do furacão?
R - Ah tive. Tive medo e não foi só eu não. Todos nós! Que o negócio é ruim, é feio. Negócio feio, menina. No mar, Dona, no mar você vê muita coisa. Muita coisa no mar você vê. Olha, aqui mesmo, aqui do lado, estava na draga, que estava dragando aqui, esses dias aqui. E eu estava nela. E quando eu olho, ia passando um cavalo. Um cavalo, e ele sempre passa lá. De vez em quando, quando a gente tem a vista limpa, ele aparece pra a gente. Por trás da ilha, na boca do rio, assim, pra trás, assim. Ele passa. Aí, a draga botou holofote ali. Ele botou holofote, o cavalo ia passando bem assim. Um cavalo branco, encostado na água, assim. Aí, eu falei pro menino, “tu olhou?” Ele disse: olhei! Não sei para onde se foi. O mar tem mais visagem do que em terra. E a visagem do mar, é mais feia. Olha, aqui mesmo, eu acho camarão, mais outro rapaz. Que é esse que também caiu da bicicleta comigo. Nós acha camarão lá embaixo, e nós não entrou nadinha, na beirada do rio, nadinha. E quando nós chegamos, de repente, aquele curral, aquele negócio branco, que quase bate o casco naquele negócio, tipo um curral, assim, ficou bem na frente de onde nós estava batendo camarão. Eu digo: E rapaz, vamos arredar daqui, rapaz! Ele disse: não rapaz, é a boia! “Rapaz, te cala!” Coisa que a gente vê, é não diz. Aquele negócio ficou parado lá. Aí, bateu camarão. Vamos embora, sair daqui. Aquele negócio faz... Aquele negócio... Tipo um curral, aquele de pegar peixe. E lá aquilo não tem peixe. Na estrada que ia pra trás, nadinha. Desapareceu aquele negócio. E tenho visto muita coisa. Mas eu fico com medo. Agora, a gente só conta, porque se é de falar, esse aqui faz, o cabra falar. Então, o camarada olhou, viu. Não tem nada não. Aqui no rio, aqui, a gente vê muita coisa de noite. Vê muita coisa de noite aí. Mas a gente já está acostumado. Mas aí pro mar, pro alto, é pior. A gente vê pior.
P2 - Eu queria que o senhor falasse o nome do cachorro e falasse um pouquinho dele, do cachorro que pescava com o senhor.
R - Eu não escutei.
P2 - Como que era o nome do cachorro que pescava com o senhor?
R - Desculpe. Desculpe.
P2 - Qual é o nome dele? O nome?
R - Era Amigo. Era um amigo mesmo. Quando eu chegava aqui, eu digo, Rapaz, o!... A história da primeira mulher minha, dessa que morava aqui, falecida, que era nora dela aqui. Eu pegava o remo, ele já sabia, ele já ia lá para o portão. Ficava lá. Pegava o remo... Saltava na canoa. Teve uma vez, que eu fui pescar, não levei ele. “Amigo, hoje tu não vai não, hoje tu não vai.” Aí, tudo bem! Mas quando eu cheguei lá no boto, ele chegou. Eu disse: tu não vai hoje não, não vou te levar não. O menino foi até junto comigo. Aí, ele ficou. Minha gente, vocês podem acreditar, que ele passou quatro dias sem me assuntar. Quando eu chamava ele, apertava pra dentro o rabo e se esgueirava lá pra dentro do mato. É sim senhora! Às vezes eu agarrava ele e ele ficava… Zangado porque não levei ele! Aí, eu falei: olha, hoje eu vou pescar. Tu quer ir? Vamo embora! Aí, ele veio todo… Eu digo, ele quer ir. Agarrou o remo, ele... Aí, pronto! Aí, era amigo mesmo. Quando eu chegava, era contente, alegre comigo. Assim que era. Esse cachorro, mataram ele. Teve uma firma ali e o cara deu uma pedrada no cachorro, o cachorro morreu. Dessa pedrada o cachorro morreu. Ele não quis mais comer. Aí, o cachorro morreu. Esse cachorro, ele gemia como uma pessoa, com o barulho do mar. Eu chorei foi muito, por causa desse cachorro. Era um amigo! Esse cachorro era um amigo! To cansando de dizer para o pessoal aqui, “Rapaz, eu não vou comparar um animal com gente. Mas eu tenho mais coisa com esse cachorro do que com certas pessoas aqui. Certas pessoas aqui, .... um comer, para ele se manter, e ele não vai. É esse cachorro aqui não. Que chovesse, fosse sereno, fosse chuva, fosse só com ele, não tinha nada, não. Quando eu estava tapando o igarapé, que tinha muito maruim, ele caía na lama, junto comigo. Rapaz, esse cachorro fazia assim, ó! Na lama. Se lambuzava e caia dentro d'água. Aí, ele pulava, todo sujo de lama, pulava para dentro da canoa. Eu dizia, ô rapaz! Pegava a corda. Mas era isso mesmo. Mas de qualquer maneira ele estava me acompanhando. E era assim. Morreu esse cachorro. Eu tive muito cachorro. Mas quando você sabe desse, para me acompanhar, não tinha. Pois é! E na luta, sempre na luta. Graças a Deus. Eu sempre na luta.
P1 - E o senhor é o pescador mais velho daqui da comunidade?
R - Olha, o pescador mais velho que está agora, sendo eu. Porque tenho essa idade, desde novinho, como eu contei pra vocês, desde novinho, desde 16 anos, já vinha pescando, até a data de hoje, 81 anos, a minha idade, em pesca. Mas eu não tinha nadinha não. Olha, eu ando daqui pra Vila Maranhão, andando, daqui pra lá e de lá pra cá. Mas se eu passar dois dias sem andar, assim, quando eu levanto é uma dor no corpo. Porque olha, eu comprava peixe na mão de um cidadão aqui, todo dia ele botava peixe para mim. Eu até tenho um freezer ali, que eu comprei só pra botar peixe. Até no Maracanã, por lá tudo, eu andei empurrando carro de mão, cheio de peixe. Por isso, que às vezes, essa dor, que eu sinto no meu braço, é isso. Porque nesse tempo, eu era mais novo, sujei muito em areia e carro cheio de peixe. E aí, falhou o serviço. Aí, o corpo.... Às vezes, eu me deito de noite... Hoje mesmo, tá esquisito, esse braço aqui. Aí fico gemendo, gemendo. A mulher: o que é rapaz? Digo: meu braço. Aí toma uma dessas pilulazinhas, aí que alivia a dor. Aí que alivia e eu durmo. Mas quando é de manhã, lá pra baixo. Isso aqui é grande. Segue andando aqui, até na beira do mangue. Agora, estou capinando o brejo. Tem um Juçaral aqui no quintal, a senhora vê, está assim, ó. Eu, capino e gadanho todinha. Juçara, os meninos tudo, armo rede lá no Juçaral. Às vezes, vem um pessoal aqui, quando ela faz o aniversário dela aí, vem gente aí, enche de carro aqui, lá para baixo. Lá faz o festejo deles lá. Assim que é. Armo rede, tudo limpinho. Que gosto de ver tudo limpo. Aí, a mulher que fala: Rapaz, vamos largar. “Não!” Enquanto eu estiver com minha vida e a minha saúde, minha disposição, meu terreno não vai ficar como era, não. Não Senhora.
P2 - O senhor vai mostrar pra gente?
R - Vou levar vocês lá, para vocês olharem o que eu faço lá embaixo.
P2 - Senhor, mostra pra gente? O senhor mostra lá embaixo pra gente.
R - Querem ir lá? Eu mostro. Vamo embora!
P1 - Então só deixa eu te fazer uma pergunta. Quais são seus sonhos? Quais são os seus sonhos?
E - Ele é um sonho meu. Esse que eu tenho aqui é um sonho meu. Graças ao bom Deus eu fico contente, porque todo ano é Buriti e Jussara. Tudo me dá aqui. Se vocês quiserem eu vou levar vocês lá para mostrar.
P1 - Vamos lá? Eba! Muito obrigada!
R - Vocês querem ir lá?
P1 - Vamos.
R - Então bora lá!
P! - Então bora!
P2 - Obrigada, seu Zé!
R - Vamos lá, meus amigos.
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