Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Julio Kaingang
Entrevistado por Jafer Manuel Chaves Ribeiro e Karaimirim Edson da Silva de Souza
Entrevista concedida via Zoom (Passo Fundo, Uruguaiana(RS) e Rio de Janeiro (RJ), 13/02/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV042
Realizada por Museu da Pessoa
P/1 – Bom dia, Dr. Júlio, gostaria de agradecer a presença do senhor aqui, esse momento é um momento muito importante pro projeto e pro museu da pessoa, onde ficará registrado a sua história, não só na comunidade, mas através também de redes sociais, será postado posteriormente. Eu queria saber a tua origem, a tua etnia? Qual a etnia que predomina na sua região? E o seu nome indígena?
R – Primeiramente, eu quero dar bom dia a todos, meus comprimentos porque é uma satisfação estar participando desse momento. Fui a primeira pessoa a dar essa oportunidade aqui pro povo indígena do Sul, vou poder estar apresentando o histórico de vida, eu tive privilégio de ser escolhido, mas poderia ser qualquer um que tenha um histórico de luta. Eu me chamo Julio, sou do povo Kaingang, consideramos que eu não fui, digamos na Língua Portuguesa, eu não fui batizado na língua do meu povo, eu uso o nome da minha _________ espiritual, então eu sou o Julio __________.
P/1 – Qual é a data do nascimento do senhor, Doutor Júlio?
R – É 02 de novembro de 1972, então estou com cinquenta anos, meio século de história.
P/1 – Sim, e o nome dos seus pais?
R – Eu não ouvi, deve estar no mudo seu microfone.
P/1 – O nome dos seus pais? E qual é a origem da tua família?
R – O meu pai, tanto meu pai quanto a minha mãe, eles são falecidos, já fizeram a passagem. Meu pai se chamava Francisco Ribeiro e a minha mãe Leonilda Sales Ribeiro, eles vieram do povo Kaingang, aproveitando e fazendo um comentário, a partir desse ano que passou, uma deputada Joelma Boemia Kaingang, foi a nossa mais recente representante na Câmara dos Deputados,...
Continuar leituraProjeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Julio Kaingang
Entrevistado por Jafer Manuel Chaves Ribeiro e Karaimirim Edson da Silva de Souza
Entrevista concedida via Zoom (Passo Fundo, Uruguaiana(RS) e Rio de Janeiro (RJ), 13/02/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV042
Realizada por Museu da Pessoa
P/1 – Bom dia, Dr. Júlio, gostaria de agradecer a presença do senhor aqui, esse momento é um momento muito importante pro projeto e pro museu da pessoa, onde ficará registrado a sua história, não só na comunidade, mas através também de redes sociais, será postado posteriormente. Eu queria saber a tua origem, a tua etnia? Qual a etnia que predomina na sua região? E o seu nome indígena?
R – Primeiramente, eu quero dar bom dia a todos, meus comprimentos porque é uma satisfação estar participando desse momento. Fui a primeira pessoa a dar essa oportunidade aqui pro povo indígena do Sul, vou poder estar apresentando o histórico de vida, eu tive privilégio de ser escolhido, mas poderia ser qualquer um que tenha um histórico de luta. Eu me chamo Julio, sou do povo Kaingang, consideramos que eu não fui, digamos na Língua Portuguesa, eu não fui batizado na língua do meu povo, eu uso o nome da minha _________ espiritual, então eu sou o Julio __________.
P/1 – Qual é a data do nascimento do senhor, Doutor Júlio?
R – É 02 de novembro de 1972, então estou com cinquenta anos, meio século de história.
P/1 – Sim, e o nome dos seus pais?
R – Eu não ouvi, deve estar no mudo seu microfone.
P/1 – O nome dos seus pais? E qual é a origem da tua família?
R – O meu pai, tanto meu pai quanto a minha mãe, eles são falecidos, já fizeram a passagem. Meu pai se chamava Francisco Ribeiro e a minha mãe Leonilda Sales Ribeiro, eles vieram do povo Kaingang, aproveitando e fazendo um comentário, a partir desse ano que passou, uma deputada Joelma Boemia Kaingang, foi a nossa mais recente representante na Câmara dos Deputados, nós tivemos agora por lei, o direito de sermos chamados Povos Indígenas, então nós… Por uma questão assim de luta, de representatividade, nós não somos mais indígenas, nós somos povos. A partir da promulgação dessa lei, nós somos Povos Indígenas, e eu pertenço ao Povo Indígena Kaingang, a maior região do Sul do Brasil, a terceira maior do Brasil. Então, nós estamos hoje espalhados pelo Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e um pequeno número de Kaingangs no estado de São Paulo. Mas, devido ao nosso histórico de mobilidade, digamos assim, de ser um povo que anda, nós, com certeza, temos Kaingangs em todo o Brasil.
P/1 – Os seus pais, eles conversavam assim, como é que eles se conheceram? Se foi em algum evento, se foi algo casual? E o senhor tem irmãos? Como é a relação com eles, dentro da família?
R – Certo, no povo Kaingang tem um ditado: “O Kaingang não casa, o Kaingang rouba”. Os casamentos antigamente, eles eram nas casas, nas nossas casas, mas de uns tempos para cá, começou a seguir a mesma sistemática dos não indígenas. E por que que tinha esse ditado ai que Kaingang não casa, ele rouba? Porque muitas vezes, principalmente a mãe, não concordava com o namoro da filha, achava aquele, __________,como é na nossa língua, não servia para a filha dela, e aí como eles normalmente namoravam escondido coisa e tal, aí ele pegava, aí eles fugiam por um tempo e, iam conviver por um tempo ali, até não era muito tempo não, era uma semana, dez dias, aí depois que ele roubou a menina, ele se apresentava na comunidade, para as lideranças e se fazia o casamento cultural, o casamento Kaingang. Claro, que isso vem mudando, foi se ajeitando, mas normalmente, alguns eventos aconteceram assim. A minha tia conta que meu pai teve que ficar na cadeia, ficar na cadeia em si, quase uma semana para poder casar com a minha mãe, por ele tinha roubado ela e não tinha assumido compromisso, então ele teve que ficar na cadeia para fazer o casamento ali na frente da liderança. E a minha família é uma família bastante grande, eu tenho sete irmãos, seis irmãos homens e uma menina. Meu pai fez aí, uma família bastante grande e a maioria tem o conhecimento acadêmico, profissão, meu pai sempre dizia que a melhor maneira de sair da pobreza, não só a econômica, mas em todos os sentidos, era o estudo, então alguns dos meus irmãos se formaram, assim como eu, e ai eles… A questão da história da família do meu pai é, mais ou menos, é resumidamente falando era isso.. Depois eu vou também falar como é que se faz a divisão da ___________ do povo Kaingang, então a princípio era isso.
P/1 – Seus pais contavam histórias da cultura? Teve alguma que você se lembra que te marcou até hoje?
R – Na verdade, quem contava as nossas histórias era o meu avô, Maximiliano Tarso, era um Kaingang daqueles bem à moda antiga. Na época tinha o termo “visagem” e hoje trazendo pro português, era assombração, ele contava muita história de “visagem”, e as “visagem” eram assim, eram marcantes, porque a gente ficava horas escutando os avós contarem e aí depois não conseguia dormir porque a “visagem” vinha nos assombrar, então são momentos assim que a gente traz para nossa recordação, porque ficaram para trás, então… Mas assim, tem n histórias… Principalmente aquelas que eram ligadas causos de tesouro a causos de guardados de ouro, sempre tinham histórias assim…Uma fantasia, uma coisa, que digamos assim, que tinha que fazer um sacrifício para conseguir, para retirar a panela de ouro, retirar o guardado de ouro. Então, são histórias assim que a gente ouve, ouvia na época, hoje é raro a comunidade que conta essas histórias das “visagens”, e “visagem “ na verdade era, hoje, estudando, era um folclore, para ter um caráter educativo, de comportamento, de não fazer o que não é certo, de estar sempre tentando seguir o que é um caminho mais ou menos dentro da comunidade indígena para obedecer, para escutar o que as lideranças falam, mais ou menos, nesse sentido.
P/1 – Eu vou entrar um pouco agora na questão da formação de cultura, eu sei que o senhor já não mora mais em aldeia, mas frequenta,né? Quais são as funções que tanto você, quanto sua família tinham na aldeia? Tanto questão cultural quanto institucional.
R – Então, o meu pai ele sempre participou da liderança, a gente sabe que as comunidades Kaingang elas tem um histórico deixado pelo Serviço Nacional de Proteção ao Índio [SPI], que foi o primeiro órgão que surgiu para cuidar das questões indígenas, que normalmente eram militares reformados, então como eles eram militares reformados, e eles tentavam impor a sistemática do regime. Até quem era de dentro na época, os militares, eles tentavam impor isso nas comunidades indígenas. O meu pai ele sempre fez parte da liderança, sempre foi, acompanhou ali alguns caciques da nossa comunidade, como o cacique ___________, que na época era um cacique bastante conhecido, depois foi Nilson Ribeiro, depois foi Samuel ___________. Mas, para eu falar dessas pessoas, para ter uma referência geográfica, eu teria que falar da onde eu estou. Eu venho da terra indígena do Guarita, está localizada ao norte do Rio Grande do Sul, pertencendo aos municípios de Tenente Portela, __________. Então quando se fala nessas regiões, claro, eu acredito que essa reportagem vai ter um alcance bastante considerável, então quando eu estiver falando dessas pessoas, para as pessoas que forem da região ali que eu citei, elas vão saber quem foram essas pessoas ali na liderança indígena. Aproveitando que eu falei histórico dos Kaingang, nós sabemos que é um dos maiores povos indígenas do Brasil, existe uma particularidade bastante interessante, isso infelizmente está se perdendo ao longo do tempo, mas tem algumas comunidades que mantêm isso ainda firme, que é a divisão tribal. O que é essa divisão tribal para o Kaingang? Lembramos que nós temos aí um número bastante considerável de povos indígenas, e cada um tem a suas particularidades, então o povo Kaingang é dividido em metades tribais, que é a Kamé e a Karui, a qual eu pertenço. Por que eu sou Karui? Porque meu pai era Karui, então era um sistema patriarcal, digamos assim, que define o pertencimento de cada membro da comunidade. E numa comunidade Kaingang, tem que existir, deverá existir essas duas metades a Kamé e Kairu, e quem pertence ao Kamé, sendo homem ele vai pertencer ao Kamé, já a mulher vai ter que integrar a família contraria, porque tradicionalmente falando o homem Kamé casa com a mulher Kairu, em tese, isso foi ensinado desde sempre nas comunidades Kaingang, nós temos aqui no Rio Grande do Sul dua que ainda preservam bastante isso, é a comunidade indígena .. em São Valério do Sul e a comunidade indígena do Iraí, que fica na cidade do Iraí, as outras, devido a proximidade das cidades, começaram a perder isso, tanto pela miscigenação, quanto pelo crescimento bastante considerável das comunidades, então isso foi perdendo. E o Kamé, ele tinha tanto o Kamé quanto o Kairu, cada um tinha seus ritos, cada um fazia seus ritos da sua forma. A diferenciação física, falando da diferenciação física, é que o Kairu, digamos que ele era uma pessoa com o físico mais robusto, mais cheinho, para não dizer mais gordo, como o rosto mais arredondado, esse seria o físico do Kairu, e o Kamé ao contrário, ele seria, até o rosto do Kamé seria mais afinado, o rosto do Kairu seria mais arredondado. Essas são algumas experiências que o povo Kaingang começa a observar. E o pajé, que vocês chamam, na cultura não indígena, pajé é um termo que foi designado para todos os líderes religiosos, assim como o Guarani tem o Karai, o Kaingang tem o Kuijã, o Kuijã é aquele que cuida das questões espirituais, que cuidaria da questão da doença física, para o Kaingang, para os primeiros Kaingang a doença ela nunca é só física, ela tem uma espiritualidade, que primeiro se deve curar a doença espiritual e depois a física vai se curando no meio do tratamento, e cada Kuijã fazia o seu ___________. O Kuijã Kairu cuidava da metade Kairu, e o Kuijã Kamé cuidava da metade Kamé, então são particularidades bastante significativas que nós temos que preservar, temos que preservar aquilo que fica, né. Só para ter ciência o kairu a sua identificação é ___________, é uma bolinha e o Kamé é um traço, então a pintura, digamos, vem na vertical, o do Kamé, e do Kairu é ao contrário, é um círculo preenchido, não é um círculo vazio, é um círculo preenchido, Tudo isso tem um significado, para que as comunidades entendessem qual era seu lugar dentro do convívio, para ter uma facilitação, para ter uma identificação . Mas o meu pai, ele era “Brigagã”, ou Polícia Militar, como popularmente se conhece, brigada militar aí, “Brigagã”. E eu lembro de uma época que nós moramos fora da comunidade, voltando um pouco na infância, meu pai dizia: “olha, você tem que ser assim, fazer isso, e fazer assim”. Aí a gente fazia ___________. Eu lembro que no meu primeiro dia de aula eu fiquei numa fila, e a professora foi na frente da fila e chamou “fulano, sicrano, beltrano”, que estavam na minha frente, aí ele pulou para outra fila e chamou meu nome,e eu não quis me identificar, porque eu esperava que ela voltasse, voltasse naquela fila ali, porque aquela fila que eu estava, e segundo o que meu pai tinha me ensinado, você tinha que ser naquela fila ali, quando a professora voltasse ela ia chamar, e aí ela não chamou e eu não me identifiquei,só depois que ela começou a procurar o Júlio e não achava o Julio aí eu levantei a mão, então esse foi meu primeiro dia de aula, que foi algo que me marcou no sentido de que: questão de determinação. Você tem que ter, por mais não tenha uma questão assim de diferenciação, mas é uma questão de determinação, porque quando nós nascemos indígenas, nós nascemos com um objetivo, é resistir, é resistir. Por que eu digo isso? Eu sempre uso a seguinte frase, que eu não sei se eu ouvi ou se eu criei, mas a resistência dos povos indígenas começou quando os nossos antepassados acharam Pedro perdido no mar, embora seja um evento histórico, embora tenha aquele mito que o Brasil foi descoberto, a gente sabe que não foi, foi um período de colonização bastante agressivo, um período onde os nossos antepassados foram dizimados, foram sacrificados de uma forma bastante agressiva, então a gente tenta mudar essa idéia de que o Brasil foi descoberto, mas se Pedro foi achado perdido em alto mar e recebeu abrigo dos povos originários, os primeiros habitantes que estava aqui. Em contrapartida, de uma forma assim, bastante violenta suprimiu tudo que era possível, inclusive escravizando os povos indígenas. Hoje, no Brasil, ele é construído em cima de sangue indígena, é uma coisa que a gente tem que sempre lembrar disso. Hoje nós estamos em um país pacificado, mas estamos em um país que, infelizmente ainda não respeita, como deveria respeitar, as questões dos povos indígenas, mas nós que tivemos a oportunidade aí de ocupar um espaço acadêmico, até de liderança que não ocuparam o espaço acadêmico, mas que se sentiram no dever, na obrigação de dizeR – “ olha, nós somos indígenas, nós temos que sermos vistos, nós temos que buscar os nossos espaços”. Então, quando nós temos a oportunidade, nós temos por obrigação não só legal, mas mora de falar que nós estamos aqui, não por bondade, não porque o Estado quis que a gente estivesse aqui, mas porque nós oferecemos uma resistência tamanha, que o estado não conseguiu nos absorver. Eu acho que eu posso estar falando assim, independente da pergunta que foi feita, eu posso estar inserindo comentários assim, porque eu não sei se eu estou saindo um pouco do roteiro, mas eu sinto a necessidade de.. Que é necessário falar algumas questões como essas.
P/2 – Eu vou fazer uma pergunta, tá Jafer?
P/1 – Claro
P/2 – Karai também, quando tiver uma pergunta para fazer pede tá, e aí…Dr Julio eu queria só voltar, primeiro o senhor fique a vontade para, a proposta é essa mesmo, que o senhor fale, não precisa esperar a pergunta, aqui é pra o senhor contar o mais possível e com detalhes é ótimo. Inclusive o que o senhor passou, o que sua família passou, também é bem importante, queria voltar um pouco, quando o senhor falou que os líderes, as lideranças, não sei se eu entendi bem. Elas se formavam no exército, se eu posso dizer assim, é isso? E como que isso foi acontecendo, né? Por senhor contar um pouquinho também como é que seu pai falava disso para vocês.
R – Certo, voltando então, é bom o diálogo fluir nesse sentido, porque tem coisas que a gente esquece, e aí quando volta as perguntas você vê que esqueceu alguma coisa. Então, o serviço nacional de proteção ao índio, ele foi o primeiro órgão instituído pelo governo, primeiro órgão oficial para tratar das questões indígenas, e qual era a intenção do serviço nacional de proteção ao índio? Não tinha nada a ver com proteção, a ideia era a integração nacional do indígena à comunhão nacional. O que que se priorizava e o que que se buscava? Inclusive a Dra Samara Pataxó fala muito bem isso na sua tese, na sua dissertação, que a ideia era que aos poucos o indígena, portanto, a cultura do indígena de tanto ter inserido a cultura do não indígena, é que ele ia assimilar os costumes das comunidades não indígenas e ia passar a não existir. Ele ia deixar de ser indígena, essa era a primeira ideia do serviço nacional de proteção ao índio,que o indígena se tornasse um agricultor, um “cidadão brasileiro”, entre aspas, falando aqui. E estaria a serviço do progresso do estado Brasileiro, o que felizmente não aconteceu, então nós, a maioria dos povos indígenas, manteve a sua particularidade, manteve aquilo que é da sua cultura, e nós estamos hoje aí, eu acredito que com mais de um milhão de pessoas no Brasil com bastante diversificação na cultura indígena. E quando o serviço nacional de proteção ao índio foi instituído, foi instalado nas comunidades, os primeiros dirigentes eram normalmente militares reformados, como eu mencionei há momentos atrás. Ele, aqui estou falando, quando eu falo, é sempre na região sul. Aqui no Sul, eles para, digamos, serem aceitos, ter a possibilidade de voz, que era imposta, ele cooptou, digamos assim, algumas pessoas que ele achava que iriam ficar ao seu lado, que iriam estar ao seu favor. E essas pessoas, por terem uma influência, por terem família numerosa na comunidade índígena, receberam, o que, entre aspas, o título, ou de capitão, ou de coronel, ou de tenente, ou de delegado. E isso foi ___________, as polícias, a gente fala as polícias, o termo na comunidade fala… Seriam os policiais que fazem o policiamento ostensivo, digamos assim. Então, foi aí que surgiu, que nasceu a cadeia de autoridade nas comunidades indígenas… Era o cacique, é um termo genérico também, hoje, é claro que é estudado pelas comunidades, mas cada comunidade tinha criado o seu. então foi, nas comunidades indígenas do Sul, foi assim que se criou o comando, digamos assim, vem cacique, vem vice cacique, vem coronel, vem tenente, veio o delegado, então o que era… em termos geral, então foi ali, o cacique seria o __________ e o policial seria o _________, ele é essa cadeia, O coronel, tenente, capitão, delegado, os outros seria __________, o comando indígena, _________. E o ________ seria o ___________, é então, foi assim que surgiu então, aqui no Sul, a Cadeia de Comando das Comunidades Indígenas.
P/1 – Já que nós estamos falando, a questão de quando o senhor morava na comunidade, como é que foi a sua infância, em questão de ir pra escola, em questão de brincadeiras voltadas à cultura? E como foi a interferência do não indígena a partir do momento que o senhor meio que conheceu, ou meio que se envolveu com outras crianças não indígenas, durante a infância,tanto na questão de cultura e escolar?
R – Certo, meu pai, eu tive a oportunidade de conviver com meu avô também, meu pai contava que ele levou uma camisa, uma calça, uma sacolinha e um caderno, para ir pra aula, né. Então, foi, aí ele não foi estudar, mas se ele tivesse estudado ele tinha… Acho que essa questão é difícil né, e aí ele contava que as brincadeiras deles eram… E aí foi, a gente foi assistindo algumas coisas também, mas de cultura, na época, existia as gestões. Para eles, o que me contava é que quem tinha mais ferroada, tinha mais dinheiro, então tinha que ter coragem de mexer com os vespões, e cada picada ficava um vergalhão assim, no formato de uma moeda, então quanto mais vergalhões eles tinham, mais moedas eles tinham para depois cobrar dos outros, coisa e tal. Então são coisas que meu pai me contou que eu acredito que era da época da infância dele, e que meu avô, ele era caçador de ___________. Não seria aqueles coros brancos que tem no caule, naquelas madeiras apodrecidas, e aquilo lá era uma coisa que ele fazia, caçava aquilo lá, mas era para comer mesmo, então isso são coisas que… Claro que tem o envolvimento ___________. Quando eu comecei a perceber algumas coisas, eu já tava.. Foi ali pelo ano de 1978, 1979, por aí. Aí as coisas já estavam mais, digamos, devido às oportunidades das comunidades terem feito as escolas, aí nós já estávamos mais ___________ daquilo que as comunidades não indígenas ofereciam, então a nossa infância foi assim, meio, escola e liberdade para fazer o que quisesse. Nas comunidades tinha bastante mato ainda na época e também tinha alguns rios, então nós tínhamos uma vida bem tranquila, e as nossas brincadeiras eram nesse sentido. Depois da escola tinha liberdade para fazer o que nós bem entendessem, então a gente vivia como vivem os curumins, mas nós éramos os ___________. Então, a minha infância foi mais ou menos nesse sentido, tem uma coisa que foi.. O dia da festa do índio, que hoje por lei é festa dos povos indígenas, então a festa, na época que eu presenciei, era um evento assim bastante bonito, era diferente do que é hoje, hoje se faz assim, digamos, as missões de várias comunidades indígenas, faz jogos de futebol, quadrilhas festivas e acabou, na minha época até tinha o baile, no final de tudo, mas antes tinha um ritual bastante tempo, que era ___________ na língua Kaingang. As mulheres, principalmente as mulheres, elas tinham tal da kaiko, o que era a kaiako? Era uma pimenta kaingang, que era feita em camadas, né, do ombro, do tórax, e aí a saia tinha várias camadas assim, e eram bastante coloridas. E se buscava para o dia do índio a mulher que tinha em volta da _________ mais bonita, era um festival de kaiakos, a gente chamava de kaika, e eram bastante coloridas, então, as mulheres se preparavam para ir. A festa do dia do dos povos indígenas, claro que ela mudou hoje, mas é algo que deve ser buscado, mantido, para uma questão de cotas que a nossa cultura ainda exige, porque tem muito aquela história de que, hoje não existe indígena no sul, nós estamos muito misturados, então, mas isso também é algo que cabe a nós desmistificar, essa forma positiva de tentarmos: nós estamos aqui, com nossa cultura, com nossa língua, com nossas marcas, com tudo aquilo que nós ainda guardamos. Então, aí depois de um tempo que eu fiz a primeira série, aí nós voltamos a morar na comunidade indígena, e eu passei a estudar na comunidade indígena, mas a comunidade indígena ela tinha escola da primeira à quarta série, aí depois eu tinha que fazer a quinta série fora da aldeia. Inclusive eu estou pensando, eu estou escrevendo, aproveitando que estou com a ideia, está na minha cabeça essa ideia, tem uma aldeia que está desde a minha dissertação, eu to tentando desconstruir essa história de aldeia, porque na minha visão agora, tanto acadêmica quanto de estudante da questão indígena, aldeia, assim como o termo índio, que daqui a pouco eu vou falar, traz uma carga de preconceito bastante grande, de colonialidade. Então, é algo que eu estou tentando pensar em escrever sobre isso também, mas por quê? Tem o interesse, tem que debater, se tiver uma oportunidade nós temos que escrever. Voltando então, eu lembro que no meu primeiro dia de aula, na quinta série, até eu disse que foi na cidade de Portela, na escola Cléia Salete Dalberto, se eu não me engano. Eu entrei na sala de aula, bem tranquilo, porque meu pai sempre me dizia: “Olha, você vai pra estudar, você tem que curtir”. No primeiro dia de aula fui peguei tranquilo, fui para minha história, entrei assim, foi isso, porque a gente sempre perde na vida, então claro que chegar assim foi algo que, acabei de chegar e já me vem com essa, mas enfim, eu peguei aquilo ali para mim e não, esse é meu ponto de partida, eu preciso fazer alguma coisa diferente, a gente vai, comecei a buscar coisas que realmente me deixassem assim, me dessem oportunidade de ter conhecimento a mais… Contribuindo para que o meu povo saísse, entre aspas, daquela questão de “pobreza”, mas não só pobreza física e econômica. Porque eu trabalhei, eu trabalhei desde pequeno, na época ainda tinha a lida da lavoura, muito forte, trabalhei de sol a sol, algo que era normal na minha época, para comunidade da minha idade, desde os doze, quatorze anos, fazer esse tipo de trabalho. Então, o meu ingresso na escola, foi assim de cara, mes eu ter estudado, ter.. Para, não só para, digamos, dizer que… Mas principalmente para dizer eu posso, eu sou capaz, então é, mais ou menos, isso.
P/1 – Durante essa sua infância e fase escolar, que era a comida preferida, você acha que até hoje você se lembra? E também a tua matéria preferida? Se é que teve alguma
R – Em relação a comida, eu lembro que nas escolas indígenas, no final do ano, tinha cozinheiro, e ele era a pessoa mais querida do colégio, ela pegava tudo que sobrava de um ano pro outro e nos dava para levar para casa. E na época tinha o tal de carniceiro de shark, na nossa comunidade. Quando fazia o carniceiro de shark era uma festa, não só para mim, mas para toda a molecada, nós gostaríamos muito do carniceiro de shark, era algo assim que quando fazia era a festa nas escolas indígenas, então sempre teve ali vários momentos… Mas, em relação as nossas comidas tradicionais, quais nós ainda preservamos algumas, a minha mãe fazia o tal do Fuá, com farofa, fuá era uma folha, uma erva que dava no mato, então essa, quando a minha mãe fazia a gente comia bastante, era algo assim… E eu, devido a minha caminhada aí, fora da comunidade, perdi um pouco disso, e quando eu volto para comunidade eu até procuro, mas daí mas os parentes lá tem até vergonha de dizer que fazia um fuá com uma farofa, mas é algo que não tem que, mesmo eu estando fora, mesmo eu vivenciando outros tipos de alimento, aquilo que é da minha cultura, aquilo que eu penso que é importante para nós, que é realmente é, e eu acredito que deve ser preservado, mas a gente vai e conversa, dizendo … quando a gente vai nas comunidades para isso, algumas vezes ainda eles fazem, então seria mais ou menos essa a comida que mais ___________. Eu trago, assim, memorias. E em relação a disciplina das matérias eu sempre tive uma facilidade com matemática, mas não pode se dizer que eu não gostei de português, física ou química, eu tentava aprender todos para não ter ___________. Hoje a gente chama de um teste, mas para não ter dificuldade na vida.
P/2 – Jafer, eu queria perguntar uma coisa antes, pode ser?
P/1 – Claro!
P/2 – Dr Julio, ou senhor falou que trabalhou na lavoura? Assim, não na sua aldeia ou na sua comunidade, mas fora.
R – É
P/2 – Eu queria que o senhor pudesse contar algum momento que foi inesquecível até hoje, sabe? De situação, de uma situação feliz ou de dificuldade também. Um fato marcante em relação a esse trabalho que o senhor teve que fazer fora da comunidade.
R – Certo, na época quando eu tinha uns doze, para treze, quatorze anos,mais ou menos, ainda não tinha inventado o tal do, o que chama hoje de ___________ que é o CECAN, que parte ___________. Os agricultores quando eles plantavam em volta a, eles não ___________ nada para a gente comer, o tema era esse, a gente não sabia nada disso.. Cada um com a sua enxadinha, cada um com sua enxada boa, para passar o dia inteiro capinando uma lavoura, principalmente os ___________. Mas o que contratava, fazer a tal das empreitadas, a gente tinha que dar um jeito de terminar aquela empreitada ali no nosso território, para estar ganhando, estar tendo alguma compensação. Geralmente quem fazia as empreitadas contratava os peões para fazer um pagamento por dia, e aí a gente trabalhava, perna para cima, até as vezes a gente ia longe da comunidade, andando nos caminhões. Até na época, vários caminhos cheios de menino para essas lavouras. O que mais me dava vontade de trabalhar, não era o dinheiro em si, mas era saber que, não todos os finais de semana, mas alguns finais de semana ali, ia ter baile, aí nós trabalhávamos que nem uma máquina, tinha que fazer, tinha que produzir. Quando tinha final de semana de baile podia procurar na semana, ali nas comunidades, que não tinha ninguém,estava todo mundo nas lavouras trabalhando e juntando o dinheiro para no final de semana gastar tudo no baile. E nessa época eles faziam, até a comida era feita na lavoura, e aí o prato que comia era arroz, feijão e carne, até a gente chama de carreteiro hoje, arroz carreteiro para mim é arroz com feijão, e aí esse era o prato da gente da lavoura. E falando da comida, eu lembro que, o primeiro fato agora é que meu pai me contou isso, nas comunidades indígenas na época do STI, eles trabalhavam para os militares, sob o comando de indígenas. eles passavam, uma época assim, longe da família, trabalhando na lavoura da comunidade, mas para o chefe,na época era chefe do STI… E aí tinha os tais dos panelões, que eram comidas assim, que hoje digamos, não é comestível, aí tinha os panelões, e os indígenas tinham que comer. Mas no final, na época ali ganhavam alguma coisa, ganhavam uma barra de sabão para lavar a roupa, para na outra semana tá ali com a roupa limpinha para trabalhar de novo, então ganhavam alguma coisa né. Então, eu to fazendo aqui, para vocês entenderem, eu estou sendo irônico né, o esquema que tentavam de toda a forma tirar do povo Kaingang… Por isso que hoje não tem.. A gente, toda, toda tentativa de nos tirar aquilo que é bem característico nosso, é algo que nos deixa assim, um pouco revoltados, porque hoje não tem… Voltando a esse assunto, né.
P/1 – Entrando, não sei se o Kairin que fazer alguma pergunta
P/3 – Sim, quero, dá para ouvir?
R – Sim
P/3 – É, então, parente, queria perguntar, houve o deslocamento, qual o motivo você e sua família se mudaram para, para onde, e como foi a viagem?
R – Certo, eu vou tentar falar aqui… Como eu falei antes, desde muito cedo o meu pai quis mudar, como a gente sabe meu pai falava muito pouco com os filhos, era mais mandar do que falar, mas quando meu pai tomava uma decisão um pouco a mais a gente sentava e conversava com nós, tentávamos relevar, coisa e tal, pensar no que fazer, é algo que eu trago assim, ele tinha que tomar uma cervejinha para conversar, se não era mandar e nós obedecemos. Na pergunta do parente ali eu entendi, eu acho que ele ta perguntando do meu deslocamento para fora da comunidade, pelo que eu tô entendendo. Para responder eu vou voltar um pouco, e já respondendo a questão da marca lá… de me chamar de doutor. Hoje eu sou advogado, então por muito tempo ai tive que estudar por colégios, e pelas lideranças me chamaram de doutor, doutor Júlio, então é por causa disso, mas antes deu chegar a ser bacharel de direito, ser especialista em direito ambiental, eu estou na fase final da minha dissertação, na semana após carnaval aí tem minha qualificação, eu estudei na escola indígena na época era Centro de Ensinamento Profissional Clara Camarão … Foi o primeiro colégio que eu frequentei, ele foi criado pelos pastores, pelas mães da igreja Luterana, algo assim. Mas eu sempre,busquei depois que eu me casei uns 2, 3 anos…Ela não gosta muito que eu fale muito dela, eu tô completando com ela esse ano, 30 anos de casado, são 30 anos de vivência, o meu casamento com ela não foi diferente das Kaingang no geral, começou a se paquerar, tal, foi ficando, e deu no casamento Kaingang, que eu já falei,mas aí nós saímos muito cedo da comunidade, Carmem foi trabalhar em Foz do Iguaçu, ai quando eu cheguei lá, na primeira semana nasceu a minha primeira filha, então lá naquela cidade nasceram todos os meus filhos. Mas o trabalho era pesado, era puxado, eu trabalhei de .., Inclusive hoje eu sei fazer de tudo, desde pedreiro, carpinteiro, instalador de água, instalador de fogão, fui advogado, então a vida me deu oportunidades, e é aquela história, te dá limões e você faz limonada, então eu aproveitei todas as oportunidades, para crescer para conhecer alguma coisa, mas chegou um tempo lá que eu parei e disse “ não, não tá certo”, na época eu não tinha concluído o segundo grau, que hoje é ensino médio,aí eu cheguei e falei assim para minha esposa, é Carmen o nome dela “ Carmem, vamo estudar”. Aí terminamos, aí voltei para comunidade, para comunidade ___________. A minha, como ela esposa tem muita facilidade de dar aula, ela começou a dar aula, eu também comecei a lecionar, foi um período bastante organizado com tempo, porque o próprio ensino médio na aldeia já é uma responsabilidade muito grande você ter a informação que têm que, entre aspas, “ensinar alguém”, dar uma educação de qualidade para alguém, já é complicado, imagina você como mestre, dando aula para indíegan, que é o seu povo, você tem a responsabilidade de, inserir na idéia deles, inserir na cabeça, ter uma nova idéia que é necessário estudar.. Foi aí que eu resolvi buscar uma formação de nivel superior, mas como eu já sentia, e hoje eu falo isso tranquilamente, como eu me sentia não apto,não ter a função, não ter a habilidade de lecionar, eu fui par ao ramo do direito, então, mas antes de dizer que eu fui pro ramo do direito, eu pensei que eu devia fazer algo para minha comunidade, que não fosse lecionar, eu queria na época fazer qualquer curso, eu comecei com 27 anos a faculdade, e aí eu pensei “ah, eu vou fazer algo então, que vai mudar a realidade não só minha, mas também contribuir para que meu povo se sinta representado, aí eu fiz o vestibular, não passei, aí me deram a segunda opção, aí eu entrei, e depois eu pedi a transferência para o direito, e aí as coisas começaram a fluir na minha vida, mas eu sempre tive assim, um semestre da faculdade foi só para começroar a entender o que os professores falam, porque por mais que eu entendesse o português, o vernáculo, digamos assim, da escola de direito, é algo fora do comum, fora do normal, então foi… Eu acredito que não só o primeio ano foi assim, para me situar, para se interar daquilo que realmente os professores estavam falando, e foi algo assim que, na faculdade inteira, comecei a conhcer, a ser.. Aproveitar o máximo possível, para depois eu voltar e aplicar aquilo que eu conheci na comunidade indígena. E aí normalmente quando o indígena forma, por ter o conhecimento acadêmico, ele acha que ele sabe um pouco mais que… aí tem esse primeiro choque, está vivendo uma outra realidade, tem um novo pensamento, aquele pensamento das comunidades indígenas já não te serve mais, e aí tu volta e tenta de uma forma, digamos, inesperiente, incutir a tua ideia na comunidade, então isso é necessario porque que nos fazer crescer, nos dá oportunidade de crescer e ver que é possível, os dois conhecimentos estarem juntos, andaram juntos, para o bem comum, porque por mais que a maioria das lideranças não tenham o conhecimento acadêmico, tem o conhecimento histórico de estar a frente de uma comunidade, de estar a frente de um povo. Então, tudo isso é relevante, tudo isso é importante, tem valor, e deve ser observado, e respeitado, então as comunidades indígenas hoje, a gente tem que entender muito, respeitar a convivência, respeitar aquilo que as lideranças trazem,
P/2 – De novo, hoje eu estou fazendo muitas perguntas, Jafer, é que eu estou querendo muito ouvir o Dr. Júlio, então eu estou te atrapalhando. Dr. Julio, só eu, pode ser que a minha pergunta não esteja da melhor forma, mas queria entender se o senhor pudesse me dizer, justamente pelo que você acabou de falar.. Por que, eu tentando do meu ponto de vista do meu jeito, mas eu queria que você me falasse do seu jeito. Por que os pais, mesmo dando valor para sua cultura, como seu pai, né, que era uma liderança, e dava valor a sua cultura, ele incentiva tanto os filhos a estudar a cultura acadêmica dos não indígenas ? Qual é o por quê? Isso ajuda a fortalecer a cultura indígena, ou não? Eu fico com essa dúvida, que pode ter esse choque, se você puder me falar sobre isso. Do que você acha e vive
R – É, veja só, na época que eu era moleque, que eu era guri, quarenta e poucos anos atrás, digamos, as coisas não eram tão simples, tão simples. E, podia ter tranquilamente ___________, um acadêmico lá, agrícola, ___________ era e pensava na época que pudesse ingressar nas universidades, mas hoje não tem como vislumbrar algo de melhoria para comunidade indigena sem a academia, digamos assim. No primeiro momento, quando meu pai decidiu estudar, era para sair da pobreza econômica, que até pouco tempo… Ainda hoje está dando aula na escola… na comunidade do Guariba.. O povo indígena, ele tem, na época né, tem dois caminhos apontados para ele, ou ele começa a beber, ou ele… Ou ele é bêbado, ou ele é pobre. Por que ele falou isso? Porque se o indígena começava a pensar aquilo que vai melhorar a sua relação com ele próprio, com a comunidade, que é buscar um conhecimento a mais, se ele pensar que isso vai lhe trazer benefícios estrutural, provavelmente o mundo vai puni-lo, vai punir ele, porque hoje a proximidade das nossas comunidades é tão grande com as comunidades não indígenas, que hoje nós não temos condições de manter aquilo que é da nossa cultura se nós não buscarmos uma qualificação, um modo respectivo de preservar. Eu penso que os 25 anos atrás. buscar um banco acadêmico, realmente trazia um crescimento cultural para as comunidades, não veio como exportar dessa idéia, digamos assim, mas hoje é totalmente é totalmente descabido, digamos assim, pensar que o indíegena ao buscar um banco acadêmico vai desfazer esse vínculo cultural, por exemplo na Universidade Federal de Santa Maria há um prédio, exclusivo para moradores indígenas, de tantos moradores indígenas. Então, aquilo que estou vivendo dentro da minha comunidade, eu estou vivendo fora da minha comunidade na universidade … O indígena também tem seu espaço próprio lá…. A gente tenta, a gente tenta na maioria das vezes, quando é possível, quando faz vestibulares indígenas, trazer quando é possível na prova, algo que é cultural… O vestibular não é só forma de ingresso, mas a forma de fazer as provas,.. Traz a valorização dos povos indígenas no processo, Eu penso, agora é só um pensamento meu, a melhor forma de preservar é você é dar um conhecimento a mais, é manter aquilo que unifica, eu vi pela primeira o professor Natalino Goes, o Goes, foi um dos primeiros professores, era professor da forma de ensino bem tradicional mesmo, eu não se é dele essa frase, mas foi dele que eu ouvi a primeira vez: “Grava coisas importantes, lugares adoráveis, pouco, mas não matar as nossas raízes”. Ou seja, aquilo que não bate com as nossas raízes, infelizmente, a mais de 500 anos nossas raízes são travadas a pó nesse Brasil. É importante para nós, então nós temos que aproveitar, aí eu trago, posso até dizer a referência de vida, nós não podemos perder a oportunidade, mas nós não queremos deixar de ser indígenas, eu até reafirmo aqui uma fala minha, que não existe Sul né, fico até imaginando, porque eu posso ser indígena em qualquer lugar. Se eu moro fora da minha comunidade eu sou indígena, se eu moro dentro eu sou indígena, porque meu pai me dizia assim, e é isso que a gente tem que tentar disseminar, que eu sou indígena não importa a minha aparência física, não importa se eu estou com cocar, não importa se eu estou com uma roupa não indígena, digamos assim, inclusive na minha dissertação eu tento trazer, o principal, porque eu hoje não se tem, não tem critérios específicos digamos assim, para dizer quem é o indígena, para identificar quem é indígena, que nem eu falei… Mas eu tento dizer que os principais critérios é a autoconsciência do indígena, é a autoconsciência, ou melhor é a consciência do indígena, e a consciência do indígena faz com que ele se identifique como indígena, e essa identificação não deve ser isolada, ela tem plena aceitação em uma comunidade indígena, não dá para eu querer se indígena, a comunidade tem que me aceitar, então é um elo, é algo que tem que encontrar, tem que ir ao encontro uma da outra, para que as duas coisas aconteçam. Então, eu penso hoje… Eu penso hoje, que quando eu tenho essa consciência de ser indígena eu vou buscar conhecimento, e esse conhecimento que eu buscar vai ser, não para me aculturar indignamente falando, mas para fortalecer aquilo que eu já trago da minha cultura.,
P/1 – Eu acho que tanto a Márcia, quanto o Karin devem ter notado que ao longo da conversa, tem perguntas que estão no roteiro ali, mas o doutor já vai respondendo sem a gente perguntar, isso é muito bom. Entrando um pouco agora na questão da família, família particular aí, o senhor já contou como que o senhor conheceu a sua noiva, como foi o casamento dentro da cultura? O senhor tem filhos? Como é a relação com eles, tanto fora da comunidade como dentro da comunidade? E qual é os aprendizados que o senhor passa para eles?
R – Bom, eu como bom Kaingang, como bom Kaingang, digamos assim, não podia fugir a regra, e Kaingang tem bastante filho, é uma das nossas diretrizes, digamos assim, para que o Kaingang não perda … A maioria dos casais hoje, hoje pode ser que não seja uma verdade um pouco diferente, mas na minha época tinha bastante filhos. Eu tenho quatro filhos, a minha esposa é enfermeira, eu tenho uma filha médica, uma Bacharel em Direito, e duas que são, uma se formando em Odontologia no final do ano e a outra ainda vai mais um pouquinho, mas é Medicina. O que eu penso que é importante dizer, quando meus filhos começaram, ___________, porque Kaingang casa cedo, é uma verdade, dentro do povo Kaingang, quer casar, que casar, Teve uma… quer casar, porque quer casar, e lá em casa, na minha casa não teve isso, eu dei uma segurada: “ primeiro vocês vão estudar, vocês primeiro vão buscar uma qualificação e depois vejo” . Então não só falando, mas trazendo exemplo, a minha esposa.. Ela é enfermeira, trabalha com a Saúde Indígena, não só falando, mas mostrando que o estudo é um caminho a percorrer, você pode escolher a área que você quiser, a área que você resolveu estudar, mais… Isso aqui é uma fala, que aproveitando a oportunidade, eu falo para todos os parentes, é necessária nós termos conhecimento a mais, é necessário para preservar buscar um conhecimento a mais. Como é que eu vou debater com alguém a minha ideia se eu não conheço a ideia daquela outra pessoa ? Então, eu acredito que em 2023, a gente tá em 2023, eu vou ter um Kaingang que é bacharel em direito, que tem a esposa graduada, que tem o filho pós graduado, é mérito, é mérito, ainda mais que para nós indígenas que fomos assim, 500 e um pouco mais de anos excluídos desse universo, aonde que, se eu não me engano a partir de 2010, 2008, 2012 por aí, começou a mudar essa realidade. Eu entendo o povo preto, o termo legal é preto, nós temos que escurecer os bancos acadêmico, temos que escurecer… Nós indígenas temos que aproveitar essa oportunidade de colorir isso aí, porque os nossos cocares são coloridos, as nossas pinturas são coloridas, então nós temos que colorir, temos que trazer mais cores, temos que trazer, e é nesse sentido que os bancos acadêmicos hoje tem que ser tomados de cocares, porque hoje nós temos a bancada do cocar, então os nossos cocares tem que tá nesse lugar, e eu aproveito a oportunidade, nós indígenas temos que colorir o poder judiciário, poder executivo, poder legislativo e temos que aproveitar essa oportunidade, porque os nossos cocares, as nossas pinturas falam por nós, então estamos caminhando para isso nesse ano? Estamos. O início que deu, muitos anos atrás, muitos milênios atrás… Então, eu digo que nós temos que aproveitar essa oportunidade de estar em todos os espaços que nós, todos os espaços que nos são abertos nós temos que ocupar.. Eu hoje, no Rio Grande do Sul, sou o primeiro indígena a ser aprovado em concurso público, da defensoria pública, pelo sistema de cotas. Hoje eu estou ocupando um cargo de analista processual na defensoria pública do Rio Grande do Sul pelo sistema de cotas, nós temos aproximadamente 1200 servidores aqui no Rio Grande, veja, um indígena, um indígena. É algo assim, que tem que ser repensado, não só nas universidades, mas como eu falei, nos poderes públicos, Nós temos que colorir esses ambientes com as nossas pinturas e nossos cocares, então eu acredito que é algo que é necessário.
P/3 – Queria saber como que vocês fizeram para se proteger durante o Coronavírus, alguém chegou a falecer na sua família ou na sua comunidade? E como que o Coronavírus impactou sua família pensando no espectro… e sua rotina? Dá pra ouvir?
R – É, deu pra entender. Então, vamos, na época que estourou a Covid aí eu tinha 3 filhas na faculdade, eu mandei todas virem para Porto Alegre, estavam no Rio Grande, vir para Porto Alegre, e trouxe para casa, para que eu pudesse proteger elas… Aí nesse período a gente tentou … Foi bem preocupante, a gente perdeu, eu perdi grandes amigos, eu perdi parentes, eu perdi pessoas muito próximas, assim… Foi uma guerra ao vírus, não guerra, eu tentei de qualquer forma proteger aqueles que estavam ao meu lado, na época eu estava ajudando, porque manteve o meu trabalho de uma forma bem restrita, mas a comunidade onde eu tinha acesso me permitiu eu chegar, conseguir chegar com o maior cuidado, tentando me proteger e proteger a comunidade, na época eu morava em uma área bem próxima ao… centro, era uma referência… Eles me colocaram… Então, como a gente perdeu bastante parentes a gente tinha todos os cuidados, para não levar Coronavírus para dentro da comunidade, e também não trazer para casa, mas trabalhar é algo bastante complicado, então teve impacto assim… Na vida toda, esse cuidado é necessário, não só no cuidado do…,digamos assim, quando algo acontece assim, você muda como pessoa, se você não mudar como pessoa num presente como esse, então algo está errado, porque a tal da empatia, a tal da empatia se não te tocar num momento desse, então é algo você repensar. Aí vocês e torna mais próximo das pessoas, e busca mais a convivência, fazer com que os momento sejam, não sejam só momentos passageiros. Você tem, como ser humano, como pai, como filho, como irmão, como tio, tem que ter esse sentimento, digamos, bem vivos em você. Teve morte, a gente perdeu bastante parente, mas por outro lado, algo que estava perdido que é a empatia, voltou, a gente espera que não aconteça mais isso, mas que a empatia continue, que fique.
P/3 – Eu queria saber se durante, durante o Coronavírus vocês tomaram a vacina? Se vocês tiveram vacina?
R – Eu acho que eu entendi que ele perguntou se nós tínhamos esquema vacinal, é isso? Se a pergunta é essa, inclusive, eu entrei na Justiça Federal para que minha família fosse vacinada, eu estou com uma ação contra o governo federal, porque reconheciam indígenas como aqueles que estavam em comunidades, como eles falam, em terras indígenas, então como na época minha esposa trabalha na saúde, no solo, na parte administrativa, nós morávamos em Passo Fundo. Então, eu ingressei em juízo e pedi para que a decisão se estendesse a todos os indígenas que moram, que moravam na época, fora das comunidades, a gente teve o pedido atendido parcialmente, e eu pude me vacinar, tomei a primeira dose, e meus filhos também, mas a decisão não se estendeu aos demais, porque o poder judiciário entendeu, na época estava entendendo a questão legal, que a minha representatividade era exclusiva para a família, mas eu entendo que essa luta não era só para minha família, era para todos os indígenas, a gente fez uma campanha, juntou, dizendo que era necessários nós estarmos atentos a isso e buscarmos a efetivação desses direitos. Então, como a gente sabe desde, desse a chegada de Pedro perdido em alto mar, Pedro novamente, o sistema de supressão de direitos, foi imposto, apesar… De todas as formas, e ainda aquela governização, tentaram nos calar, tentaram nos, digamos assim, tirar aquilo que, os poucos direitos que nós conquistamos, mas é algo que nós conseguimos resistir e nossos direitos a gente vai estar sempre lutando. Eu até fiz uma reunião sábado e disse assim: “Olha, eu espero que meu legado, meu legado de luta, história, poder.. Que eu consiga, consiga depois que passar dessa vida ser lembrado, como uma das pessoas que foram e ainda busca pela identificação dos direitos indígenas
P/2 – Jafer, quando você terminar daí eu queria fazer uma pergunta, tá? Pode terminar antes
P/1 – O Dr. falou que atualmente ele está trabalhando na defensoria, é isso? Qual é… Eu acho que o Dr. já contou grande parte do trajeto até aqui, mas eu gostaria de perguntar quais são os sonhos, os teus sonhos que você ainda tem? O seu legado você acabou de comentar já. E as coisas mais importantes, as pessoas mais importantes para você hoje?
R – É, eu sempre digo, eu sempre digo que pessoas que não tem sonhos, ela tem que… A pessoa quando deixa de sonhar, ela deixa de viver, a pessoa que se acomoda com a situação ela tem que pegar um vento, dá uma chacoalhada no espírito e voltar a viver, a pessoa sem sonho ela não caminha, ela rasteja. E conversando no meu trabalho, eu estava começando a fazer uns concursos mais para frente para Defensor, e uma pessoa indagou-me: “mas, Júlio, você ainda tem esse sonho? Você ainda acha que vale a pena? “... Enfrentando, pensando que é o máximo que eu posso chegar. Aí eu falei a mesma coisa “ olha pessoa, a pessoa sonhar, sonho, ela precisa mudar, ela tem que deixar de rastejar voltar a caminhar” . E eu tenho sonhos, confesso que meus sonhos a gente ia passar o dia inteiro falando, mas academicamente falando, concluir o mestrado e talvez doutorado, são projetos que estão começando a sair do papel, e eu acredito que vai dar certo, mas a gente sempre tem que lutar. As pessoas mais importantes, eu volto a dizer aqui que a minha esposa não gosta que eu fale, mas 30 anos de convivência é porque algo deu certo, né, então eu acho que a minha esposa está como as pessoas.. Eu até digo para o meu filho, Jafer : “Olha, mulher como a tua mãe não existe mais “, ela passou fome junto comigo, ela passou pelos momentos mais difíceis junto comigo, e em nenhum momento ela pensou em desistir, ela sempre acreditava nos nossos futuro, então quando você encontra pessoas assim do seu lado, só têm que… Hoje nós temos uma estabilidade financeira tranquila, mas não é isso que importa, importa, como eu já falei antes, o legado que você deixou. O meu pai também foi uma pessoa muito importante, a minha mãe com as surras que ela me dava, o meu pai nunca me bateu, mas a minha mãe vivia me dando lição, e aí é os filhos, eu sempre digo que é por ordem de nascimento, não por ordem de preferências, então tem a Caroline que é médica, o Jafer é bacharel em direito, a Débora Raquel que essa estava fazendo medicina, e a Lea Cristina que está se formando em Odonto no final deste ano. Até eu trago aqui história que… Cada um dos meus filhos tem uma história assim, que eu digo para eles, que eles tem que lutar para manter o que a gente tem indígena, aí eu conto a minha história para eles, e eles: “lá vem o pai com a história dele de novo “. Essas histórias indígenas, essas histórias que a gente tem, é algo que tem que ser lembrado para gente, né. E o pai que, falando aqui, que era um indiozinho lá das brotas conseguiu uma graduação, está concluindo o mestrado, conseguiu passar num concurso público bem importante, conseguiu… Então, eu não vejo que isso só para mim, ou só para os meus filhos, eu vejo que isso é para o nosso povo, o nosso povo indígena, não só o Kaingang, mas para todos os Guarani Kaiowá, os Yanomamis hoje que estão passando um momento crítico de abandono, e eu sempre digo, a realidade aqui no Rio Grande do Sul não é diferente, então aconteceu o que aconteceu lá, porque a proximidade com a cidade nos favoreceu, porque o socorro médico é próximo, porque bem ou mal há uma assistência dos municípios, então essa realidade, desse esquecimento é algo que é inerente a todos os povos indígenas, mas aqui nós felizmente temos, estamos conseguindo ser ouvidos e fazer valer um pouco dos nossos direitos. Eu acredito que são essas as pessoas que realmente nos trazem uma motivação para continuar a caminhada, e eu acredito que é isso.
P/2 – A gente poderia terminar assim né, Jafer? Ficou bem bonito o final (risos), mas só, primeiro, Dr. Julio, eu queria dizer que quando eu fiz a pergunta sobre a contribuição de quem estuda para a cultura, eu entendia assim, eu entendia assim, mas eu queria ouvir de você mesmo. A outra coisa, bem assim rapidinho, o senhor falou que está desconstruindo a ideia de chamar aldeia, para descolonizar. E qual é a proposta que o senhor traz para chamar assim, onde as pessoas estão? Comunidade seria?
R – É, como eu falei, essa ideia quando eu fui escrevendo a minha dissertação, eu comecei a ler algumas ideias do tipo, então, eu verifiquei que aldeia é realmente algo pejorativo, para, assim como o termo índio, é algo pejorativo. Na minha visão, seria Terra Indígena, terra indígena. E aí quero aproveitar e falar um pouco da questão do termo índio e indígena, o que que é importante para nós? Aproveitando, o que é importante para nós? O reconhecimento do povo e o reconhecimento de indígena. Nós desconstruímos algo que nos foi imposto, e essa desconstrução saiu de nós, não é algo que veio trazido, a gente começou a verificar, a gente começou a pensar no seguinte: “Eu tenho voz, eu posso falar por mim”. Nós não somos mais tutelados, então quando eu começo a ter a minha voz, quando eu vejo que a minha voz começa a causar algum fervor, digamos assim, é porque está tendo efeito, então, o termo indígena, ela é muito mais adequado para unificar as comunidades, para identificar os povos, do que o termo índio, porque o termo índio ele está... Nos remete a um passado em que o índio era chamado de preguiçoso, que o índio era chamado de bandido, de tudo que não presta. Inclusive, aproveitando, quando você ver um menino indígena vendendo seu balainho, quando você ver um indígena vendendo seu artesanato, tente tratá-lo com a dignidade que ele merece, porque nós somos ensinados, desde muito pequenos, a buscar a nossa autonomia, a buscar a nossa independência, não é por, digamos, uma falta, um descuido de um pai, ao contrário, eles estão nos ensinando desde muito pequenos que a vida, que uma parte da vida, tem que ser lutada. É claro eles estão vendo ali seu artesanato num período de férias, então é nesse sentido, quando você ver um indígena vendendo seu bailinho, vendendo seu balaio, você… Eu peço que as pessoas pensem tentem ver isso como algo, com respeito, porque você transformar uma taquara, um cipó em artesanato, se você ver isso, se as pessoas viram isso, não fazem, porque tem que ir no mato buscar, a taquara é assim, um trabalho de muito, muito risco, porque mais vai deixando fino a taquara, mas tem a possibilidade de você se cortar, então ninguém conhece, ninguém sabe como que é feito o balaio, então até quando se ver um guri fazendo seu artesanato tentem valorizar aquilo o que ele está te oferecendo, porque muitas vezes o preço que paga, não reflete o trabalho que se dar para fazer aquele artesanato, então a ideia é essa… Claro que ela vai ser construída ainda, eu acredito que na minha dissertação, até o final, vai estar pronta, mas a minha ideia é que aldeia deixei de quanto o termo para identificar os povos indígenas.
P/2 – Pode continuar Jafer ou Karaí, obrigada
P/1 – Karai quer fazer mais uma pergunta?
P/3 – Não, pode encerrar
P/1 – Então está encerrado, Dr, tem alguma história que o senhor gostaria de contar, que não contou na entrevista ?
R – Bom, como eu disse antes, se eu contar a minha história, nós vamos passar o dia inteiro aqui, mas eu digo assim momentos, momentos importantes da minha vida, conhecer minha esposa, nascimento dos meus filhos, foram momentos bastante relevantes, mas não comparando o que seria maior ou melhor, quando consegui a colação de grau de Direito, eu diria assim… Mas quando eu peguei a carteira da OAB, olha foi algo que eu lembro que, no passado, eu jamais imaginaria que chegaria a tanto, pode parecer algo pequeno para quem tá acostumado com tantas conquistas, com se lutar pouco para conseguir algo, o indígena quando ele consegue algo é porque foi lutado, a luta foi grande. Então, quando eu consegui a carteira da OAB, eu vi ali o meu nome e a minha foto, foi um momento muito impactante na minha vida. Eu lembro do primeiro escritório, primeiro escritório que eu… Aí depois, antes de eu ser nomeado, o escritório aceitou minha _________, então eu tive a oportunidade de, é algo assim que você olha para trás e a caminhada valeu a pena, então eu me sinto aqui, por mais que eu tenha sonhos, eu me sinto realizado como pai, como esposo, enquanto pessoa, enquanto membro do povo Kaingang, eu sei que eu estou, na medida do possível contribuindo para o aumento dos direitos das comunidades indígenas, não é algo só para mim, algo que eu trago para o coletivo também.
P/1 – Acho que para encerrar, como foi para você esse o momento, contanto a sua história, contando toda a trajetória até aqui?
R – De hoje? Eu não entendi a pergunta, como foi o momento dessa entrevista, é isso? Repete.
P/1 – Como é que foi para você fazer essa entrevista, relatar toda sua história e sua trajetória até aqui?
R – É, eu penso, como na maioria das vezes eu falo, vai estar o nome do ___________, mas não é só o nome dele, é o nome de todos os indígenas, é o nome do povo que resiste a mais de 500 anos a todas formas de extermínios, seja ela por ação do governo, seja ela por ação de alas como do agronegócio ___________, todas as formas possíveis. Então, eu penso que é o momento que, o próximo indígena ou a indígena que estiver aqui também vai virar referência o seu povo, referência sua história enquanto indígena, e isso é muito mais importante do que o pessoal, então nós temos que referenciar a nossa história quanto indígena, quanto povo, quanto Kaingang, enquanto Guarani, enquanto seja lá o povo que pertence, então eu penso que a preservação de ideias, a preservação que o Museu da Pessoa está oportunizando ao povo indígena é algo memorável, é algo importantíssimo.
[Fim da Entrevista]
Recolher