1°Capitulo
Seu moço
Ei seu moço, fiz uma canção pra você, espero que goste.Os acordes ainda estão oscilando e vacilantes, mas acho que consigo cantá-la. É, eu sei, é hora de ir embora, mas meu coração quer que fique e escute essa canção.
Começa assim:
Queria chegar em casa e te encontrar ali sentando em sua poltrona apenas me esperando para estar comigo e me fazer um carinho enquanto mamãe prepara meu cantinho.
Queria pegar no sono com as canções que cantavas para mim, que aliás, na maioria das vezes eram em inglês, me fazendo tranquilamente adormecer, mesmo sem entender.
Queria te ver mais uma vez, sentado com seu violão tocando e cantando suas canções, completamente sem medo de ser feliz.
Queria não ter que olhar agora para esse seu rosto triste e cansado, isso me faz sentir culpada e magoada.
Queria te ver feliz outra vez, sem medo de amar, sem medo de tocar, sem medo de cantar, sem medo de me olhar, sem medo de viver e finalmente sem medo de ser.
Mas, mesmo se isso não acontecer, te amarei até o fim, com tanto que estejas sempre perto de mim, quero sempre te ver,, eu amo você.
“Eu só queria estar em casa”
Meu nome é Mirian da Rocha Souza e o ano era 1990, eu tinha seis anos, e quando tudo começou nós eramos em sete irmãos, cinco meninas e dois meninos, dos sete filhos eu era a terceira, filhos de pais evangélicos. Quando eles se casaram meu pai tinha 23 anos e minha mãe 16. Os dois eram de famílias muito pobres, ambos do interior do Estado do Espirito santo. Minha mãe nasceu em uma cidade chamada Rio Bananal e meu pai não me lembro onde ele nasceu. Na Verdade, conheci pouquíssimas coisas sobre ele, as únicas coisas que sei a seu respeito é que tinha somente um irmão e que seus pais morreram quando os dois ainda eram crianças.
Diante de várias circunstancias que vivemos, penso que teria sido melhor se não tivessem se casado. Já dizia o ditado: “quando a cabeça não pensa, o corpo...
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Seu moço
Ei seu moço, fiz uma canção pra você, espero que goste.Os acordes ainda estão oscilando e vacilantes, mas acho que consigo cantá-la. É, eu sei, é hora de ir embora, mas meu coração quer que fique e escute essa canção.
Começa assim:
Queria chegar em casa e te encontrar ali sentando em sua poltrona apenas me esperando para estar comigo e me fazer um carinho enquanto mamãe prepara meu cantinho.
Queria pegar no sono com as canções que cantavas para mim, que aliás, na maioria das vezes eram em inglês, me fazendo tranquilamente adormecer, mesmo sem entender.
Queria te ver mais uma vez, sentado com seu violão tocando e cantando suas canções, completamente sem medo de ser feliz.
Queria não ter que olhar agora para esse seu rosto triste e cansado, isso me faz sentir culpada e magoada.
Queria te ver feliz outra vez, sem medo de amar, sem medo de tocar, sem medo de cantar, sem medo de me olhar, sem medo de viver e finalmente sem medo de ser.
Mas, mesmo se isso não acontecer, te amarei até o fim, com tanto que estejas sempre perto de mim, quero sempre te ver,, eu amo você.
“Eu só queria estar em casa”
Meu nome é Mirian da Rocha Souza e o ano era 1990, eu tinha seis anos, e quando tudo começou nós eramos em sete irmãos, cinco meninas e dois meninos, dos sete filhos eu era a terceira, filhos de pais evangélicos. Quando eles se casaram meu pai tinha 23 anos e minha mãe 16. Os dois eram de famílias muito pobres, ambos do interior do Estado do Espirito santo. Minha mãe nasceu em uma cidade chamada Rio Bananal e meu pai não me lembro onde ele nasceu. Na Verdade, conheci pouquíssimas coisas sobre ele, as únicas coisas que sei a seu respeito é que tinha somente um irmão e que seus pais morreram quando os dois ainda eram crianças.
Diante de várias circunstancias que vivemos, penso que teria sido melhor se não tivessem se casado. Já dizia o ditado: “quando a cabeça não pensa, o corpo padece”. Nesse caso muitos corpos padeceram e alguns padecem até hoje.
Meu pai, até onde me lembro, nunca foi um homem ambicioso, mas era paciente, passivo, alguém que se contentava com muito pouco. O carinho que tinha comigo, este é inesquecível. Suas Brincadeiras me faziam sorrir, e ele estava sempre de bom humor, não me lembro de vê-lo nervoso ou angustiado por coisa alguma, desesperado ou se apressando em fazer algo. Talvez o maior erro de meu pai foi não saber equilibrar sua passividade e paciência e por causa disso tivemos muitas dificuldades principalmente com moradias. Não guardei na memória todos os detalhes, mas me lembro bem de Linhares, cidade pequena, ruas de terra solta, que deixava um rastro de poeira cada vez que passava um carro. O bairro se chamava Pó do Chel, tinha esse nome por haver muito pó de serra pelas ruas. Morávamos em uma casa grande de madeira pintada de azul, cal misturado com corante, com um quintal espaçoso, havia pés de bananeira, onde brincávamos até o pôr do sol. Nos mudamos dessa cidade quando minhas irmãs mais velhas estavam entrado na adolescência. No dia da mudança eu estava na creche, que ficava próximo a minha casa. Fazia um dia tão bonito, o céu azul o sol brilhante. Nesse dia eu não sai do portão da creche, fiquei ali agarrada feito sangue suga, morrendo de medo de que me esquecessem. A noite estava prestes a chegar e nada de virem me buscar, eu espichava o olhar para a estrada e nem sinal da minha mãe ou de alguém da minha família. Já era tarde, meu coração palpitava e ficava angustiada até começar a cair a primeira lágrima e não parava mais de chorar. De longe chegava um vento frio, gelado e solitário que fazia arranhar minha garganta de tamanho desespero. De repente um sorriso brotou em meu rosto, e o motivo do sorriso foi ver minha mãe vindo me buscar. Eu queria pular o portão e sair correndo até o encontro dela, e dentro do meu coração eu sussurrei: “que bom que não me esqueceram!!”. Quando cheguei em casa já estava tudo pronto para embarcarmos para outra cidade. Me sentia tão aliviada de estar com minha família. A cidade para onde estávamos nos mudando se chamava Vitória capital do Espirito Santo. Quando chegamos não tínhamos onde morar. Fomos para uma invasão no Município da Serra, ficamos em barracas feitas de uma lona preta, como os ciganos moravam. Parecia o acampamento de sem terra. Com o passar dos dias a população daquele lugar começou a aumentar e materiais de construção começaram a chegar junto com eles. As construções das casas de madeira começaram a aparecer. Meus pais se empolgaram com a ideia e logo se mobilizaram, saíram pelos bairros pedindo doações de madeira, pregos, telhados, para os donos de materiais de construções. Era incrível como naquela época se conseguiam tantas coisas e com tanta facilidade e foi assim que construirmos nossa primeira casa no Espirito Santo. Me lembro de ver minha mãe equilibrando na cabeça uma bacia com roupas rua a fora e meu tio cantando uma canção que dizia: “lá vem ela com a cabeça enfeitada”. A situação era trágica, mas tirávamos alegria não sei de onde pra vivermos felizes mesmo em circunstâncias como essa. Eu, meus irmãos, primos e vizinhos corríamos a brincar pelas ruas de chão batido sem nos preocuparmos com o dia seguinte. Nos divertíamos na terra até o anoitecer ou até ouvirmos o grito das mães chamando: “meninos esta na hora de tomar banho!!”. Que saudade de ouvir isso de novo. É uma pena que esse tempo tenha durado tão pouco.
Algum tempo depois tivemos a infelicidade de receber a visita do governo em nossa iniciante comunidade. Eles chegaram com tratores e escavadeiras demolindo tudo o que encontraram pela frente, casas e tudo o que havia dentro delas. Meus pais e os outros moradores insistiam em construir tudo de novo, e o governo insistia em demolir. Ficamos assim nessa situação por algum tempo, até encontrarmos uma casa abandonada, meus pais a invadiram, morávamos nós e a família do irmão da minha mãe. A casa estava em construção já fazia muito tempo, mas os donos não tiveram condições de terminá-la. Não havia janelas, nem porta, eram somente paredes levantadas e rebocadas por fora, sem energia elétrica. No banheiro também não havia privada, tampouco pia, e muito menos chuveiro. Foram dois meses vivendo assim, não me lembro o que comíamos e nem como conseguíamos comida para duas família. Não demorou muito até que os donos da casa chegaram pra colocar todo mundo pra fora. Meus pais se recusaram a sair, um bate boca pra lá e pra cá, até que os donos se calaram e foram embora. Mais tarde eles retornaram armados de espingardas, e foi sob essas circunstancias que tivemos que deixar aquela casa. Fomos para uma comunidade vizinha, onde já havia algumas pessoas. Era um buraco, uma favela no meio do nada, que também havia sido invadida, mas ali o governo não tinha mais controle. O lugar se chamava Pantanal, tinha esse nome por que ao final dele iniciava uma belíssima paisagem com um rio coberto de um verde, arvores a margem e que lembrava o pantanal Mato Grossense. Nossa casa, que nem sei se posso chamar de casa, ficava ali, as margens dessa beleza, apesar de tudo a vista era muito bonita. Passei uma parte da minha infância neste lugar. Vivi muitas alegrias, muitas tristezas. Subia e descia morro, tomava banho de poço, tomava água de poço, limpávamos com a água do poço e cozinhávamos com essa mesma água. Tudo muito simples, uma vida simples, sem regalias, regada de carinhos e um espirito diferente. Não tínhamos banheiro, nem televisão, rádio tampouco, nem brinquedos e nem um tipo de eletro doméstico. Me lembro de ter ganhado uma boneca no natal, daquelas bem grande, de um plástico duro, que não mexia os braços nem as pernas, com a boca pintada de vermelho que logo descascava com o passar dos dias.
Eu tinha a mania de sair de casa bem cedinho pra brincar com minhas amigas, elas tinham bonecas lindas e biscoito recheado. Mas também gostava de estar só, com bonecas que eu mesma confecciona de caroço de manga que eu deixava secar, transformando os fiapos em cabelos, colocando olhos e bocas com os batons que eu pegava escondido das minhas irmãs mais velhas. Depois de pronta colocava em uma caixa de sapato e andava com ela debaixo do braço pela favela. Assistia televisão na janela do vizinho, pois meu pai considerava o ato como uma coisa do demônio. Quero acrescentar aqui que meu pai não foi a personificação da coragem, e também nem precisava tanto, só esperava o mínimo, ou seja, exercer o seu papel de pai. Quem sabe ele não soube como fazer, por falta de experiências, ensinamentos. Sua passividade se transformou em covardia e sacrificou a vida daqueles que dependiam dele para sobreviver. “Não se pode esperar muitas coisas de alguém que quase nunca teve nada”. Apesar de haver muitas exceções.
Minha mãe, por sua vez, era uma mulher corajosa, com perfil de lutadora, personalidade forte. Fazia de tudo o que ela achava certo para não nos deixar passar fome. Por muitas vezes comemos pirão de osso com farinha que ela pedia no supermercado. Tenho que admitir, eu nunca mais comi um pirão tão gostoso como aquele.
Não sei detalhes da vida da minha mãe antes de se casar com meu pai, uma coisa sei, não foi uma vida fácil. Ela estava sempre muito nervosa, agoniada com qualquer coisa, impaciente com tudo. Na comunidade, quase ninguém gostava dela, não tinha amigas, e ela sempre tinha um motivo para não gostar de alguém. Estava sempre muito fechada e quase nunca sorria. Com meu pai sempre gritava, não esperava por nada, perdia a paciência e colocava os carros na frente dos bois. Contudo, assim como o meu pai, ela também não teve muitas oportunidades na vida, e as que teve, não soube aproveitar. Uma coisa importante de ser lembrado aqui é que minha mãe cozinhava muito bem. Durante muito tempo ela fez cocadas, coxinhas, bolos, cuscuz e pé de moleque para vender, e isso ajudava bastante nas despesas da casa. Depois de um tempo ela começou a me levar junto para ajudá-la a vender, saiamos bem cedo de casa e voltávamos tarde da noite. Gostava de vê-la anunciando seu produto. Ela gritava cantando num fôlego só dizendo: “olha a cocada baiana aê, cocada baiana”. Muitos que passavam, olhavam, sorriam e compravam.
Eu tinha seis anos, e de repente tudo a minha volta ficou preto e branco, nada mais fazia sentido, viver se tornou estranho, banal e desnecessário. Minha mãe iniciou um mal hábito de trair meu pai. Que coisa esquisita, pra mim eles ficariam juntos pra sempre, na minha cabecinha de criança esse estado era imutável, mesmo com todas as dificuldades.
A essa altura meu pai havia abandonado o emprego que tinha como cobrador de roleta de entrada de terminal de ônibus. Isso aconteceu porque ele tinha sido ameaçado de morte por uns caras que queriam passar a roleta sem pagar e ele recusou em deixar. Por medo, ele não saia de casa para procurar outro trabalho. Atras da minha casa tinha um banco de madeira, que ele mesmo havia feito, este se tornou o lugar de fuga, ele gostava de ficar sentado ali até tarde da noite. Meu pai desenvolveu uma terrível dor de cabeça que o fazia rolar pelo chão.
Sempre estávamos na igreja. Minha mãe e meu pai cantavam muito bem. Minhas irmãs faziam dupla, e a música sempre esteve presente em nossas vidas. Adorava ver meu pai tocando violão e minha mãe fazendo um contralto que nunca mais consegui escutar. Mas tudo estava tão diferente, eles já não eram mais os mesmo, nada era igual. Todas as vezes que eu e minha mãe saiamos para os terminais de ônibus para vender as comidas que ela fazia, havia sempre alguém esperando por ela. Era um moço alto, vistoso como ela dizia, ruivo, de pasta executiva nas mãos, cabelo arrumado e bem vestido, se hoje eu o visse não o reconheceria. Ele parecia sair do trabalho e passar sempre por ali pra se encontrar com minha mãe. Uma das vezes em que eu o vi, minha mãe pediu que ele tomasse conta de mim enquanto ela ia ao banheiro. Ele me colocou em seu colo e me envolveu com histórias que não esta mais presente em minha memória, não mais. Nesse dia eu estava vestida com uma sainha rodada de cor azul marinho e pregas, um pouco pequena para o meu tamanho. Me intervi em suas palavras e quando me dei conta suas mãos já estavam debaixo da minha saia por dentro da minha calcinha. Seus dedos eram grandes e quando pude sentir e perceber seu enorme dedo estava tentando penetrar a minha vagina e sentia doer. Não entendi por que ele fazia aquilo, mas sabia que não era certo, não sabia o quanto era errado, mas sentia que não era correto. Eu pedi pra que parasse com a brincadeira, e ele dizia que não me machucaria e que faria de tudo para que não doesse. Eu insisti para que não continuasse. Então ele parou e me disse para que não contasse a minha mãe e pediu pra que eu deixasse que ele brincasse comigo daquele jeito sempre que minha mãe não estivesse por perto, então eu acenei com a cabeça num gesto positivo. Me sentia uma traidora da minha mãe, mas na hora não sabia o que dizer, fiquei com medo do que ele pudesse me fazer, se por acaso eu dissesse não naquele instante. Tive vergonha de mim. Ele me machucou, ele realmente me machucou. Enquanto escrevo a cena parece vir em câmera lenta em minha mente. Quando minha mãe voltou ele disse que precisava ir embora. No outro dia um pouco antes que ele chegasse, contei tudo a minha mãe, e como não é surpresa nenhuma para vocês leitores, ela não acreditou e disse que perguntaria isso a ele. Ela ficou furiosa dizendo que eu havia inventado, e que era tudo imaginação da minha cabeça. Quando o moço alto chegou, corri para a barraca do vizinho com medo do que ele poderia me fazer. Fiquei espiando de longe os dois conversarem, escondida entre as mercadorias. Minutos depois quando ele havia ido embora voltei na esperança de que ele tivesse confessado e agora minha mãe acreditaria em mim. A primeira coisa que ela me disse foi: “é pecado mentir sobre essas coisas e pediu pra que eu não fizesse mais aquilo”. Nunca mais vimos aquele moço, ele foi embora e nunca mais voltou. Dentro de mim havia ficado um rastro de tristeza, raiva, insegurança, medo e descontentamento que me acompanharia pelo resto da minha vida. Minha mãe deveria ter acreditado em mim. Seu semblante de desaprovação e sua reação quando lhe contei é presente em minha memória até hoje. Se dói? Sim, um pouco. Tive que aprender a conviver com a dor sofrida, dolorida que partiu e rasgou a minha vida de alta a baixo desencadeando coisas que os amigos leitores terão a oportunidade de ler neste livro. Conviver com a dor de costurar pedaços e retalhos de uma vida não é tão simples. Costurar dói!
Minhas irmãs haviam saído de casa para viver e sofrer suas próprias vidas. Meu irmão começou a furtar pequenas coisas, dinheiro pra comprar pipa. Parece tão insignificante esse detalhe mas vocês verão como essa história de pequenos furtos termina.
Tudo acontecia a minha frente e eu assistia como alguém que estava de fora sem poder interferir. Parecia um sonho, desses que a pessoa reluta para acordar mas não consegue. Percebi que o pesadelo começava assim que me levantava da cama, e me dei conta, um tanto cedo demais, que se tratava da minha realidade de vida, estava acontecendo comigo.
Quando eu completara sete anos, comecei a frequentar a escola. Como toda criança, no inicio eu não gostava, odiava ter que ir a escola, escrever em cadernos, fazer dever de casa, e além do mais, eu continuava com medo de que me esquecem na escola. Sempre que eu chegava na porta da sala, ficava ali paralisada chorando de cabeça baixa, até que a professora me pegasse pelo braço e me sentasse na carteira. Demorou um pouco, mas acabei tomando gosto pela escola e percebi que havia muitas coisas interessantes para serem aprendidas e que a escola era o lugar perfeito pra mim. Adorava história e ciências. Morria de vergonha por ter que levar meus materiais em sacos de arroz e o suco em pote de maionese. Meu sonho era ter uma merendeira e uma mochila. Algum tempo depois consegui ganhar uma mochila usada, de cor vermelha, mas já era tarde, ou a mochila era pequena ou eu era grande para a mochila, pois mal cabia nos meus braços. Apesar de tudo isso, na sala de aula eu sempre busquei ser a melhor, e me destacava em tudo, fui uma garotinha muito esforçada, esperta, inteligente, aprendia antes de todo mundo, era sempre a primeira a terminar os deveres e corria para mostrar a professora e gostava quando ela me pedia que ajudasse os outros alunos. Sempre era aquela que inventava algo de interessante na sala, ganhando a atenção de todos. Nessa época eu já sonhava em ser professora e uma grande escritora conhecida por muitos. Era apaixonada pela história do Brasil e sempre estava escrevendo alguma coisa, poesias, histórias de natal, acontecimentos reais que eu vivenciava naquela época.
Meu pai na tentativa de salvar o casamento decidiu e logo veio a noticia de que nos mudaríamos novamente, enfrentaríamos a vida de cigano de novo. Mas o que poderia ser a melhora, foi a ruína de tudo de uma só vez. A casa nova-velha era de madeira pintada de azul claro, com dois cômodos, onde um deles servia de quanto para os meus pais e o outro servia como quarto para os cinco filhos que ainda estavam com eles, servia também de cozinha e sala durante o dia, e como em quase todos os outros lugares, este também não havia banheiro. Tomávamos banho de mangueira do lado de fora da casa, e meu pais de bacia dentro de casa.
Meu pai continuava sem trabalho e eu e minha mãe continuávamos nos terminais vendendo doces. Eu não sei o que minha mãe estava buscando em outros homens, mas ela tinha os motivos dela. Doía tanto em mim vê-la fazendo aquilo com meu pai e com nossa família. Cada vez que chegávamos em casa eu corria e abraçava meu pai chorando de remorso por não fazer nada. Eu não conseguia olhar em seus olhos, pois já eram tão tristes. Eu chorava um choro dolorido. Me lembro de seus olhos puxados e fechados, vermelhos, cansados que pareciam que sempre tinha uma lágrima prestes a cair. Suas mão pequenas que sempre estavam prontas para me agarrar e me pôr no colo e me chamar de nomes engraçado e carinhosos. Quando isso acontecia, por uns instantes me esquecia do dia ruim que havia tido.
Minha mãe havia mudado muito, o seu jeito de vestir, de falar, de se comportar. Suas blusas fechadas foram trocaram por uns decotes, suas saias por calças jeans, bebidas alcoílicas e cigarros se tornaram seus companheiros. Não precisava ser assim se ela não quisesse. Me sentia triste quando percebia o distanciamento dos meus pais, e por causa desse distanciamento minha mãe resolveu dar um fim na situação, pedindo que meu fosse embora de casa. Ele sem exitar e, não deixando que nem uma só palavra saísse da sua boca que fizesse ela mudar de ideia abaixou a cabeça e se foi. Eu fiquei ali aparada olhando pra ele esperando algo acontecer e torcendo para que não fosse verdade, mas ele não foi capaz de fazer nada. Continuei parada sem fôlego, me sentia sufocada, muitas coisas vinha a minha cabeça, estava engasgada, parecia que eu tinha comido alguma coisa que havia ficado preso na garganta. Respirei bem fundo, e pensei: “meu pai esta indo embora”. Relutei para acordar, mas eu não estava dormindo, não era um sonho. Eu o assisti arrumando suas coisas e sair porta a fora, sem dizer absolutamente nada. Tudo se resumiu em quatro palavras: “ele não me ama”. Em meu estomago se abriu um buraco e estacionou um mal-estar que jamais se curou e um vazio que nunca mais foi preenchido. Coragem lhe faltou, deixou para depois aquilo que deveria ter feito naquele instante, e a tal coragem nunca lhe alcançou.
Muitas vezes me pego a pensar no que foi que saiu de errado com meus pais. Por que não foi pra sempre? A paciência e a aparente bondade do meu pai não foi o suficiente para que a vida fosse gentil com ele. Então por que ser tão bom? Ele foi covarde, pacato? Todas essas indagações cobriam a minha mente e coração naqueles dias.
Hoje sei que nossas escolhas tem consequências. Foi um grande episódio, este do meu pai ter ido embora da minha vida. Expectativas e sonhos se foram junto com ele. De repente ser professora e uma grande escritora, já não era mais tão possivel assim. Me sentia tão perdida e acuada como um cão sem dono, desmotivada e sem sentido pra continuar vivendo. A escola eu já não frequentava. Todos os dias minha mãe me mandava ir aos terminais para vender doces e salgadinhos. Sempre que eu chegava em casa, tarde da noite, a via largada pelo chão da casa bêbada com algum homem esquisito e sujo. Como ela era capaz de estar com eles? Sentia raiva, me sentia ferida e invadida. Outrora eramos pobres, agora a miséria nos aplacou. O não ter o que comer se tornou assíduo e as enfermidades se fez constante. Tudo fugiu completante do controle. Não tínhamos o que comer, nem o que vestir.
Uma tia que morava próximo a nós conhecia uma senhora já de idade que precisava de uma menina que lhe ajudasse a cuidar da casa. Para minha mãe parecia uma ótima alternativa e a mim também não apresentou ser uma opção ruim. Minha mãe queria me salvar a todo custo, “e eu só queria estar em casa”.
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