\\\"As Sombras do Pátio”
Ano: 1993 – Cidade de São Paulo
Carlos Henrique tinha 17 anos quando entrou no Colégio Estadual Martins Fontes, no bairro de Higienópolis. Negro, alto, cabelos crespos bem aparados e uma inteligência que chamava atenção desde criança. Sempre foi o primeiro da turma em matemática e ciências, e sonhava em ser engenheiro.
Vinha de uma família humilde da zona leste. Seu pai era motorista de ônibus e sua mãe, empregada doméstica. Com muito esforço, conseguiram uma bolsa para que ele estudasse num colégio de maior prestígio. Carlos sabia que ali estava uma chance rara — e perigosa.
Nos primeiros dias de aula, sentia-se deslocado. Era o único aluno negro em uma sala de trinta estudantes. Percebeu olhares enviesados, sorrisos disfarçados e comentários sussurrados que cessavam quando ele se aproximava.
Tudo veio à tona durante uma aula de história. A professora falava sobre o Brasil Império, e mencionou brevemente a escravidão. Um colega, rindo, murmurou:
— Se ainda fosse como antigamente, o Carlinhos tava servindo café pra gente.
A sala riu. A professora fingiu não ouvir. Carlos não riu.
A partir dali, o isolamento cresceu. Nas aulas em grupo, não o chamavam. No pátio, diziam que ele “cheirava diferente”. Uma vez, encontrou a palavra “macaco” rabiscada em sua carteira. Ele denunciou à direção, mas disseram que \\\"não era nada\\\", e que \\\"os jovens às vezes exageram\\\".
Carlos chorava escondido. Só a mãe sabia o que se passava, e dizia com a firmeza de quem já tinha vivido o mesmo:
— Eles tentam apagar tua luz porque sabem que ela brilha mais forte.
Ele se agarrou a isso. Estudou com mais força. Passou no vestibular da USP em Engenharia Civil. No dia da matrícula, cruzou o olhar com um ex-colega do colégio, que não havia conseguido passar. O mesmo que o havia chamado de “servo de café”.
Carlos apenas sorriu.
Décadas depois, ele se tornaria...
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\\\"As Sombras do Pátio”
Ano: 1993 – Cidade de São Paulo
Carlos Henrique tinha 17 anos quando entrou no Colégio Estadual Martins Fontes, no bairro de Higienópolis. Negro, alto, cabelos crespos bem aparados e uma inteligência que chamava atenção desde criança. Sempre foi o primeiro da turma em matemática e ciências, e sonhava em ser engenheiro.
Vinha de uma família humilde da zona leste. Seu pai era motorista de ônibus e sua mãe, empregada doméstica. Com muito esforço, conseguiram uma bolsa para que ele estudasse num colégio de maior prestígio. Carlos sabia que ali estava uma chance rara — e perigosa.
Nos primeiros dias de aula, sentia-se deslocado. Era o único aluno negro em uma sala de trinta estudantes. Percebeu olhares enviesados, sorrisos disfarçados e comentários sussurrados que cessavam quando ele se aproximava.
Tudo veio à tona durante uma aula de história. A professora falava sobre o Brasil Império, e mencionou brevemente a escravidão. Um colega, rindo, murmurou:
— Se ainda fosse como antigamente, o Carlinhos tava servindo café pra gente.
A sala riu. A professora fingiu não ouvir. Carlos não riu.
A partir dali, o isolamento cresceu. Nas aulas em grupo, não o chamavam. No pátio, diziam que ele “cheirava diferente”. Uma vez, encontrou a palavra “macaco” rabiscada em sua carteira. Ele denunciou à direção, mas disseram que \\\"não era nada\\\", e que \\\"os jovens às vezes exageram\\\".
Carlos chorava escondido. Só a mãe sabia o que se passava, e dizia com a firmeza de quem já tinha vivido o mesmo:
— Eles tentam apagar tua luz porque sabem que ela brilha mais forte.
Ele se agarrou a isso. Estudou com mais força. Passou no vestibular da USP em Engenharia Civil. No dia da matrícula, cruzou o olhar com um ex-colega do colégio, que não havia conseguido passar. O mesmo que o havia chamado de “servo de café”.
Carlos apenas sorriu.
Décadas depois, ele se tornaria referência na engenharia urbana de São Paulo, trabalhando em projetos de mobilidade para regiões periféricas. Mas nunca esqueceu o pátio do colégio, nem as sombras que enfrentou ali.
E foi ali, décadas depois, que voltou — não como aluno, mas como palestrante, para falar sobre superação, meritocracia e o racismo silencioso que ainda ecoava pelos corredores das escolas brasileiras.
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