Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Raoni Metuktire
Entrevistado por Tiago Nhandewa (P/1), Rosana Miziara (P/2) e Karen Worcman (P/3)
São Paulo, 04/04/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV038
Realizada por Museu da Pessoa
Revisada por Sílvia Balderama Nara
Revisada 2 por Bruna Ghirardello
Nota explicativa: todas as falas do cacique Raoni foram traduzidas por seu neto Paxton, em tempo real, durante a entrevista. A tradução para o português apresentada nesta transcrição foi também realizada por Paxton. Optou-se pela manutenção, em português, da construção das frases típica da fala de Raoni.
P/1 – Primeiramente eu quero agradecer a presença do senhor aqui no museu, agradecer a presença dos netos do senhor, que vieram, que trouxeram o senhor aqui. Para nós, vai ser uma grande honra ter a história de vida, de luta do senhor pelos povos indígenas do Brasil e também pelas florestas, e dizer que a história do senhor vai contar muitas coisas boas, tanto para os não índios quanto para os indígenas do Brasil. Então, a primeira pergunta, cacique: gostaria que o senhor se apresentasse, falasse do nome do senhor, o nome indígena, se o senhor também tem um nome não indígena… [Que o senhor] pudesse contar um pouco dessa história dos seus nomes. Quem deu o nome para o senhor?
Tradução em tempo real por Paxton: (01:45-2:34)
Raoni em língua Kayapó (2:35- 03:08)
Raoni traduzido para o português:
Bom dia a todos. Hoje estou aqui com vocês. Estou gostando muito do trabalho de vocês. Por que estou gostando do trabalho de vocês? Porque as novas gerações irão conhecer o meu trabalho e assim continuar. Para isso que estou convidado hoje e irei contar o meu trabalho.
Raoni em língua Kayapó (04:37-06:32)
Raoni traduzido para o português:
A minha mãe, quando eu já estava um menino, ela me falou: “Você nasceu num local – o local que conhecemos como Krãjmãopryjakare. Naquele tempo, havia um reencontro com outro grupo,...
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Entrevista de Raoni Metuktire
Entrevistado por Tiago Nhandewa (P/1), Rosana Miziara (P/2) e Karen Worcman (P/3)
São Paulo, 04/04/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV038
Realizada por Museu da Pessoa
Revisada por Sílvia Balderama Nara
Revisada 2 por Bruna Ghirardello
Nota explicativa: todas as falas do cacique Raoni foram traduzidas por seu neto Paxton, em tempo real, durante a entrevista. A tradução para o português apresentada nesta transcrição foi também realizada por Paxton. Optou-se pela manutenção, em português, da construção das frases típica da fala de Raoni.
P/1 – Primeiramente eu quero agradecer a presença do senhor aqui no museu, agradecer a presença dos netos do senhor, que vieram, que trouxeram o senhor aqui. Para nós, vai ser uma grande honra ter a história de vida, de luta do senhor pelos povos indígenas do Brasil e também pelas florestas, e dizer que a história do senhor vai contar muitas coisas boas, tanto para os não índios quanto para os indígenas do Brasil. Então, a primeira pergunta, cacique: gostaria que o senhor se apresentasse, falasse do nome do senhor, o nome indígena, se o senhor também tem um nome não indígena… [Que o senhor] pudesse contar um pouco dessa história dos seus nomes. Quem deu o nome para o senhor?
Tradução em tempo real por Paxton: (01:45-2:34)
Raoni em língua Kayapó (2:35- 03:08)
Raoni traduzido para o português:
Bom dia a todos. Hoje estou aqui com vocês. Estou gostando muito do trabalho de vocês. Por que estou gostando do trabalho de vocês? Porque as novas gerações irão conhecer o meu trabalho e assim continuar. Para isso que estou convidado hoje e irei contar o meu trabalho.
Raoni em língua Kayapó (04:37-06:32)
Raoni traduzido para o português:
A minha mãe, quando eu já estava um menino, ela me falou: “Você nasceu num local – o local que conhecemos como Krãjmãopryjakare. Naquele tempo, havia um reencontro com outro grupo, outra tribo, e o pessoal estava realizando uma festa chamada Bemp. Foi nessa época que seu avô lhe passou os nomes Bepnhibum, Bepnhirerekti, Bepkrãka’ekre; estes são os seus nomes (belos)”. Também o outro meu avô me passou outro nome, Kukejtikrindja. Uma avó minha passou também os nomes… Eu esqueci…
Mas, quando eu cresci, nós jovens rapazes decidimos colocar nomes das moças em nós. Aí me falaram: “Você podia ser chamado de Ropni”. E eu informei para todos este meu nome, Ropni. É uma prima minha, este nome é da minha prima. Quando eu coloquei em mim este nome, todos só me chamam assim. É isso.
P/1 – No Brasil hoje, tem muitos… não indígenas que se chamam Raoni. O que ele acha dos… que se chamam Raoni hoje em homenagem a ele?
Tradução em tempo real por Paxton (09:43-10:03)
Raoni em língua Kayapó (10:04-10:21)
Raoni traduzido para o português:
Quando você ficou muito conhecido, alguns bebês nasceram na época e foram chamados de Raoni. Tem muito Raoni por aí. O que você pensa dessas pessoas que têm o seu nome, Raoni?
Raoni em língua Kayapó (10:24-10:32)
Raoni traduzido para o português:
Veja bem, algumas pessoas, alguns pais destes, quando me encontram, me contam sobre isso. Eu falo para eles: “Fala com o seu filho para que, quando ele crescer, ele trabalhe junto com meu povo, com meus netos, apoie o trabalho deles”. E eles me falam que sim, que irão informar os filhos deles. Eu acho que, porque eu faço um bom trabalho, por isso que o pessoal gosta do meu nome e da minha pessoa. É isso.
P/1 – Ele comentou sobre a mãe, mas a gente gostaria de saber também sobre o pai. Quem foi o pai dele? Se ele pudesse contar…
Tradução em tempo real por Paxton (11:20-11:27)
Raoni em língua Kayapó (11:30-12:19)
Raoni traduzido para o português:
O meu pai, ele se chamava... Ele passou por um ritual de nomeação chamado Bemp. E o avô dele passou os seguintes nomes: Bepkurwyk, Bepangatire – estes são os nomes (belos) dele. Outros nomes dele são Ymoro, Kubendjakre. Os outros nomes [apelidos] dele são Mopkarot e Kentotxak. São estes os nomes do meu pai.
P/2 – : Como era a relação dele com o pai? Qual era o temperamento do pai, como ele se relacionava com o pai?
Tradução em tempo real por Paxton (12:58-12:06)
Raoni em língua Kayapó (13:07-13:43)
Raoni traduzido para o português:
Eu dormia junto com meu pai. E ele me contava muitas histórias e costumes do meu povo. Eu, quando estava com sono, lhe dizia: “Papai, estou com sono”. E ele me dizia: “Pode dormir”. Aí eu dormia. Quando eu já era um menino, ele me contava mais coisas sobre meu povo. Me contava sobre alguns casos de guerreiros.
P/2 – : Que histórias ele contava?
Tradução em tempo real por Paxton (14:24-14:29)
Raoni em língua Kayapó (14:30-21:21)
Raoni traduzido para o português:
Eu quero contar. Antigamente, o criador, o salvador, quando ele criou o povo, nessa época, a nossa língua, essa língua que falo, a língua dos nossos ancestrais, antigamente só existia uma única língua que falávamos. E antigamente uma cobra mordeu o pé de um homem. O meu pai me falou o nome dele, mas eu não lembro mais. Ele havia comido mel e fez mal ao pé dele. O pé dele caiu e ficou só a canela mesmo. A mulher dele carregava ele. Levava ele para outro acampamento. Quando o pessoal mudava de acampamento, ela sempre fazia a mesma coisa. Sempre que mudavam de acampamento, ela carregava ele. Quando o pessoal acampou próximo à aldeia, a esposa dele não queria mais carregar ele. Então, quando o pessoal estava se preparando para viajar, ela arrumou as coisas dela, não avisou ele e foi embora. Aí o filho dele, que já era rapaz, falou: “Pai, eu vou ficar aqui com você”. E ele ficou lá com o pai. Quando eles passaram essa quantidade de noites, o filho falou: “Pai, eu vou pra aldeia visitar o pessoal, depois eu volto”. Ele disse: “Pode ir”.
Quando o filho dele foi, a cobra que mordeu ele veio visitar ele e falou: “Agora o seu pé vai ficar normal de novo”. O pé dele voltou ao normal. Aí a cobra falou muita coisa pra ele. Falou sobre facas, machado, miçangas. Cobra que foi ensinando tudo pra ele. Ele aprendeu e fez bastante e construiu uma casa e guardou tudo lá. Ele fez arma também.
Foi quando ele começou a entregar para o pessoal tudo que ele fez. Ele pediu para o pessoal vir pegar mais. Ele começou a entregar e dividiu entre machados e machados de pedra. Ele perguntou: “Quem vai pegar machado e quem vai pegar machado de pedra?” Quando um pegou machado de pedra, ele falou: “Estes serão indígenas. Estes outros serão kuben [homem branco]”. Neste dia foi que houve separação e distinção entre os povos. E um povo virou kuben.
Antigamente, só falávamos uma língua. Essa língua que falo até hoje. Então, ele falou para o pessoal: “Vocês serão kuben [homem branco] e falarão língua diferente. Esse povo vai manter essa língua deles”. Foi assim que ele me contou.
O pessoal vivia lá em uma terra única, não tinha rios que dividissem as terras. Existiam muitos povos indígenas, tinha os Kubenropre (homens-cachorros), tinha os Kubentone (homens-tatus), os Akapore, os Kubenmane (homens-araras), os Kubenkretire (homens do buraco), os Ngojrene (Yudja, Juruna), os Kruwatire (Suya, Kisedje), Mryiomydjere (homens que usavam osso no pênis), os Kubenkamrire (homens-garças). E tem os Kubenponpon (homens ponpon). Os Kubenponpon são os que chamam de Alemanha. Os Kubenponpon eram mansos. Antigamente os povos bravos eram Kubenmane (homens-araras), os Kubenbrire (homens-sapos). Assim meu pai me contava, assim como o pai dele contou pra ele. Era muita coisa que ele me contava.
P3: Eu gostaria de perguntar: nessa época da sua infância, como era a vida na aldeia? Os brancos já estavam lá? Como era o cotidiano, o que são as suas lembranças desse momento da sua vida? O que faziam as crianças, como era isso?
Tradução em tempo real por Paxton (26:06-26:25)
Raoni em língua Kayapó (26:26-29:00)
Raoni traduzido para o português:
Quando o homem branco não havia nos contatado, nós fazíamos muitas viagens e acampávamos. Quando nós acampávamos, os homens iam caçar animais e as mulheres iam buscar frutos da floresta, mel, palmito, cocos de babaçu. Nós que éramos meninos também caçávamos pequenos pássaros, fazíamos fogo, assávamos, comíamos e seguíamos. Quando chegávamos no acampamento, preparávamos um local nosso (só de meninos). À noite, a gente se juntava e cantava nesse nosso local. Isso acabou depois que os brancos chegaram. A nova geração não faz isso. Hoje, a nova geração quer cada vez mais a cultura do homem branco. Isso não é bom. Eu não gosto disso. Acho que eles têm que continuar como nós, indígenas, estudar e aprender nossa língua. Eles vão esquecer tudo o que é nosso e vão ser iguais ao homem branco. Vocês podem ver que eles estão cortando cabelo sempre. Eu falo para o pessoal deixar o cabelo crescer. Eu falo: vocês devem deixar o cabelo crescer e ficar longo. Eu falo, mas ninguém me ouve. Isso não é bom. Mais tarde, isso não vai ser bom pra eles. Mas, se eles mantiverem a nossa cultura, eles serão fortes, se defenderão e serão respeitados.
P/1 – Ele falou sobre a mãe, o pai, e a gente gostaria de saber mais da família, dos irmãos, se ele teve irmãos, irmãs. Se ele pudesse contar um pouco sobre os irmãos…
Tradução em tempo real por Paxton (31:12-31:21)
Raoni em língua Kayapó (31:47- 32:55)
Raoni traduzido para o português:
É pra eu falar sobre meus irmãos?
Patxon: Sim
Raoni traduzido para o português:
O meu irmão, o nome dele é Bepngri, o mais velho. Depois dele, é Bekwyjraj, a mulher, minha irmã. Depois dela, tem o meu irmão Takakryti. Depois dele, o Kopre. Depois o Baykrindja. E eu sou o último [caçula].
P/2 – : E depois, quando você foi crescendo, como aconteceu esse encontro com o Villas-Bôas, com os irmãos Villas-Bôas?
Tradução em tempo real por Paxton (34:06- 34:23)
Raoni em língua Kayapó (34:25-35:05)
Raoni traduzido para o português:
Eu quero falar pra vocês: há muito tempo, muito tempo, quando eu era mais novo, alguns de vocês [brancos] me perguntavam. Eu começava a contar histórias. Quando só começava, eles iam embora. Eu queria que algum de vocês fosse para minha aldeia para eu contar história sobre meu povo para vocês registrarem em livros. Pensei muito nisso. É isso.
O que ele perguntou?
Retomada por Paxton da pergunta (35:05-35:15): Os primeiros encontros com os brancos quando você era jovem. A chegada do Cláudio Villas-Bôas.
Raoni em língua Kayapó (35:16-40:31)
Raoni traduzido para o português:
Nós estávamos morando nas terras dos Tapirapé. Eu cresci. Quando cresci, fomos lá encontrar com o pessoal. O Cláudio já tinha encontrado o pessoal. E ele foi lá encontrar de novo. Aí nós fomos lá encontrar com o pessoal. O pessoal estava realizando uma festa, Kwyrykango. E tinham ido acampar na Cachoeira [Von Martius] para realizar o final da festa. E nesse acampamento, ele foi lá nos encontrar. O Cláudio e o Orlando. Foi lá que os vi. E eles nos encontraram e foram embora. Foram lá fazer pista de avião. O meu pai tinha me falado que eram os primeiros brancos a nos encontrar. “Você precisará ir com os brancos. Você irá encontrar com outros parentes [outras etnias]. E, se encontrar, os cumprimente e converse. Mais tarde você terá muitos problemas, você terá muita coisa para resolver. Tenha calma e aprenda a conversar com o povo.” Meu pai me falou desse jeito. E eu não esqueci as palavras do meu pai. Daí eu fui trabalhar com o Orlando e o irmão dele. Eu aprendi um pouco a língua deles. Quando aprendi, o Cláudio me fazia perguntas assim, desse jeito. Eu contei muita coisa sobre mim pra ele. E depois ele começou a contar muita coisa pra mim. O Cláudio me falou muita coisa. E uma vez eu vim pra São Paulo com ele e aqui ele me falou: “Tem um adorador de Deus que está querendo conversar contigo”. E, no dia seguinte, ele foi lá nos encontrar onde estávamos hospedados. Ele era pajé também. E me disse: “Raoni, quero te falar, você já ouviu muito o Cláudio e o Orlando. Eu quero te falar. O Deus me mandou mensagem para falar para você: ‘Fala com Raoni para lembrar de mim. Raoni vai viver muito e, quando ficar bem velho, ele deixará o corpo e virá morar comigo’. Essa é a mensagem que recebi de Deus e vim falar pra você”. O Cláudio estava ouvindo tudo e depois ele me falou: “Bom, você já está com o tempo marcado, já está marcado o dia. Quando você ficar bem velhinho, deixará o corpo e irá viver com eles. Todos nós juntos estaremos lá, talvez eu vá primeiro”. Assim o Cláudio me falou: “Talvez eu primeiro irei viver com eles”. O Cláudio me falou assim.
Bom, por isso que estou seguindo esses ensinamentos. Uma vez Jesus veio até mim e já encontrei com Deus também. E eles me falaram: “Raoni, você está fazendo um ótimo trabalho”. O filho dele também, chamado Jesus, também me falou: “O que meu pai fala é verdade”. Eu já vi muita coisa, pois eu sou pajé. E já vi muita coisa ruim, por isso só quero que aconteçam coisa boas. Assim que gosto.
P/2 – : Fala para ele que, se ele quiser, a gente continua essa gravação e devolve [envia] para lá, e passa a gravação para todo mundo assistir, um compromisso da nossa parte, tá bom? Que a gente sempre faz isso, e a gente acha isso muito importante.
Tradução em tempo real por Paxton (45:06-45:16)
Raoni em língua Kayapó (45:19- 45:22)
P/1 – Então, voltando, ele contou sobre os irmãos Villas-Bôas, que trabalhavam no SPI [Serviço de Proteção aos Índios] e, então, eu gostaria que ele falasse como foi trabalhar com o SPI e também depois essa mudança, [quando] virou Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], como que foi esse trabalho com o SPI e também com a Funai?
Tradução em tempo real por Paxton (46:34-46:40)
Raoni em língua Kayapó (46:41-55:00)
Raoni traduzido para o português:
Então, quando estávamos no Porori, eu comecei a trabalhar com ele. Eu e o avô Krapnge fomos para Bananal pegar avião, na época o Posto Leonardo era chamado de Vasconcelos. Não, era junto com Kromare. Que fomos lá. O Orlando conversou com nós. Nós dormimos lá por duas noites. Aí o avô Kromare informou pra ele [Cláudio]: “O pessoal já terminou de fazer a pista de avião, vamos lá para você visitar o lugar”. Aí ele separou muita coisa, fumo, isqueiro, espelho, panelas. Ele falou: “Vou levar pouca coisa, porque não vai caber tudo no avião”. Ele separou uma espingarda para Kremoro. Aí, no dia seguinte, a gente foi. Nós pegamos o avião em uma pista que tinha na aldeia Kamaiura. Decolamos de lá e fomos até Jacaré. E lá seguimos rio abaixo. Chegamos [em Kapotnhinore] e o avião nos deixou e foi embora. O pessoal estava em acampamento fora da aldeia, pois tinham acabado de finalizar uma festa tradicional das mulheres. Então estavam no acampamento fora da aldeia, ouviram o avião e vieram. Chegou primeiro um grupo na parte da tarde. Nos cumprimentaram e foram embora. No dia seguinte, veio todo o pessoal nos encontrar. Foi nesse dia que a gripe matou o nosso avô Akire. E a nossa avó Pajtuk. E também matou o seu bisavô [bisavô de Paxton, pai de Raoni].
Bem, na nossa aldeia, no local onde fizemos uma pista, foi que o kuben construiu a casa. Eu já vi uma vez quando sobrevoei lá. Quando vi o túmulo do seu avô e seu bisavô [avô e bisavô de Paxton], eu pensei: “Puxa, o pessoal fez essa obra bem em cima do túmulo do meu pai”. Pensei assim.
Então, eu comecei a trabalhar com o Orlando e aprendi a língua deles. Aprendi um pouco. No Diauarum, eles começaram a falar comigo, me orientando. Eu já tinha aprendido um pouco mais a língua dele. No Leonardo, ficamos trabalhando com eles até o início da chuva, e depois trabalhamos até o período de seca. Continuamos até outro período de chuva. Até que fomos pra aldeia Kapotnhinore encontrar o pessoal. O Orlando me falou: “Raoni, você já aprendeu nossa língua”. Eu lembro de ter visto eles falarem com os outros parentes. O Orlando pisava pessoal, batia no pessoal. Eu pensei: “Por que que eles estão fazendo isso”. Quando ele bateu no Kanato na bunda, eu virei pra ele e falei: “Orlando, você está judiando do pessoal, por quê? Por que você faz isso? Eu venho observando atitudes de vocês e agora preciso conversar com vocês e vocês precisam me ouvir agora”. Ele ficou me olhando, e falei mesmo. Falei: “Isso não está correto. Isso não está correto. Você bate no pessoal, pisa também, e eu não estou gostando disso. Por isso que estou falando contigo”.
Ele me respondeu: “Está certo. Você falou certo”.
Eu falei para o Cláudio também. E ele me falou: “Verdade, você está certo. Eu entendi”.
No Diauarum, o Cláudio começou a falar comigo. Segundo ele: “No Brasil, antes da chegada dos brancos, só existia povos indígenas aqui. Daí [os brancos] vieram nas caravelas”. Cláudio me contava isso no começo. Os brancos chegaram nas caravelas aqui e então encontraram os nossos ancestrais. Nossos avós. Eles lhes deram bebida, cerveja, e [os nossos ancestrais] tomaram. “E eles [os brancos] começaram a matar os povos indígenas. O pessoal não tinha piedade com seus ancestrais. Lembre-se disso.” Assim ele [Cláudio] me contou: “Os brancos começaram a matar os povos indígenas. Um povo que vivia aqui numa região, outro povo vivia nessa região. Os Xokleng eram muitos. Os Kaiowá também eram muitos. Os brancos fizeram com que estes fossem inimigos. Quando eles estavam brigando, os brancos mataram todos. Jogaram bombas”. Cláudio me contou muita coisa. E eu pensei: “Meu pai me contava sobre isso”. Eu imaginava isso, fazia comparação com o que meu pai também me contava.
Aí eu falei: “Cláudio, meu pai me contava sobre isso. O que você estava me contando parece com o que meu pai me contou”. Assim eu falei. Cláudio me contava muita coisa e, às vezes, levantava e falava na minha cara: “Raoni, seja uma pessoa correta. Abra o olho e proteja a floresta, abra o olho e defenda o seu povo. Se defenda, defenda o povo, defenda a floresta. Defenda o território. Nós, brancos, somos ladrões. Nós, brancos, somos loucos [bêbados], somos mentirosos”. Assim o Claudio me falava. Eu sempre lembro da palavra dele. É isso.
P/1 – Depois que o senhor aprendeu sobre os cubengues com os Villas-Bôas, algum tempo depois o senhor começou a viajar, tanto aqui mesmo no Brasil, para conversar com o governo daquela época, como o senhor também foi para fora do Brasil, viajou para a França, por exemplo, conheceu muitas pessoas, e aqui o senhor teve também contato com o cantor Sting. Depois do senhor viajar muito pelo mundo, o senhor também chegou à França, conversou com autoridades, o presidente de lá. Como que foi para o senhor sair do Brasil, conhecer essas pessoas importantes para levar a luta pelo território, pelo meio ambiente, pelo mundo?
Tradução em tempo real por Paxton (1:01:58-1:02:44)
Raoni em língua Kayapó (1:01:46-1:14:48)
Observação de Paxton: Primeiro as autoridades com que ele teve contato…
Raoni traduzido para o português
Neto, eu vou te falar. Se algum branco não tivesse medo de mim, iria até minha aldeia para eu contar tudo pra eles. Mas não. Eu vou contar só um pouco hoje. Não sei o que os brancos pensam sobre isso e sobre mim. Mas então é isso. Assim foi o meu trabalho com o Cláudio e o Orlando.
Quando ainda estávamos lá [no posto Leonardo], o Orlando mandou mensagem: “O Rondon está convidando vocês para vir visitar ele”.
Aí fomos lá encontrar com o Rondon. Quando chegamos, o pessoal me colocou na frente para liderá-los. Pessoal do Alto Xingu, os Xavantes, os que usam cocar, os Bakairi, essas etnias. Os Jurunas. Eles me disseram: “Você que vai na frente”.
O pessoal que trabalha com Rondon me falou: “Você que vai na frente, o pessoal já decidiu. Então você que vai liderar o grupo”.
Aí eu fui na frente. Tinha muitos militares lá com o Rondon. E fomos no meio deles. E eles ainda fizeram um corredor para nós passarmos. Aí entramos. Um primeiro grupo subiu. Um encarregado me falou: “Espere o pessoal aqui”. Aí o outro grupo subiu. E depois mais outro grupo subiu. Aí ele falou: “Tá bom, vamos entrar agora”. Então nós todos entramos juntos. E eu fui na frente. O Kubitschek estava lá. Tinha outras autoridades. Estavam Julio [Getulio]. Estava lá também aquele outro presidente, depois dele que Juscelino assumiu. Nós entramos e o pessoal falou: “Este é o pai e vocês podem ir direto cumprimentar ele”. Eu segurei na mão dele primeiro, depois eu fui cumprimentando todos os demais. Só tinha chefes lá nos esperando junto com o Rondon. Aí nós entramos e, depois que todos cumprimentaram Rondon, aí a filha dele: cadê a filha dele? O pessoal me mostrou e falou: “Esta é filha do Rondon”.
Também o pessoal nos falou: “Raoni, agora vocês precisam fazer uma dança para o pai de vocês”. E pediram para nós primeiro e falaram: “Vocês [Kayapós] vão dançar primeiro”. Aí nos dançamos primeiro. Enquanto dançávamos, entrava muita gente para nos ver. Quando terminamos a dança, o pessoal aplaudiu…
Aí outro pessoal dançou. E depois o outro. E depois o outro. E depois o outro grupo dançou. E em seguida outro grupo dançou e outro grupo finalizou.
Aí ela foi lá informar pra ele: “Pai, o pessoal já finalizou as danças”. Ele falou: “Vai lá, abre a porta onde estão as coisas, leva o Ropni para ele pegar pra pessoal”. Aí ela me falou: “Ropni, o meu pai falou para eu levar só você para pegar as coisas para o pessoal. Vamos lá”.
Aí entramos somente eu e ela. Na casa do Rondon, tinha muitas armas. Tinhas muitas coisas. Ela me falou: separe primeiro as malas. E comecei a separar. Abrimos e começamos a colocar camisetas, calção e facas. E terminamos de colocar tudo nas malas. Ela me falou: “Eu vou lá chamar mais um para nos ajudar a levar as malas para fora”. E ela foi lá chamar o Pataku. O Pataku colocou todas as malas desse montão. Ela me falou: “Você que vai entregar”. Eu disse: “Tá bom”.
Eu entreguei uma por uma a todos. E terminei. Na nossa vez, ela falou: “Vamos lá pegar a de vocês agora”. Eu fui lá pegar. Peguei do Krange e o meu. O pessoal falou: “Vamos embora”. Aí descemos. Antes de descer, cumprimentamos todas as autoridades que estavam presentes.
Quando descemos, eu fiquei doente. E o pessoal tinha falado: “Vamos todos juntos subir no morro, lá tem um tipo de cipó amarrado até lá em cima”. Alguns ficaram com medo. Aí eu falei: “Vamos ter que subir todos nós”. Quando subimos, eu fiquei com mais febre. Aí eu fiquei lá deitado ao sol. E o pessoal começou a subir a parte mais alta, enquanto eu estava deitado ao sol.
Eu fiquei lá deitado, até que o Pataku me procurou e veio me encontrar. Ele me falou: “Ropni você está doente?” Eu respondi: “Sim, estou com febre, por isso que estou deitado aqui no sol, para esquentar”.
Ele me falou: “Vamos, você tem que comer”. Eu disse: “Não consigo, estou sem apetite”. O pessoal desceu. Aí um estrangeiro falou: “Ropni precisa ir para o hospital”. O pessoal me levou direto para o hospital. Eu fiquei lá internado. Eu não estava comendo nada. Quando tentava comer, ficava com enjoo e deixava o prato de comida na mesa. Fiquei cinco dias sem comer até que, nesse dia, um homem de pele escura chegou e me falou: “Ropni, você está doente”. Eu respondi: “Sim”. Aí ele me falou: “Você comeu alguma coisa?” Eu respondi: “Não, eu estou sem comer por cinco dias”. Aí ele falou: “Tá bom, eu vou buscar um pajé para tratar você. Você vai ficar bom”. Eu falei: “Tá bom, vai lá”.
Ele foi lá. Quando daqui a pouco ele trouxe o pajé, ele entrou e me falou: “Eu já trouxe o pajé. Veja bem, ele vai entrar e você apenas fique olhando. Ele vai falar algumas palavras e você vai dormir. E então ele vai deixar um cigarro e um isqueiro bem ali. Quando ele sair você vai acordar e você tem que acender o cigarro e fumar”. Eu falei: “Tá bom”.
Daí ele entrou e ficou falando comigo. Eu estava olhando, até que dormi. Mesmo dormindo, eu estava vendo ele. Aí ele deixou o cigarro e o isqueiro e saiu. Quando eu acordei e levantei, fui lá pegar cigarro e acendi. Quando estava fumando, o cara que trouxe ele entrou e me falou: “E aí, Ropni, você já está bem?” Eu respondi: “Sim, já estou bem”.
“Você quer alguma coisa? Diga-me que eu trago para você comer”, disse ele. Eu respondi: “Arroz, farinha, batata, banana e peixe”. Ele foi lá e trouxe tudo. Eu pensei: “Puxa, muita coisa”. Daí comecei a comer e comi bastante. Ele entrou e me falou: “Eu vou lá devolver as coisas (resto de comida) e depois vamos lá olhar o movimento da rua”. Eu não estava mais doente. Ele foi lá levar os pratos e o resto de comida. Quando voltou, a gente foi lá olhar o movimento dos carros. Quando estávamos olhando, veio o Meirelles e o Mrure. Eles chegaram e o Meirelles falou: “Meu amigo Makragnoti. Você já está bem?”
Eu respondi: “Sim, eu já estou bem”.
Aí ele falou: “Heim, amanhã o pessoal já estará indo embora”. Eu falei: “Então vamos sair daqui para eu ir com eles também”. Ele me perguntou: “Você tem alguma roupa?” Eu falei: “Não, não tenho roupas, só estou vestindo roupas de pacientes”. Aí ele [Meirelles] me falou: “Tá, então usa minha roupa". Eu vesti e fomos até o pessoal.
Quando chegamos lá onde estava o pessoal, o seu tio [tio de Paxton, Krange] me falou: “Esta é sua mala; já coloquei suas roupas e a faca dentro. Também tem o saco que coloquei suas coisas”.
Naquele dia, muitas coisas ficaram para trás naqueles sacos. O estrangeiro tinha comprado roupas. Nossa, muita coisa pro pessoal. Eu pensei que íamos levar tudo. Mas não. Ficou tudo pra trás.
No dia seguinte, a gente foi embora. Aí ele [estrangeiro] falou: “Estas coisas vão ficar, mas depois eu levo tudo para vocês”. Eu pensei: “Nunca…”
Foi assim que encontramos com o Rondon.
Patxon: Vovô, foi neste momento que você começou com sua luta?
Raoni: Sim, foi lá que comecei a falar com autoridades.
Patxon: Então foi o primeiro encontro seu com autoridades?
Raoni: Sim…
Tradução em tempo real por Paxton (1:23:05-01:23:10)
Raoni em língua Kayapó (1:23:10-1:23:13)
Raoni traduzido para o português:
Quando criaram a Funai, nos primeiros anos, o presidente da Funai tinha passado mensagem para mim através do Cláudio Romero. “O presidente está convidando você”, disse o Cláudio Romero. Não tinha outros indígenas lá na Funai em Brasília. Só tinha brancos. Alguns parentes chegaram a comentar que eu abri as portas da Funai para todos. Eu disse: “Sim, fui eu mesmo”.
O presidente da Funai me falou: “O Cláudio e o Orlando falaram de você para mim, por isso eu te chamei aqui para ouvir”. Eu falei: “Sim, eu quero falar pra você”.
Bom, ele falou primeiro. E disse: “O Orlando e o Claudio defendem vocês; eu sei que eles te orientaram muito. Foram eles que me falaram e por isso que te convidei aqui. Para te ouvir. O que você está pensando sobre meu trabalho?”. Assim ele me perguntou.
Aí eu respondi: “Tá, eu vou te falar. Você tem que apoiar todos nós, indígenas, e lembrar que cada povo tem seu próprio território. E tem que receber os caciques desses povos para eles reivindicarem apoio, e você tem que ajudar eles. Assim eu estou pensando. Isso que vim falar também”.
Ele falou: “Até o momento, eu não recebi nenhum cacique aqui”.
Eu falei pra ele: “Eu vou fazer um comunicado para todos para que eles venham aqui falar sobre o trabalho deles e que você ajude eles”.
Ele respondeu: “Tá bom, estou ciente”.
Aí um coronel… puxa, esqueci o nome dele. Eram dois. Eles vieram até mim e me falaram: “Vamos lá para você falar com o pessoal por rádio”.
Eu respondi: “Tá bom”.
Quando estava fazendo o comunicado, uma pessoa me falou: “Nós temos um pouco de receio em ir aí na Funai”.
Eu respondi: “Não tenham medo, podem vir. A Funai está aqui para nos ajudar mesmo. Eles trabalham para nós. Se organizem e venham se reunir com ele. Eu já me reuni com eles aqui e ele me falou: ‘Vocês têm que vir até mim para conversar comigo, para eu apoiar ele’. É assim”.
P/2 – : Pegando esse gancho, dessa atuação, como ele vai virando liderança, qual era a questão que se dava, a grande questão indígena na luta na Constituinte?
Tradução em tempo real por Paxton (01:31:35- 01:31:14)
Raoni em língua Kayapó (01:32:15-01:32:40)
Raoni traduzido para o português:
Eu lutei muito e liderei muito o nosso pessoal. Eu levava o pessoal para nos reunirmos com as autoridades. Negativo, eu nunca recuei ou tive medo de alguma coisa, não largo a luta. Eu entrava de todo jeito [nos gabinetes].
P/1 – Já entrando nos novos governos Lula, Dilma, aí veio Bolsonaro, e agora Lula de novo… e no governo do PT teve a construção do Belo Monte. Como foi essa luta, para impedir essa construção no governo do PT?
Tradução em tempo real por Paxton (01:33:57-01:34:44)
Raoni em língua Kayapó (01:34:46–01:37:31)
Raoni traduzido para o português:
Eu já encontrei com ele várias vezes, e a primeira foi quando o pessoal me informou. Aí eu pensei: vou lá sozinho. E fui sozinho. E encontrei com o pessoal lá. O Kremoro estava lá, me esperando, e entramos juntos. E ele já estava lá reunido com o pessoal e falando sobre a construção da barragem quando chegamos.
Aí eu comecei a falar com ele. Estava falando certo com ele: “Vocês estão fazendo várias barragens, nós não queremos no Xingu. Eu não aceito isso”. Assim eu falei. Aí o Kremoro também falou a mesma coisa. O Tute também falou. Aí o Paiakan. O Paiakan falou pra nós: “Falem com calma com ele. Vocês estão falando agressivo”.
Eu respondi: “Vocês têm que traduzir minha fala. Transmitam o que estamos falando”. Aí falei pra eles: “Tá bom, eu vou embora. E vou deixar vocês se reunirem”.
Mas, quando eu e o Sting fomos lá encontrar com o pessoal… Ah, aqui em Brasília estava tendo movimento do Lula para presidente. Eu fui encontrar com ele. Falei: “Lula, quando você for presidente, não autoriza a construção de barragem em rios”.
Aí ele me respondeu: “Tá, eu não vou autorizar a construção de barragem, mas o meu sucessor vai autorizar a construção”.
Agora, o Paiakan que falou para o Lula: “Pode assinar para o pessoal construir”. Muito ruim. Ele falou diferente de mim, por isso que Lula autorizou e construíram. O próprio Lula me falou sobre isso. Sobre o Paiakan. É isso.
P/2 – : E agora, como que foi o convite para subir a rampa com o presidente? E se foi tocado antes no assunto, e como foi, de Belo Monte?
Comentário de Paxton: Foi, eu me lembro, eu estava lá, eu estava lá com eles dois conversando.
Tradução em tempo real por Paxton (01:41:15- 01:41:25)
Raoni em língua Kayapó (01:41:26- 01:42:56)
Raoni traduzido para o português:
Eu falei sobre isso com ele. Falei para ele, falei: “Lula, o seu trabalho anterior, não repita. Eu não era a favor de construção de barragens. Mas você foi contra mim. E Paiakan falou pra você para construir. Você autorizou e pessoal construiu. Eu não gostei disso. Mas agora temos que fazer um trabalho diferente, e o pessoal tem que gostar de nosso trabalho”.
Aí ele me falou: “Estou pensando nisso. Do jeito que você falou. Vamos trabalhar assim mesmo. Vamos demarcar terras indígenas para vários povos. Garantir o bem-estar de todos. E vamos combater a extração de madeira. Não pode ter conflitos”. Assim ele me falou.
Eu respondi: “Isso mesmo, eu estava pensando nisso, por isso que falei. Vamos trabalhar juntos. Vamos tratar de assuntos juntos”.
Ele me respondeu: “Sim, vamos, sim”. E também me falou: “Quero que você entre comigo [ato da posse]”. Por isso que fui acompanhar ele na subida. E coloquei faixa nele. Assim foi.
Tradução em tempo real por Paxton (01:48:05-01:48:11)
Raoni em língua Kayapó (01:48:11-01:48:13)
Raoni traduzido para o português:
Então é isso, só queria aproveitar e complementar essa informação.
P/1 – Agora que tem um novo governo, o Lula prometeu pro senhor que não vai mais fazer como antes, e nós temos também agora na Funai, pela primeira vez na história, Joenia Wapichana, presidente da Funai, e Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas. Qual é a mensagem, o conselho que o senhor quer deixar para essas lideranças que estão neste governo, e qual é a mensagem que o senhor quer deixar para os jovens Kayapós, pro futuro?
Tradução em tempo real por Paxton (01:49:08-01:49:50)
Raoni em língua Kayapó (01:49:51 - 01:52:26)
Raoni traduzido para o português:
Eu já conversei com as duas. Falei com Guajajara e falei com a outra. Falei: “Como vocês já estão no cargo, trabalhem certo. Apoiem todos os povos. Não deixem de apoiar ninguém. Se vocês não apoiarem algum povo e alguém vier contar para mim, eu vou pedir exoneração de vocês e pedir para que outro seja nomeado no lugar de vocês”. Assim eu falei e elas riram.
É isso. Sim, a partir da agora, os próprios indígenas têm que trabalhar para si. Assim penso. Por que que os japoneses primeiro aprendem a sua própria língua e depois [aprendem] a língua do estrangeiro? E eles aprenderam trabalho dos brancos e trouxeram conhecimento para seu país. Eu vi isso lá. Eles têm traços culturais como kayapós. Antigamente, houve divisão desse povo. Eles são inteligentes e aprenderam a forma de trabalho de vocês. E, lá no Peru, os peruanos também fizeram a mesma coisa. Daí pensei, por que que os brancos no Brasil não ensinam desse jeito os indígenas de lá? Assim falei.
Desde que eu era jovem, o pessoal me falava sobre isso e eu vinha ouvindo. E desejava muito que alguém fosse para minha aldeia para eu explicar muita coisa para este alguém. Não sei, o pessoal tem medo de mim. É isso.
P/2 – : Acho que agora, só para a gente fechar, agradecer… mas acho que o que seria legal [seria] ele falar umas últimas palavras. Qual é o seu sonho? E o que você acha que é importante de toda essa sua história de vida, que fique, que seja uma inspiração para as futuras gerações? Então, qual é o sonho dele e o que ele quer que fique? É uma palavra final dele para branco, para indígena, para todo mundo.
Raoni em língua Kayapó (01:57:26- 02:02:33)
Raoni traduzido para o português:
Eu quero falar pra vocês, eu penso muito correto. Desde que era jovem, vinha pensando em todos. Eu quero falar com todos vocês e que vocês me ouçam. Nós temos que ter paz, respeito, sermos amigos, sermos amigos de verdade. Respeito um com outro. Assim eu penso para todos, brancos e indígenas. Me ouçam: o que eu não gosto é de ódio e violência e tudo que é ruim. Coisas ruins. Só aceito que façamos coisas boas.
Quando estamos em paz, comemos bem; quando estamos em paz, dormimos bem. Assim eu penso. Mas, quando não estamos em paz, não comemos bem, não nos deitamos bem. Essas coisas os nossos ancestrais faziam. Eu sei, eu ouvia sobre isso até eu crescer e ir trabalhar com os brancos e aprender um pouco da língua deles.
Desde então, quando eu era jovem, comecei a falar com os brancos sobre nosso povo, mas estou cada vez mais cansado disso. Estou realmente cansado.
É verdade que os nossos ancestrais eram um povo só. Havia momentos de paz. Mas certa vez um homem foi mordido por uma cobra e depois a cobra começou a lhe ensinar muitas coisas ruins.
Mais uma coisa, Bepkrajapoktire foi picado por uma arraia. O pé dele caiu e ele era carregado por sua esposa. Quando o pessoal ia acampar, ela carregava. Foi ele que começou a matar pessoas. Ele matava com a cabeça. Não, foi com o pé dele. A ponta do pé dele. Pessoal matou ele. Enterrou ele, mas ele ressuscitou e foi embora. Depois ele voltou para matar mais pessoas. O pessoal preparou uma madeira para matar ele. Mataram ele e ele ressuscitou novamente e fugiu. Depois ele voltou e começou a matar de novo. Para matar ele de vez, o pessoal preparou uma madeira e enfeitou como se fosse um humano. Ele veio e tentou furar com ponta da canela dele. Ele ficou preso lá e foi cortado ao meio. A parte do ombro dele foi embora. E voltou para matar mais pessoas. Este Bepkrajapokto é o primeiro a matar e ensinar outros. Desde então, o pessoal começou a matar uns aos outros.
O pessoal vivia em paz, até que os brancos chegaram. Ainda não existiam rios e mares. O nosso criador, desde que nos criou, não havia rios grandes. Não tinha rios assim. Mas foram eles [os nossos criadores] que criaram esses rios e criaram os vários tipos de alimentos, animais e peixes e tudo para nós. Eles criaram muita coisa. Por exemplo, existem vários tipos de jabuti, os peixes também têm vários. É assim.
Vocês não sabem dessa história, por isso que alguns contam errado. Eu ouço e falo: “Isso está mal contado”. Assim eu falo sobre vocês. É isso.
Mando um abraço a todos vocês e agora encerro a minha fala.
P/2 – : Posso fazer um pedido muito humilde? Se ele achou que a ideia do museu, de guardar a história das pessoas, se for importante, se ele pode abençoar (eu sei que ele é pajé), esse lugar, se ele quiser…
Tradução em tempo real por Paxton (2:06:1- 02:06:37)
Paxton: Eu vou sair, vocês ficam para ele rezar para vocês.
Raoni em língua Kayapó (02:06:41- 02:06:44)
[Fim da Entrevista]
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