P/1 – Seu Toninho, vou começar perguntando seu nome completo, o local e a data de nascimento. R – Antônio Avelino de Melo Cunha, eu sou nascido na pacata Eldorado, aqui onde estamos. Nasci no quatro de um de 51, da boa idéia e vivi sempre aqui no Vale do Ribeira, principalmente em Eldorado. Eu me criei, tive uma educação de berço muito boa, graças a Deus. Os meus pais eram católicos, e eu fui coroinha de padre, desde os seis anos de idade. Entrei como ouvinte numa escola, porque não podia ser matriculado, porque eu não tinha idade... P/1 – Espera só um pouquinho, perguntar até antes do senhor ser coroinha: seus pais são de onde? R – A origem do meu pai... Meu pai é filho de alemão, mas nascido no Brasil. Meus avós, pais do meu pai, vieram na época da primeira guerra mundial e se estabeleceram aqui no município de Eldorado. O meu avô ele era engenheiro e geólogo alemão e se radicou aqui por força das circunstâncias, que o Exército Brasileiro solicitou que como ele era engenheiro geólogo, que viesse fazer um levantamento mineralógico do Vale do Ribeira. E assim foi feito e ele veio pra cá. P/1 – ...Ele trabalhava pra quem...? R – Ele trabalhava por conta própria, mas a pedido do Exército Brasileira, ele fez pesquisas aqui o Vale do Ribeira. E se radicou aqui. Meu pai nasceu aqui, em Eldorado. P/1 – Por que o Exército queria fazer pesquisa aqui no Vale do Ribeira? R – Porque na época, envolvido na Primeira Guerra Mundial, o que é que acontecia? Precisava de minérios pra as Forças Armadas, pra Marinha, pra Aeronáutica, pra fazer os tanques, os blindados, pra fazer aviões... E o Brasil naquela época não tinha nada de industrialização. P/1 – ...E aqui nessa região tinha minério? R – Muito minério. Tem muito minério P/1 – Até hoje? R – Até hoje. P/1 – E aí o seu pai se estabeleceu aqui, conheceu sua mãe aqui...? R – O...
Continuar leituraP/1 – Seu Toninho, vou começar perguntando seu nome completo, o local e a data de nascimento. R – Antônio Avelino de Melo Cunha, eu sou nascido na pacata Eldorado, aqui onde estamos. Nasci no quatro de um de 51, da boa idéia e vivi sempre aqui no Vale do Ribeira, principalmente em Eldorado. Eu me criei, tive uma educação de berço muito boa, graças a Deus. Os meus pais eram católicos, e eu fui coroinha de padre, desde os seis anos de idade. Entrei como ouvinte numa escola, porque não podia ser matriculado, porque eu não tinha idade... P/1 – Espera só um pouquinho, perguntar até antes do senhor ser coroinha: seus pais são de onde? R – A origem do meu pai... Meu pai é filho de alemão, mas nascido no Brasil. Meus avós, pais do meu pai, vieram na época da primeira guerra mundial e se estabeleceram aqui no município de Eldorado. O meu avô ele era engenheiro e geólogo alemão e se radicou aqui por força das circunstâncias, que o Exército Brasileiro solicitou que como ele era engenheiro geólogo, que viesse fazer um levantamento mineralógico do Vale do Ribeira. E assim foi feito e ele veio pra cá. P/1 – ...Ele trabalhava pra quem...? R – Ele trabalhava por conta própria, mas a pedido do Exército Brasileira, ele fez pesquisas aqui o Vale do Ribeira. E se radicou aqui. Meu pai nasceu aqui, em Eldorado. P/1 – Por que o Exército queria fazer pesquisa aqui no Vale do Ribeira? R – Porque na época, envolvido na Primeira Guerra Mundial, o que é que acontecia? Precisava de minérios pra as Forças Armadas, pra Marinha, pra Aeronáutica, pra fazer os tanques, os blindados, pra fazer aviões... E o Brasil naquela época não tinha nada de industrialização. P/1 – ...E aqui nessa região tinha minério? R – Muito minério. Tem muito minério P/1 – Até hoje? R – Até hoje. P/1 – E aí o seu pai se estabeleceu aqui, conheceu sua mãe aqui...? R – O meu pai… É uma história pitoresca até... O Alemão ele tinha gêmeos, teve gêmeos, a minha avó teve gêmeos: o meu pai e o irmão. Ele com um mês de idade, a minha avó não tinha leite pra sustentar os dois, aí o Coronel Avelino, por sinal, que eu tenho o mesmo nome dele, que foi o pai adotivo do meu pai, propôs para o Alemão: “Escuta, deixa um pra mim e eu mando uma vaca pra você poder cuidar do outro”. Então eu falo que o meu pai foi criado por uma vaca. E trocado por uma vaca. Formou-se duas famílias, uma família só: a só Alemão e a do Coronel Avelino. Esse Coronel Avelino que era pai adotivo do meu pai, é tido como o pai dos pobres de Eldorado. Ele era um senhor abastado e a pobreza se chegava a ele, ele quase que sustentava todos os pobres que chegavam na casa dele, sabe? Então da parte do meu pai é assim: tive dois avós, o legítimo e o adotado, que adotou meu pai. E eu tenho os dois como dois avós, convivi com os dois perfeitamente. E a minha mãe é de uma família tradicional de Eldorado, aqui também, da família Melo e o interessante é que eram duas facções políticas, os avós. E com o casamento do meu pai e da minha mãe, se desfez essa problemática de política e se uniram as forças políticas. P/1 – E aí eles se casaram, se conheceram... E onde que era a casa de infância do senhor? R – Se casaram, se conheceram.. Na Rua Nove de Julho, número 124. P/1 – Como é que era: você tinha mais irmãos...? R – Eu tenho mais dois irmãos: Antônio Carlos, que é engenheiro aqui em Eldorado, e a minha irmã que hoje é casada com um amigo meu, amigo de escola, por sinal, e mora na República Dominicana, ele é engenheiro da Odebrecht. P/1 – E como é que era a casa, assim, os costumes, os hábitos...? R – Olha, a minha avó por parte... A avó adotiva, meu pai morava com ela, minha mãe e eu, depois nasceram mais dois irmãos, aí em 1961 minha avó deu um pedaço do terreno pro meu pai construir a casa dele e foi construída a casa no mesmo quintal, então ficaram três casas juntas. E a minha infância, assim, foi muito interessante, porque eu fui o primeiro tataraneto, primeiro bisneto, primeiro neto e primeiro filho de uma família tradicional, certo? Eu tive um berço de ouro. Fui muito bem educado, muito bem criado P/1 – Com quantos anos você foi pra escola? R – Com seis anos de idade eu comecei a ler e escrever, não pude ser matriculado e entrei como ouvinte. Aí eu fui um dos únicos que passou da classe. Tive que repetir, porque pra fazer novamente pra poder ser matriculado. Aí eu fiz o primário e fiz um ano... P/1 – ...Como é que você chegava na escola, era perto da sua casa...? R – Era ao lado. É ao lado da escola, tanto é que meus lanches a minha avó passava por cima do muro pra mim e pra os meus colegas, distribuía lanche pra todos os meus colegas . P/1 – E as brincadeiras, do que é que vocês brincavam...? R – Olha, nós brincávamos de manzol, manzol é um termo que se criou na região aqui, que é “mãos ao alto”, bang-bang, certo? Brincava de esconde-esconde, brincava de roda, brincava de casamento japonês, brincava... A gente tinha um canto nas escolas, então todas as músicas escolares, a gente na rua a gente cantava em turma, a gente brincava muito de carrinho de mão, carrinho de mão era um pegava assim no pé e a gente punha a mão no chão e ia... Brincando de carrinho de mão; e carrinho de rolimã também, a gente brincava de descer as ladeiras, que tem muita ladeira aqui em Eldorado, a gente descia as ladeiras de carrinho de rolimã... Os carrinhos que tinham na época a gente que confeccionava, a gente que fazia com pedaço de pau, fazia as rodas, fazia de tudo pra brincar... E eu acho que tinha mais criatividade, a gente não pegava pronto as coisas, nem copiava, porque não tinha de onde copiar, a gente criava. P/1 – E aí o senhor fez escola...? R – Fiz escola primária, comecei o ginasial numa cidade vizinha que era Jacupiranga, porque não tinha aqui, e viajava todos os dias. No segundo ano foi aberto o ginásio, eu fui a primeira turma, inclusive, que se formou no ginasial aqui... P/1 – ...E como que era o nome da escola? R – Era Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau Doutor Jaime de Almeida Paiva. Aí terminei o ginasial, fiz Escola Normal. Acabei Escola Normal, lecionei seis anos. P/1 Mas por que é que o senhor optou em fazer Normal? R – Porque era a única opção que tinha aqui. P/1 – Mas o senhor tinha essa vontade, essa intenção de dar aula...? R – Não, eu queria ser engenheiro. Mas como meus pais não tinham condições financeiras na época pra me custear, eu tive que trabalhar e estudar, aí eu optei por Escola Normal, eu lecionava em escolas rurais e todos os dias eu ia pra Paranaguá. Lá eu fiz Faculdade de Filosofia, Paranaguá, durante quatro anos viajando, na BR 116, tô vivo só por... P/1 – Caminho de Curitiba? R – Caminho de Curitiba. Terminei, aí comecei a lecionar, lecionei na Escola Normal, lecionei no ginásio e continuei lecionando no primário, tinha carga total. Mas não era aquilo que eu queria, aí eu fiz vários concursos públicos, trabalhei de visitador sanitário, trabalhei 21 dias, falei: “Não é o que eu quero”. Passei no Banco do Brasil, trabalhei dois dias, falei: “Não é o que eu quero”. Passei pra inspetor de alunos. Trabalhei oito dias, falei: “Não quero” Aí fiz um concurso pra polícia, onde eu me realizei, como policial civil, eu fui investigador de polícia e me dei muito bem na carreira, graças a Deus. P/1 – ...Por que é que o senhor se deu bem na carreira de policial civil? R – Por causa dos meus princípios, a minha formação de infância, de berço, de moralidade, de costumes. E mais a psicologia que eu estudei dentro da filosofia. E eu fiz também faculdade de direito. Então eu tive um conhecimento da parte teórica e eu pus em prática o conhecimento que eu fui adquirindo, ficou fácil de olhar no olho da pessoa e saber se a pessoa tá mentindo ou não... Entendeu? Se a pessoa merece o seu crédito de confiança ou não, se é bandido ou não. Com a vida que eu tive e com a formação que eu tive, me levou a essa facilidade. E dedicação. P/1 – .O senhor trabalhou quanto tempo? R – Na polícia? 28 anos. E mais seis de magistério. P/1 – ...E que causos o senhor tem pra contar...? R – Olha, muitos homicídios foram desvendados, muitos furtos, muitos roubos, quadrilhas e mais quadrilhas... É... Eu recuperei muitos ricos furtados Muitos ricos roubados Acho que eu esclareci vários crimes, assim, que deram muito trabalho pra serem investigados, porque naquela época a gente não tinha os recursos que hoje se obtem. Pra você fazer uma investigação a gente tinha que olhar o cabelo e só olhar o cabelo e comparar com o cabelo dos outros, hoje tem DNA. Os vestígios encontrados, os investigadores na época tinha que ser como em filme... A gente via nos filmes. Tem que ser perspicaz, inteligente e tirar conclusões, fazer muita observação, porque se não você não chegava a lugar nenhum. Hoje tá muito fácil. P/1 – Me contaram que o senhor achou a santa da cidade que tinha sumido, como é que foi essa história...? R – Na verdade, como eu fui coroinha do padre, eu cantei na igreja, eu fazia os andore para as procissões das festas que são todo dia oito de setembro, então eu era muito ligado à religião. E eu sou devoto da Santa, me arrepia até. Eu fico até emocionado. E como furtaram a imagem da igreja... P/1 – ...A santa padroeira...? R – A santa padroeira, Nossa Senhora da Guia, a santa da cidade. Eu fiquei tão triste, tão triste... Como a população... P/1 – Quando é que foi que roubaram? R – A data exata? Tá fazendo o que uns... Sete, oito... Dez anos, uns dez anos. Acho que foi 2001, se não me falha a memória. Mas eu sei que fiquei um ano investigando. Eu levantei todas as quadrilhas, possíveis e imaginadas, que mexiam com Arte Sacra, obra sacra, no Brasil e fui por exclusão, até encontrar o autor daqui. P/1 – Mas que técnica que o senhor usou, como o senhor estudou essas quadrilhas? R – Nós temos um arquivo da polícia, certo? Vários fatos criminosos que já tinham autoria e vai por comparação de ver se o cara tá preso ou não, e onde é que ele agia, de que forma, o modus operandi dele agir, e a gente vai chegando a uma conclusão... Quem tava preso... E sobrou esse que não estava preso, ele estava procurado, mas não estava preso. Aí o que é que aconteceu? Recuperei a imagem de Eldorado... P/1 – ...Mas como é que você chegou perto dele, como é que o senhor descobriu...? R – Na verdade saiu no Estadão que tinham pego um suspeito na cidade de Mariana em Minas, de ter entrado numa igreja, era suspeito. O nome dele no jornal, eu tava trabalhando aqui, fazendo churrasco, e eu assinava o Estadão e minha sogra leu e falou: “Toninho, tem um caso aqui que acho que vai interessar pra você”. Eu tava na churrasqueira. Eu falei: “O que? É esse cara que eu procuro”. Na hora eu fui pra cidade, eu tava sem telefone aqui, fui pra cidade, liguei pra Mariana, conversei com o delegado, ele falou: “Eu não posso segurar o cara”. Eu falei: “O senhor segura porque eu tô chegando aí”. P/1 – Por que é que o senhor achou que fosse ele? R – Eu tinha certeza. Por causa das investigações que eu tinha feito... Modus operandi... Daí não tava preso o cara, tava solto, era um dos poucos que tava solto no Brasil. E ele já tinha várias passagens por furto de obra sacra... A delegada falou: “Olha, mas quando é que você chega?”. Eu falei: “Tô saindo agora daqui”. Eu peguei meu carro – não fui com o carro da polícia – peguei minha esposa, a Tânia, falei: “Tânia, vamos pra Minas”. “Mas agora? Tem gente aqui, como é que nós vamos fazer?”. “Não interessa, é mais importante que eu vá”. “Mas o que é que aconteceu?”. “No caminho eu te aviso, eu te conto. Pega uma roupa pra você e uma roupa pra mim. E dinheiro – falei – não tenho dinheiro”. Fui na casa da minha mãe e falei: “Mãe, tá acontecendo isso, isso, isso, a senhora tem algum dinheiro em casa?”. Era um domingo isso. Ela falou: “Filho, tenho um pouco, mas por que?”. “Eu tenho que ira pra Minas, que eu vou achar a Nossa Senhora da Guia”. “Não fala uma coisa dessa”. “Eu vou achar, mãe, eu vou”. E eu fui. O pessoal de Minas, os detetives, eles tinham interrogado o cara, só estavam me esperando, ele não contou nada, nada, nada, nada pra eles Aí eu cheguei, eu contei a minha história de vida pra ele: que eu fui pra coroinha, que eu era devoto da Santa, que eu fazia imagem, que eu fazia os andores (?), e fui falando da minha vida, não falei nada sobre o furto, aí o cara olhou pra mim e falou: “O senhor me convenceu, eu acho que eu mereço o seu perdão”. Falei: “Onde está a Santa?”. Ele falou: “Eu não sei, mas fui eu que peguei a sua Santa”. “Mas onde é que eu posso procurar?”. Ele falou: “Você tem paciência?”. Eu falei: “Tenho”. “Então pega um papel e uma caneta”. Ele foi falando pra mim como se fosse um computador, nome dos receptadores, endereço, telefone... Aí os delegados de Minas que estavam junto comigo e eu interrogando o cara aí: “Pare, pare, pare, pare”. “Ah, não, não Peraí, mas nós interrogamos, ele não falou nada, como é que você fez pra convencer ele?”. Falei: “Não sei”. Eles perguntaram pra ele: “É verdade”. Ele falava: “Não”. Aí eu perguntava:”É verdade?”. “É. Pra eles eu não falo, só pra você”. Então tá bom. Aí o Aécio Neves ele era deputado na época e tava muito interessado nas imagens de Minas, que tinham sumido, e eu nem sabia disso, e falaram, o delegado conversando: “Escuta, vamos falar com o deputado, quem sabe a gente faz diligência junto com o Toninho, que ele conhece tudo em São Paulo, vamos ver se a gente acha alguma coisa”. Aí ligaram, o Aécio Neves na época patrocinou pra gente onze celulares pra gente se comunicar, então ficou um telefone na base junto com o delegado e com o preso. Ah, e nessa altura eu levantei a ficha do cara aqui em São Paulo, que ele era procurado, então ele ficou preso Não precisou soltar. Entendeu? Porque ele não foi preso em flagrante lá. Aí começamos a investigação. Durante 15 dias eu fiquei fora da delegacia, não tinha comunicado e não dava pra comunicar, pra não perder o fio da investigação. Eu sei que, finalizando: nós conseguimos três delegados de Minas me acompanharam, eu chefiei a expedição, a Tânia foi comigo e mais quatro detetives e nós viemos pra São Paulo, aí começamos a fazer a investigação. O primeiro cara que eu falei com ele, ele era antiquário e expunha no Masp, em São Paulo, inclusive a Santa Padroeira de Eldorado estava no Masp, em São Paulo, sendo exposta pra venda, tá? Aí eu convenci ele a entregar a Santa pra mim, ele falou: “Mas eu não quero me complicar, porque...”. Eu falei: “O senhor não vai se complicar, se você entregar a Santa”. Mas até aí eu não sabia que era a Santa da Guia daqui, eu sabia que era a Santa que ele tinha lá. Qual foi a surpresa, ele falou: “Você não vem na minha casa. Vamos marcar um lugar que eu encontro com você, vou com meu motorista e entrego, tô com três santos”. Falei: “Tá bom. Que santo que é?”. Ele falou um nome, falei: “Infelizmente não é o meu, mas tudo bem.”. Nós marcamos no trevo de Campinas e Valinhos, tá? E ele foi me entregar a Santa lá, num Opala do Senado Federal, o motorista do Senado, de um senador que eu não sei quem é, tá, pra me intimidar. Quando eu percebi, falei: “Abre o carro”. Porque eu vi a Santa e falei: “Você tá preso, você vai me acompanhar até a delegacia”. “Ah, mas não é flagrante”. “Não interessa, tá preso pra averiguação”. Aí fomos até a Delegacia... P/1 – ...E você tava com outro policial, botou algema...? R – Nada, sem algema, só no papo. Aí nós fomos, levamos pra delegacia. Quando eu fui desembrulhar, o primeiro santo que eu peguei, dei pra Tânia segurar pra transportar pra delegacia; o segundo eu dei pra um detetive, falei: “Ó, tó”; e fiquei com um. Qual foi a minha surpresa? Fiquei quase louco Quando eu desembrulhei era a minha Santa, Nossa Senhora da Guia A primeira Santa que eu encontrei E foi Nossa Senhora da Guia Aí eu pedi pra ela, que eu sou devoto e tenho fé, falei: “Nossa Senhora da Guia, agora encaminha pra mim, pra eu esclarecer esses outros casos”. E dito e feito: nós conseguimos apreender 724 imagens. P/1 – Mas tudo no...? R – Não no mesmo lugar, em vários locais. P/1 – ...Não da mesma pessoa? R – Do mesmo ladrão. 724 imagens Ó, só pra você ter uma idéia: de Congonhas, de Mariana, de São João Del Rei, de Tiradentes... Todas as cidades de Minas onde tinha sido furtado santo, tudo dele, desse ladrão, tá? Era ele, mais um cara, e mais duas mulheres muito bonitas, as mulheres não consegui pegar, só pegamos ele e o comparsa dele. Até hoje não sei se foi pego ou não, porque se avolumou muita coisa que nós passamos pra Polícia Federal, porque era muita coisa. Aí toda a investigação, relatório e tal, entregamos o caso pra Polícia Federal, porque tinha outros estados também pra ver e eu não podia fazer as diligências, tá? E sei que foi a glória da minha carreira, eu tava quase aposentando quando eu consegui essa realização. Pra mim como profissional foi, assim, um dos maiores feitos Mais importante pra mim, entendeu? P/1 – ...Mas essas imagens uma foi puxando à outra, um caso foi levando ao outro...? R – Sim. Em 15 dias nós apreendemos 724 imagens... P/1 – … Mas isso foi o que... Saiu no Jornal Nacional...? R – ...Saiu no Fantástico, no Jornal Nacional... P/1 – ...O senhor deu entrevista...? R – ...Sim, eu dei entrevista na Globo. P/1 – ...Toninho, me conta como é que o senhor chegou nesse lugar, que terra que é essa, de quem que era...? R – Essas terras eu tive a satisfação de receber por herança do meu pai. Só que ele comprou essas terras no dia em que eu nasci. Então o valor que tem essas terras pra mim é imensurável. Meu pai ele fez questão de me ensinar a carpir, a roçar, a plantar, a colher, porque ele falava: “Meu filho, quem não sabe fazer, nunca vai saber mandar, então você tem que aprender Então embora você não precise, você vai aprender”. Então ele me ensinou a pescar, a passar rede no rio, a entrar na mata, a caçar e tudo... Foi uma faculdade de vida que eu tive com meu pai, graças a Deus, me fiz homem. Nunca fui vagabundo, graças a Deus P/1 – Aí o senhor ganhou essa terra... E como é, qual a história dessa região, dessas terras...? R – Essa região aqui, ela foi... Ela recebeu influência de estrangeiros: de alemães e americanos. Aqui o município de Eldorado, tá? P/1 – ...Que não chamava Eldorado. R – Chamava Xiririca antigamente - “águas correntes sobre pedra”, nome indígena. E o Rio Ribeira, na época do Xiririca era navegável que nem o Rio São Francisco tem os vapores, aqui também tinha vapor, hoje não tem mais, hoje é pequena embarcação só que passa, é muito piscoso... Nós temos um peixe aqui no Ribeira, que só tem aqui no Ribeira, em nenhum rio mais tem. Que tem a barriga dele amarelada, e o sabor da carne dele é fantástico Isso só tem em uma região de Eldorado, no município de Eldorado até Iporanga, no restante do rio não encontra esse peixe, por causa das águas correndo sobre pedras, que é peixe de pedra, entendeu? E nessa época do ano, assim, de maio, junho, julho... Daqui começa a pegar esse peixe, tem a época certa também. P/1 – Aí tem esse peixe, que mais…? R – Tem o Tairuçu, o Ribeira tem o Tairuçu, até de 22 quilos. Só que esse Tairuçu já tem no Amazonas e tem em outros rios. P/1 – ...E o senhor tem uma passagem também aqui nessa região com os guerrilheiros... Como é que foi...? R – Olha, na verdade Eldorado tem uma história, assim, fantástica, que não se conta. Antes do Lamarca, nós tivemos também aqui, foi o berço da Revolução Constitucionalista de 32, a Praça de Eldorado foi onde houve confrontos dos paranaenses com os paulistas, até herói nacional nós temos aqui, que morreu, é o soldado Diogo de Faria, que apesar de ter feito a poucos anos atrás, então foi levado com outros pracinhas lá pro Ibirapuera. Historicamente falando também nós tivemos o confronto do Lamarca. Não é que ele passou por aqui. O Lamarca e o grupo dele, eles tomaram de assalto um caminhão, um F350, lá no Bairro Areado, no município de Eldorado e vieram pra fugir da força pública, do Exército. Eles tinham um QG lá na capelinha, no município de Carati. Tem uma caverna lá, onde eles fizeram o QG deles, de guerrilha, tá? Eu conheci o Lamarca sem saber que era o Lamarca, porque ele veio em procurar por causa do meu avô ter feito o levantamento mineralógico e achou os vales, as cavernas aqui do Vale do Ribeira. E como ele era do Exército e meu avô passou essas informações pro Exército e tinha tudo catalogado no Exército. Então ele veio procurar o nome do meu avô, aí falaram que o meu avô era morto e indicaram os parentes e ele chegou até a mim, como estudante que tava pesquisando. Como eu fazia filosofia na época, falei: “Poxa, vamos juntos” Eu tinha feito uma excursão, e eu e mais dois colegas: O Velô e o Ribeiro, pra conhecer as cavernas, sete cavernas aqui na região da Barra do Braço, que meu avô falava sempre, nós fomos conhecer, na época eu tava fazendo o ginasial, quando eu fui conhecer as cavernas. E quando o Lamarca veio, eu falei: “Olha, eu não lembro muito bem, mas eu pego um mateiro lá na Barra do Braço e a gente vai junto”. Aí fomos lá. Mostrar como é que eram as cavernas. Daí que tem a trilha do Lamarca aqui em Eldorado, entendeu? Por onde ele passou e tal. Mas ele conviveu com a gente, na época eu era estudante... Sim, aqui a região de Eldorado. E veja só: ele conversava com a gente normalmente, papo de estudante, tá? Música dos Beatles na época, e eu tocava, tinha uma banda, ele pedia nos bailes que a gente tava tocando, ele pedia música pra gente tocar, determinadas músicas. Então nós tivemos uma certa convivência sem saber que era o Lamarca. E meu pai era escrivão de polícia aqui. Quando estourou a coisa, que teve o tiroteio, eu tava vindo da faculdade e fui parado na estrada com um carro, que o sobrenome do carro que eu tava dirigindo era Ribas – Ribas era um nome procurado porque era do MR8 na época, Baioneta, com a pontinha do pé, não sei quantas horas, tá? Não podia falar nada, tá? Enfim, ainda bem que eu não falei. Quando trouxeram pra delegacia de Jacupiranga, aí o pessoal me conhecia, porque eram todos colegas do meu pai. Falaram: “Não, mas esse aqui é estudante de Eldorado e tal”. Aí um Tenente que tava falou: “Então nós vamos escoltar até Eldorado”. Falei: “Mas o que é que tá acontecendo?”. Aí eles contaram que tinha tido um tiroteio na Praça de Eldorado, entre o grupo do Lamarca e a força pública, que hoje é a polícia militar... Força pública... Onde tinha ferido vários civis e soldados também, aqui em Eldorado. Houve esse confronto e o Lamarca atirava diz que com duas metralhadoras e o Fujimori, o japonês que era do MR8 também, com duas espingardas doze, rolava no chão assim e “parará”. Então feriu um soldado, um soldado ficou aleijado, com a perna sem perna; uma professora que já é falecida inclusive, mas não por causa disso, teve a perna quebrada com um tiro; teve um outro soldado que ficou com o bago de chumbo, morreu com bago de chumbo, que não dava pra extrair, bago de chumbo da espingarda doze no pescoço todo... Essas coisas não são contadas, fala-se no Lamarca, hoje é tido até como herói. Só que ele não queria nada com civil, mas acabou ferindo civil aqui em Eldorado também. O Lamarca... E quando na fuga dele, ele fugiu pela estrada que vai de Eldorado à Sete Barras – não é essa em que estamos aqui, que fica na minha propriedade. É na outra margem do rio, fugiu por lá, se embrenhou na mata e matou um Tenente, o Tenente Alberto, do Exército, lá em Sete Barras, na fuga. Pegou o carro do Exército e fugiram com o carro do Exército. Quando eu vi a fotografia, eu falei: “Minha Nossa Senhora, esse cara é o cara que nós levamos pra ver a caverna e tal, tal, tal...”. Aí eu fui acionado pela Operação Bandeirantes, pelo Dops e tal, pra dar informação. Aí eu tive que sair com eles por aí e tal, tal, tal. Aqui, o município de Eldorado, foi bombardeado por Nepal, pra ver se pegava o Lamarca, não conseguiram pegar Tinha três mil homens do Exército aqui cercando, e ele conseguiu fugir Eu até ponho em dúvida se ele é morto ou não. Porque foi morto lá no Sertão do Nordeste. Por uma meia dúzia de policiais, esquisito... Mas no fim é o que se conta. P/1 – E aí quando o senhor descobriu o senhor falou com a Operação Bandeirantes, como é que foi...? R – É, eu fui procurado. Meu pai era escrivão em polícia, meu pai foi obrigado a falar: “Vai aparecer no meu filho, mas não tem nada a ver não, foi assim, assim, assim” - ele explicou pra eles. Aí eles me pegavam e levavam pra mostrar onde eu tive com ele e tal. P/1 – Aí o senhor andou? R – Andei, com o pessoal do Dops... P/1 – Mas o senhor queria entregar ele...? R – Olha só, na época o que aconteceu foi o seguinte: ninguém sabia quem era Lamarca. O Dops sabia, certo? A polícia sabia, mas os civis ninguém sabia do que é que se tratava... A célula comunista, MR8, era tudo... Depois que eu entrei pra polícia é que eu fiquei sabendo das coisas, a ideologia. Antes não sabia O porquê da célula comunista, o porquê do MR8... O Rubens Paiva, que é o pai do Marcelo, eu não sabia que ele era comunista, e eu convivia com ele. Eu não saía da fazenda quando a Verusca estava aí com a Eliana, o Marcelo, os outros primos dele... A gente era muito amigo. P/1 – Eles tinham casa aqui? R – Eles tinham uma casa? Tinham uma mansão Ainda existe essa mansão deles aí. Do velho pai, do avô deles Hoje chama-se CBR, mas antes era Fazenda Caraitá. Era uma fazenda onde tinha, assim, criação de gado, muita mexerica E depois que o velho morreu, aí foi vendida pra uma companhia de reflorestamento – CBR – Companhia Brasileira de Reflorestamento. Ele tinha uma serraria enorme que fabricava móveis. Inventou um sistema financeiro da própria fazenda, onde o dinheiro lá chamava-se boró, então ele pagava os funcionários com boró, e esse boró valia como se fosse dinheiro na cidade, todo mundo aceitava, porque o homem era forte e tinha dinheiro. Não corria dinheiro na cidade, corria esse boró, que era esse dinheiro aqui. Foi criado pela família Paiva. O avô da Eliana, da Vera, do Marcelo Rubens Paiva... P/1 – ...Foi aí que o senhor conheceu e começou a namorar a Eliana...? R – Na verdade a gente paquerava, aquele namorico de criança, de coisa, sabe? E eles tinham uns cavalos bonitos, eles vinham pra cidade a cavalo, aí eu fazia bailinho em casa e eles vinham nos bailinhos que a gente fazia... É... Tinha... Eu tenho fotografia inclusive desse tempo, com Vera, com Eliana, com Marcelo... Tinha o Jaiminho, que era filho do Jaime Paiva, que era primo deles também... Teté, Regina Helena... Todos amigos, a meninada Amigo de mocidade, adolescência, pré-adolescência... A gente tocava violão, ia pra lá pra fazenda e tocava... E eu tocava na missa também, e a avó deles era muito católica, mandava me buscar pra eu ir rezar missa com o padre lá, tocar violão na capela da fazenda... Tinha um estreita convivência com eles. Depois nas festas da mexerica, a minha banda ia tocar lá, o meu conjunto ia tocar nos bailes da mexerica... P/1 – ...O que é que é a festa da mexerica? R – ...Era um baile que o Paiva dava quando finalizava a safra da mexerica. Ele dava um baile regado à comida, à bebida e tal, com orquestra ou com conjunto... Um baile pro pessoal da fazenda, pro pessoal que trabalhava na fazenda. E eram muitos colonos Ele tinha acho que mais de 100 casas pra colonos. Ainda existem essas casas lá, tá? Eldorado em termos de movimento cultural – lembrei-me disso agora – nessa época de adolescência, a gente tinha um anseio por conhecimento. Então o que é que nós fizemos? Nós reunimos um grupinho, e esse grupinho nós conseguimos levar a ter 154 membros, eram jovens de Eldorado ligados à igreja católica. Nós fundamos um clube, nós construímos o clube, nós construímos Não é que nós pagamos pra construir, nós pegamos a betoneira, nós fizemos massa, construímos tijolo... Eu tocava em bale, fazia quermesse pra arrecadar dinheiro... E com esse clube, a gente o que é que fazia? Dinâmica de grupo pra estudos, a gente levava pastor evangélico pra falar sobre religião, levava padre, levava juízes, promotor, médico, advogado, pra gente ter um conhecimento das profissões e tal... Tá? Foi a melhor época da minha vida A gente trazia o pessoal pra cá, pro nosso sítio aqui, a gente fazia dinâmica de grupo aqui. A gente jogava volei também. Na parte recreativa a gente participou de todos os esportes, conseguimos participar de todos os esportes: futebol de salão, futebol de campo, volei, basquete, a gente era metido em tudo. E com esse clube nós chegamos a sustentar – na época não se falava em cesta básica – a gente comprava os mantimentos, que a gente falava, e sustentávamos várias famílias pobres aqui de Eldorado. E comprávamos remédio pra Santa Casa, com dinheiro que nós arrecadávamos no clube dos jovens, desses 154 jovens E não tinha praticamente o asilo dos velhos de Eldorado, então foi um trabalho muito digno, sabe? Me dava orgulho de contar esse fato pra você Existiu isso em Eldorado, hoje não existe mais. Porque a igreja infelizmente... E depois que nós construímos, que eles tinham cedido o terreno lá, tava bonito o prédio, lindo A gente fazia bailes fenomenais Aí acharam que era deles, que tinha que pegar, aí pegaram. Na Praça de Eldorado, ao lado do Bradesco, onde falam que é o... Tem a casa do padre, a casa paroquial, ao lado da casa paroquial, aquele prédio enorme que tem ali, fomos nós que construímos, e que ficou pra igreja. Aquele espírito entusiasta foi crescendo, a gente... Logicamente que os filhos iam levar adiante... Mas acabou, infelizmente. Nós tínhamos aqui, em termos de cultura, nós conseguimos criar a Casa do Poeta, da Francisca Júlia da Silva, aí nós trazíamos poetas e poetisas do país inteiro... P/1 – ...Fala da Francisca Júlia... R – ...A Francisca Júlia é filha de Eldorado. Foi a maior poetisa lírica parnasiana brasileira, conhecida internacionalmente. Então nós criamos a Casa da Dona Francisca Júlia. E conseguia trazer várias personalidades, a gente fazia encontros. Cultura. No Clube dos Jovens. A gente usava a sede do clube pra fazer esses encontros. Mas infelizmente acabou tudo. Mas eu posso garantir pra vocês que eu vivi, e vivi muito bem aqui na comunidade e que trabalhei bastante pela comunidade Deve ter muita coisa que o povo não sabe que a gente fazia, porque a gente achava que caridade a gente faz com uma mão e o outro não pode saber. Então a gente comprava as coisas, levava pra as pessoas, sem fazer alarde, sem falar que era a gente que tava levando, sem dizer de onde veio... A gente fazia caridade Com amor. Não pra aparecer, pra... Entendeu? Fazia com sentimento. (pausa) Sinto saudades. Porque foi uma época em que a gente preencheu o vazio, uma cidade pacata, pequena, e cheia de atividades Atividades de lazer e cultural Não tinha droga, tá? A gente conhecia as drogas, tá? Mas ninguém se drogava na cidade Quem era católico, era católico; quem era batista ou evangélico, todo mundo se respeitava. Na hora que precisava fazer algum evento, alguma coisa, todo mundo colaborava Existia muito mais união em Eldorado do que existe hoje É o que eu peço aos políticos. Já tentei ser político, não me dei bem não. Porque a gente tem um pensamento diferente dos políticos, eu não gosto de politicagem, eu gosto da política na essência da palavra: o homem e o ser, essencialmente político. E eu gosto do progresso, eu gosto de ver pessoas bem, tanto é que eu tava com 18 anos, eu dei uma entrevista no Estadão, propondo que fosse transformado o Vale do Ribeira em território federal, pelo descaso do governo estadual na época. Não atendia as reivindicações do Vale do Ribeira. Aí foi formado, por causa dessa entrevista foi formada uma consciência dentro do governo, e eu fui levado pro Palácio dos Bandeirantes na época, pra falar pro governador, Laudo Natel, na época, porque é que eu tava falando essas coisas. Eu condenava a monocultura da banana, eu condenava o desmatamento pra reflorestamento com Pinhos e Eucaliptos. Nós tínhamos árvores nativas e estavam desmatando pra plantar Pinho e Eucalipto. Não concordava com aquilo As leis ambientais não existiam na época, tá? Eu propunha que as comunidades rurais fossem agraciadas com estradas boas, com escolas boas, com iluminação elétrica. E graças a Deus o Laudo, na época, ele falou: “Rapaz, criança quando chora quer agrado, eu sei que você tem uma banda, você quer uns instrumentos...”. Eu falei: “Não, eu quero desenvolvimento do Vale do Ribeira”. Aí foi tratado desse assunto num congresso que teve no Guarujá, a minha proposição de transformar o Vale do Ribeira em Território Federal. Vários prefeitos da região apoiaram minha bandeira, inclusive o prefeito de Santos, na época era interventor de Santos e São Vicente. Aí o governo do Laudo Natel nos chamou e criou a Sudelpa, - Superintendência de Desenvolvimento do Litoral Paulista, onde deu uma alavancada no progresso do Vale do Ribeira, onde foram feitas várias estradas vicinais, onde foram feitas várias iluminações, eletrificações rurais. Equipada as Santas Casas. Foi criado um corpo clínico dentro da Sudelpa pra atender dentro das Santas Casas e dentro dos Prontos Socorros da região. Então houve um crescimento, um progresso na região, entendeu? Aí eu propus também que se trouxesse uma Seara, uma Sadia, pra fazer pequenas granjas. Pequenos pedaços de terra que já estavam desmatados pra aproveitar pra criar porco, pra criar frango, pra não ficar monocultura só da banana, que eu tinha certeza que é o que tá acontecendo hoje O preço da banana não dá uma estabilidade, ela é muito variável. Oscila muito. E só quem tem muitos pés de banana consegue sobreviver, o pequeno agricultor sofre, porque os implementos são caríssimos. Mas eu tenho fé em Deus que algum dia alguém político vai pensar como eu e vai mudar essa estratégia pra melhorar a situação do Vale do Ribeira. Hoje nós somos o pulmão do estado de São Paulo e não ganhamos nada em troca As outras regiões todas se desenvolveram, o Vale ficou esquecido. Só que hoje o Vale é de suma importância Por causa da área verde, preservação, e quem preservou o Vale não foram as leis, foi o povo, o próprio povo daqui, porque o caipira aqui ele sabe que ele não pode desmatar nascente, porque se não vai acabar a água... Entendeu? Não pode fazer determinadas coivaras, porque acaba com o solo. Então foi uma educação própria daqui que preservou, não foram as leis. Agora, as leis vem pra atormentar a gente: não pode fazer nada, se você tiver o pasto alto não pode roçar... Hoje, preserva-se ninho de papagaio que... Não sei se você sabe desse caso: a BR116 não é duplicada na serra por um absurdo que teve um fanático naturalista que diz que viu um ninho de papagaio de bico roxo e até hoje não tá duplicada. Morreram quantas famílias, quantas pessoas morreram, perderam a vida, por causa desse maldito naturalista A Serra do Cafezal que chama aí, já era pra estar duplicada há muito tempo Aqui, no Vale do Ribeira, é difícil uma família que não tenha alguém que tenha morrido lá, na Serra. É difícil uma família de Curitiba e São Paulo que não tenha alguém que tenha morrido nessa Serra, por irresponsabilidade de um cara radical. P/1 – ...Quem que é ele? R – Eu prefiro não comentar, mas se você procurar você vai ver, que é um político. P/1 – ...Mas tipo o que, governador? R – ...Não, era deputado. Denunciou. Aí o Ministério Público acatou e tá aí, não tem licença ambiental, agora autorizaram a fazer 200 quilômetros, mas o trecho crucial da Serra vai ficar sem duplicar. Entendeu? E isso o que é que acontece? Pra nós daqui do Vale do Ribeira, pra nós que mexemos com turismo, dificulta. Tem dia que demora oito horas pra vir de São Paulo aqui Você acredita nisso? Por irresponsabilidade De políticos e de naturalistas, ambientalistas. P/1 – Seu Toninho, voltando um pouco aqui: quando é que o senhor criou essa pousada...? R – Há 13 anos eu tava pra aposentar e resolvi fazer uma casa pra eu descansar. Eu tinha um sítio, como eu já falei, foi herança do meu pai, aí resolvi começar a construir. Como não tinha dinheiro, eu fui fazendo aos poucos, eu mesmo construindo. Peguei um rapaz que não sabia nem ler, nem escrever pra me ajudar, o nome dele é Jordão. Aí ensinei ele a ler e a escrever e ensinei a profissão pra ele, inclusive. Ele ia trabalhando junto comigo. Hoje, graças a Deus, ele é pedreiro e construtor na cidade de Ilha Cumprida. E ele me ajudou a construir essa casa. A casa não estava acabada e eu estava com visita. Tinha 40, 50, 60, 70 pessoas no final de semana aqui. Aí comia e bebia minhas coisas e minhas coisas iam embora. Aí teve um amigo que falou: “Escuta aqui, como é que você vai terminar essa casa se todo o pessoal vem, como e bebe, levanta o rabo, vai embora e não deixa nada, deixa sujeira pra você. Por que você não começa a cobrar?”. Falei: “Rapaz, sabe que você me deu uma idéia”. E aí comecei a cobrar e das pessoas que vinham, nunca mais vieram. Os meus amigos entre aspas e alguns parentes entre aspas também, nunca mais vieram Agora, aí como eu tinha essa vontade de desenvolver o Vale do Ribeira e com a Caverna do Diabo aqui em Eldorado, que já tinha um fluxo de turismo na época, nós fizemos um movimento e conseguimos transformar, a cidade em Estância Turística. Numa época que eu morava até em Registro. Como eu trabalhava na chefia da polícia civil, eu tinha muito contato com as Câmaras de Vereadores, e prefeitos, aí ficou fácil de fazer um trabalho com eles. E junto com o prefeito de Eldorado, que é o atual prefeito, inclusive, que na época era o Zetinho, e nós conseguimos passar então pra Estância Turística. Aí eu me vi na obrigação de voltar pra cá e fazer alguma coisa, aí comecei aos poucos a construir a pousada, que nós estamos nela hoje. E me orgulho pra falar pra vocês que foi mais com reza e com benção de Nossa Senhora da Guia que eu construí, do que com dinheiro, porque foi um sacrifício e é um sacrifício danado Eu era funcionário público. Trabalhei, trabalhei, trabalhei... Comia cesta básica, tá, pra poder adquirir o que eu tenho hoje. É simples, é modesto, mas o coração da gente é grande, é acolhedor e hoje eu não tenho uma pousada, eu tenho uma fábrica de fazer amigos, que graças a Deus, todas as pessoas que aqui vem, convivem com a gente, retornam, trazem amigos, indicam amigos, inclusive de estrangeiros, a gente tem retorno de várias famílias que já estiveram aqui da França, de Portugal, da Alemanha... Da Malásia, da Inglaterra, do Japão... Que já retornaram aqui e trouxeram mais gente, trouxeram famílias e tal... Então é muito gratificante isso, sabe? A gente poder receber e receber bem as pessoas, massageia o ego da gente, é gostoso P/1 – Seu Toninho, o senhor é músico? R – Eu toco alguma coisa... P/1 – ...Quando que o senhor começou a tocar? R – …Desde os 14 anos. A princípio eu tocava violão. Sete anos, meu pai deu um... Não, sete não, nove anos... Meu pai deu um cavaquinho pro meu irmão e um violão pra mim, aí eu aprendi sozinho. Meu irmão não conseguiu aprender nada, e eu consegui aprender. Aí depois de uns 16, 17 anos, eu comecei a tocar cavaquinho. Aí o meu avô, o pai da minha mãe, tocava bandolim, eu olhei, olhei, falei: “Ah, vou começar a tocar também”. Peguei um bandolim e comecei a tocar, aí nós formamos uma bandinha. E começamos a fazer brincadeiras e tal, aí se tornou maior, fizemos bailes, vários shows e profissionalmente eu tocava, eu ganhava mais como músico do que como investigador de polícia, pra você ter uma idéia. Pra poder fazer as faculdades, era com música que a gente trabalhava, tocando nos finais de semana, porque só o salário da gente não dava pra fazer faculdade, entendeu? É uma luta, mas sem luta não há vitória. P/1 – O senhor já falou de vários momentos marcantes, mas conta um momento marcante seu na história da cidade de Eldorado...? Que teve da Santa mas...? R – Eu acho que foi o da Santa, pra mim foi. Chegar na cidade e mais de três mil pessoas me esperando, todo mundo chorando, contente, uma alegria geral, até evangélicos...Entendeu? Ficaram agradecidos... As velhinhas... Todo mundo me abraçava... Eu fiquei, assim, meio tonto por uma semana, eu não acreditava naquilo. E em Minas foi a mesma coisa: quando nós fomos levar os santos de Minas de lá, as velhinhas carregavam os santos me carregavam lá também, gostoso Mas tudo que a gente faz com amor na vida, dá bons frutos, dá resultado. P/1 – Há quanto tempo você é casado? R – Eu fui casado no primeiro casamento 16 anos. Eu tenho três filhos. E com a Tânia, a minha atual esposa, companheira, nós estamos há 21 anos. E eu ajudei a criar os dois filhos dela, que eles vieram morar com a gente, o mais velho tinha quatro anos, hoje graças a Deus são formados, um é psicólogo, o outro faz análise de sistemas. Tenho um filho que é engenheiro eletro-eletrônico, tenho uma filha que é fisioterapeuta e o mais velho que é cabeleireiro. Não moram nenhum deles aqui. Moram dois em Peruíbe, um em Mogi das Cruzes e dois em São Paulo. P/1 – E qual que é sua rotina hoje? Que lugares da cidade o senhor vai, o que é que o senhor faz...? R – Olha, isso aqui prende muito a gente, viu? Mas eu costumo fazer as compras na cidade... Eu tenho por mim que todo o dinheiro que eu ganho aqui, eu giro aqui na cidade. Eu não saio daqui pra fazer compras, então eu vou no supermercado, na padaria, no açougue... Eu pago mais caro, mas eu movimento o dinheiro todo aqui, é um objetivo meu, circular um pouco mais aqui, pra dar mais emprego e gerar mais renda pro pessoal. Aqui, a manutenção do local prende muito a gente, sabe? Eu tenho que roçar, tenho que manter limpo.. Tem a manutenção de televisão que estraga, fechadura que estraga... Então é muito envolvente, sabe? É uma atividade que não te deixa parado, não te deixa pensar em tristeza, não dá tempo E isso é bom Eu acho que eu remocei depois da pousada, que eu comecei a trabalhar pra mim. Antes eu trabalhava pra os outros. E, graças a Deus, tá dando certo P/1 – O senhor participa de alguma entidade aqui da região, tem algum trabalho ligado diretamente...? R – Religioso você fala? P/1 – Não, sei lá, alguma entidade... R – Eu sou ligado à Santa Casa de Eldorado, sou um dos membros da entidade. Eu sou membro também do asilo dos velhos, lá dos velhinhos de Eldorado. E a maior entidade que a gente participa é da coletividade em geral, não é uma específica. A gente podendo ajudar, colaborar, a lei é essa: ajudar, atrapalhar jamais. Sou ligado também ao Conselho de Turismo da cidade. Porque o objetivo nosso agora é trazer turista pra conhecer as belezas naturais, que nós temos uma exuberante natureza Nós temos aqui além da Caverna do Diabo que é o carro chefe de turismo, mas as cachoeiras que nós temos aqui, as nascentes de rio, nas cabeceiras de rio, o próprio Rio Ribeira... Isso aqui é maravilhoso, não tem poluição Graças a Deus a gente vive em paz ainda, o índice de homicídio é praticamente zero aqui, de roubo, de furto, graças a Deus ainda existe paz aqui Se alguém me escutar: “Vem conhecer, merece ser conhecido: Eldorado. Estância Turística de Eldorado, terra da Caverna do Diabo e a terra que promete ainda muita coisa boa pra população, não só de Eldorado, mas a população que venha visitar aqui”. P/1 – E a história da bala que o senhor estava contando lá fora...? R – Olha, até hoje, quando e vai fazer alicerce pra casa, ou vai fazer alguma escavação, de vez em quando se acha bala de fuzil, que pertenceu à Revolução de 32 Eu tenho até pra mostrar pra vocês, depois eu vou mostrar pra vocês Eu tinha uma bala de canhão aí que foi encontrada há pouco tempo, faz mais ou menos um mês e meio. Eu tava na praça e veio um rapazinho e falou: “Ô, seu toninho, o senhor que foi polícia, o que é que é isso aqui?” - um molequinho mesmo. Eu falei: “Ah, isso aí é uma bala de canhão”. “Meu Deus do Céu, vai explodir”. Falei: “Não, não vai explodir”. “Mas posso vender pro ferro velho?”. Falei: “Mas você vai vender isso aí?”. “Vou”. “Quanto você quer?”. “Cinco reais”. “Pegue 20, me dá aqui”. Tá aqui comigo, uma bala de canhão. E da Revolução de 32. P/1 – Por que aqui foi palco...? R – Foi palco da Revolução de 32, o confronto dos paranaenses e dos paulistas, na Praça de Xiririca na época. Hoje Eldorado. P/1 – Seu Toninho, qual que é o seu maior sonho hoje? R – Hoje? Eu gostaria de ter maior estabilidade, pra eu poder ajudar as pessoas que merecem ser ajudadas. Seria uma realização pessoal, tô falando. Eu vejo uma juventude com uma carência de cultura, de sabedoria, de conhecimento... Sabe? E eu gostaria de ter, assim, de ser um pouquinho mais abastado pra eu conseguir transformar o meu sonho que é ter uma casa de atendimento às pessoas carentes, esse era o principal objetivo meu aqui quando eu comecei, sabe? E dentro da polícia, eu consegui, graças a Deus, recuperar vários drogados, tinha um trabalho social com famílias que estavam separadas, que o marido brigava com a mulher, sem fazer um boletim de ocorrência, eu fazia atendimento e fazia conciliação, fazia planejamento familiar... Até o que tinha que comprar pra dentro de casa, em termos de sapato, de roupas pra crianças, de litro de pinga pro marido, de leite pra mulher... Era assim: arroz, feijão... Eu fiz um trabalho e eu gostei. Paralelo com o da polícia. E surtiu efeito, porque quando eu percebia que era católico, eu encaminhava pra comunidade católica pra acompanhar junto comigo. Quando era crente eu falava com o pastor: “Ó, na sua comunidade tem um casal assim, assim, assim, então o senhor acompanhe que eu acompanho daqui também”. Aí eu fazia intimação pra ir na delegacia mês a mês pra ver como é que tava e tal. Trabalho gostoso, entendeu? Realiza a gente Você poder contribuir com o bem da pessoa. E a vida, apesar dos percalços, a vida é bela, a vida é boa, é saudável Nós que deixamos de lado as coisas boas às vezes, e vão procurar longe, você não precisava procurar... P/1 – ...Seu Toninho, o que o senhor acha da experiência de estar dando depoimento pra esse projeto, e um projeto como esse de contar a história das cidades a partir da história de vida dos moradores...? R – Eu acho muito importante, porque muita coisa que ocorre na vida das pessoas não tem um registro e se perde no tempo. O homem esquece muito fácil das coisas e quando tá registrado é que nem uma fotografia, você olhando você relembra. E tem muitas pessoas que pensam que a gente é de um jeito, e a gente é totalmente diferente, não é verdade? Faz uma idéia e não é assim. Então eu acho que é importante, não só conhecer a história, mas conhecer as pessoas também, a essência delas, como elas são. E fica um marco da existência da pessoal e a passagem por essa vida. P/1 – Tem algum... Deve ter milhares, mas tem alguma outra coisa, outra história que o senhor queira deixar registrada e que eu não perguntei? Deve ter vários... R – Tem... Vários... Olha, em termos de vida, a experiência funcional, como policial, eu tive várias experiências, cada caso é um caso Cada caso de esclarecimento de roubo, de furto, de homicídio dá um livro Essa é a grande verdade, então eu não me atenho a um fato, assim, mas são vários casos que marcaram, inclusive pra mim, como pessoa, como profissional. Crimes passionais. Crime de estupro... P/1 – Aqui tudo em Eldorado? R – Não, eu trabalhava na região toda. E como aí a BR116 é um caminho do Mercosul. Onde passa todo tipo de coisas, inclusive bandidos, então a gente tinha problemas também. Tinha problema com prostituição na estrada, beira de estrada... Furto de carga... É, vários... P/1 – … Qual foi um caso, assim, que marcou o senhor aqui...? R – Um caso que me marcou foi um caso que seria: foi encontrado um corpo de uma menina entre a divisa de Registro e de Pariquera Sul. E a princípio seria um atropelamento. E quando eu fui ao necrotério eu percebi pelos vestígios que era esquisito aquilo. Aí eu fui fazer uma investigação lá. Nós enterramos à meia cova porque não tinha identificação na época, da menina, aí comecei a fazer investigação e descobri quem era a pessoa, a vítima. E através de uma carteitinha da Golden Cross que eu achei depois no local onde foi encontrado o corpo, eu fui lá revirar e achei uma carteirinha da Golden Cross, eu consegui saber de onde ela era e aí foi feita uma investigação, foi, assim, um namorado dela que tinha matado ela a pedido do próprio padrasto dela, famílias tradicionais de Curitiba. A menina foi pega no orfanato, propositalmente pra passar os bens da família, no nome da menina que era menor, porque tava abrindo falência, então envolveu, assim... Foi uma investigação que eu tive que passar por barbeiro, passar por professor universitário, tive que passar por aluno de cursinho, eu fui trabalhar como torneiro mecânico pra descobrir o relógio de ponto do dia do cara suspeito pra saber se tinha batido o ponto ou não... Entendeu? Fui na aeronáutica, me alistei na aeronáutica pra como se fosse pra eu cortar o cabelo dentro da aeronáutica, do barbeiro do sargento, que era padrinho, seria padrinho... P/1 – ...E o senhor seguia se disfarçando...? R – Ah, sim, você tem que se disfarçar de várias formas pra você cosneguir o objetivo, se não você não consegue. E eu nunca me identifiquei: “Eu sou policial”, não, não. Eu sempre humilde... Tá? Graças a Deus eu nunca precisei dar um tiro em ninguém, e prendi várias quadrilhas, vários criminosos, vários bandidões, hein? P/1 – ...Seu Toninho, qual foi o maior caso de investigação que o senhor fez em Eldorado...? R – Em Eldorado teve caso de homicídio, que a gente conseguiu esclarecer. Furto de automóvel. É... Agora, em Registro, aí teve muitos casos Muitos Aqui é pouca coisa. Graças a Deus ainda é paz . P/1 – Ah, eu acho que deu. Foi ótima a entrevista R – Opa Eu agradeço P/1 – Eu agradeço R – ...Só tenho que agradecer a presença de vocês aqui e desculpe a gente ser humilde, mas nosso coração é aberto, tá? E, ó, se tiverem me ouvindo, não esqueçam: Eldorado existe, Estância Turística existe Berço de Nossa Senhora da Guia e tem a Caverna que é só o nome que é do Diabo, é maravilhosa a caverna, é coisa divina É só o nome que é fantasia, mas é coisa divina Venha conhecer Ah, e deixa eu aproveitar: e se hospedem aqui na Pousada Recanto Encontro das Águas P/1 – Muito bom, muito bom...
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