Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Itamar Tremembé
Entrevistado por Merremii Karão Jaguaribaras e Iraê Tremembé
Entrevista concedida via Zoom (Aratuba/Itarema (CE)), 10/03/2023
Realizada por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: ARMIND_HV046
Transcrita por Mônica Alves
P/1 – Bom, pai. Vamos dar início a entrevista. Qual é o seu nome?
R – José Itamar Teixeira Barbosa
P/1 – O senhor tem nome indígena?
R – O meu nome Itamar, no Tupi, quer dizer; pedra sagrada. Todo Ita é pedra, e o Mar para nós da cultura Tremembé é sagrada. Então o meu nome é Pedra Sagrada.
P/1 – O senhor sabe como é que foi escolhido esse nome?
R – Olha, o meu nome na realidade era para ser Ribamar, né. Quando a minha mãe foi me ter, ela teve muita dificuldade. E aí entra a parte mística da cultura Tremembé; a minha avó era cachimbeira, só que eu não tive a felicidade de ser pego por ela, porque ela faleceu antes de eu nascer, mas o meu avô ficou com muitas experiências. E quando a minha mãe estava me tendo, e tendo dificuldade no parto, ele fez uma troca, né. Não é bem esse pedido de… não é bem um pedido de sacrifício, mas uma troca; se eu nascesse, de fato viesse nascer com mais rapidez o meu nome ia ser Ribamar, tudo ligado ao mar. E de fato, assim que ele fez o pedido para os encantados, para as entidades que de fato a gente cultua, eu vim a nascer. Mas na hora de colocar no cartório, o escrivão fez uma besteira lá, ou não, não sei né, trocou, ao invés de colocar Ribamar, colocou Itamar. Eu não acho que foi besteira não! Sou muito grato por esse erro dele, porque eu acho que é um nome até mais bonito. O povo ao que eu pertenço, é o povo Tremembé. Tremembé aqui do Estado do Ceará. Nós estamos em três municípios aqui do Estado do Ceará, mas estamos também no Maranhão em duas cidades que eu não vou lembrar o nome agora.
P/1 – Ok. Onde e...
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Entrevista de Itamar Tremembé
Entrevistado por Merremii Karão Jaguaribaras e Iraê Tremembé
Entrevista concedida via Zoom (Aratuba/Itarema (CE)), 10/03/2023
Realizada por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: ARMIND_HV046
Transcrita por Mônica Alves
P/1 – Bom, pai. Vamos dar início a entrevista. Qual é o seu nome?
R – José Itamar Teixeira Barbosa
P/1 – O senhor tem nome indígena?
R – O meu nome Itamar, no Tupi, quer dizer; pedra sagrada. Todo Ita é pedra, e o Mar para nós da cultura Tremembé é sagrada. Então o meu nome é Pedra Sagrada.
P/1 – O senhor sabe como é que foi escolhido esse nome?
R – Olha, o meu nome na realidade era para ser Ribamar, né. Quando a minha mãe foi me ter, ela teve muita dificuldade. E aí entra a parte mística da cultura Tremembé; a minha avó era cachimbeira, só que eu não tive a felicidade de ser pego por ela, porque ela faleceu antes de eu nascer, mas o meu avô ficou com muitas experiências. E quando a minha mãe estava me tendo, e tendo dificuldade no parto, ele fez uma troca, né. Não é bem esse pedido de… não é bem um pedido de sacrifício, mas uma troca; se eu nascesse, de fato viesse nascer com mais rapidez o meu nome ia ser Ribamar, tudo ligado ao mar. E de fato, assim que ele fez o pedido para os encantados, para as entidades que de fato a gente cultua, eu vim a nascer. Mas na hora de colocar no cartório, o escrivão fez uma besteira lá, ou não, não sei né, trocou, ao invés de colocar Ribamar, colocou Itamar. Eu não acho que foi besteira não! Sou muito grato por esse erro dele, porque eu acho que é um nome até mais bonito. O povo ao que eu pertenço, é o povo Tremembé. Tremembé aqui do Estado do Ceará. Nós estamos em três municípios aqui do Estado do Ceará, mas estamos também no Maranhão em duas cidades que eu não vou lembrar o nome agora.
P/1 – Ok. Onde e quando você nasceu?
R – Bem, eu nasci em uma praia chamada Baleia. Eu não nasci na terra indígena que eu resido hoje, por conta que a minha família, na década de 1960 foi expulsa. E eu consegui nascer em uma outra terra indígena, que é a Barra do Mundaú. Por conta da expulsão a gente foi pra lá, para Baleia, então eu consegui nascer lá na outra terra, Baleia, que está há uns 120 quilômetros da aldeia onde eu resido hoje.
P/1 – Ok. Qual é o nome da sua mãe?
R – Maria Angelita Teixeira Barbosa.
P/1 – Como você a descreve?
R – Ah, eu a descrevo como uma mulher muito guerreira, muito destemida, uma pessoa forte demais em todos os sentidos. Um Mourão, como dizia o pai, “A minha mãe é um Mourão!”. Para quem não sabe o que é um Mourão; é uma tora forte, enfiada na terra como se fosse uma rocha.
P/1 – Você poderia me falar um pouquinho da origem dessa parte da sua família? Da parte da sua mãe?
R – Tanto da parte da minha mãe, como da parte do meu pai, porque eles são primos né, são primos legítimos. Então assim, é uma família… a minha mãe e o meu pai, eu não posso nem separar, porque são um pessoal assim, muito guerreiros, destemidos se sempre assim, muito ligados. Muito ligados à natureza, muito ligados à terra, muito ligados à agricultura. Boa parte da minha formação como ser humano, como indígena que sou, vem dos ensinamentos desta família, desta família Teixeira e que está ligada à ancestralidade, está ligada à agricultura. A agricultura é como se fosse um dos elos do passado e do presente. A agricultura pra mim foi ensinado que é essa… na agricultura a gente consegue se identificar na nossa ancestralidade com a nossa realidade de hoje. Então assim, muitos dos ensinamentos da minha família que ficou para mim e que eu pretendo deixar para os meus filhos, é esse repasse do cuidado da terra que é muito forte na minha família.
P/1 – O senhor poderia me falar um pouco sobre o seu pai?
R – Meu pai, como ele é primo da minha mãe, então as mesmas atribuições e as mesmas características, as mesmas qualidades que eu atribuo a minha mãe, eu atribuo ao meu pai, né. Os dois, eu não consigo falar deles separados. Os dois, meu pai porque já não está mais presente, mas eu coloco sempre no… embora não esteja presente fisicamente, mas espiritualmente ele está muito presente. Ele foi, ele é e ele vai continuar sendo a maior inspiração para a minha família, né. Ele era uma liderança, uma liderança nata, né. E aí ele conseguiu passar para nós muitos valores, valores estes que nós vamos levar para toda a família, para todos os nossos filhos, os nossos netos, né. Porque ele foi uma pessoa muito desprendida de muitos sentimentos ruins, ele só tinha mais, só cultuava mais sentimentos bons, sobretudo sobre a natureza. Uma pessoa que se doou né, pelo local onde hoje a gente mora, a terra indígena Cordão Pedreira, que é uma terra hoje identificada, demarcada, homologada. Passou por todos esses processos e hoje a gente tem… a gente se sente livre, né. No território onde a gente já foi muito diminuído como ser humano, como indígena. Mas a gente se sente alegre em saber que teve o meu pai, Pedro Teixeira que fez uma luta, que travou uma luta contra os fazendeiros que… o meu pai não tinha medo de morrer, né. Ele não tinha medo de morrer nessa luta que ele travou para que hoje a gente tenha uma terra livre. Então o meu pai era um homem de muita garra e de muita veracidade, para mostrar a verdade ele morria.
P/1 – Ok pai. E você sabe como foi que eles se conheceram? O seu pai e a sua mãe?
R – Pois é. Como eles eram primos, eles cresceram… o meu pai era mais velho do que a minha mãe, quase 10 anos. Então é assim, como eles eram primos, desde muito cedo eles tiveram convívio familiar. Porque é muito comum nas comunidades indígenas a gente conhecer todo mundo e ter essa troca de vivências, mais próxima, de um visitar o outro, de um estar na casa do outro. Então assim, começou nessa coisa da família mesmo, de serem família, eles tinham a necessidade de estarem juntos. E até porque eles nasceram em uma época de muita opressão, que se fazia necessário estarem sempre juntos. Porque é dito até hoje que junto somos mais né, somos mais fortes. Então como eu falei, eles se reuniam muito, a família Teixeira e aí foi assim que eles se conheceram, né. O meu pai já tinha 10 anos quando a minha mãe nasceu, ele deu só uma seguradinha, aí no futuro eles casaram, né.
P/1 – Ok, pai. Pai, o senhor tem quantos irmãos?
R – Tenho sete, sete irmãos. Inclusive o mais velho é mudo, não tem fala, né.
P/1 – Ok. Como é a sua relação com eles?
R – Eu sou liderança, né. Eu herdei as coisas do meu pai, foi passado para mim, não por herança, mas também por minha atitude, porque eu cresci em um espaço onde foi um laboratório para mim. Então assim, a minha relação com os meus irmãos eu tento fazer o mais pacífico possível, né. É claro que de vez em quando, como a gente é uma família, e estamos todos muitos próximos, por uma questão ou por outra a gente se arranha, mas aí foi ensinado para a gente o seguinte; a gente não está passando uma chuva aqui, então a gente tem que deixar aqui as nossas vivências e os nossos laços, então mesmo que a gente se arranhe, a gente tem a necessidade de no outro dia fazer essa limpeza desses arranhamentos e tocar o barco pra frente. Então é uma relação onde a gente tem que dizer as coisas, a gente tem que ouvir, mas a gente tem que seguir em frente.
P/1 – Ok. Pai, o senhor gosta de ouvir histórias? O senhor se lembra quem lhe contava essas histórias? Quem lhe conta essas histórias?
R – Histórias foi o que eu mais ouvi na minha vida. Porque a minha família, ela não tinha escrita, né. Nós tínhamos e temos até hoje muito forte, isso não é uma prerrogativa só nossa, de vivência, é uma prerrogativa dos povos indígenas, nós temos a oralidade. E como a gente também não tinha atrativos como tem hoje, televisão, celulares, então era muito comum se fazer uma fogueira e começar a contar uma história. O pessoal contava história e diziam que era de Trancoso, que a gente… os mitos as histórias da gente, o mito de criação dos Tremembés e as histórias mal-assombradas que os nossos tios, os nossos parentes… não só os nossos parentes, mas aquelas pessoas que participavam daquela fogueira, começavam a contar. Sobretudo em noites em que a gente ia debulhar beijão. Então eu ouvi muitas histórias da minha família.
P/1 – Quais histórias que você escutou que te marcaram e que você pode contar aqui um pouquinho dessa história pra gente?
R – Olha, uma história que me marcou, a que mais me marcou, foi a história da excursão da minha família, da terra indígena na década de 60, na época da ditadura, onde a minha família apanhou, tiveram as casas queimadas, tiveram que deixar o território que hoje nós habitamos. Nessa época eu não era nascido ainda, mas essas histórias de expulsão, de sofrimento e de resistência, foram as que mais me marcaram. Foi a que mais me marcou!
P/1 – Ok. Agora a Merremii vai conversar com o senhor.
P/3 – Merremii, posso fazer uma pergunta antes?
P/2 – Pode sim, fica à vontade.
P/3 – Depois você fala mais perto da câmera. Itamar, você disse que o seu pai, ele tinha uma relação muito forte com a natureza e também que a agricultura é o ela que traz todo o conhecimento. Você pode explicar um pouquinho pra gente, ou dar algum exemplo, assim, sobre esses conhecimentos, sobre a agricultura, esses conhecimentos ancestrais? Dar um exemplo, alguma coisa que o seu pai falava pra vocês, como você achar melhor falar.
R – Bom, a agricultura, ela é trazida para o Ceará e nós, nós Tremembés fomos forçados a aprender, né. Fomos forçados a aprender, porque a agricultura daquela época era pensada, não dá subsistência das pessoas, mas na criação de gado. O Ceará foi o primeiro Estado a criar gado. Então essa história de dizer que o Rio Grande do Sul é pioneiro nessa história do churrasco, não é não. Quem primeiro fez charque, foram os cearenses né, fomos nós. E nós aqui da região norte, aqui mais no litoral, nós sofremos muito para aprender, só que quando a gente aprendeu a fazer agricultura, a gente usou a agricultura ao nosso favor, né. Aí começamos a traçar as experiências e observar como é que se comporta a agricultura e o meio onde a gente vive. Então assim, primeiro que o meu pai sempre disse que a vida da gente é uma plantação, “Se planta, logo colhe”. “Se planta milho, jamais vai colher feijão”. Então eu trouxe isso para a minha vida como um ensinamento assim, com vários sentidos. Temos que plantar coisas boas, para colher coisas boas, né? E a agricultura, ela nos ensinou a observar, sobretudo sermos bons observadores. Não dá para plantar batata numa terra árida, temos que ir para a terra olhada para plantar a batata. Trazendo para a vida da gente que a gente tem que primeiro observar, para depois fazer qualquer coisa. Não dá pra gente sair plantando qualquer coisa em qualquer lugar, nós temos que observar para poder plantar. Então isso foi uma das coisas que mais me marcou da agricultura e que meu pai sempre colocou: “Observe, a observação às vezes faz a diferença. Às vezes não, sempre faz a diferença”. E ele era um observador, dizia: "Meu filho, nós vamos fazer uma roça, em um local onde não é bom para isso, mas é bom para aquilo. Então não adianta a gente está insistindo no que não é bom, a gente vai insistir no que é bom”. E para a vida da gente serve, do mesmo jeito que serve para a agricultura, serve para a vida da gente. Temos que primeiro sermos bons observadores.
P/3 – Obrigada!
R – Disponha.
P/2 – Seu Itamar, fale um pouco da cultura de seu povo. Como são os rituais e as vivências?
R – Bom, um dos principais rituais… nós temos três rituais. Um dos principais rituais é o torem, né. Torem é uma dança milica, que celebra a natureza, olha aí a natureza aparecendo de novo, então é um pouco diferente do toré, né. Não é que a gente não tenha ligação com os encantados, nós temos ligação com os encantados, mas os nossos cantos, eles são todos celebrando a natureza. Aí, nós temos a aranha, aranha é uma espécie de coco, é um canto rimado e a dança é diferenciada da… se diferencia um pouco do torem, é uma dança rodada a aranha. E também temos… nós temos um coco também que é rimado e que é dançado. E temos um outro, que eu não vou lembrar o nome agora, porque eu tive Covid, tive Covid duas vezes e uma das coisas que me afetou foi a memória. O caçado, pois é, agora lembrei, o caçador também é uma dança que também é rimada e que também se dança rodando, né. Então assim, os rituais são esses quatros. O torem não é só um ritual, ele é pra mim uma religião, porque se você for analisar, a gente que é Tremembé, analisando o torem, ele passa uma mensagem muito grande de partilha, né. O canto de celebração, o canto que fecha uma partilha, que é o cuiambá, que na língua quer dizer partilha, então nós partilhamos. Não é uma dança fúnebre, a gente não dança quando está triste, nenhuma delas a gente celebra tristeza, nós só celebramos a alegria. Temos uma questão ainda muito grande com a questão da cura, nós temos a cura com ervas, nós temos a cura com animais, nós temos a cura passada pelos ancestrais. Você imagina que até no dia de hoje a gente mata praga? As nossas pragas nas nossas lavouras, nos nossos animais, bicheiras, a gente mata com a reza que os ancestrais ensinavam para nós. Isso é um dos pontos mais fortes que nessa cultura ocidental ainda não conseguiu matar. É claro que há essas… nós somos muito… tem muitas investidas nesse mundo evangélico, de dizer que isso é errado, que não pode, mas foi assim que a gente sobreviveu. Você imagina só há uns… vamos trazer, há uns séculos que a gente não tinha uma série de coisas como tem hoje, a gente tinha que sobreviver a partir das nossas observações, a partir das nossas necessidades. No fundo da minha casa, no quintal da minha casa, casa do Iraê, tem uma árvore chamada jenipapo, que aí na serra deve ter também, de aratuba, que a gente quando quebrava nosso coco, a gente colocava em cima e ele conseguia juntar, você sabe disso, não é, Merremii? Então uma pessoa perguntou uma vez por quê: “Como vocês encontraram essa árvore que tem esse poder?” Eu digo: "Tudo a partir da observação”. Alguém colocou, alguém no passado teve uma quebradura e começou a colocar uma coisa ou outra, até que achou a árvore que fazia, que sanava essas quebraduras. Então foi a partir daí. Por isso que eu coloco sempre que a observação é a base de tudo.
P/3 – Quais os conhecimentos que foram repassados de vocês de geração em geração dentro da cultura de seu povo? E quais são as lembranças que o senhor tem do tempo de criança?
R – Cara, o que foi repassado, como a gente mora em uma área de mata, uma das coisas que foram repassadas e que até hoje a gente tenta manter é a obediência ao nosso sagrado, né. Das coisas que são muito no nosso meio ainda, é a obediência sobre o que a gente ainda não pode tocar o serrote sagrado né, que a gente passa de geração para geração. E ligado a isso, as nossas vivências quando criança, de colher frutos que não se tem hoje, se tem são pouquíssimos, e olha que eu moro em uma área que tem muita fruta silvestre, agora mesmo a gente passou por um murici. eu fui com a família, eu fui com a família… o murici é uma fruta que só tem aqui no Ceará e no cerrado. Então o nosso murici é uma coisa assim, né. Aí eu peguei uma família e fui, aí eu fiquei ali querendo sofrer né, aquela coisa, sofrer não, que não é sofrer, reviver não é sofrer, mas eu fiquei assim, meio melancólico me lembrando da minha infância, que a gente saía para procurar o murici, para fazer o aluá, para comer com farinha, né. Que é gostoso demais.
P/2 – Seu Itamar, o que é um serrote? Você pode explicar, por favor?
R – Bom, o serrote é uma parte onde é concentrada a maior quantidade de plantas medicinais, que a gente guarda. A nossa demarcação, a nossa… é toda baseada no serrote, porque além dele guardar a marca que guarda… e é uma marca de pedras pequenas, né. Aí algumas pessoas podem dizer: “Ah, mas vocês não cultuam a agricultura porque é pedra!”. É não! É pelo valor que ele tem, não é pela ineficiência de ser roça e não da agricultura, é pelo valor que agrega ao serrote. O serrote além de agregar todas as plantas, a maior parte, 90% das plantas medicinais que nós usamos, também a gente acredita que a morada dos nossos… nossa, a nossa morada, quando a gente não está aqui mais fisicamente, então a gente não toca. Se você tirar alguma coisa de lá, é para uso medicinal. Ainda tem mais uma questão, quando alguém desobediente toca no serrote, nós adoecemos.
P/3 – Itamar, você lembra da casa onde passou a sua infância? Como ela era? Como o senhor convivia lá? Tinha alguma brincadeira a qual o senhor gostava mais de fazer dentro do seu terreiro, da casa, do local?
R – Oh, como eu fui expulso, como minha família foi expulsa da terra, nós passamos a viver, como se diz aqui no Ceará, perambulando. A gente ficava um tempo em um canto, um tempo em outro. Aí eu não tenho muitas referências das casas, porque eu vivi também na cidade, né. Não tenho muitas referências das casas, mas nós tivemos a felicidade de voltar para a terra indígena em 87 e eu já voltei com 13 anos. Então assim, o maior divertimento que a gente tinha naquela época, eram os domingos. A gente juntava uma meninada e saía para catar frutos. Seria a _________, outras frutas, que agora quando precisa não vem na cabeça da gente, ameixa, gabiroba. Então quando reunia esse pessoal para fazer isso, era sempre muito bom, porque tinha aquela disputa de quem catava mais, quem catava menos. Então essas coisas assim, foram que… era uma colheita, mas que a gente encarava como brincadeira, porque assim, divertia a gente, entendeu?
P/3 – Sabemos que hoje, na atualidade, a gente convive muito com a questão da indústria, né? O senhor poderia falar um pouco como foi a reação do seu povo com a chegada da indústria, das tvs, dos celulares?
R – Posso. Olha, é o seguinte. A primeira coisa que impactou o local onde a gente pertence, a terra que a gente pertence, foi a energia. A energia impactou muito, porque não demorou nada, a gente tinha duas coisas dentro de casa que vão impactar a gente fisicamente e economicamente também, que vai mudar a nossa gastronomia. Nós temos uma gastronomia própria, que a gente tenta manter, mas que a concorrência é muito desleal. Porque logo que teve a energia, a gente comprou duas coisinhas que são, que foram impactantes para nós, que foi a geladeira e a televisão, porque, né? O freezer? A televisão manda comprar, as propagandas eles mandam comprar, os velhos são todos interativos, né. Eu lembro até hoje de uma propaganda que dizia assim: “Compre batom, compre batom”. Então assim, um manda comprar e o outro é o local de estocar. Então a gente não tinha necessidade de ir no açude, no córrego e está pegando 5, 6, 7, 8 peixes, a gente só pegava o que era necessário. Embora nós tivéssemos já o sal, né. Mas a gente não tinha necessidade de estar estocando. Com a televisão e a geladeira, a gente começou a estocar e começou também a mudar os nossos hábitos alimentares. A gente hoje, não perde mais o nosso tempo fazendo um fubá, a gente vai no comércio e já compra o milho próprio, que não tem o mesmo efeito, não tem o mesmo gosto e que a gente sabe que é prejudicial para a nossa vida. Hoje a gente não faz mais um suco, e olha que nós temos uma variedade muito grande, né. Eu estou sendo exagerado? Eu estou falando… não, eu estou sendo exagerado. Pela grande maioria, não faz o que eu estou dizendo, mas 30% já é muito prejudicial para nossa saúde. A gente não faz mais um suco de caju. A gente vai comprar só o geral, que é uma coisa que é feita de caju, mas que já sofreu uma transformação e que no futuro nós vamos nos tornar pessoas obesas e doentes. Então a indústria, a energia, essa coisa todinha. Esses aparelhos domésticos, eles mudaram demais a nossa vida. Sem contar que até a quem nós pertencemos, é uma terra que há bem pouco tempo, a gente não envia uma sacola plástica, a gente não via um papel de chiclete. Hoje, desde os cinco anos, a gente vê uma coisa assim. Embora a escola tenha o papel de colocar todas essas questões, da gente proibir nas nossas festas qualquer coisa que seja enlatado, qualquer coisa que seja pet, né. Mas assim, não é suficiente, porque a gente passa só oito horas, quatro horas com os alunos, com os estudantes e a grande maioria é olhando um celular. Porque hoje tá essa coisa febril, todo mundo tem um celular, as crianças de dois anos têm o celular. E o nosso grande enfrentamento, o nosso grande desafio hoje é, como educador, é saber conciliar, não negar tudo isso que está acontecendo, mas saber conciliar, para que isso não seja prejuízo no futuro para nossa comunidade.
P/3 – Na cultura de seu povo, o senhor foi preparado para assumir alguma função específica?
R – Sim. Eu sou liderança, né. Eu sou professor, antes de ser professor sou liderança. E o laboratório para ser liderança foi conviver com o meu pai, conviver com a minha família, com os meus tios, né. Porque assim, não tem laboratório melhor do que você observar o seu pai, a sua família, seus irmãos mais velhos. Isso prepara qualquer pessoa para enfrentar esse mundo, esse mundo que é tão desumano, tão desigual, mas que a gente precisa conviver com tudo isso.
P/3 – Obrigada seu Itamar! É como você, Iraê.
P/1 – Bom, pai, onde você estudou? Nem sempre foi em contexto, nem sempre foi dentro da aldeia a escola que você frequentou?
R – Na realidade eu só frequentei uns três anos dentro da aldeia, mais o conteúdo convencional, né. Aí eu estudei em vários municípios, porque nós tivemos uma peregrinação. Então eu estudei em Amontada, estudei em Itapipoca, aí voltei para a aldeia e na aldeia estudei também uns três anos o conteúdo convencional e depois fiz uma faculdade na UFC, Federal do Ceará em Fortaleza.
P/1 – Nessas escolas que você frequentou ao longo da sua infância, ao longo da sua vida, você se lembra de alguma história que te marcou?
R – Olha, tiveram alguns acontecimentos que eu conto hoje, não que me marcou né, não que tenha me marcado assim, mas assim, a vivência da escola, do passado para hoje, é algo que eu conto para os meus estudantes, né. Porque eu sou professor. Essa história do sofrimento, do querer estudar e você está disposto a todos os dias, andar seis quilômetros a pé, sem ter merenda, sem ter o lanche. Só tinha como atrativo tudo isso, a vontade. Então isso, não é que é bem uma marcação, eu não tenho isso como uma marcação, mas eu tenho isso, hoje, como uma coisa para ajudar, para ajudar os meus estudantes quando eles estão dizendo assim; “Ah, tudo está ruim, não sei o que, não sei o que. A merenda hoje não foi tão boa, faltou sal, não sei o que!”. Aí eu falo essa história de não ter merenda, de não ter um ônibus passando na porta, entende?
P/1 – Ao longo dessa caminhada, desses seis quilômetros andando a pé, dessa vida de estudante tão difícil que foi para você, você tem alguma amizade, algum professor que te marcou, que sempre estava ali contigo, com o senhor, né? Lhe dando algum tipo de força para continuar? Que você se lembre dessa pessoa?
R – Bom, dentro da terra indígena, em 1987, só tinha até o terceiro ano, a terceira série, e eu tive que ir para Itapipoca, em uma cidade bem próxima. Olha o nome, Itapipoca, Itapipoca quer dizer; pedra polida ou pedra lascada. E eu fui para lá, porque lá eu tinha parentes. Então eu conheci uma professora, eu tive o privilégio de estudar com uma professora chamada Doria. Ela já tinha uma certa idade, não era casada, era como a gente diz aqui no Ceará, “moça velha”. E ela me fez gostar, não é que ela me fez, eu já tinha uma aptidão, mas o toque dela, o jeito como ela me ensinava fez eu gostar de matemática, tanto que hoje eu sou professor de matemática, né. Fez eu gostar de matemática mais do que eu já gostava, isso na quinta série. Então a Doria me marcou demais. Eu só lembro esse nome, não lembro mais como era o restante do nome dela, mas me marcou muito.
P/1 – Ótimo, pai. Agora é com você, Merremii.
P/3 – Desculpa Iraê, te cortar. Eu vou fazer uma pergunta, aí depois você retoma, pode ser? Itamar, você disse que tinha uma vontade imensa de estudar, fazia todo esse empenho de… tudo isso que você falou. O que você buscava nessa escola? Porque tinha muito conhecimento, muito ensinamento na sua cultura fora da escola, então o que é que a escola poderia te trazer? Por que você queria tanto estudar?
R – Não é que eu tinha um sonho, esse sonho era tão meu, como era mais da minha família, das pessoas que nos cercavam, dos missionários, que era me tornar, eles me tornarem advogado. O que toda a vida eu quis ser mesmo, foi um bom agricultor. Mas aí tinha aquela história de dizer que eu tinha facilidade com as palavras, nem acho isso, que eu tinha facilidade com as palavras e que… e há uma carência muito grande, no Estado do Ceará, de advogados, nós temos advogados em rijo, acho que no máximo uns quatro advogados. E aí a história de eu estudar e não sei o que, não sei o que, era para me tornar advogado. Mas não era uma coisa tão minha, como eu lhe falei, eu queria mesmo era ser um bom agricultor. Por que ser um bom agricultor? Porque eu queria perpetuar, eu quero, eu não queria, eu quero! Perpetuar essa questão da agricultura. Eu quero levar para os meus filhos, o Iraê sabe disso. Eu quero levar para todas as gerações. Então essa coisa de estudar… é claro, para me tornar professor, não dava pra me tornar professor só com a experiência, a pedagogia da enxada. Porque uma vez, vou contar uma historinha aqui para vocês, pequenininha, bem rapidinha, eu gosto de contar histórias...
P/3 – Não precisa ser rápida não.
R – Eu estava… eu estava… até então, eu não tinha uma formação ainda, eu só tinha o magistério médio, eu não tinha formação superior. Eu estava em um evento, e a pessoa foi e disse assim: “Quem tem formação superior aqui?”. Aí eu estava com uns três camaradas da terra lá, da terra indígena, as três lideranças, e eu levantei a mão, aí a pessoa disse assim, olhou no meu crachá e disse: “Qual a sua formação, Itamara Tremembé?”. “Eu sou formado em pedagogia da enxada”. Aí ele ficou assim, e disse: “Mas aonde você se formou? Quem foram os seus professores? Qual a Universidade?”. Eu disse: “A Universidade foi a minha família, meus professores foi o meu pai, o meu tio, os meus irmãos, minha mãe”. E assim, ele ficou assim meio atordoado, mas disse: “E o título?”. Eu disse: “Professor, a única Universidade que você não precisa de um título para você exercer, você só precisa saber e ter carinho com aquilo que você aprendeu, para você poder repassar”. Esse cara ficou doido, aí ele não tinha mais com quem ele falar, tudo ele se virava para mim. Porque nós estávamos em uma coisa, falando justamente do meio ambiente, né. E nada mais justo do que falar do meio ambiente, é falar de uma agricultura, uma agricultura de subsistência né, que nós fazemos aqui e que a gente tenha todo o cuidado para não agredir, agredir a natureza. Então eu passei a dar exemplo do que a gente faz na terra da gente, de maneira muito consciente sem agredi-la. Então, assim, a minha vontade, é claro, eu fui para a UFC, me formei na UFC, tenho uma formação de matemática e uma formação de história e outras que não vem ao caso. Mas eu nunca almejei isso para a minha vida, o que eu queria mesmo era… queria ser não, eu quero, eu estou buscando essa boa relação com a natureza, com o meio ambiente, extraindo dela o meu alimento sem agredi-la. Obrigada!
P/1 – Merremii, agora é com você. Muito obrigada!
P/2 – Seu Itamar, vamos falar um pouco agora sobre a questão da sua mocidade, né. Como foi a formação que recebeu após sair da fase de criança, antes de se tornar adulto? E quando é que na cultura do seu povo é deixado de ser criança? Tem alguma característica, algum ritual de passagem que possa estar nos apresentando, se pode está falando ou não? E quando é que começa a ser considerando as pessoas na sua comunidade na fase adulta?
R – Bom, sobre a minha família, né. A primeira coisa a ser colocada para nós é o respeito. Eu cresci numa família onde tinha muito respeito, onde o meu pai, ele respeitava muito a minha mãe. E hoje eu sou acusado de algumas coisas, mas assim, porque eu aprendi, eu aprendi. Porque você sabe que nesse mundo indígena, ainda é um mundo muito machista, é um mundo que precisa aprender essa coisa de como tratar a mulher. Mas eu sou um… o meu pai era um ponto, uma vírgula fora do ponto, meu pai era totalmente diferente. Então o que primeiro ele passou para mim, quando eu estava nessa transição de criança para a mocidade, de começar a namorar as meninas da aldeia, era o respeito. Sempre respeitar, porque o respeito é uma via de mão dupla, se você respeita, você logo é respeitado. E vice-versa, se você desrespeitar, logo você é desrespeitado. Por mais que seja autoridade, vai chegar um dia que ela cai, a sua autoridade e você é desrespeitado, né. Então assim, a primeira coisa foi essa. As perguntas estão sendo muito compridas e eu como tive o Covid, as vezes tenho dificuldade de…, mas acho que a primeira foi essa, né? A segunda. Hoje não tem mais um rito de passar, de passagem assim, mas tem uma coisa que é muito forte entre a gente, você ser considerado, sobretudo na terra a que eu pertenço, você só é considerado adulto, quando você defende ela. Tipo, de uma forma ou de outra você tem que ser adulto quando você tem uma identidade com o território, quando você consegue defender aquele território, aí você atinge a maioridade. Por quê? Porque você é capaz de defender ela, e defendendo ela você está se defendendo. Então você ali, se autogerencia dentro daquela terra, você passa a se gerir. Porque é uma coisa que vai e que volta, se você defende a terra, a terra também, de algum modo, vai lhe defender. Entendeu?
P/2 – Que retorno houve para a sua comunidade com essas mudanças que tiveram? Como o senhor falou um pouco sobre as mudanças dos rituais que hoje já não praticam muito por conta das mudanças culturais que vão tendo, juntamente com as indústrias e tal, o senhor pode falar um pouco sobre os retornos de como se mantém essas práticas ritualísticas, como por exemplo; o torem na dança? Ali dentro do torem, como é que é feio, como é que é regido com a juventude? Como é que é a juventude do seu povo? Ela consegue ainda manter essa ancestralidade junto com vocês?
R – Cara, não é muito fácil. Porque a gente vive assediado da mídia, dessas coisas que aparecem, mas assim, como o torem, ela não é uma dança que tem um calendário, “Ah, você tem que dançar dia sim, dia não”. Não! Como é uma dança que é celebrada a questão, como eu falei anteriormente, da alegria, então se tiver alguma coisa para celebrar, a gente celebra, né. Então é uma dança mística, a natureza que faz homenagem… os cantos são todos em homenagem a natureza e que geralmente tem uma coisa que é muito peculiar nossa, eu acho que nem só nossa, mas assim, tem uma hierarquia onde as lideranças… isso não quer dizer que qualquer uma outra pessoa não possa cantar, mas tem uma hierarquia quando se vai cantar, quando se vai cantar os cantos. A abertura sempre é feita por uma liderança, o cacique, o pajé, aí tem aquelas pessoas que estão se iniciando, porque os cantos Tremembés, não é para todos os Tremembés, o canto é para poucos que dominam e que tem uma certa habilidade. Então os jovens, eles começam ali, mas assim, sempre vai ter uma liderança ali de estepe para conduzir aquilo ali, uma hora ou outra, deixar livre para todo mundo que está ali naquela… que são feitas duas rodas, uma roda grande eu uma roda menor, essa roda menor, ela simboliza a hierarquia dentro do torem.
P/3 – O senhor costuma sair sozinho?
R – Sim, sim. Já fui em vários lugares, em vários Estados do Brasil, só nunca fui para fora do país, mas pretendo.
P/3 – Você, Iraê.
P/1 – Bom, pai. Agora nós vamos entrar na parte do trabalho. Com quantos anos o senhor começou a trabalhar?
R – Eu comecei a trabalhar com nove anos. Nessa época a gente estava fora da terra, tínhamos sido expulsos e estávamos morando fora da terra. Aí o meu pai vendia peixe, e o meu trabalho foi comboio, eu comboiava animais, com nove anos.
P/1 – Bom, você e a sua família se mudaram para muitos lugares?
R – Sim. Depois que a gente foi expulso... a gente foi expulso duas vezes da terra, sabe em uma década só, foi na década de 60, a gente foi expulso duas vezes e a gente começou a migrar né. A gente não conseguia passar muito tempo em um só local, então a gente passou em algumas cidades, alguns lugares até voltar para a terra depois de 20 anos.
P/1 – Em uma dessas viagens, você sentiu dificuldades de se adaptar? Vocês tinham dificuldades para se estabilizar nesses locais?
R – Com certeza, com certeza! É tanto que a gente não ficou só em uma local, a gente andou em vários locais, pela questão de não se adaptar, né. A gente passou por algumas cidades, e nas cidades… a nossa principal fonte de renda era a agricultura, ainda é até hoje. E aí como é que faria a agricultura morando na cidade, né. A gente passou a trabalhar em construção civil e isso deixava a gente muito empobrecido como indígena, por exemplo, que aprendeu a lidar com a terra, então isso não tinha como fazer uma adaptação. Então estávamos sempre migrando.
P/1 – Ok, pai. Agora com você, Merremii.
P/3 – Vamos entrar agora na questão do relacionamento ou casamento, né. Você tem algum relacionamento?
R – Eu sou casado, eu tenho quatro filhos com a minha esposa, mas eu tenho um filho fora do casamento, na época que estudava na cidade, eu tive um relacionamento com uma menina e tive um filho. Depois eu voltei para aldeia e aí eu arranjei a mãe do Iraê e com ela eu tenho três filhos, o Iraê, a Yasmin e o Iarley.
P/3 – Você se casou dentro da cultura do seu povo ou dentro da cultura não indígena?
R – Pois é, o povo ao qual eu pertenço, eles sofreram muito investidas, da igreja, sobretudo da igreja católica, né. E o ritual é uma coisa que pouco acontece hoje, se faz uma festa, se faz um torem, mas assim, a grande maioria das pessoas, elas casam mesmo com essa questão religiosa, no padre, como dizem. Embora para muitos não signifique nada, mas para as conversões onde a gente é submetido, é importante. E eu casei, sobre alguns protestos, mas tive que casar, porque assim, é a questão do respeito da vida a dois. A minha esposa é muito católica, embora eu não seja católico, embora eu não seja evangélico, mas aí é essa história de se estabelecer um respeito, os dois para ser só um, às vezes a gente tem que ceder. Então eu me casei no catolicismo.
P/3 – Como é a maternidade e a paternidade na cultura do seu povo?
R – A maternidade?
P/3 – E a paternidade. Como é o convívio desses dois? Como o senhor se entrelaça dentro da conjuntura familiar?
R – Pois é, como eu fui criado em uma família onde há o respeito, há um diálogo, há um equilíbrio, onde não há questão do patriarca, dessa figura onde, “Eu ponho comida e tu alimenta os filhos e educa!”. Não! É sempre muito dividido. Eu acho até que essa educação dos filhos, eu sou um pai muito presente, é tanto que os meus filhos não me pedem quase nada, eles pedem a mãe deles, a mãe deles é quem manda. E não tem essa história de eu mandar nela, porque tem uma história assim, “Ah, você manda nos filhos e eu mando em você”. Não, não passa por aí né, passa por um equilíbrio. Porque eu ouvi muito isso da minha família, eu acordei muitas vezes de madrugada, com o meu pai conversando com a minha mãe, sobre o que ele tinha em mente para fazer, e sempre que ela dizia um não, ela estava coberta de razão. E foi nesse convívio que eu levei para minha vida a dois, vamos dizer assim. Então assim, eu gosto muito de combinar e algumas vezes que eu não combinei eu me dei mal. Porque assim, a mulher que é mais centrada, a mulher que tem mais equilíbrio. O homem é mais arrogante, o homem é mais na força e a mulher é mais no jeito.
P/3 – O senhor poderia contar um pouco de como está a sua família hoje e como é que se faz os momentos de lazer com os seus filhos, junto com a mãe, o pai e tudo?
R – Olha, a minha família está bem! Muito obrigada por perguntar! Eu me sinto muito feliz com a minha família! Uma família que… se eu for falar só da minha mesmo, é uma família equilibrada e que eu até brinco com eles que, o meu maior momento de lazer é quando eu estou dentro da agricultura com eles. porque quando eu faço isso, eu sinto a presença do meu pai, dos meus tios, é como se eles estivessem ali e ali fosse uma grande festa. E como nós estamos em um momento agora de chuva, nós estamos agora fazendo uma limpeza dos terrenos, o milho ainda está mais ou menos em 30, 40 centímetros, mas isso já passa uma alegria muito grande e isso é o meu maior lazer. Um outro lazer que não é da família, mas que também eles participam quando eu levo alguns frutos, que é individual meu, mas já tem um filho meu se iniciando, é a questão da caça, né. A caça para mim é um outro momento. E assim, relacionado a todos, uma festa grande que a gente tem, que é uma celebração, é a farinhada. Na farinhada a gente consegue reunir a família, os vizinhos, que são tudo família também e que a gente consegue fazer uma partilha bem maior na farinhada, porque é uma atividade muito coletiva e que nos enche de orgulho, porque a farinhada é uma celebração da agricultura.
P/2 – O senhor pode falar, Itamar, só brevemente o que é a farinhada e como é?
R – Você ficou sem voz.
P/2 – Como é a farinhada? Só brevemente para a gente saber.
R – Pois é, a farinha já está falando né, farinha. A gente planta a mandioca, no primeiro ano de um roçado a gente faz um consórcio. A gente planta milho, feijão, gergelim, um monte de coisas, jerimum que vocês devem conhecer por abóbora, algumas coisas que estão relacionadas ao estômago e as doenças estomacais como o gergelim. Porque é aí que entra a sabedoria da agricultura, você planta umas coisas, pensando que você vai sofrer outras e que o que você plantou vai lhe socorrer, enfim. Aí no primeiro ano a gente colhe o feijão, colhe o milho, colhe o gergelim, colhe o jerimum, colhe a meluina, colhe o maxixe, colhe uma série de coisas. Aí no outro ano só fica a roça, a mandioca, só fica a maniba, a mandioca. Por isso que eu digo que é a celebração daquele ciclo, é o último que você faz e é o… eu diria que é o mais prazeroso, porque você não consegue fazer só, você só consegue fazer se tiver mais alguém para lhe ajudar e nessa ajuda você tem uma troca, né. A gente conversa de tudo, a gente conversa de política, a gente conversa sobre a nossa política interna, o que tem acontecido de bom, o que tem acontecido de ruim. A gente consegue naquela farinhada, discutir temas muito importantes, né. Discute Big Brother, discute novela, a gente fala também um pouquinho da vida do outro, o que não está muito legal. Então assim, é um momento assim, que não é encarado como trabalho, mas como lazer, né. E sem falar que a gente faz tapioca com coco, a gente faz beiju, a gente tira uma abóbora que a gente leva para casa, que faz parte da nossa gastronomia, que faz parte da nossa alimentação, a gente come a tapioca com tudo, a gente faz uma série de coisas. E até da parte econômica também, a gente vende o excesso, o excesso a gente vende, fica só com o que de fato a gente vai comer até chegar o outro ano.
P/2 – Merremii, só para vocês saberem, a gente tem, claro que pode avançar um pouco, mas a gente tem por volta de uns 15 minutos para você, e como é uma liderança, então o Iraê também, perguntar sobre essa trajetória dele, está? Então é isso. Pode continuar Iraê.
P/1 – Pronto, pai? Agora eu queria que você falasse um pouquinho, como foi a chegada do Covid na aldeia? Como foi que você, como foi que nós fizemos para nos defender, para não contrair o Covid, Coronavírus?
R – Olha, a gente contraiu de fato o Covid. A gente contraiu, no momento em que estava todo mundo com medo. Então, aí eu ia dizendo, a gente não soube lidar bem no início, né. A gente ficou muito atordoado com aquelas coisas das mortes e então os primeiros que contraíram a doença, a gente meio que isolou eles, como se fossem assim, leprosos que iriam morrer e tal. Aí a gente começou a fazer uma consulta aos nossos encantados, e os encantados disseram que não era tudo isso, que nós tínhamos um vasto conhecimento sobre ervas e que a gente poderia tratar, né. E a gente começou a tratar da nossa maneira, porque naquela época, no início não tinha vacina, não tinha nada. E a gente começou a fazer consultas a eles, aos encantados e eles começaram a dizer como é que a gente devia se comportar e quais ervas seriam boas. A gente tem um conhecimento muito vasto sobre ervas, sobre coisas do pulmão, sobre coisas de dores, nós temos. Então quando eu contraí, o Iraê foi quem mais me ajudou e a gente, por exemplo; a gente tem uma plantinha no território, no nosso território, que restaura o cheiro e o gosto em três dias. Então a gente, de novo fazendo aquele experimento, como eu falei inicialmente e observando, né. Observação é a base de tudo! Você observa, logo você descobre alguma coisa. E o que nós estávamos querendo descobrir, era como nos comportar diante de uma doença que levou duas pessoas da gente, né. Dentro do Território, levou um sobrinho meu que já tinha problemas, era deficiente, não andava e não falava, esse foi de fato de Covid e levou uma outra pessoa que se matou. Nós ficamos muito afetados mentalmente. A questão do Covid do Tremembé é uma coisa muito forte, nós temos que estar se vendo, nós temos que estar interagindo, nem que seja só para brigar. Nós temos brigas ferrenhas, mas nós temos que estar juntos. E se a gente não se vê, se a gente não se toca, se a gente nem se xinga, a gente adoece. E aí mentalmente nós ficamos muito doentes, a doença não foi tanto o Covid, como foi a questão psicológica. A primeira debulha de feijão que a gente não pode chamar os familiares para compartilhar da nossa alegria, da debulha, do produto da nossa agricultura, da nossa lavra. Isso doeu muito em nós. Então uma pessoa diante dessa situação toda, disse que ia se matar, “Olha, se essa doença chegar lá em casa, eu vou me matar!”. O curioso é que chegou, essa doença chegou na casa dele, a primeira cometida foi a mulher, depois a filha. As duas tiveram alta e no dia que ele ia fazer a celebração, no sábado, que ele ia fazer a celebração da recuperação da filha e da mãe… ele fez toda uma preparação, foi no roçado, pegou jerimum, pegou… isso era junho né, pegou umas coisas, milho, ainda tinha milho, mas de manhã, matou-se, se enforcou. E ele disse uma frase muito forte, ele disse assim: “Olhe, Deus abandonou esta terra”. Ele não estava falando da terra que ele vivia, estava falando do mundo, “Deus abandonou esta terra de tal modo, que eu não quero mais viver nela!”. E eu fiquei muito impactado com essa situação. Por quê? Eu era um dos que participava das lives, que o pessoal achava que as comunidades indígenas iam sofrer demais, iam passar fome. De fato, a gente sofreu muito! Não a questão da fome, porque nós vivemos em um local onde a gente não tem essa dificuldade de alimentação, né. Graças a Deus a terra aqui é muito próspera e o nosso jeito de lidar com ela, facilita para que tudo isso aconteça e a gente tenha fartura nas nossas casas, de animais, enfim, de cereais. Aí a gente não pedia, os outros pediam cestas básicas e nós pedíamos era… aquela pessoa que trata da cabeça? Psicólogo. Porque tinham algumas pessoas tentando se matar, sobretudo jovens, se cortando, querendo morrer afogados. Então enquanto as outras comunidades pediam cestas, a gente pedia psicólogos. E quando o psicólogo veio, foi depois da tragédia, nós já tínhamos perdido o Eliseu, um agricultor de mão cheia, um cara que olhava para o céu, para os astros e conseguia fazer uma leitura como ninguém. É claro que nós temos isso na nossa cultura, de conhecer os astros, de saber quando está próximo de chover. Nós temos as nossas experiências, que foram passadas pelos nossos ancestrais e nós mantemos isso ainda com muita força. Mas ele era assim, ele era solenidade entre a gente, embora uma pessoa jovem, 51 anos, mas era uma pessoa muito verdadeira. Quando ele dizia que pau era pedra, tinha que ser pedra. E ele dizia que quando o Covid chegasse na casa dele, ele morreria, ele se mataria e ele acabou se matando. Isso foi a parte dura de aceitar do Covid na terra __________.
P/1 – Merremii, agora é com você.
P/3 – Já estamos chegando ao final e aí vamos para as perguntas conclusivas. O que você faz hoje? Quais as coisas mais importantes que está tendo hoje na sua vida?
R – Cara, hoje eu sou professor, né. Sou professor a muito tempo, mas hoje eu posso dizer que sou mais do que antes, porque eu colei grau recentemente, colei grau em fevereiro pela UFC. Embora essa formação que eu falei, da teologia da enxada, eu ter conseguido ela bem antes, mas é uma formação que para o mundo ela não tem… para as pessoas ela não tem muito valor, ela tem valor para mim e para minha família. E o que eu faço hoje que me dá mais prazer, além de estar ensinando e aprendendo na escola, dentro da terra indígena, sem dúvidas é a agricultura. Estou vivendo um momento mágico hoje, está um inverno muito bom no Ceará e a gente sabe que vamos colher bons frutos.
P/2 – Merremii, posso perguntar uma coisa antes de você concluir?
P/3 – Fica à vontade.
P/2 – Itamar, você disse que teve uma formação e falou um nome que eu não entendi o que seria essa outra formação, além da universidade.
R – Teologia da enxada.
P/2 – Ah, a teologia da enxada! Essa eu conheço (risos), você já explicou. Então vou te perguntar outra coisa, porque eu vi que a Merremii já vai concluir. Você falou que é uma liderança…
R – Sim.
P/2 – Pode contar um pouco de como começou? Eu sei que você aprendeu muito com a sua família, mas, como você foi sendo reconhecido como uma liderança e quais as suas ações hoje, principais assim, além de ser professor? Você tem outra atividade, além também, dessa história que é belíssima, que você trouxe para a gente, que é a relação com a agricultura, belíssima! Mas você é professor, mas como liderança, tem alguma história que você quer contar pra gente?
R – Nós só tivemos contato com a Funai, os primeiros contatos, apesar de muita insistência, a gente sabe o que a gente passa, a gente sofre muito preconceito, né. Um indígena no Nordeste, por toda uma história de colonização que foi feita aqui, mas as pessoas novas não conhecem essa história, né. E assim, sempre ligam o estereótipo dos índios do norte e desqualifica o índio do nordeste, porque o índio do nordeste é miscigenado e tal, foram 500 anos de enfrentamento à cultura, enfim. E a gente sempre sabendo que a gente pertencia a uma etnia, sabe? Então a gente saiu de ________, um aldeamento famoso na região norte, nos meados do século XIX. E a gente era incentivado a se identificar e a gente tinha muito medo né, muito… a gente sofreu demais, a gente apanhou demais e ser indígena era sinônimo de peia, muita peia. Então só em 94 que a gente tem coragem de escrever a nossa história e mandar para a Funai. Meu pai já era liderança, dentro da terra, ainda convivendo com fazendeiro, não era fácil, o fazendeiro tinha um regimento muito duro em cima da gente, em um outro momento eu conto essa história, se interessar. E essa história está no meu TCC, parte, porque o meu TCC fala sobre os Tremembés e a relação com a agricultura, se vocês quiserem eu mando, mando para vocês. Aí assim, é pouco, são 20 páginas, é um TCC, mas ali eu resumi muito, estou pensando em fazer um livro, para contar em 100, 150 páginas. Aí assim, a gente tinha sempre aquela necessidade de está… meu pai já tinha uma certa idade, a gente tinha sempre a necessidade de está inovando, de está renovando as lideranças, né. Aí quando a gente recebe, começa a receber os contatos da Funai, todos positivos… em 99 a Funai vem, em janeiro e faz o nosso relatório de identificação, aí nós nos juntamos em uma associação, montamos uma assembleia grande e vamos nomear outras lideranças, não para substituir as mais antigas, mas para inovar e dar um reforço. Por quê? Porque a gente já entrou com uma novidade, a gente já dominava a escrita, as lideranças mais antigas não dominavam a escrita. E foram nomeados alguns né, e entre esses alguns… a terra ________, ela é povoada por quatro troncos familiares, então era necessário que cada família nomeasse. Então eu fui nomeado, eu, não só eu, fomos nomeados eu e uma irmã minha, que também não está mais com a gente, que era pajé né, que era uma liderança nata, mas não tinha sido nomeada em uma assembleia. Então da minha família fomos eu e ela, e ela não está mais aqui e até hoje nós não fizemos outra nomeação, meu pai também não está, outros que foram nomeados junto comigo também não estão, já partiram para o outro plano, o plano do serrote, do serrote sagrado, o descanso dos Tremembés. Então eu fui nomeado a partir das minhas intervenções dentro das reuniões, a partir da minha história já de viagem e eu fui nomeado assim, jovem, muito jovem, eu era visto com muita desconfiança, eu tinha 25 anos, 25 anos é o primeiro ciclo, né. Mas assim, como eu amadureci muito rápido com a minha família, então assim, a desconfiança durou um ano, dois e eu sem falsa modéstia, eu toquei os pés e chamei uma responsabilidade junto com os outros, né. Porque dificilmente, acho que na minha fala todinha vocês não me ouviram falar no singular, eu só falo no plural, eu só falo nós. Então assim, nós tocamos para frente com uma liderança jovem e estamos aí né, com terra demarcada, homologadas. Hoje nós estamos recebendo uma compensação no valor de uns 4 milhões e meio, de uma energia que passou e somos nós mesmo, essa juventude nem tão jovem hoje, porque fomos nomeados em 1999, eu estou com quase 50 anos, hoje nem tão jovem.
P/2 – Itamar, você pode contar uma história dessa trajetória desde que você foi nomeado? Uma história assim, como liderança…
R – Pronto, pronto. Ainda nós estávamos com o fazendeiro dono da terra, o fazendeiro não tinha recebido a sua ordem de pagamento e não queria receber, estava resistindo. Ele começou a desmatar o serrote, isso é em 2002. Então em 2002, eu tinha 28 anos e eu só tinha três anos de liderança né, 28. E a outra liderança que foi comigo, só tinha 47, ou! Só tinha 27, né. Eu 28 e ele 27 e nós chegamos na procuradoria, a missionária que nos encaminhou, Maria Amélia disse: “Olha, estão eu duas lideranças aí, doutor Paulo”. Doutor Paulo era procurador, né. Doutor Paulo Furtado de Arari Alencar, era uma coisa grande o nome dele, não decorei porque era uma coisa assim, enorme! Aí, “Estão em duas lideranças, vou lhe assegurar que são muito jovens, você não tem nas suas experiências encontrado lideranças na idade deles, mas vou lhe dizer que eles são muito seguros no que eles vão lhe falar”. Aí nós chegamos lá na procuradoria, sentamos com cara de meninos né, sentamos eu e o Chico Saldanha e nós anunciamos lá para a secretaria do homem. Aí ela abriu a porta e foi até o procurador, e ela deixou a porta aberta. Aí ela disse assim: “Olha, doutor Paulo. Tem dois meninos velhos, dizendo que são lideranças, disseram que estão com audiência marcada com o senhor”. Aí ele sorriu, eu vi o sorriso dele de onde ele estava. “É, Maria Amélia me falou da juventude deles, mas disse que eles dão o recado”. Aí ele mandou a gente entrar e a gente começou a contar. E ele é shalom, aquela religião que segue Maria né, ele tinha um crucifixo e tal, tinha toda uma postura de religioso. E aí para a gente fazer ele entender; ele disse: “Eu não estou entendendo! Esse homem está fazendo o que com você?”. Aí o mais jovem, não foi nem eu, o Chico Saldanha disse assim: “Olha, vou explicar para você. Você tem uma casa?”. Aí ele disse: “Tenho”. “O que você acha de estranhos irem na sua casa e começarem a destruir?”. “Não, não pode não! Aquilo ali é meu”. “Pois é, o Serrote, que é como se fosse a nossa segunda morada, o serrote é como se fosse o nosso abrigo, do nosso descanso. Então se alguém vai lá e destrói, está destruindo a nossa casa. E outra questão, é uma pessoa que já destruiu as nossas casas físicas e agora quer destruir as nossas casas né, da nossa mística”. Aí ele foi e em duas horas mandou a polícia federal lá, desmanchar tudo, prender quem tivesse que prender. Então isso que ficou na minha cabeça.
P/3 – Seu Itamar, o senhor hoje, como liderança, o que gostaria de deixar como legado?
R – Olha, sobretudo exemplos! Porque assim, dizem que o mundo é dos espertos, dizem, mas o mundo não é dos espertos! O mundo é dos bons exemplos, só os bons exemplos são lembrados em outros séculos, em outras décadas. Então assim, bons exemplos é o que eu quero deixar como liderança.
P/2 – No momento só. Gratidão por essa rica história! O senhor gostaria de acrescentar algo mais?
R – Dizer que eu estou feliz, né. Eu estou feliz por você, pelo Iraê, me desculpe, mas sobretudo pelo Iraê que é o meu filho, né. Que também está trilhando os mesmos espaços, buscando os mesmos espaços da família dele, né. Que é uma família que tem tradição como liderança. Eu fico muito feliz por ele, por você que eu conheço também, que é uma jovem que tem muita capacidade. Fico feliz também pela oportunidade que foi dada né, para você dois. É só gratidão!
P/2 – Você gostaria, Itamar, eu sei que já encerramos, encerrou o nosso tempo. A gente sempre pergunta se você gostaria de contar alguma história que nós não perguntamos, aquela história que o senhor quer deixar registrado, ou não, pode ser que já tenha contado, mas se tiver alguma história….
R – Pode ser engraçada?
P/2 – Claro!
R – Porque cearense se não contar nada engraçado não é cearense. A gente não tinha muito costume com Fortaleza, né. Eu tinha costume com Fortaleza, um pouco, porque já morei uma época lá, morei uns dois anos lá, então eu sabia me dirigir e tal. Aí um dia a gente vai para a procuradoria e aí era misto, eram lideranças mais antigas, mais experientes e lideranças jovens e eu era um dos. Só eu da liderança jovem e estava com dois mais antigos. Quando a gente pega o cracházinho para eu subir, me dá uma necessidade de eu sair fora da procuradoria, no que eu vou… no que eu estou lá… aí o rapaz está… as duas lideranças estão no pé do elevador, o rapaz disse assim: “Chame o elevador”. Aí a liderança disse assim: “Elevador, elevador”. Chamando o elevador, né. Aí ele disse: “Não, chame no botão”. Que era para apertar. Aí ele pegou o portão da blusa e disse: “Elevador, elevador, elevador”. Tem uma outra coisa que aconteceu com a gente, dá para contar? Sobre interpretação. No Ceará é muito comum, da gente fazer relação de bichim, para criança e também, bichim, uma coisa ligada à sexualidade da gente. Em Queimadas, que é uma terra que são juntas, mas é um outro processo, tanto que está sendo homologado agora, que já é Acaraú, não é Itarém. Um indígena tem a necessidade de ir fazer compra fora da aldeia, quando ele vai saindo fora da aldeia, ele encontra com uma pessoa que vai levando um menino assim, de uns oito meses, mas o menino muito grande, um menino que não nadava ainda, eles cruzam, se juntam e começam a caminhar, eles caminham mais de 1 quilômetro e o miliano, a pessoa indígena, vendo ela colocar o menino para um lado, o menino para o outro, descansando os braços, né. Ele vai em uma altura e diz: “Olha, dona. Me dê o bichim”. E ela disse: “E quem segura o menino?” Pois é.
P/3 – Fechamos bem né, Itamar?
R – Fechamos como cearenses (risos).
[Fim da Entrevista]
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