P/1 - Seu Ulisses, diga seu nome completo, por favor.
R - Meu nome é Ulisses Visconde. Sou irmão segundo, mas...
P/1 - Local de nascimento?
R - Eu nasci em Buritizal, em 28 de maio de 1939.
P/1 - Qual é o nome de seu pai e sua mãe?
R - Meu pai é Egídio Visconde, minha mãe Carmem Schiovatelo.
P/1 - De onde vieram os seus avós, como é que eles chamavam, se lembra?
R - Meus avós maternos, José Schiavotelo e Maria (Marsula?), paterno, João Visconde, ou Giovanni Visconde, e Josefina D'Angelo.
P/1 - Eles vieram de onde?
R - Eles foram imigrantes italianos, eles vieram para o Brasil no início deste século.
P/1 - Naquela leva de contrato de imigração?
R - É, foi naquela época que eles vieram, para trabalhar nos cafezais, na região de Franca, Pedregulho. Então eles moravam nas colônias dos fazendeiros, dos proprietários rurais. O trabalho todo da família era nos cafezais mesmo.
P/1 - E seus pais?
R - Então, os meus pais também trabalhavam na roça, na lavoura de café, ajudando os pais na colheita, nos tratos culturais, o transporte... Sempre moraram em fazenda como colonos, não como proprietários. Aí, depois de algum tempo, não me lembro quando, meu avô paterno comprou uma pequena propriedade rural onde ele vivia com os filhos – meu pai e mais 12 irmãos – então eles formaram os cafezais deles numa pequena propriedade de uns trinta alqueires, mais ou menos. Nessa propriedade ele garantia a subsistência de toda a família, eles casavam e ficavam por ali, na região mesmo, ou morando no próprio sítio e trabalhando. A gente morou nesse sítio até 1944, aí depois nós mudamos para Igarapava.
P/1 - Esse sítio, primeiro, era onde?
R - Esse sítio fica entre Buritizal e Pedregulho, era do meu avô. Meu pai trabalhava com meu avô e os irmão naquele sítio, e viviam disso. A gente já era nascido, todo mundo lá em casa, porque eu nasci em 39, o Omilton em 38. É uma escadinha, né? Depois...
Continuar leituraP/1 - Seu Ulisses, diga seu nome completo, por favor.
R - Meu nome é Ulisses Visconde. Sou irmão segundo, mas...
P/1 - Local de nascimento?
R - Eu nasci em Buritizal, em 28 de maio de 1939.
P/1 - Qual é o nome de seu pai e sua mãe?
R - Meu pai é Egídio Visconde, minha mãe Carmem Schiovatelo.
P/1 - De onde vieram os seus avós, como é que eles chamavam, se lembra?
R - Meus avós maternos, José Schiavotelo e Maria (Marsula?), paterno, João Visconde, ou Giovanni Visconde, e Josefina D'Angelo.
P/1 - Eles vieram de onde?
R - Eles foram imigrantes italianos, eles vieram para o Brasil no início deste século.
P/1 - Naquela leva de contrato de imigração?
R - É, foi naquela época que eles vieram, para trabalhar nos cafezais, na região de Franca, Pedregulho. Então eles moravam nas colônias dos fazendeiros, dos proprietários rurais. O trabalho todo da família era nos cafezais mesmo.
P/1 - E seus pais?
R - Então, os meus pais também trabalhavam na roça, na lavoura de café, ajudando os pais na colheita, nos tratos culturais, o transporte... Sempre moraram em fazenda como colonos, não como proprietários. Aí, depois de algum tempo, não me lembro quando, meu avô paterno comprou uma pequena propriedade rural onde ele vivia com os filhos – meu pai e mais 12 irmãos – então eles formaram os cafezais deles numa pequena propriedade de uns trinta alqueires, mais ou menos. Nessa propriedade ele garantia a subsistência de toda a família, eles casavam e ficavam por ali, na região mesmo, ou morando no próprio sítio e trabalhando. A gente morou nesse sítio até 1944, aí depois nós mudamos para Igarapava.
P/1 - Esse sítio, primeiro, era onde?
R - Esse sítio fica entre Buritizal e Pedregulho, era do meu avô. Meu pai trabalhava com meu avô e os irmão naquele sítio, e viviam disso. A gente já era nascido, todo mundo lá em casa, porque eu nasci em 39, o Omilton em 38. É uma escadinha, né? Depois vem o terceiro. O Wilson nasceu acho que em 40, por aí. Até a minha irmã, que é a caçula, chegou a nascer nesta propriedade rural, que era do meu avô e dos filhos. Depois nós mudamos pra Igarapava, aí começamos uma nova vida lá em Igarapava.
P/1 - O senhor se lembra da vida nessa primeira fazenda, ali na...
R - Me lembro, uma vida muito difícil. Mas, isso... Estava em plena guerra, né? Guerra de... A Segunda foi em 39?
P/1 - A Segunda.
R - Em 39... Em plena guerra a gente morava nessa propriedade rural e mudamos pra Igarapava. Eu me lembro do término da guerra, acho que foi em 45, se não me engano, era menino, tinha seis anos, sou de 39, né? Então eu me lembro, uma situação muito difícil. Faltava alimento, aquela fila na padaria pra comprar as coisas, tudo... As migalhas.
P/1 - Mas nesse tempo o senhor estava na primeira fazenda, não em Igarapava.
R - Era, no sítio. Chamava Sítio da Limeira, que era um sítio do meu avô.
P/1 - Isso. E quem morava nessa casa, no sítio do seu avô?
R - Então, como eu lhe disse, tinha diversas casas nesse sítio. Morava meu avô... Meus avós. Em outra casa, nós. E tinha outra casa que moravam outros tios, que moravam tudo ali, nessa propriedade. Meu pai trabalhava na roça de café, aí nós mudamos para Igarapava, meu pai foi ser motorista de caminhão. Ele aprendeu a dirigir, foi ser motorista. E meu avô, pai da minha mãe, já morava em Igarapava, então eles compravam – aí você está falando já do meu avô materno –o cerrado. Aquele período estava em época de desmatamento, formação de tudo, abrir estradas, faz tempo. Meu avô comprava os cerrados, tirava essa lenha e fornecia para a Usina Junqueira, que é ali na divisa. Usina Junqueira é no município de Igarapava, bem ali na divisa com Minas Gerais. É uma das principais usinas da época, até hoje é uma grande usina. Então meu avô e meus tios, por parte da minha mãe, tinham caminhões. Eles buscavam essa lenha do cerrado e forneciam para a Usina Junqueira, e também vendiam para a estrada de ferro, que naquele tempo era tudo a vapor. Esses trenzinhos que a gente vê nessa novela aí é tudo daquela época, por causa da lenha. Então às vezes levava essa lenha pra Usina Junqueira, às vezes entregava nas estações onde os trens paravam para carregar a lenha, que era o combustível da máquina. Aí meu pai... Nós mudamos para Igarapava e ele logo aprendeu a dirigir. Comprou um caminhão para também entrar no negócio de transporte de lenha e nós entramos também, porque a gente, às vezes – a gente estudava meio período – ia para o mato ajudar a carregar esses caminhões de lenha, a gente era menino!
P/1 - Os filhos todos?
R - Os filhos, principalmente os mais velhos e eu, Omilton, Wilson que eram os mais velhos. A gente ia ajudar o meu pai a carregar e descarregar esses caminhões de lenha, mas a gente sempre estudou, isso era no meio período. Já dá para fazer uma viagem para o mato.
P/1 - Como era a vida em família, no cotidiano?
R - Então, vida muito boa, nós éramos unidos demais. Todo mundo trabalhava, minha mãe costurava, meu pai trabalhava com este tipo de transporte de madeira e de lenha e, às vezes, pegava alguns carretos. Puxar tijolos, telha, areia... E a gente pegava firme também com ele neste meio período que a gente ___________...
P/1 - E as brincadeiras? Dava tempo ou não?
R - Ah, sempre dava tempo (para?) as brincadeiras sim, principalmente à noite, na cidade lá. Aquela bagunça! Brincadeira de criança, né? Brincar de caverna, de bandido, de mocinho, de entrar nos pomares do vizinho, furtar frutas.
P/1 - ___________. (risos) Isso é clássico.
R - Isso é comum, tem fruta o ano inteiro. Aqueles quintais, aquelas casas. Aqueles quintais enormes com uns pomares, as chácaras da periferia... A gente ia longe buscar também, viu? Jabuticaba, banana, laranja, o que se encontrava já... Uma farra, uma bagunça! Mas a gente sempre estudou também.
P/1 - Mas vocês se davam bem, os irmãos?
R - Muito bem!
P/1 - Eram unidos?
R - Muito unidos, muito, demais!
P/1 - E na casa, quem mandava? O pai ou a mãe?
R - Ah, os dois, viu?
P/1 - Eram bravos?
R – Muito, nós apanhamos muito!
P/1 - É mesmo?
R - Seu Egídio, que você vai entrevistar, Nossa Senhora! Esse batia, mas era com rabo de tatu!
P/1 - Nossa!
R - Você sabe aquelas correias de motor de caminhão? Quando arrebentava aquilo ele guardava. Aquilo era uma lambada só...
P/1 - Nossa Senhora! (risos)
R - Você pode sair correndo, porque na segunda a gente não aguentava.
P/1 - Nossa Senhora!
R - Ele batia era assim, era meio brutal para corrigir, mas a gente vivia bem. Moleque, a gente era atrevido mesmo, era levado. Isso aí... ninguém é movido por isso, nem precisou de psicólogo um dia.(risos)
P/1 - É, o psicólogo era o rabo de tatu. (risos)
R - _________ o rabo do tatu, psicólogo, hein? Naquele tempo acho que não tinha essa especialidade não, não lembro.
P/1 - Grande ideia essa sua! (risos)
R - Hoje qualquer coisinha: "Vou levar meu filho no psicólogo, não sei o que lá, porque isso..." O que? Naquele tempo o psicólogo era o rabo de tatu mesmo, era pancada! No curso primário – naquele tempo era o curso primário – professor batia, hoje...
P/1 - É mesmo?
R - Hoje se o professor encosta a mão num aluno, dá um rolo desgraçado.
P/2 - Dá até cadeia mesmo.
P/1 - É, é!
R - Dá até cadeia. O cara é exonerado, sei lá. Naquele tempo a gente apanhava da professora e geralmente, cidade pequena, a professora sempre conhecia os pais e falava que batia. Chegava em casa apanhava mais, porque o pai: "Não, moça, por que você bateu no meu filho? É um santo!" Não, você apanhava mais.
P/1 - E na escola apanhava de quê?
R - Na escola era vara de marmelo, tinha uns bambuzinhos... Mas como doíam aqueles bambuzinhos! E tinham uns alunos que moravam nas chácaras, nas fazendas e iam estudar, os puxa-saco levavam umas varinhas assim de bambu para a professora.
P/2 - Ah, meu Deus!
R - Mas esses apanhavam da gente lá fora, viu?
P/1 - Ah, mas claro.
R - Porque eles, puxa-saco, levavam para a professora... Aquela vara de marmelo, não quebra aquilo. É _____, tem uma lambada aquilo, mas dói! E tinha um bambuzinho que eles levavam das chácaras para a professora. Batia na gente, batia!
P/2 - O senhor tem algum caso, alguma história dessa época, do senhor e seu Omilton juntos? Dessa época de escola?
R - Não, sabe por quê? Como ele era mais velho, entrou sempre primeiro.
P/2 - E nunca coincidiu do senhor ir estudar na mesma escola? _____.
R - Não. Aí depois sim, mas de menino não, porque ele era mais velho. Ele entrou primeiro do que eu na escola. Depois, logo eu... Aquilo lá não era bom de estudar não (risos). Aquele lá não era muito "pegado" no estudo não. Ele era muito "pegado" no trabalho, quanto ao estudo, olha, aquilo deu canseira. Tanto que, na primeira série, que hoje seria a quinta... Naquela época era assim: tinha o curso primário, eram quatro anos. Depois, para você entrar no ginásio, que hoje é a quinta série – lá, para nós, é a primeira série do ginásio – você fazia um exame de seleção, para entrar no ginásio. Exame de admissão, chamava. Então, continuação do quarto ano de grupo...
P/2 - Para ver se estava apto a mudar ____________.
R - É, hoje não, hoje é tudo direto, até a oitava série... Depois vem o quê? O segundo grau? O que é? Não sei como é hoje.
P/2 - É, é o segundo grau.
P/1 - É.
R - O primeiro grau é até a oitava série, né?
P/2 - Até a oitava.
R - Antigamente era assim: curso primário, ginasial e aqueles três anos que a gente fazia o científico ou contabilidade ou normal, que era o segundo grau, parece. Parece que era assim.
P/2 - Eu acho que era. Acho que era isso mesmo.
R - Era dividido em três então: primário, ginasial ou básico, sei lá, e aqueles outros três anos que você fazia o normal, a contabilidade ou o científico, que era o segundo grau, depois a faculdade. Depois de entrar na primeira série tinha que fazer esse exame de admissão. Eu fiz esse exame de admissão e alcancei o Omilton na primeira série, porque ele "bombou", aí nós estudamos juntos. Ele levava em flauteado, ele era muito inteligente, não precisava frequentar muito não, porque ele sempre era aprovado também. Mas ele não era de frequentar muito, aí nós estudamos juntos nessa primeira série, que seria hoje a quinta.
P/1 - Qual foi o nome da primeira escola que vocês foram?
R - Ah! A senhora fala o curso primário? Lá só tinham dois grupos, em Igarapava: era primeiro grupo e segundo grupo, nós estudamos no segundo grupo. E tinha um ginásio que era do Estado, por sinal, muito bom, então, nós começamos a fazer o ginásio, eu fiquei na mesma classe dele porque ele "bombou" um ano e eu entrei. Mas nós só ficamos seis meses no ginásio lá em Igarapava, isso foi no primeiro semestre de 1953. Como era uma cidade pequena, não tinha mercado de trabalho e a gente precisava trabalhar, porque, como eu falei, nossos avós são de origem italiana, eles fizeram parte daquela leva que veio para o Brasil no início do século, trabalhar nos cafezais, de origem humilde e semianalfabetos também, não era a elite da Itália não, eles eram de origem humilde.
P/1 - De que lugar da Itália eles vieram?
R - Olha! Eles falavam muito em Livorno, (Acherna?)... Omilton esteve na Itália, levantando lá... Ele achou alguma coisa do meu avô paterno. Aqui nós chamávamos de João Visconde, mas o Omilton levantou uma certidão, ele chamava Giovanni. Giovanni não era nem Visconde, era Viceconti.
P/1 - Livorno não era a região de Nápoles, não?
R - Eu não sei, porque eu não conheço. O Omilton conhecia bem, eu não. Então meu avô falava, como eu te falei, de (Acherna?), Livorno. Depois eu peguei a certidão, o Omilton me deu uma cópia. Ele tinha um documento que vinha o nome Giovanni Viceconti e ele, não sei se era (Soriendo?)... Eles vieram crianças, mocinhos para cá, os nossos avós, e de origem humilde, das duas partes, tanto da minha mãe como do meu pai, porque a gente já é netos de italianos. A gente teve muita dificuldade nessa época, nesses primeiros anos que a gente morou em cidade, muito difícil. Depois, lá em Igarapava, como eu te falei, eu trabalhei em tinturaria, que hoje é lavanderia, que se chama aqui, lá chama tinturaria. Você ia buscar aquelas roupas sujas, trazia para a lavanderia, lavava, aí tinha os que passavam...
P/1 - Era o que, uma lavanderia mesmo ou eram mulheres que lavavam?
R - Eram homens mesmo que lavavam. Lavavam, traziam, passavam, aí eu ia entregar. A gente foi engraxate também, só de final de semana, porque no decorrer da semana a gente estudava no período da manhã, e à tarde ajudava o pai a carregar os caminhões. Puxava madeira, puxava lenha lá para a Usina Junqueira e fazia outros carretos. Puxava tijolos, telhas, enfim... Ele usava o caminhão para carretos e a gente ajudava a carregar, descarregar... Aí a gente entrou no ginásio e tal, mas a minha mãe gostaria que a gente viesse para um centro maior, porque a gente precisava trabalhar, mas lá não tinha como você trabalhar. E segundo, lá não tinha curso noturno. Então mudamos para Ribeirão em 1956 para trabalhar durante o dia, para ajudar, e à noite a gente estudava.
P/1 - Quando você fala: "Nós fazíamos carreto, ajudávamos papai com lenha, com isso, com aquilo...", “nós” eram quem, os quatro irmãos?
R - Os três, porque o caçula ainda era menininho, menino! Eu, Omilton e Wilson, os três primeiros. Ajudávamos demais nesse trabalho de carregar e descarregar caminhões.
P/1 - E o engraxate, _______?
R - Ah, aos domingos os três. A gente ia para a praça do centro, a Praça Rui Barbosa, em Igarapava, e engraxava sapatos. Ali a gente ganhava uns trocadinhos também. Depois entramos no ginásio, aí começamos a calçar, porque a gente andava descalço, tinha um sapatinho de ir ver Deus. No ginásio tinha uniforme, você tinha que ir calçado. A gente também era moleque, não estava nem aí de andar descalço. A sola do pé, olha, a sola do pé tinha uns dois centímetros de cascão, não entrava nem prego! O Omilton estava nessa também, mas aí o Omilton... Ele sempre puxou a fila, por ser o mais velho. Ele veio antes para Ribeirão Preto, antes de mudar, porue já tinha umas tias morando aqui, uns primos estudando e trabalhando, trabalhando durante o dia, estudando à noite, e o Omilton veio na frente. Ele veio morar com umas tias aqui em Ribeirão Preto, a gente estava em Igarapava. Ele, de vez em quando, ia ou escrevia. Aí chegou a hora da gente mudar também.
P/1 - Quanto tempo ele ficou aqui sozinho, sem o resto da família?
R - Ah, ele ficou quase um ano aqui, já trabalhando aqui.
P/1 - Como era o nome das tias?
R - Era Isaura, Luzia, Salvina...
P/1 - Irmãs de quem?
R - Irmãs da minha mãe. E meu avô, que morava aqui também, pai da minha mãe, seu José Schiovatelo.
P/1 - Seu José também veio emigrado da Itália?
R - Veio.
P/1 - Dos dois lados são emigrados?
R - Dos dois lados, italianos mesmo, vieram pra cá no comecinho do século, porque meu pai nasceu em 1913.
P/1 - Nasceu aqui?
R - O meu pai já nasceu no Brasil. Meu pai é filho de Italianos, nós somos netos. Meu pai nasceu em treze, minha mãe em dezessete. Isso quer dizer que meus avós casaram em doze, dez, 1910, né?
P/1 - Mas casaram aqui, não vieram casados?
R - Não, não vieram casados, casaram... Inclusive meus avós paternos... Preciso perguntar para o meu pai se eles casaram aqui em Ribeirão Preto. Parece que os dois filhos mais velhos, os irmãos do meu pai, acho que nasceram aqui, mas meu pai tem melhores informações sobre isso. Depois eles foram para aquela região lá de Pedregulho, Franca, região de café, e eu nasci em Buritizal, porque a minha avó materna, meus avós maternos moravam em Buritizal. Era um pequeno lugarejo, então a gente saía do sítio – minha mãe – para fazer o parto lá. Era parteira, viu? Não tinha esse negócio de médico não.
P/1 - Todos os filhos nasceram com parteira? Os teus irmãos?
R - Ah sim, nasceram. Ou ela ia no sítio...
P/1 - Como era Buritizal, nessa época?
R - Ah, Buritizal era uma cidadezinha muito pequena, bem pequena, era distrito de Igarapava. Não era nem município, depois que passou a município, depois de muito tempo. Era uma cidade pequena e até hoje é uma cidade pequena, é pertinho de Igarapava, sabe? Então nós mudamos para um centro maior. Quem sai da zona rural, de um sítio, lá para Igarapava já é... Aí nós conhecemos água encanada, privada patente, a gente não conhecia isso. Nós chegamos lá em Igarapava, a primeira coisa que minhas tias falaram... Foi mostrar chuveiro, privada, né? Porque a zona rural naquela época era fossa, e banho era de bacia. Então a gente conheceu chuveiro, privada patente, energia, né? No sítio não tinha energia, era lamparina. Você levantava de manhã e estava com o nariz preto: lamparina!
P/1 - Que idade (você?) estava quando vocês vieram para a civilização? Para a cidade de Igarapava?
R - Nós mudamos em 44, então eu tinha cinco e o Omilton seis, ele nasceu em 38. Eu tinha cinco, o Omilton seis e o outro, o terceiro tinha...
P/1 - E a alimentação de vocês no dia a dia, como era a comida?
R - Ah, a senhora sabe que os imigrantes esses descendentes de italianos... Era um sopão “desgramado” viu?
P/1 - Sopão?
R - Nossa Senhora! Você não vê na novela aí? Na pensão lá da dona... O Omilton gosta muito de sopa de tutano, para engrossar o fubá...
P/1 - Ossobuco?
R - O ossobuco, para engrossar aquele fubá...
P/1 - Polenta?
R - Não, polenta ele não era muito chegado, mais é no angu.
P/1 - Angu?
R - Angu é aquilo mole.
P/1 - Mas feito com que? Com fubá?
R – Fubá, mas fubá socado no pilão, entendeu? Não tem nada desse aí de supermercado: "Me dá meio quilo de fubá" Que mimoso, hein? Amarelinho... Pilão, olha, no sítio, olha como era a comida: café era socado no pilão. Você sabe o que é pilão, né?
P/1 - Sei.
R - Arroz no pilão, milho, fubá, no pilão. E a gente pegava também naquele pilão, acho que o meu pai tem esse pilão até hoje.
P/1 - Olha que bárbaro!
R - A senhora pode ver o braço da gente como é, olha.
P/1 - Ficou para o resto da vida, né?
R - Desde os cinco, seis anos a gente já fazia uma força "desgramada", socar arroz no pilão...
P/1 - O Omilton também?
R - O Omilton também, só que o Omilton, ele... Meu pai é de uma estatura mais ou menos alta, mas nós somos baixos porque puxamos a minha mãe. O Omilton foi fazer halterofilismo, achou que ia crescer. Um moleque! Pegou cada peso sem instrução nenhuma, sem orientação nenhuma, foi fazer halterofilismo... A gente assistia muito filme do Tarzan, né? Aquilo fez um mal! Uma criança de dez anos pegar aquele peso. Não tinha informação, não tinha uma pessoa ali para orientar nada. Tinha uns halteres lá no grupo onde a gente estudava, foi lá praticar. Não pode, um menino pegar peso além do limite.
P/1 - Conta do pilão, do fubá e da comida.
R - A comida era fraquinha: arroz, feijão, ovo frito...
P/1 - Macarrão não?
R - Macarrão tinha sim, porque quando eles colhiam... Faziam a colheita lá no sítio... O negócio deles era café, eles iam à cidade – os avós, o pai também – iam na cidade trocar o café com sal, com açúcar, e outras coisas mais. As roupas eles comprava de peça, roupa tudo igual também. Sabe esses brins cáqui? Você lembra? Comprava aquelas peças... Olha, era uniforme.
P/1 - Quem costurava as peças?
R - Minha mãe costurava. Fazia para todo mundo, calça, camisa, de uma cor só: brim cáqui. E foi bom, porque meus uniformes do ginásio eram assim (risos) Quando nós mudamos para Igarapava: “Como é que é o uniforme aí, né?” “É botina, calça comprida.”
P/1 - Eles falavam italiano em casa?
R - Eles falavam.
P/1 - Vocês não sabem?
R - Não. O Omilton sabia, porque ele viajou muito, foi lá para a Itália, fez os cursos dele. Aliás, o Omilton era poliglota, sempre gostou de viajar... Mas nós vamos chegar lá. Então, a gente mudou para Igarapava. Eu não estranhei quando entrei no ginásio, porque o uniforme do ginásio era a roupa que a gente usava já lá no sítio, a gente tirava para o sustento. Aquela hortinha, o arrozinho cultivado ali, o café, o que eles não tinham, iam na cidade e trocavam. Com açúcar, como eu te falei, o tecido. E o que mais eles trocavam? Pegavam o açúcar, o sal, o tecido e outras coisas mais que não tinha. Quando nós mudamos para Igarapava, como eu te falei, nós também passamos muita dificuldade. Morava na casa do avô, depois nós passamos a pagar aluguel e... Dificuldade mesmo, não tinha casa própria em Igarapava, não tinha. Depois o Omilton, então, abriu o caminho. Ele veio para Ribeirão Preto morar com os nossos primos e com minhas tias, e para trabalhar também. Ele trabalhou numa fábrica de camisas aqui, um dos primeiros empregos dele foi numa fábrica de camisa. Aos domingos ele pegava uma carrocinha, dessas manuais, punha as camisas e ia nas feiras vender essas camisas. No decorrer da semana ele era balconista, vendia as camisas lá no balcão da camisaria. Nos finais de semana ele pegava as camisas, punha na carrocinha...
P/1 - Lembra o nome da camisaria, ou não?
R – Ah, eu não lembro. Você vai falar com o Wilson? Ele trabalhou lá também, nessa camisaria, ele vai lembrar o nome desta camisaria.
P/1 - Está bom, vamos em frente.
R - A gente mudou pra Ribeirão Preto em junho de 1953 com a finalidade de arrumar um emprego durante o dia para ajudar nas despesas da casa e estudar à noite. Mudamos para cá e passamos para um curso noturno, eu e o Omilton numa classe só, no ginásio Brasil, aqui em Ribeirão Preto, e começamos a trabalhar. Eu trabalhei de entregador de armazém, sabe? Essas “despesas”, não tinha supermercado naquela época, esses botequinhos. A pessoa ia fazer a despesa mensal e eu ajudava a separar e pesar essas mercadorias, punha na carrocinha e ia entregar. Fui trabalhar numa pastelaria, levantava de madrugada para entregar pastéis nos bares, bem de madrugada, e o Omilton, nessa época, trabalhava com essa camisaria que eu te falei. Ele trabalhou também num revendedor de maçã, num distribuidor de maçã que tinha aqui em Ribeirão Preto. Trabalhou no escritório desse representante de maçãs, que vinham da Argentina, e um dia ele saiu de bicicleta, foi atropelado e quebrou a bacia. O caminhão passou por cima dele, caramba!
P/1 - Lembra a data?
R - Ah, isso deve ter sido lá em 55, 56, por aí. Mais ou menos 1955. Ele foi fazer uma entrega de maçã e, numa esquina, o caminhão passou por cima, derrubou ele com bicicleta e ele quebrou a bacia. Um problema sério, coitado.
P/1 - Mas ele ficou com sequelas?
R - Não, ele não ficou com sequela. Bem que ele queria aproveitar esse acidente para não fazer o exército, mas não teve jeito não, ele ficou bom. Ele não queria fazer o exército, ninguém quer. Foi fazer o exame de seleção: "Não, tenente, porque eu fui atropelado, o caminhão passou por cima de mim eu quebrei a bacia..." "Não, senhor está bom, você vem para cá sim." Aí foi servir na cavalaria, lá em Pirassununga.
P/1 - Aí que ele foi companheiro do (Brandani?)?
R - Aí ele fez as amizades dele lá no quartel, em Pirassununga. Ele tem essas amizades daquela época: o Hugo (Brandani?) foi colega dele lá do exército, o Almeida trabalha com ele no Laboratório dos Sintéticos. José Aparecido de Almeida trabalha até hoje na (Biosintéticos?), pode ir falar com ele. Foi amigo do Omilton, lá do exército. José Aparecido de Almeida trabalha na (Biosintéticos?) hoje. Hoje não, faz tempo, está até hoje lá. Zezu, o apelido dele é Zezu, trabalha na (Biosintética?)
P/1 - Mas conhece o Omilton?
R – Nossa, da caserna, amigos da caserna! Caserna é o quartel lá, eles lavavam cavalo, por dentro e por fora do cavalo, eram obrigados a lavar, enfiar a mão... Deixar os cavalos dos coronéis limpinhos! Escovar, tudo.
P/2 - Naquela época da ditadura devia ser fogo!
R – É, os coronéis iam montar, tinham que estar limpinhos, os cavalos, não podia ter um cheiro de nada.
P/1 - Mas ele serviu na época da ditadura?
R - Não, não foi na época da ditadura, ele serviu em 58. Não era época da ditadura. Mas o regime militar é terrível, né?
P/1 - Ah, seja lá como for!
R - Você tem que seguir... Aí ele foi incorporado... E ele sempre foi uma pessoa muito batalhadora, foi servir como soldado e logo fez curso, foi cabo, aí já ganhava algum a mais. Ele queria seguir a carreira militar, mas depois, com o tempo, ele viu: "Não, isso aí não é para mim não." Sabe? Exército, carreira militar de um modo geral ,né?
P/2 - Mas por que que ele não...
R - Sabe o que é? Carreira militar é o seguinte: sempre tem um que manda. Tem hierarquia, vai de soldado a general. Você é tenente, o capitão te manda; você é capitão, o coronel te dá ordem; e vai indo até general. E o general, quem dá ordem para ele é o Presidente da República, quer dizer, é disciplina, hierarquia, disciplina de militar, né? Ele achou que aquilo não servia pra ele não, aí deu baixa, tudo. Mas quando nós viemos para cá, ele começou a ter contato com o ramo de produtos farmacêuticos, foi quando ele estava desempregado, sabe? A gente não... Emprego também era difícil aqui, ganhava-se muito pouco, ele sempre quis crescer, lógico, sempre foi uma pessoa que quis conquistar as coisas, jovem, sempre trabalhador. Ele, conversando com um amigo – acho que foi até no ginásio, eles estudavam juntos – esse rapaz trabalhava na Drogadada, nem existe mais aqui em Ribeirão. Em São Paulo acho que ainda tem, uma rede de varejo. Ele falou: "O Omilton, lá está precisando de um balconista, na Drogadada, você não quer bater um papo com o gerente, coisa e tal?" O Omilton foi lá e conseguiu, falou lá com seu Franklin, (que?) era o gerente da época, conseguiu.
P/2 - Esse amigo, o senhor lembra o nome?
R - Lembro-me.
P/2 - Esse que falou para ele: "Olha está precisando..."
R - "Está precisando, vai lá, te apresento, te conheço aqui da escola, gente boa, tal..." Coisa e lousa, ele foi lá nessa drogaria grande da época... Era uma filial, a empresa é de São Paulo, chama-se Drogadada ___________, uma coisa assim. O Omilton começou como entregador, entregava nas farmácias. Logo ele aprendeu a aplicar injeção, começou a fazer injeção. Quando foi para o exército ele foi enfermeiro lá, porque já tinha prática aqui do emprego dele de farmácia. Ele foi cabo enfermeiro lá.
P/1 – Drogadada? Quando ele começou, você tem ideia da data?
R - Ah, foi mais ou menos em 56, 57, por aí, porque em 58 ele foi servir o exército. Perguntaram: "Qual sua profissão, Omilton?" "Eu trabalho em farmácia, sei aplicar injeção..." "Serve, você vai ser enfermeiro aqui." Depois ele fez curso de cabo e continuou lá no exército, trabalhando como enfermeiro, aplicava injeção, tal. Ele aprendeu aqui. Esse rapaz que indicou ele lá: João Alfredo Mendes.
P/2 - Ele mora aqui em Ribeirão?
R – Mora, mora.
P/2 - E o senhor tem o telefone dele?
R - A gente pode localizar.
P/2 - Seria muito interessante também, porque se ele indicou o Seu Omilton...
R - Foi ele que introduziu o Omilton no ramo de produção farmacêutica, tanto que no sepultamento do Omilton, fiz questão de localizar este rapaz, o João Alfredo. Ele foi no velório e tudo.
P/1 - Mas ele não teve mais contato com ele?
R - Às vezes o Omilton vinha a Ribeirão a passeio, final de semana... Ele não tinha contato com os amigos que ele deixou aqui.
P/1 - João Alfredo Mendes também não teve contato?
R - Não. Tinha, porque esse João Alfredo trabalhou comigo nessa distribuidora também, é amigo de ginásio, sabe? Ele trabalhou comigo de entregador, a gente entregava as mercadorias nas farmácias de Ribeirão e da região, e esse João Alfredo trabalhou comigo, mas ele... Eu tinha amizade com ele tanto quanto o Omilton. Então o Omilton começou nesse ramo nessa época, ele entrou na Drogadada como entregador de remédio nas farmácias, depois aprendeu a aplicar injeção, começou a aplicar injeção e pela prática que adquiriu, entrou no exército, foi ser enfermeiro, depois fez curso de cabo, ficou como cabo-enfermeiro. Aí ele começou a sentir interesse em ser propagandista, então ele já tinha amizade por estar no ramo... O primeiro emprego dele como propagandista ele não trabalhava direto para o laboratório, ele era um preposto. Tinha um titular do laboratório, que eu me lembro, chamava Keto Wemaco, tinha um propagandista, um titular, sabe? Ele pegou o Omilton assim... Como a gente diria hoje? Um freelancer, Então o Omilton trabalhava para este cidadão e tinha lá o seu ordenado. Não demorou muito, porque o Omilton era muito esforçado, muito batalhador, sempre quis conquistar as coisas com muita garra, com muita determinação mesmo. Ele queria progredir mesmo, então logo arrumou um emprego já direto do laboratório como propagandista e vendedor, mas com vínculo empregatício.
P/1 - De que laboratório?
R - Era o laboratório Pan Química, foi o primeiro emprego dele nesse ramo, como vendedor propagandista. Pan Química.
P/1 - Aqui em Ribeirão?
R - Ele fazia a região aqui, mas o laboratório era de São Paulo, lá da Rua da Glória.
P/1 - Mas ele trabalhava aqui em Ribeirão?
R - Aqui e na região, ele viajava também. O trabalho era assim, era visitar médico e vender nas farmácias.
P/1 - Mas a sede era em São Paulo?
R - A sede era em São Paulo, mas aí tinha os gerentes, supervisores que vinham aqui orientar. Tinha treinamento.
P/1 - Ele não saía daqui?
R - Não, mas ele ia às reuniões em São Paulo, tinha reunião de treinamento tudo. Às vezes os gerentes ou os supervisores do laboratório visitavam os propagandistas no setor, trabalhavam juntos. O Omilton fazia aqui em Ribeirão Preto e a periferia, a região aqui, nossa. Viajava também, fazia propaganda e vendas.
P/2 - Ele gostava de trabalhar nisso?
R - Ele adorava, nossa!
P/2 - Ele contava coisas para vocês, para os irmãos?
R - Não. A gente via muito que... A nossa diferença de idade é muito pouca, um ano e pouquinho. Eu via, em casa, ele estudando os manuais, os produtos, ele era um excelente propagandista, mas muito bom mesmo! Ele se comunicava muito bem, era estudioso nessa parte. Não gostava muito de ir à escola, no ginásio, horário marcado para entrar, para sair... Não era muito não, mas de estudar as coisas que interessavam para ele, que era do ramo, que ele adorava, que é esse ramo. Ele viveu praticamente dentro desse ramo, adorava! Eu via ele estudar em casa, treinar em frente o espelho. O Omilton era... Tinha que fazer artes cênicas, viu? Ele treinava, porque tinha os manuais, estudava o produto para falar para o médico. A gente não pode chegar...
P/1 - Ele tinha alguma técnica especial para a abordagem dos médicos?
R - Bom, eu não lembro, porque quando ele foi propagandista eu trabalhava na Votorantim. Eu não viajava, era outro ramo, venda de cimento, cal, prego. Quando eu entrei no ramo como propagandista, foi na Distribuidora Brasão, foi em 59 isso. A distribuidora tinha aqueles laboratórios que tinham exclusividade, então eles tinham que fazer a propaganda, tinham que nomear os propagandistas na região toda, então eu não tinha contato com o Omilton, assim, em propaganda, para ver o tipo de abordagem que ele fazia, porque eu trabalhei em outra região, não era a mesma região dele. Aí eu comecei a fazer a região aqui de Barretos e Rio Preto, e ele fazia por aqui, a gente não trabalhava junto.
P/2 - O senhor começou nessa área também por influência do seu Omilton?
R - Foi. Foi assim, quando ele saiu da Pan Química, falou: "Olha, está na sua vez de ficar no meu lugar" − nesse laboratório Pan Química −. Até então eu já tinha me formado em contabilidade e era subgerente dessa Votorantim, de um departamento aqui de Ribeirão Preto que era da Votorantim. Eu já tinha me formado e estava bem lá, relativamente bem. Aí quando ele saiu da Pan Química, foi convidado... Quando você é convidado é porque é bom profissional, ainda mais quando é um laboratório de capital. Uma multinacional te convidar, é porque você tem mérito. Então esse laboratório que ele trabalhava, a Pan Química, era um laboratório nacional, pequeno. Os supervisores vêm para a região, vão aos médicos e assistem propaganda de outros propagandistas, de outros laboratórios. Ele foi convidado pra ir para a Lilly, a multinacional. Como ele era trabalhador, bom propagandista, se comunicava muito bem, bom vendedor, excelente vendedor também, foi convidado para ir para a Lilly, porque essas pessoas, quando você se sobressai, vêm aqueles laboratórios melhores e levam embora mesmo, aí chegou a vez dele. Ele foi, só que já foi na... Para trabalhar em Bauru, aí ele me ofereceu a vaga dele, estava saindo da Pan Química. Falei: "Não, não vou nisso não, porque acho que eu não sou um bom comunicador como é você, viu Omilton? Sou mais calado, mais... Acho que isso não é para mim não, fazer propaganda médica." Eu era estudioso, tudo, mas eu achava que nesse ramo não iria dar certo. Então a vaga dele ficou para o terceiro, o irmão abaixo de mim, esse que virá aqui à noite. Eu não quis, falei: "Não vou esperar mais. Indica o Wilson, o outro irmão, quem sabe dá certo para ele? Eu acho que não vou me adaptar com esse trabalho." Aí ele colocou o outro irmão na vaga dele, eu continuei lá na Votorantim. Mas eu tinha um ordenado lá que não saía daquilo, sabe? Aí, de repente, meu irmão − o terceiro, Wilson −, começou a trabalhar na Pan Química e ganhar muito, o dobro que eu. Falei: "Ah, eu estou marcando passo aqui nessa Votorantim, viu?" Falei com o gerente lá: "Escuta, será que não dá para melhorar o ordenado meu aqui, pô! Eu estou ganhando pouco. Meu irmão entrou no ramo de produtos farmacêuticos e ganha o dobro, eu estou ganhando 12 reais aqui, ele está ganhando 25." "Olha, você aguarda que está saindo uma vaga para você, de gerente, lá em Uberlândia”, esse gerente daqui falou. Eu era subgerente. “Aguarda mais um pouquinho que a Votorantim está criando um departamento lá em Uberlândia e essa vaga é sua.” Aí vieram os supervisores dessa Votorantim aqui e eu falei a mesma coisa: “Escuta, já faz mais de um ano que eu trabalho aqui, pô! Estou fazendo tudo: contabilidade, tudo, sou formado. Estou ganhando 12 mil por mês!” “Não, mas você aguarda, porque está para sair o nosso departamento lá em Uberlândia, você vai para lá como gerente.” Eu não aguentei esperar, falei: “Ah não!” Trabalhei mais uns três meses e meu irmão, esse terceiro, o Wilson, trabalhando aqui na praça de propagandista teve contato com um dos donos dessa Distribuidora Brasão, um tal de Ivan, que comentou com meu irmão: “Você não sabe, eu estou precisando de um propagandista aqui. Estou precisando para trabalhar aqui em Ribeirão e na região.” Meu irmão falou : “Eu sei sim, eu tenho um irmão.” Um vai passando para o outro. Ele me indicou, eu fui fazer uma entrevista com esse moço num hotel ali no centro... Ah, já me deu um material ali para estudar, dali há uma semana eu fui para São Paulo, fiz os testes lá, me deram as amostras do material, me entregaram a relação de praças... Aí eu comecei nesse ramo também, saí daquela Votorantim lá, porque... E comecei a ganhar muito mais. Depois eu fui para... Trabalhei na região também. O Omilton foi pra Bauru, trabalhando no Lilly, e ele tinha muita amizade com o pessoal de outros laboratórios. Ele me arrumou numa multinacional também, para eu trabalhar naquela região, só que o Omilton morava... Era solteiro, morava em Bauru, e ele, em contato com um funcionário desse laboratório, da Sandoz... Porque estava sendo promovido, ia precisar de uma pessoa lá para trabalhar. O Omilton me indicou para esse laboratório. Me ajudou bastante, porque uma multinacional sempre paga mais. Pagava mais naquela época, hoje a Biosintética paga mais do que eles. Aí eu fui morar em Araçatuba e ele fazia Araçatuba também, a gente entrava em contato para trabalharmos juntos naquela região. Quando ele... De Bauru para Araçatuba a gente trabalhava juntos, aí eu conheci ele mais como propagandista e _________ , que eu falei agora a pouco. Ele era um excelente propagandista, era muito comunicador, muito prestativo, tinha muita amizade com o pessoal do ramo, muita amizade com médicos. Enfim, a gente acaba fazendo muita amizade, e ele tinha muita facilidade para isso, para fazer amizade com médicos, com outros propagandistas de outros laboratórios... Ele se comunicava demais! A gente se encontrava uma vez por mês lá para o lado de Araçatuba, a gente trabalhava junto ali na periferia de Araçatuba e tal.
P/1 - Iam juntos nos _______?
R – Juntos, só que ele ia num laboratório e eu ia em outro. Parece que naquela época ele tinha carro e eu, na época, não tinha. O laboratório não dava condução, eu trabalhava a pé, então era bom ele trabalhar lá porque ele tinha o carro dele. A gente trabalhava junto, mas ele ficava pouco tempo lá, uma semana, depois voltava para Bauru. E eu, morando em Araçatuba, em um hotel lá. Uma vez por mês a gente se encontrava. Aí eu tive problema de saúde, precisei sair desse laboratório. Vim para Ribeirão, fiz uma cirurgia − o Omilton sempre ajudando −, fiquei seis meses parado, difícil de arrumar emprego. Consegui, através dele também, de indicação do Omilton, entrar num laboratório, no Roche, para trabalhar também como o meu irmão, serviço de propagandista, vendedor. Por indicação dele ,que tinha muita amizade com as pessoas, com os gerentes, né? Eu entrei nesse laboratório, aí surgiu uma oportunidade de... Tinha uma distribuidora aqui em Ribeirão Preto com o nome de Distribuifarma, tradicional daqui. Naquela época tinham só duas distribuidoras aqui, uma que eu já havia trabalhado anteriormente, chamava Distribuidora Internacional. O dono lá era bem conhecido também, chamava-se Dorival Moraes. Foi aí que comecei a conhecer produtos farmacêuticos, depois eu pulei para a Votorantim, depois voltei para o ramo, sendo propagandista dessa outra distribuidora de São Paulo. Trabalhei no Sandoz, que foi indicação do Omilton, trabalhei no Roche, depois surgiu a oportunidade de a gente comprar essa Distribuifarma. E a gente tinha muito interesse nela, porque era uma distribuidora tradicional, bem antiga aqui em Ribeirão. Eles tinham uma representação que interessava muito para nós, que era a distribuição, com exclusividade, do laboratório Sintofarma. Então nós compramos essa distribuidora, entramos como sócios, eu, o Omilton e um tio da Mércia, que é esposa do Omilton. Nós compramos essa distribuidora e eu saí do laboratório Roche. O Omilton estava lá em Bauru, no Lilly, e surgiu uma oportunidade para ele ser gerente do Wander. Neste espaço de tempo, ele mudou para Ribeirão e ficou morando aqui... Não morou nem um ano aqui em Ribeirão Preto. Já tinha os filhos, era casado, tudo... Surgiu a oportunidade pra ele trabalhar num laboratório, Wander, como gerente, aí ele mudou para São Paulo. Mudou para São Paulo e... Os contratos que eu tinha... Naquele tempo a gente tinha muito problema de comunicação, negócio de telefone. Para falar em São Paulo era um dia. Então ele era sócio aqui da Distribuifarma e morando em São Paulo. Eu passava as coisas para ele do laboratório, porque precisava fazer pedido, obter alguma informação... Que era a Sintofarma, então... Ele trabalhando no Wander, fazia os contratos para nós, para Distribuifarma, lá no laboratório Sintofarma. Não demorou muito, ele já foi trabalhar na Sintofarma. Na Sintofarma ele trabalhou acho que 13 anos, me parece. Chegou a diretor superintendente da Sintofarma, mas nesse espaço de tempo a gente abriu filial em Bauru, dessa Distribuifarma nossa. Depois, em 75, nós abrimos... Em 72 abrimos uma Distribuifarma em Londrina, e ele era sócio também. Em Bauru. Depois nós separamos nossa parte lá de Bauru, eu fiquei só com Ribeirão Preto e ele ficou com Bauru, e com outro sócio que a senhora vai entrevistar, que eu te dei o nome aí, Antônio ______ Marques, que continua no ramo. Era sócio do Omilton, lá em Bauru. Depois nós montamos um grupo de sete, eu, esse Antônio ____ Marques, o Omilton, mais uns vendedores nossos e uns lá de Bauru. Nós montamos uma Distrbuifarma lá em Londrina, no Paraná, em 72. Em 75 eu saí, porque ficava muito difícil para mim a cada dez dias estar lá em Londrina, quinhentos e tantos quilômetros. Em 75 eu saí da sociedade.
P/2 - Quantas filiais tinha a Distribuifarma, ao todo?
R - Então, ela tinha assim: tinha a matriz aqui em Ribeirão, nós montamos a filial lá em Bauru. Aí o tio da Mércia, senhor Zé ________, já tinha saído da sociedade, depois daí, infelizmente... Há um ano ele faleceu, então a Distribuifarma ficou comigo e com o Omilton. Nós abrimos uma filial em Bauru e depois nós separamos essa sociedade. Eu fiquei com Ribeirão e ele ficou com Bauru. Ele arrumou outras pessoas para trabalhar para ele em Bauru, aí nós separamos, ele ficou com essa filial de Bauru, depois até mudou a razão social para Servmed, aí arrumou esse rapaz, que se chama Antônio _______ Marques para ser sócio dele. Agora, em Londrina já foi outra... Essa nova Distribuifarma não tinha nada a ver com essa de Bauru, nem com Ribeirão, era um grupo maior de pessoas. Nós abrimos em Londrina, em 72, aí em 75 eu saí pelos motivos que eu já te falei agora. A distância, para mim... Eu tinha que tocar uma firma aqui e ajudar lá em Londrina, longe. Enfim, os meios de transporte... Era caro, não tinha esse negócio de avião, era caro na época, e 550 quilômetros daqui... A cada dez dias eu estava em Londrina e tinha problemas aqui, então vendi a minha parte para eles lá. Ficou o Omilton, esse Antônio _______ Marques... Ficou o tempo fechando também lá em Londrina, porque...
P/1 - E o transporte era o que, de carro ou de ônibus?
R - De carro, aí já era de carro. Já tinha mais asfalto, a estrada era aberta. Se bem que em 72 tinha problema ainda também, o Paraná mesmo estava começando. Aquela região ali de Londrina... Londrina é uma cidade nova, tem 60 anos, pô! estava abrindo a região de Londrina. A gente teve algum prejuízo lá, tinha muito aventureiro. Você vendia hoje, amanhã ia lá receber e o cara tinha sumido, tinha fechado as portas. Teve muito prejuízo lá em Londrina, naquela região do Paraná ali. Você vendia, no mês seguinte voltava para vender mais, receber... “Cadê fulano?” “Fechou faz dois meses, sumiu. Anoiteceu, não amanheceu...” Nossa! Aí eu vendi também e saí daquilo, e logo eles fecharam também, não deu certo aquela empresa lá.
P/1 - Nesse trato com seu irmão entre um negócio e outro de farmácia, quais eram as características de comportamento dele? Fora os que você já citou. Para você descrever assim, um profissional, por exemplo, a abordagem dele no consultório, tinha alguma coisa especial que você pudesse dizer: “Ah, esse cara é assim, assim, assim... Diferente dos outros.” Sempre tem uma característica mais marcante.
R - Tem. Bom, nesse ramo aí, propagandista, tem que persuadir, e para persuadir tem que ter conhecimento, e o Omilton sempre foi uma pessoa de muito conhecimento do que está fazendo. Ele não entrava assim despreparado em um médico, tinha as técnicas de abordagem dele, tanto com o médico como na farmácia, na hora de vender. Ele era muito bom nisso. Isso era próprio dele, não é que ele fez curso pra isso e aquilo, para aprender, não.
P/1 - Ele era criativo?
R - Muito criativo. Treinava a postura dele, a entonação de voz na frente do espelho, entendeu? E isso ele punha em prática. Não é que ele treinava lá, chegava na hora de fazer a propaganda com o médico ele... “Seja o que Deus quiser, vamos fazer o que der certo aqui.” Não! Ele chegava junto, assim...
P/1 - Disciplinado?
R - Muito disciplinado. O que ele planejava fazer, ele ia e fazia sim. Ele era muito determinado, sabia o que queria.
P/1 - A aparência dele assim... Tipo o perfil dele como profissional, ele seria o quê? Um profissional com características de ser falante, gentil, seco, brusco ou não, enfim...
R - Falante e gentil. Falante ele era. Todo vendedor, propagandista, todo o pessoal que está envolvido com comércio, se relaciona, tem que ser falante. Ele era muito baseado para falar as coisas, muito preparado. Era muito persuasivo, Nossa Senhora!
P/1 - Você se lembra de algum caso curioso que ele contava que aconteceu nos caminhos dele? Sempre tem uns casos que acontecem entre o propagandista e o médico.
R - Eu não me lembro, sabe por quê? Como eu falei para a senhora, a gente não trabalhava junto, somente lá em Araçatuba. Ele trabalhava em outra região.
P/1 - Ele não chegava para você: “Olha, aconteceu tal dia, assim, assim, com o médico, aconteceu isso, aquilo...”?
R - Não, o que a gente comentava era a conquista de receituário, porque isso é que é importante, a conquista. Você lançar um produto novo, promover esse produto e ver sair no receituário, na farmácia. Isso aí era tudo para um propagandista.
P/1 - Tem uns propagandistas que têm umas técnicas de abordagem aos médicos, assim, em termos de tempo em si, não de técnica de produto. Por exemplo, quando o médico faz tomar chá de cadeira, quando o médico passa do horário, quando outro propagandista está entrando na frente, esse tipo de casos, sabe?
R - Sei. Mas hoje em dia isso é bem disciplinado. O médico estipula dia da semana e horário para atender propagandista. Naquele tempo eu me lembro que às vezes acumulava uns seis, oito propagandista juntos. Essa presença de outros propagandistas não inibia o Omilton, ele era muito bem preparado para fazer propaganda perante um grupo de médicos. Com um grupo de colegas de outro laboratório isso não era empecilho para ele não. Ele era muito desinibido, muito falante, muito preparado para as coisas, se preparava muito bem, não tinha inibição com ele em tempo algum, tanto para fazer propaganda médica como para vender, para comprar; ele era muito firme nos negócios, nas coisas que ele fazia e gostava de fazer. Sempre quis progredir nesse ramo, tanto que progrediu bastante, trabalhou com grandes empresas e sempre se sobressaiu nessas empresas que ele trabalhou. Eu me lembro, no Wander ele trabalhou como gerente, depois passou para a Sintofarma... Ele foi galgando os degraus ali na Sintofarma, entrou como gerente e foi subindo até diretor superintendente. Eu me lembro, nessa época eu era revendedor desse laboratório também. Ele deu um impulso tremendo nesse laboratório. Não me lembro bem, mas... Na época ele trabalhou assim na Sintofarma. Era um laboratório que conquistou um lugar destaque entre os laboratórios nacionais e até mesmo entre os multinacionais no ranking de vendas no país. Parece que teve uma época que a Sintofarma estava em 24º em vendas no país, isso envolveu toda a indústria farmacêutica. Parece que eu me lembro desse dado aí, isso na gestão dele como diretor da Sintofarma.
P/1 - Quem poderia falar sobre isso?
R - Quem poderia falar sobre isso, sobre o Omilton... A Senhora poderia entrevistar seu Serra, Alberto Pinto Serra.
P/1 - Desculpe, Sintofarma é com “s”?
R - Sintofarma é com “s”.
P/1 - De sintoma, né?
R - Sintofarma. Esse Alberto, senhor Serra, era muito amigo dele, sabe? Senhor Serra ele... O irmão do Senhor Serra era gerente do Lilly. Foi gerente do Omilton no Lilly. O senhor Serra trabalhava no laboratório Wander e foi gerente do Omilton no laboratório Wander. O Omilton foi para a Sintofarma e trouxe o senhor Serra para a Sintofarma, entendeu?
P/1 - É fácil localizar esse senhor Serra?
R - Alberto Pinto Serra, ele mora em São Paulo.
P/1 - Ainda trabalha lá?
R - Acho que trabalha no ramo ainda. O Miltinho pode tentar localizar o senhor Serra. O senhor Serra tem muito para falar do Omilton. Foi gerente dele na Wander e depois foi trabalhar na Sintofarma, tinha um tipo de sociedade também numa empresa aí, o Omilton mais o senhor Serra. Depois separaram, mas continuaram amigos, tudo. Então essa é a vida do Omilton, dona Marina.
P/1 - Mas aí, nós estávamos mesmo onde? Quando eu interrompi perguntando...
R - O que eu poderia dizer mais, né? Do ramo assim...
P/1 – Não, quando eu interrompi perguntando, insistindo se ele tinha alguma característica especial?
R - Então, como eu disse para a senhora, a agressividade que ele tinha no trabalho, o discernimento, a disciplina dele, a maneira dele trabalhar. Era de segunda a sexta, não tinha esse negócio: “Hoje eu vou descansar.” Às vezes até sábado ele trabalhava, ele era muito determinado, como eu falei pra senhora. Queria vencer na vida. Em matéria assim de transporte, logo que ele trabalhou nessa farmácia, logo comprou uma lambreta. Aquilo era a condução que todo mundo queria. Nossa, ele comprou uma lambreta! Fiado, mas comprou. Mas ele pagou, viu? Comprou uma lambreta quando foi lá para Bauru, que ele entrou no Lilly... Laboratório naquele tempo não dava carro, sabe? Você viajava de ônibus, um sacrifício! Eu peguei esse tempo também. A gente não tinha condução. Olha, mala de amostra, impresso... Você tem muito relatório para fazer, amostra, mala de roupa... Levantar de madrugada, _____ essas malas nas costas. Você não podia pagar táxi, não ganhava bem assim. Aí o Omilton foi para Bauru e me comprou um carro Volvo, importado. Nossa Senhora, coitado! Ele comprou esse carro Volvo de um médico, acho que de Dois Córregos. Ô carrinho que deu trabalho pra ele! Porque não tinha peça, você precisava comprar uma vela, precisava importar. Falava: “Ô meu Deus, onde você comprou esse carro?” “Não, lá em São Paulo tem peça!” Qualquer coisinha que ia olhar nesse carro, coitado, era uma mão-de-obra. Em São Paulo atrás de peça num Volvo, pô carrinho! Depois foi melhorando, comprou um fusca. Mas o melhor carro que ele comprou, depois que se firmou no ramo, foi em 69. Ele comprou um Opala, quando saiu: zerinho! Aí foi uma festa! Nó fomos os quatro, fizemos essa viagem para os Estados Unidos... Me lembro muito bem! Quando o Omilton comprou esse Opala zero, verdão, sabe? Fomos os quatro para São Paulo estrear o carro. Que festa, viu?! Fomos para São Paulo passear. Fomos lá no _______.
P/1 - Ele se firmou, mesmo, em que ano?
R - O Omilton já nasceu firme.
P/1 - Já nasceu firme?
R - O Omilton sempre soube o que quis. E o que ele... O objetivo que ele traçou ele conquistou, foi buscar. Através do trabalho, da honestidade, do trabalho, do discernimento que tinha nas coisas, disciplina nas coisas que ele fazia, ele conseguiu.
P/1 - O senhor falou que em 69 quando ele se firmou, comprou um Opala verdão, é isso?
R - Foi quando lançou o Opala. É, nossa, aquilo lá...
P/1 - Era um quatro portas, né?
R - A senhora sabe que eu não me lembro?
P/1 – É, depois é que saiu o coupe.
R - É, era quatro portas sim, viu? Nessas alturas ele já... Em 69 ele estava no... Acho que já estava na Sintofarma, em 69. Parece, porque nós compramos essa Distribuifarma em 64, foi juntinho com o regime militar.
P/1 - E ficaram até quando?
R - Essa Distribuifarma? Fiquei até 93.
P/1 - E ele e o sócio também?
R – Não, nós logo nos separamos, como eu falei pra senhora. Nós abrimos uma filial em Bauru, nós dois. Nós éramos sócios aqui em Ribeirão e abrimos uma filial em Bauru. No decorrer do tempo nós engrenamos essa filial lá em Bauru, tudo, e lá nós tínhamos umas representações melhores até do que aqui. Tinha o laboratório Lilly, a Johnson... Lá tinha mais laboratórios mais importantes que a gente representava. Aí nós rachamos o negócio. Eu fiquei aqui em Ribeirão com a Distribuifarma daqui, ele ficou com aquela de Bauru.
P/2 - Por que vocês separaram?
R - Não, sabe por quê? É que eu já estava aqui com uma equipe grande para tomar conta, eu não podia viajar muito para Bauru, então nós expandimos o setor pra cá, eu já tinha 12 vendedores propagandistas, eu que tomava conta. Era com treinamento, com vendas, com tudo, propaganda... Então, eu indo para Bauru, saía fora aqui da região da Distribuifarma de Ribeirão. Aí começou a ficar difícil para mim. Tomar conta da nossa firma aqui e de lá também, que tinha um monte de vendedor, propagandista... Aí, quando nós separamos, ele nomeou um gerente, que eu já te dei o nome aí, então ficou melhor pra mim. Aí esse gerente comandava as coisas para ele. Ele estava em São Paulo na Sintofarma, arrumou esse gerente e também expandiu por lá esse negócio. Esse gerente virou sócio dele também, entendeu? Não houve atrito assim... Foi tudo numa boa, numa ótima. Não teve atrito, briga disso, daquilo...
P/2 - Nenhum ficou chateado? “Você vai me abandonar justo agora que o negócio está crescendo?”
R - Não! Ele tinha condições também de trocar e nomear pessoas boas, como ele nomeou. O negócio dele foi para frente lá em Bauru e nós voltamos a ser sócios em Londrina também. Não houve assim, atrito.
P/1 - Mas tão próximos assim profissionalmente, só vocês dois irmãos, ou tem outro que andava pela indústria farmacêutica?
R - Os quatro estavam envolvidos nesse ramo, viu? A senhora vai...
P/1 - Vou falar com os outros.
R - Com o Wilson?
P/1 – Também estava envolvido?
R - Esse que pegou o lugar dele na Pan Química, porque eu não quis.
P/1 - Falta um. E o outro?
R - O outro mora em Uberlândia e trabalha no Biosintética. Osvaldo é o mais novo, o caçula dos homens.
P/1 - Em que momento aparece a Biosintética? Está muito longe, ainda, no ponto do nosso relato?
R - Ah não, não está longe não, porque aí, como eu falei pra senhora, ele foi para Sintofarma, para trabalhar pouco tempo, no fim acabou ficando 13 anos lá. Infelizmente, em 82, ele teve o primeiro enfarte. Ele era muito trabalhador, sabe? O Omilton... Não tinha hora para fazer as coisas. Quem entra nesse ramo, e com a carga de confiança que ele tinha lá... A pressão é muito grande, sabe? Um cargo de diretor. Tem objetivos... De tudo, né?
P/1 - Metas?
R - Metas. Você tem produto para lançar, tem produtos pra tirar de linha, produtos antigos... E essas decisões... Eu acho que isso aí deixa a pessoa muito tensa, e como ele era um vencedor... Ele sempre quis vencer, o Omilton, isso aí... Toda hora eu estou falando isso, mas ele foi um vencedor. Ele traçava os objetivos dele, ele queria alcançar com o trabalho.
P/2 - Ele conquistou tudo aquilo que ele foi plantando durante a vida, né?
R - Então, coitado! Eu me lembro quando ele fez a primeira cirurgia. Ele sempre foi nervoso também, viu? O Omilton, ele...
P/1 - Ele era bravo?
R - É, ele era bravo. Enérgico com os irmãos mais novos − que eram todos, porque ele era o mais velho −, ele era muito enérgico, muito Nervoso.
P/1 - Dava bronca?
R - Dava, muita. Não comigo, porque a gente tinha muita afinidade, porque....
P/2 - Ele pegava rabo de tatu também?
R - Ele dava uns cascudos nos mais novos, viu? Comigo não porque nossa diferença de idade é pouca e eu também estava bem encaminhado, enfim... Onde ele me indicou para trabalhar também nunca decepcionei, né?
P/1 - Ele tinha características de líder?
R - Demais! É o que ele mais tinha era a liderança dele, oras! Nós devemos a ele a nossa vinda para um centro maior, como foi Ribeirão. Ele que puxou a fila, como eu disse pra senhora. Ele veio sozinho...
P/1 - Ele que puxou a família?
R - Primeiro ele veio sozinho morar nas casas das tias, depois ele foi lá em Igarapava e pediu “Vamos mudar para Ribeirão, a gente arruma emprego para todo mundo lá, coisa e lousa.” A gente veio, mas ele já estava aqui, ele que puxou a fila. A gente morava em casa alugada. O Omilton era assim, um dia ele chegou para mim: “Ô Ulisses, essa casa que nós moramos aí, nós pagamos não sei quanto por mês de aluguel, nós acabamos de comprar a casa.” “Como Assim?” “Já fechei o negócio, viu?” “Como você fechou o negócio? Quem vai pagar?” “Nós quatro!” “Como assim nós quatro? Caramba!”
P/1 - Ele era solteiro ainda?
R - Solteiro. Ganhando uma miséria, poxa! Naquela época eu ganhava acho que 25 reais. “Olha, cada um vai dar R$ 12,50, a prestação é 50 reais.” Cinquenta reais não, o dinheiro da época. “Olha, nós somos em quatro, meu pai parou de ser motorista, está tocando uma roça de abacaxi lá em Buritizal, caiu uma geada lá matou os abacaxis dele então ele não tem dinheiro para entrar nessa aí.” “Mas aqui ninguém tem!” “Não, vocês se virem, hein? Eu já fechei o negócio, cada um vai dar 12,50 de ‘dinheiros’, a prestação é 50 ‘dinheiros’, vocês se virem! Eu já fechei o negócio.” “Ô Omilton, mas 12,50 é metade do dinheiro que eu ganho, estou ganhando 25. Nós que pagamos o estudo.” O pai não pagava o estudo para nós, a gente pagava a escola, porque quem queria estudar em curso noturno era pago, escola particular. Cada um pagava a sua escola, cada um comprava a sua roupa, seu calçado, cada um comprava a sua roupa de cama, a sua toalha... É, o negócio não era fácil não! Meu pai estava mexendo com uma roça de abacaxi lá em Buritizal, a primeira coisa que ele ia fazer... Caiu uma geada em agosto lá e matou tudo, queimou tudo, coitado! Então ele fez um negócio, não consultou ninguém e só veio falar depois.
P/1 - Aí vocês ficaram bravos?
R - Aí não teve jeito, metade do meu ordenado, metade! No fim nós compramos essa casa, pagamos, essa que nós morávamos. Compramos, pagamos direitinho, deu tudo certo. Mas ele fez o negócio... Uma das coisas que a senhora estava perguntando aí, ó... Não queria nem saber não: "Você se vira, pô!" Nós nos viramos e pagamos esta casa, deixamos de pagar aluguel.
P/1 - Morava dentro a família inteira?
R - Morava. Nós éramos quatro homens e uma mulher. Os quatro moravam num quartinho... Era menor que isso aqui, viu? No quarto mal cabia quatro camas, era um rolo!
P/1 - E a caçula também?
R - Tinha um quarto separado para ela. A casa era de três quartos, tinha um quarto separado. Um era só para nós, homens. Agora, o Omilton era meio maldoso também, viu? A gente dormia em um quarto só... Ah, um dia ele me aprontou! Como é que eu vou falar, viu? Não esqueço disso. Ele chegava tarde em casa. Um dia ele chegou em casa, eu já estava dormindo, ele me mete um sorvete no ouvido. "Ô Omilton, não faz mais isso não, poxa!" Eu dormindo lá de lado, ele veio chupando um sorvete, um picolé, tirou um pedação assim do picolé, “tacou” no meu ouvido! "Pô Omilton, não faz mais isso não, caramba!" Naquela semana ele fez pior. Ele trabalhava na farmácia Drogadada, né?
P/2 - Eu duvido que ele tenha falado com essa calma, né __________.
R – Nossa, não. Põe coisa nisso. O Omilton já trabalhava na Drogadada, como eu já falei pra senhora. Ele me pega amoníaco, sal amoníaco, e eu, dormindo lá, no mesmo quarto, ele meteu sal amoníaco no meu nariz!
P/1 - Mas só no seu?
R – É, estava com uma bronca!
P/1 - É com você?
R - Comigo. Meteu sal amoníaco!
P/1 - Mas o que você tinha feito?
R - Nada! As brincadeiras dele, uai! Tem outra história também lá em Igarapava... Ele foi coroinha, viu? Foi coroinha, queria ser padre, queria ser professor, queria ser halteres... Quando ele foi fazer halterofilismo ele não tinha estrutura, ele era menino, aí começou a entortar as pernas, ele precisou parar. Ficou com as pernas tortas quando era menino.
P/1 - Depois endireitou?
R - Não endireitou muito não. Ele queria ser ... Ele via aqueles filmes do Tarzan, ele queria ser forte. Ele achou que fazendo halteres... Sem orientação, não tinha professor. Tinha uns pesos lá no grupo − como eu falei para senhora −, ele pegava aqueles pesos de 20 Kg, depois de 30, depois 40 e olha... Ficava lá. Depois pegava em pé. ________ menino, pô! Queria ser Tarzan. Bom, não deu certo isso não, aí ele foi ser coroinha. A senhora sabe aquelas pessoas que ajudam na missa?
P/1 - Sei.
R - Hoje não existe, tem? Faz tempo que eu não vou na missa também... Hoje não tem mais isso, né?.
P/2 - Ainda tem.
R - Mas de bater o sininho?
P/2 - Em algumas igrejas mais afastadas ainda tem.
P/1 - Ele foi por que queria ser coroinha?
R - Não. Aí começou... Fizemos a primeira comunhão, tudo encaminhadinho, né? Todo mundo lá em casa. Primeira comunhão, tudo direitinho, recebemos diploma. Ele fez a primeira comunhão dele e foi ser coroinha, foi ajudar, auxiliar na missa. Tinha uns _____ lá que ele sabia que tocava o sininho... Você já foi em missa que toca o sino e tal? O menino, aquela roupa, branquinha, vestido de coroinha, auxiliar do padre nas missas. Um dia ele deixou aquele sininho cair, moça! No intervalo ele tinha que tocar o sininho, escapou da mão dele aquele sininho. Mas foi uma barulheira! Aquele sino rodando até lá em baixo...
P/2 - E o padre?
R - O padre deu uma olhada para trás assim, com aquela cara: "Omilton, você me dá trabalho mesmo!" Só deu uma olhada feia para ele, assim. Aí ele foi lá no meio da Igreja e catou aquele sininho... Todo mundo... Já pensou aquele sino caindo naquele granito ali? Saiu rolando! O Omilton era meio desastrado, viu.
P/1 - Aí ele desistiu de ser coroinha?
R – Ah, ele falou: "Não, esse negócio aí não é meu não." Porque ele fazia o dízimo também, recolhia num saquinho grande, roxo. e saía nos bancos recolhendo o dízimo, depois era a missa. ____________ ele fazia a coleta para os padres, ele se decepcionou porque esse padre, no fim, acabou amigando com uma Filha de Maria! Ele pensou: "Mas é isso! Ah não, não é pra mim não." E largou mão disso. Mas nessa passagem que ele deixou cair o sino... A hora que terminou a missa o padre chamou ele: "Omilton, você precisa se comportar mais, tenha cuidado. Viu que barulhão você aprontou? Deixar cair o sino! Barulhão! Todo mundo em silêncio. Na hora de dar a hóstia você me deixa cair este sininho, que barulhão! Olha, você se comporta melhor viu Omilton?" "Não padre, mas escapou da mão, poxa vida!" "Você é coroinha aqui já faz quase um ano, caramba! Você tem que ser mais cuidadoso com essas coisas. Olha, se você se comportar bem eu vou te dar um terço que eu recebi lá do Vaticano. ________ não foi que eu recebi do Vaticano _______. Eu vou te dar um terço novinho, bonitinho!" "Ah não, terço não, padre! Eu quero a metade!" (risos) Ele pensou que o padre ia dar um terço do dízimo! "Não padre, eu que faço a coleta. Um terço não, eu quero a metade." Isso aí ficou gravado, depois ele saiu porque aconteceu esse caso com o padre, com Filha de Maria. Ele se decepcionou com o negócio de padre... Nem todos são iguais, mas aconteceu com o padre lá e...
P/2 - E de que Igreja era?
R – Católica, lá de Igarapava. Ele era menino, ainda! Tinha acabado de fazer a primeira comunhão.
P/2 - Ele tinha quantos anos?
R - Ele tinha uns 12, por aí. Mais ou menos isso, 12 anos. Então, voltando àquele assunto da Sintofarma, ele teve esse problema de saúde. Infelizmente teve uma segunda cirurgia, ele fez duas, duas cirurgias, uma em 82 e outra em 86, parece.
P/1 - Safena?
R - Foi safena, mas ele... Essa segunda ele se sentiu mal. Foi lá em Barcelona, ele estava viajando, acho que em pleno inverno lá. O inverno não é muito bom para o cardíaco, né? A pressão parece que aumenta. Aí ele causou muita preocupação, porque foi para a Europa no inverno, se sentiu mal, acho que ele ficou uma semana internado lá em Barcelona. Ele voltou e os médicos de lá recomendaram que ele refizesse essa... Refez em 86. Ele tinha saído da Sintofarma e já tinha comprado o laboratório Biosintética, que era um laboratório pequenininho. Tinha uns produtos bons, mas laboratório nacional e... Não tinha assim, aquela linha muito grande, muito científico. Tinha alguns produtos populares e tinha alguns de receituário. Ele comprou essa Biosintética, mas era um laboratório pequeniníssimo! Ele levantou esse laboratório, como a senhora sabe, porque é, hoje, uma senhora de uma indústria farmacêutica. Eu não sei por que eu estou por fora do ramo, já saí faz uns sete anos, mas eu acho que deve estar bem colocada no ranking dos melhores laboratórios. Ele foi sempre muito meticuloso com as coisas, mesmo quando era empregado, diretor... Muito meticuloso. Investia demais na produção dos produtos, mesmo na Sintofarma, e depois no laboratório dele, muito mais ainda. Sempre foi muito sério nas coisas que fazia. Hoje, esse laboratório foi trabalho dele, depois os filhos ajudaram muito também, logo começaram a trabalhar no laboratório. Eram três, uns rapazes trabalhadores que seguiam tudo ali, na cartilha do pai. E hoje parece que corre normalmente as coisas, porque eles já estavam entrosados, os meninos, com a maneira de ser do pai. Foi uma maneira assim, extraordinária de...
P/2 - Ele que ainda comprou a (Glicolabor?)? Não faz muito tempo.
R – Não, acho que ele estava em negociação e não chegou a fechar, segundo me consta. Não sei, isso aí o Miltinho pode informar, eles estavam em negociação com outra empresa aqui em Ribeirão, do mesmo ramo, (mas?) não deu certo. Ele começou a negociação com essa Glicolabor, segundo me consta, mas parece que ele não chegou a fechar negócio não. Não fui informado disso, mas acho que quem concluiu os negócios foram os filhos. Essa parte eu não sei dos detalhes, porque ele não comentou comigo se já tinha fechado negócio com essa Glicolabor. Aí, infelizmente, ele veio a falecer.
P/1 - Mas ele não tinha incorporado nenhuma outra ainda?
R - Segundo me consta não. Essa informação quem podia dar são os filhos, porque eu saí do ramo há sete anos. Saí em 93 do ramo e me desliguei totalmente do ramo e dos negócios também, e não tinha muito conhecimento do que se passava nos negócios dele. Os filhos sabem te informar melhor, eles informam melhor, os três filhos dele. Essa data dos negócios que ele fez aqui em Ribeirão com a Glicolabor eu não sei quando, se foi antes da morte dele... Não sei se foi ele que fechou ou se os filhos vieram a fechar depois, essa parte eu estou por fora.
P/1 - Aquela viagem que eu assisti lá na casa, o que significou aquela viagem?
R - Para mim significou muito, conviver durante 15 dias os quatro irmãos. Cada um para um lado... Um mora em Uberlândia, outro mora aqui mas está em outro ramo que não tem nada a ver com produtos farmacêuticos, e eu estou fora do ramo há sete anos. Aquele que mora em Uberlândia está envolvido, ele trabalha na Biosintética também. A gente se via em final de ano, no Natal, um Ano Novo, cada ano na casa de um. Então aquela viagem, para mim, significou...
P/1 - De quem foi a iniciativa?
R – Dele, foi dele.
P/1 - Como ele abordou a história para convidar?
R - Ele abordou da seguinte maneira: "Gente vamos fazer um passeio? Nós quatro, só os irmãos." "Bom Omilton aí tem que ser (cif), né?" (Cif?) é pago, né? "Não, tudo livre, tudo por minha conta."
P/1 - Ah, foi?
R - Opa! Passagem, tudo, hospedagem... (cif?).
P/1 - O que é (cif?)?
R - (Cif?) é uma sigla americana: tudo pago. Então não ficou nada para nós pagarmos, ele pagou tudo. Viagem, passeio, viagem de avião, aluguel de carro, restaurante, tudo, o Omilton patrocinou tudo, bancou tudo o Omilton. Valeu a pena! Parece que o Omilton, coitado, estava adivinhando... A gente sempre incentivava, ele falava: "Gostaria de virar o século." "Você vai!" "Não, não chego." "Chega sim Omilton, a medicina evoluiu demais, amanhã tem outros produtos aí que podem resolver seu problema."
P/1 - Mas com que problema ele ficou depois das safenas?
R - Ele se cuidava muito bem, mas tomava muito remédio, tomava bastante remédio. Cirurgia de coração... Ele um dia falou para mim: "Ulisses, o médico me disse que safena não dura 15 anos. “Não Omilton, eu tenho um amigo aqui em Ribeirão que faz 20 anos que ele fez safena, fez antes de você, está aí." "Não passa de 15 não, isso aí é uma raridade, durar mais que 15." Infelizmente a dele durou o que? Seis! Ele fez a primeira em 82, faleceu em 98, estava certo nas previsões dele.
P/1 - A primeira em 82, a segunda quando?
R - Em 86.
P/2 - O senhor acha que essa tendência da Biosintética de produzir mais produtos da linha cardiológica é por causa disso?
R - Por causa da doença dele? Não, não seria não. Não porque... Bom, ele foi vítima da... Quer dizer, o seguinte... Não. Ele é muito pesquisador de mercado, e linha cardiológica é uma linha muito vendável, muito rentável.
P/2 - Foi mais pelo bom negociante que ele era?
R - É, pelo bom negociante que ele foi. Ele sempre foi pesquisador de mercado. O Omilton, quando ele trabalhava como diretor da Sintofarma e depois como proprietário da Biosintética, ele planejava muito bem o lançamento de novos produtos. Ele pesquisava muito o mercado, conhecia demais o mercado. Ele não dava ponto sem nó, raramente lançava um produto que não fosse sucesso, tanto quando ele era empregado da Sintofarma, como proprietário da Biosintética. Tanto que ele foi abandonando aquela linha antiga que eu te falei. Era um laboratório pequeno, de pouca expressão, tinha alguns produtinhos só de receituário, o resto era produtos populares. Dizem que quando um farmacêutico empurra... Que você dá uma bonificação, o cara compra dez, ganha dois; compra cem, ganha vinte; um troço assim... Tinha umas tabelas, então, ali o farmacêutico tinha as vantagens que ele recebia na compra, ele empurrava aquilo. Você ia lá com tosse, ele dava aquele xarope dele. Você ia gripado na farmácia, dava outro produto que ele tinha para gripe, e assim por diante. Mas ele entrou nessa linha de cardiologia e neurologia, me parece, porque são produtos que vendem demais. Ele conhece similares do que vende, o similar. Às vezes tem dados de venda unitária desses produtos, entendeu? Não lança nada a olho. Ele via a brecha no mercado, ele entrava mesmo. Pesquisava, ele conhecia demais esse ramo, tanto que, depois, ele − com os filhos no trabalho já com ele − foi presidente do sindicato da indústria farmacêutica, se não me engano.
P/2 - O senhor tem dados a respeito desse assunto?
R - Isso vocês vão ter que entrevistar o Bandeira.
P/1 - É aqui de Ribeirão?
R – Não, ele é presidente da Abifarma [Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica], foi amigo do Omilton, da Sintofarma. Luís Eduardo Bandeira de Mello.
P/1 - Qual é a relação dele com o senhor Omilton?
R - Quando o Omilton saiu da Sintofarma ele ficou no lugar do Omilton, depois o Omilton...
P/1 - Não era sindicato, coisa de associação de classe, não é?
R – Abifarma?
P/1 - Sim, que já é uma associação.
R - É o sindicato da indústria farmacêutica.
P/1 - Associação Brasileira.
R - Eu não sei, quem poderia te dar todos esses dados que eu estou falando.... Eu sei superficialmente, mas a Mércia tem conhecimento, o Miltinho... Eu já te dei uns três nomes aí que você não sabia, olha! Essas pessoas sabem mais do que eu.
P/1 - Mas você já trabalhou _________?
R - Meu convívio com o Omilton foi até os 20 anos, com vinte e poucos anos ele mudou para Bauru. Meu convívio com ele foi na adolescência, na infância... No início dos nossos estudos e ginásio, que hoje seria quinta série. O Omilton, logo com uns vinte e poucos anos, saiu de Ribeirão, foi para São Paulo, foi para Bauru, para São Paulo, entendeu? Agora, profissionalmente ele se envolveu mais com essas pessoas. Aquele nome que eu dei para a senhora, o Osvaldo...
P/1 - Luís Eduardo Bandeira de Mello?
R - Um outro que eu dei aí, senhor Alberto Pinto Serra. Faz um "x” aqui nele. Pode pôr nesse outro também. Esse povo vai ficar um dia aqui falando do Omilton para a senhora. Esse que eu te falei agora em São Paulo, chega para o Miltinho: "Miltinho, dá o telefone do Bandeira e do Serra." Esse pessoal fica um dia inteiro falando do Omilton, conviveram com ele na indústria farmacêutica o tempo todo.
P/1 - A gente está perguntando assim, pelo seguinte, como nós estamos aqui em Ribeirão, se tivesse alguém relacionado a essa coisa de associação de classe, enfim...
R - Não, aqui não tem. Aqui o que a senhora poderia conversar... Eu te dei o nome aí, Adalberto (Marino?).
P/1 – Não, aqui tem de Bauru, José Aparecido de Almeida Zezu, da Biosintética, da caserna. João Alfredo Mendes...
R - Esse que indicou ele na Drogadada quando ele entrou no ramo de produção?
P/1 - Em Ribeirão?
R - É, em Ribeirão.
P/1 - Qual é o nome, mais?
R - Adalberto Marino. Foi o gerente dele aqui na Drogadada. Era amigo dele, convivia com ele no dia-a-dia, no trabalho.
P/1 - Esse Marino não tem na minha lista.
R - Põe aí também, Adalberto Olivo Marino. Esse foi gerente dele na Drogadada e amigo, né?
P/1 - É Ribeirão?
R - É Ribeirão.
P/2 - Depois o senhor poderia passar o telefone dessas pessoas?
R - Você não quer ligar para _________ e a gente já mata essa charada agora?
P/1 - Só terminar a entrevista então.
P/2 - Deixa eu perguntar uma coisa que eu fiquei curiosa, ele colocou o que no nariz do senhor?
R - Sal amoníaco. Eu quase morri sufocado, né? Eu estava dormindo lá, ele me bota sal amoníaco. Tem uma passagem dele também, na infância. No Natal ele levantava de madrugada e ia trocar os presentes nos sapatos (risos). Trocava. No outro dia a gente se levantava, minha mãe só dava uma olhada para ele assim, e ficava por isso mesmo. Depois descobriram.
P/1 - E qual era relação dele com os pais?
R - Muito boa.
P/1 - Ele não dava trabalho porque ele era muito levado?
R - Não, ele não era levado de fazer muita arte. Ele era o mais velho da família, então quando a gente era menino ele já estava atrás de namoradinha, essas coisas. Não era bagunceiro de sair com a gente para roubar frutas nos quintais. Já queria namorar, tal, coisa e lousa. Estava atrás das meninas já.
P/1 - Agora, vindo para o seu atual. O senhor mora com a sua esposa?
R - Moro.
P/1 - Os filhos ________, né? Qual é a sua atividade mais importante hoje?
R - Atividade?
P/1 - O que o senhor gosta de fazer hoje em dia?
R - Eu não (ando?) gostando de fazer nada, viu?
P/1 - Ficar na rede, balançando?
R - Não, não, minha atividade hoje é... Como eu falei para senhora, além de eu ter uma propriedade lá em Goiás, que é arrendada, eu tenho um sítio pequenininho aqui, e de vez em quando eu vou lá. É uma pequena propriedade rural, vou lá umas três vezes por semana, passo um meio dia lá. Tem um empregado que cuida, tem uma casa com piscina, mas a gente não usa porque os filhos são casados. Eu já tenho um pouco de idade, minha mulher também, a gente não liga muito para sair, acabou aquilo, né? Clube? Tem uns clubes que a gente é sócio, também quase não vou. Como eu falei para a senhora, eu gosto de futebol, gosto de assistir televisão, eu leio, assino jornais, revistas... Essa é minha atividade.
P/1 - E as suas principais preocupações hoje em dia?
R - As principais preocupações? É lógico que preocupação a gente sempre tem, a gente acaba com as da gente, ________, você começa a casar filho, ter neto...
P/1 - Tem netos?
R - Tenho duas netas.
P/1 - Que idade?
R - Uma de três e uma de nove. Com a filha mais... Casada, a segunda casou em 96 mas não tem filhos ainda. A preocupação sempre é com o futuro das pessoas que... De parentes, né? _____ essas preocupações sempre...
P/1 - E a vida familiar? Como funciona? De vocês que estão por aqui?
R - Muito boa.
P/1 - Se veem sempre?
R - Não muito não. A gente não é uma família assim, que está toda hora um na casa do outro, mas temos um bom relacionamento.
P/1 – Aliás, isso ficou desde a infância?
R - Ficou, porque a gente tinha que ter essa união. A gente... Somos de origem humilde, o que a gente conseguiu foi à custa de muito trabalho, de todos, dos irmãos, pais, do Omilton que sempre puxou a fila... E a gente vive relativamente bem, não tem problema assim...
P/1 - Fora os normais, né?
R - É, fora os normais, porque todo mundo fez sua cama... A custo de trabalho, a gente não recebeu nada de herança, tudo o que a gente conseguiu foi através do trabalho. Como eu te falei, nossa origem é humilde, meus pais são de origem humilde, de famílias pobres, filhos de italianos que vieram como imigrantes para trabalhar na roça.
P/1 - E da geração do seu pai, só tem ele vivo?
R - É. Há pouco tempo morreu o irmão mais velho dele, com noventa anos, mas ele tem mais irmãos. Eles são em treze, na família do meu pai eles são em treze, meu pai é o do meio. Tinha seis para cima e seis pra baixo, hoje eles são em três homens e uma mulher.
P/1 - E do lado da sua mãe, tem alguém vivo?
R - Tem. Tem minhas tias, tem bastante irmão ainda.
P/1 - Sua mãe faleceu há muito tempo?
R - Faleceu em 86, foi antes do Omilton fazer a segunda cirurgia, parece. Minha mãe faleceu, problema de coração. Meu pai está aí, vai fazer 87 o mês que vem, a senhora vai conversar com ele. Ele lembra de muito mais coisa do Omilton, ele vai te falar muita coisa.
P/1 - Ele tem boa memória?
R - Tem. Ele lembra de coisas acho que da infância dele. Seu Egídio Visconde. A senhora vai conversar com ele quando?
P/1 - Amanhã de manhã.
R - Ele virá aqui?
P/1 - A dona (Silene?) traz ele.
R - Ah sim! A senhora pode esperar que ele sabe de muitas coisas, o senhor Egídio de Visconde. O apelido dele é Soneca ou Gígio.
P/1 - Soneca ou Gígio?
R - Gígio.
P/1 - Gígio é Luís, né? Em italiano?
R - Não sei. Luís?
P/1 - É, é, apelido de Luisinho.
R - Gígio e Soneca, porque... De em vez quando a senhora pede um café senão ele vai dormir sentado, viu?
P/1 - Mas às nove horas da manhã, será?
R - Ah não, nove horas ele está legal.
P/1 - Está acordado?
R - O Gígio...
P/1 - Eu falei, de manhã é melhor para ele.
R - Não, mas ele levanta cedo?
P/1 - Sim, mas se fosse à tarde ele estaria meio ensonado.
R - Se ele almoçar dá aquela sonolência, né? Ele também toma uns remedinhos para o coraçãozinho dele que já está... Até que está bom, mas ele já tem idade. Tem idade mas tem boa memória, ele lembra de muitas coisas.
P/1 - O senhor tem alguma coisa a acrescentar que a gente não tenha perguntado ou lembrado de perguntar?
R - Não, eu não tenho nada a acrescentar a não ser dizer que o Omilton, para nós, representa muito mesmo. Por ser o irmão mais velho, ele sempre encabeçou as coisas, sempre liderou, sempre procurou o melhor pra família. Quando eu falo “família”, envolve nós e outros parentes também. O Omilton sempre foi uma pessoa muito caridosa, muito disposto a ajudar outras pessoas. Um emprego, um problema de saúde, um problema financeiro... Ele sempre se preocupou com as pessoas que o cercavam, isso envolve parentes e não parentes. O Omilton sempre foi uma pessoa interessada em resolver os problemas dos outros também, dos dele não precisa nem falar que ele...
P/1 - Pessoa generosa...
R - Muito generoso, muito caridoso, uma pena a gente ter ficado sem ele tão novo, a gente lamenta demais mesmo! Foi uma perda que... Sei lá, para mim foi muito diferente. Eu já perdi filho, mãe, mas... (choro). Ajuda, dinheiro, _______ enfim, ele... É que a senhora não conheceu, mas ele era um tremendo... Não é porque era meu irmão, mas...
P/1 - É, mas dá para sentir como ele era sim, dá pra sentir...
R - E essas coisas me emocionam porque a gente teve a vida toda ligada, nesse ramo... Enfim, é uma perda lamentável, tem que estar preparado para isso. Mais dia menos dia a gente sofre mesmo com uma perda, isso é todo mundo, ninguém escapa dessa. Então, infelizmente...
P/1 - Mas a dona Mércia falou que ele foi tão suavemente, né? ___________.
R – É, ela me falou também. Não sofreu, mas não merecia isso também.
P/1 - Sofre quem fica. Ele passou dessa para melhor, lentamente.
R - Foi. Ele deve... Se é que existe outro plano aí...
P/1 - Ah, com certeza existe.
R - Ele deve estar numa ótima, porque...
P/1 - Cumpriu a missão dele e...
R - Infelizmente, sei lá! Morreu tão novo, né?
P/1 - Uma pena, né? Tem tanto abacaxi que fica aí até não sei quanto, enchendo o saco.
R - Acho que eles ficam pagando os pecados deles.
P/1 - É verdade!
R - O Omilton não tinha muito para pagar, porque ele sempre foi uma pessoa exemplar mesmo, viu dona Marina? Ele era uma pessoa muito especial para nós, para toda família, e particularmente para mim, porque a gente tinha pouca diferença de idade. Ele foi uma pessoa extraordinária, não tem nada que falar, nem desencontro. Não tem nada de mal para falar, ele era um batalhador, um cara que traçou os objetivos dele e chegou, mas... Será que valeu a pena? Será que tanto trabalho, no caso tanta tensão, que deu esse problemas no coração dele... Mas a minha mãe também teve esse problema, sabe?
P/1 - É, coisa de coração é congênita.
R - Eu já fiz um check-up aí, mas eu estou legal. Meu pai também, apesar da idade dele, a pressão dele é baixinha, (14 por 8?), melhor do que a minha. Você vai ver, vai conversar com ele, nem parece. Os exames dele... Esteve no médico esses dias, fazendo um check-up, uma beleza!
P/1 - E o que ele está achando da novela? Está lembrando da vida dele?
R - Ele diz que não assiste muito, mas é aquilo mesmo, sabe? Ele falou um troço para mim que vai de desencontro à novela, ele falou o seguinte... Eu falei: "Mas era assim mesmo?" "Não era bem isso, porque nas fazendas que nós trabalhamos de empregado, os patrões eram muito bons. Olha, teve fazenda que nós trabalhamos 17 anos, outras trabalhamos 12." Não, porque na novela a gente vê aí...
P/1 - __________ com escravos, né? Porque é uma passagem.
R – Não, ele falou tão bem... Você vai conversar com ele amanhã. Eu comecei a pesquisar porque essa novela diz muito da nossa história. Aí eu perguntei, ele falou: "Não, mas não era assim. Onde a gente trabalhava o dono da fazenda deixava a gente plantar no meio do cafezal. A gente plantava o arroz, o feijão e outras coisas mais. Nosso. Nossa família era muito..."
P/1 - Devia ser meeiro, né?
R - Era assim, ele estava me contando que eles abriam as terras, então ele e os irmãos, formavam o cafezal. Demora para dar, três anos para frente, então eles faziam um contrato assim: eles formavam a lavoura e ficavam seis anos na propriedade. Nos primeiros três anos eles estavam cultivando... E seis anos dava umas três colheitas, tudo deles.
P/1 - O café?
R – É, depois que eles passavam a...
P/1 - Não sabia.
R - É. Então eu acho um negócio até justo, eles ganham um contrato de seis anos, eles formavam o café. Três anos era só cuidar da planta.
P/1 - E quem sustentava? O patrão?
R - Eles podiam plantar o arroz, o feijão, criar seu porco...
P/1 - Não, porque quando chega da Itália e desembarca aqui, eles precisam comer, precisam morar. Quem financia? O dono da fazenda.
R – É, tem esse negócio também, né?
P/1 - Depois eles devem estar pagando em termos de colheita, ele colhe e paga o patrão que sustentou até que deu a primeira safra.
R - Isso. Não, mas eram três safras. ________ eles ficavam, vendiam o café, era deles. Depois largava, aí era do patrão. “Se você quer, a gente continua como empregado.”
P/1 - E o patrão não recebia todo esse tempo?
R - Mas esses “caras” de café... Tudo rico, né? Esses “caras” tinham muito dinheiro.
P/1 – Rico, seu Ulisses, é pior ainda.
R - Não, não é não, dona. Aqui tinha uns coronéis do café, esse povo tinha muito dinheiro, viu? Povo de família tradicional.
P/1 - Mas veja bem, acompanha meu raciocínio. O cara, fazendeiro, contrata o italiano. O italiano vem. Ele tem que hospedar o italiano, enfiar numa casa, tem que dar comida para a família e para o italiano... O italiano está trabalhando, aí esse cara vai pegar as três colheitas e o fazendeiro recebe só daí a não sei quantos anos? O que ele gasta para sustentar esse povo enquanto não dá a safra!
R - Mas eles tiravam de tudo... Tiravam o sustento deles da terra, dona.
P/1 - __________ mas ainda teve um lá que morreu de soluço!
R - Mas é o seguinte, como eu falei para a senhora, eles faziam troca, tinha muita troca naquela época. O que eles não produziam na fazenda, iam na cidade e trocavam, como eu te falei.
P/1 - Iam no soluço lá e trocavam?
R – É, trocavam. Levavam o café, já socado em pilão ou só em grãos, de carroça, e trocava com sal, com açúcar, com os tecidos e outras coisas mais. Mas eles tiravam tudo do sítio. Eu me lembro, eu era menino, cheguei a morar no sítio, como eu e falei. Mudei do sítio com cinco anos, eu me lembro, eles faziam extrato de tomate, pegavam a polpa, punham na peneirinha, com sal, punha no sol. Eu era menino, mas eu lembro, pô!
P/1 - Espera aí! Pegava a polpa, passava na peneira e depois?
R - Passava na peneira... Eles punham uma peneirinha em cima da casa tomando sol, para desidratar, já tinha um sal no meio... Um extrato igual a este que nós comemos, até melhor! Naquele tempo não tinha geladeira, a senhora sabe, né? Naquele tempo não tinha. Eu me lembro, eu era menino, mas me lembro. Eles matavam o porco, faziam as linguiças e penduravam assim, na cozinha. Pendurava, ficava pingando... Virava um salaminho.
P/1 - Fazia banha de porco ________________ torresmo?
R - Tudo. Forno à lenha, né? ________.
P/1 - Não, não lembro, mas eu sei.
R - Forno à lenha. Assava pão, rosca, pernil... O porco que eles matavam, eles cortavam, fritavam, tudo num tacho grande...
P/1 - Fazia a banha?
R - Não, deixava junto, nas latas.
P/1 - E as peças, os pedaços de porco? Dentro da banha?
R - Dentro. Aí quando ia tirar era só pôr na frigideira, já vinha cheio de banha, só derretia aquela...
P/1 - Não sei como esse povo não morreu de colesterol.
R - Que morreu nada, e era tudo na gordura. Não tinha óleo de soja, milho, essas coisas.
P/1 - Tudo na banha. A minha mãe nunca teve colesterol, ela morreu esse ano passado com 94! A comida dela? Fritura, banha, gordura, tudo! E nós não podemos comer nada. Ela comia tudo.
R - Meu pai até hoje! Hoje não, quer dizer, não pode, mas toucinho, feijão, eles cozinhavam de monte. Pele de porco, tudo. Comia daquela carne curtida na gordura, na lata, que põe na frigideira, não tem carne melhor de porco. Ela vem meio _________, curtida na gordura. Pega aquelas conchas, escumadeira, põe na frigideira grande, no fogo, derretia.
P/1 – Derretia. Vocês não tinham ________ de fazer pão de torresmo?
R - Tinha. __________, né? Porque se você vir lá, é igualzinho, eu lembro até, eu tinha cinco anos. Aquelas pás de madeira... Você punha os pães em cima de uma folha de bananeira, punha lá dentro, fechava a boca do forno. Primeiro tacava fogo lá dentro daquele...
P/1 - Mas a sua cultura de infância, eles não faziam macarrão? Faziam em casa?
R - Não. ________.
P/1 - Aquilo é trabalhoso.
R - É trabalhoso, mas...
P/1 - Cortava na mão.
R – É, fazia um enroladinho e cortava assim, tipo um...
P/1 - Não, cortava de comprido, para fazer macarrão, não é (gnocchi?). Agora, italiano, para falar de comida, está sozinho, né? Deve ser o seu irmão. Você aceita mais uma água?
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