Projeto: VLI – Estação de Memória: Porto & Pesca
Entrevista de Nicinha
Entrevistado por Luisa Gallo e Ane Alves
São Luís, 01/10/2025 (Cajueiro)
Entrevista nº: VLI_HV017
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1 - Primeiro, Dona Nicinha, eu quero te agradecer por nos receber aqui. E queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - Meu nome é Eunice Araújo da Silva, nascida aqui no Cajueiro, 01/12/1959.
P1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Me contaram? Contaram.
P1 - Como que foi?
R - Um dia de alegria. Entendeu? Todo mundo ficou feliz, minha mãe, meu pai, meus avós.
P1 - E foi de parteira?
R - Foi de parteira.
P1 - Quem que era a parteira?
R - Ah, essa parteira já faleceu. Ela era a parteira aqui da comunidade, o nome dela era Rafaela, conhecida como Rafina. Então, esse pessoal todo assim, da minha época, tudo foi passado pela mão dela, meus irmãos, sobrinhos, primos.
P1 - Uau! E você tem irmãos, então?
R - Tenho.
P1 - Quantos são?
R - Nós éramos sete. Aí, ano retrasado faleceu um, problema de coração, foi assim, rápido. E hoje, nós ficamos seis.
P1 - E você é a mais velha, mais nova, tá no meio?
R - Não, meu irmão mais velho tem, parece que 80 e poucos anos, é o mais velho. Aí, depois tem o outro, que já tem 70 e poucos, aí vem o outro que tem, parece que uns 70. Aí, eu, 65. Aí, tem a outra minha irmã que é 56, uma coisa assim. Não, 62. Aí, vai baixando. O mais novo, foi o que faleceu.
P1 - E te contaram a história do seu nome?
R - A história do meu nome, assim, como foi feito o meu nome? Através do meu irmão mais velho, porque a gente, como era evangélica, e ele era professor da mocidade. E aí, quando eu nasci, depois nasceu minha irmã, aí ele botou o meu nome e o da minha irmã, ele que botou pela Bíblia. Onde tinha Eunice e Eloides. Que aí parece que a Eloides era a mãe da Eunice,...
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Entrevista de Nicinha
Entrevistado por Luisa Gallo e Ane Alves
São Luís, 01/10/2025 (Cajueiro)
Entrevista nº: VLI_HV017
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1 - Primeiro, Dona Nicinha, eu quero te agradecer por nos receber aqui. E queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - Meu nome é Eunice Araújo da Silva, nascida aqui no Cajueiro, 01/12/1959.
P1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Me contaram? Contaram.
P1 - Como que foi?
R - Um dia de alegria. Entendeu? Todo mundo ficou feliz, minha mãe, meu pai, meus avós.
P1 - E foi de parteira?
R - Foi de parteira.
P1 - Quem que era a parteira?
R - Ah, essa parteira já faleceu. Ela era a parteira aqui da comunidade, o nome dela era Rafaela, conhecida como Rafina. Então, esse pessoal todo assim, da minha época, tudo foi passado pela mão dela, meus irmãos, sobrinhos, primos.
P1 - Uau! E você tem irmãos, então?
R - Tenho.
P1 - Quantos são?
R - Nós éramos sete. Aí, ano retrasado faleceu um, problema de coração, foi assim, rápido. E hoje, nós ficamos seis.
P1 - E você é a mais velha, mais nova, tá no meio?
R - Não, meu irmão mais velho tem, parece que 80 e poucos anos, é o mais velho. Aí, depois tem o outro, que já tem 70 e poucos, aí vem o outro que tem, parece que uns 70. Aí, eu, 65. Aí, tem a outra minha irmã que é 56, uma coisa assim. Não, 62. Aí, vai baixando. O mais novo, foi o que faleceu.
P1 - E te contaram a história do seu nome?
R - A história do meu nome, assim, como foi feito o meu nome? Através do meu irmão mais velho, porque a gente, como era evangélica, e ele era professor da mocidade. E aí, quando eu nasci, depois nasceu minha irmã, aí ele botou o meu nome e o da minha irmã, ele que botou pela Bíblia. Onde tinha Eunice e Eloides. Que aí parece que a Eloides era a mãe da Eunice, uma coisa assim. Eu sei que ele botou o nome das duas assim, parecido, eu e ela. Eunice e Eloides.
P1 - Ele que escolheu, então?
R - Foi ele que escolheu.
P1 - Você se dá bem com esse irmão?
R - Ai, demais. Ainda tomo até a benção pra ele, meu irmão mais velho. Coisa ainda de criança, mas até hoje a gente nunca largou.
P1 - E os seus pais, como eles se conheceram?
R - Ó, a história dos meus pais foi assim: o meu avô, ele veio de Alcântara, então foi uma família assim grande, da parte da minha avó. Quando minha avó veio de Alcântara com meu avô, aí vieram as irmãs da minha avó, uma parte ficou ali na Camboa dos Frades. Então, Cajueiro e Camboa dos Frades, era só uma família, ficou um tanto lá e um tanto aqui. Aí, minha mãe tinha sete anos de idade, na época, quando eles vieram pra cá. Que meu avô trabalhava embarcado. Nesse tempo, eles ficavam mais assim, trabalhando com mangue, tirava mangue. Aquelas madeiras. E passava assim nos barcos, e nos locais que eles passavam que tinha praia, eles encostavam, às vezes, pra pegar água para beber, essas coisas assim. E aí, ele encostou aqui no Cajueiro, e achou assim, bonito o lugar, muito bonito. E não tinha morador. A única coisa que tinha aqui, que ele falou, era só um terreiro de mina, ali, que chamava Egito, pra cá. Então, ele viu aquela bandeirinha, assim, em cima, assim, ele, curioso, disse assim: eu vou lá ver o que é aquilo ali. Aí, ele veio, aí viu lá um barracãozinho, com uma... Que o pessoal só vinha aqui, mas ia embora. E aí, ele foi até na Vila Maranhão, na picada, assim, que tinha uns gados. Aí, ele foi na picada, encontrou um senhor lá na Vila Maranhão e perguntou se ele conhecia alguém que era dona aqui do Cajueiro. Aí, esse senhor falou que tinha uma dona, mas que ela foi embora pra São Paulo e deixou ele tomando conta dessa área aqui. Aí, meu avô disse: é porque eu gostei, eu trabalho embarcado, enconstei ali, eu gostei do lugar, me animei, quero morar nesse lugar. Como é que eu faço pra conseguir um pedaço? Aí, esse senhor falou pra ele que era pra ele… Podia morar, que era até bom porque ele tinha uns gados que ele botava pra cá, não tinha morador. E aí, eles já faziam aquela amizade. E assim foi, meu avô não pensou duas vezes, veio logo. Fez uma casinha. Chegou lá em Alcântara e disse pra minha avó, que ele tinha encontrado um lugar aqui e ele queria vir embora pra cá. E aí, quando ele veio, aí ele passou primeiro lá num lugar chamado por Bequimão, passou uns dias lá morando, aí de lá que veio pra cá. Enquanto ele ajeitava o cantinho para trazer a minha avó. E aí, quando ele veio, aí veio essas irmãs dela que também gostaram do lugar e ficaram na Camboa dos Frades. Olharam aqui e a Camboa dos Frades, e um tanto ficou lá, outro tanto ficou aqui. Sim. Aí, ele foi morar aqui, aí minha mãe tinha sete anos de idade quando eles vieram. Aí, cresceu, aí depois de adulta, meu pai também, ele era de Barreirinha, a família dele toda de Barreirinha, meu avô, da parte do meu pai, vó, tudo lá, os irmãos dele, tudo de Barreirinha. Mas eles trabalhavam embarcados também nesse setor aqui de Barreirinha pra cá, tudo vinha pra cá pro centro, que é ali o Mercado Central, tudo vinha pra lá.
P1 - Vendiam lá os peixes?
R - Era, vendia as coisas deles tudo ali pro lado do Mercado Central. Não tinha esse Porto Itaqui ainda, só tinha umas casas lá em cima. Aí, eles passavam tudo assim, embarcado por lá, iam para o Mercado Central. E teve também a mesma história, dele encostar aqui no cajueiro para pegar água. Aí, encontrou minha mãe. E aí, ali se conheceram. Coisa assim, de Deus. Deus é que junta as coisas. E aí, conheceu a minha mãe lá, se apaixonaram, foram morar juntos, e tiveram esses filhos. Que no caso, eles tiveram dez filhos. Ela teve dez filhos. Só que três morreram pequenos. E aí, a gente cresceu. E assim que começou a nossa história. E aí, eles trabalhavam com essa parte de tirar madeira, palha, pesca. Aí, foi quando meu pai veio, foi morar com minha mãe, aí ele colocou... Ele fez o corral, ele fazia corral de pesca. Aí, pegava só peixe grande.
P1 - Aqui mesmo?
R - Era lá mesmo, onde eu vou levar vocês, que vocês vão ver mesmo. Até o local lá do corral, ainda mostro para vocês lá. E aí, nós, depois que a gente nasceu, aí a gente entrou no mesmo ramo. Que a gente morava bem pertinho da maré. Aí, a gente aprendeu a arrastar camarão, de puçá. Nós íamos até lá perto do Itaqui, arrastando. E vinha daqui lá, assim… Tipo uma brincadeira e uma diversão. Mas com aquela brincadeira e diversão, a gente trazia a comida para casa. Aí, quando suspendia assim, o rabo da puçá, estava aquela coisa de camarão. Aí, a gente se animava, botava aqui no cofo, tornava a voltar pra lá de novo.
P1 - Como que é isso, arrastar camarão?
R - É uma puçá, que eu não sei se vocês conhecem. Que é uma trave de arrastar, aí tem os calão, que eles pegam aqui, um de um lado e outro aqui do outro lado. A hora que a gente for lá na praia, eu vou mostrar mais ou menos, porque lá tem umas moroadas, que ficam as puçás já nas moroadas, entendeu? Essa é puçá de moroada, que ela fica ali, maré enche, e vaza, e ela fica lá. O pessoal vai só despescar. E essa que eu estou falando para vocês, é daquelas que a gente arrasta, um de um lado, outro do outro,m e vai puxando, puxando, puxando. Aí, vai embora. Aí, o camarão vai só entrando assim pro saco da puça. Aí, essa é de arrasto. Aí, nós fazíamos muito isso, desde criança nós fazíamos isso. Quando não era, a gente juntava um montão de criança e nós íamos pro lavado. Aí, lá no lavado, quando vinha aquela chuva, fazia aqueles córregos grandes assim, e ficava fundo, e ali ficavam os siris. E nós íamos pescar siris, nós levávamos o cofo pra lá e passava uns pauzinhos nos siris. Aí, nós só botáva no cofo, quando a gente vinha era com o cofo cheio de siris. E aí, também tinha as pedras, aqueles arrecifes, que tinha umas pedras. Aí, nós íamos pra lá, suspendia as pedras assim, aí pegava pacamão, pegava moreia, tudo debaixo daquelas pedras. Então, aqui na época, minha irmã, aqui era farto de pesca, pra todo lado que você ia, você achava peixe. A gente ia assim, dentro do mangue, aí debaixo daquelas raízes do mangue, fazia aquelas locas assim, aquelas lagoazinhas debaixo da raiz do mangue. A gente mexia ali, era cheio de tainha. Entendeu? Era mero. Essas coisas, tudo tinha ali, pacamão. Aí, a gente sujava a água assim, todinha, a água ficava toda barrenta e os peixes ficavam bêbados, por causa da água suja. E nós íamos pegar aqueles peixes. Então, assim, nossas pescas, quando nós éramos criança, era mais essas partes aí. E agora, quando era assim, pra tarrafiar, era meu pai que pegava peixe de tarrafo.
P1 - O que é peixe de tarrafo?
R - Ela é um outro atavê, que é uma tarrafa que eles pegam e jogam assim, joga. É só uma pessoa mesmo que pesca com ela. Aí, quando ele puxa assim, que ele fecha ela assim, o peixinho está todinho dentro, assim. Aí, eles pescam e botam no cofo.
P1 - E pesca vários ao mesmo tempo também?
R – Pega. Quando eles jogam assim, a puçá, que ela abre, aí se tem aquele cardume de tainha, aí vai arrastando tudo. Entendeu? Aí, quando eles puxam assim, que traz assim, está cheio de peixe dentro dela. Aí, tem a outra pescaria também, que eles fazem, que é da... Como é? De rede de malhão, malha. Como é? Essa de pegar tainha. Aí, vai dois, três, vão de canoa. Aí, um vai lá fora puxando, outro vai mais aqui em terra e outro vai com a canoa no meio, puxando, aí vai arrastando, aí quando eles vão trazendo assim, pra terra assim, aí tá cheia de peixe também. Então, aqui era muito farto, mesmo de comida aqui, muito farto, que até criança aqui, como eu tô falando, a gente ia ali, trazia, era cofada assim, não faltava. Era camarão, era peixe, era tudo. Meu pai tinha corral, era só peixe grande. E aí, vinham essas pessoas que moravam por esse lado daqui. Que nós morávamos lá na beira da praia. Aí, tinha as roças. Tinha as roças, aí plantavam mandioca, macaxeira. Aí, eles tinham casa de forno, aí eles falavam com o meu pai: olha, seu… Que meu pai, era Diolino, o nome do meu pai. “Olha, seu Diolino… Eu então, Compadre Diolino, porque aqui todo mundo se chamava de compadre, era compadre de fogueira, era compadre de batismo, dava menino pra batizar, entendeu? Quase todo mundo assim, se tratava de compadre. “Olha, compadre, quando você pegar o peixe, traz aqui que a gente troca com a farinha.” Aí, era assim, o papai trazia o peixe, nós íamos levar lá na casa de forno. Aí, quando vinha, era com a farinha. Então, era assim. A nossa vida era assim, aquele troca de...
P2 - Dona Nicinha, o que é o curral do peixe? Explica pra gente.
R - O curral, meu pai fazia assim, ele tirava um bocado de vara, o cipó, botava os paus tudinho lá num ponto, assim, como quem vai armar uma casa. Aí, fazia aquelas esteiras, botava as varas, e amarrava com cipó, ficava aquela esteira, tudo assim. Aí, ele enrolava tudinho, quando a maré estava grande, eles botavam na canoa e iam pra lá, pra onde eles botaram aqueles paus. Chegava lá, eles abriam aquela esteira assim, ó, rolava nos paus, amarrava, já ficava assim, tipo um quarto. Aí, depois ele levava a outro e fazia assim, que era tipo duas salas. Duas salas e levava a espia, assim, ia até na beira do mangue. Aí, quando esse peixe vinha, que era o engano do peixe, que eles chamavam. Para enganar o peixe. Aí, quando o peixe vinha para atravessar, chegava, achava a espia e ia ele andando assim, acompanhando a espia, ia, ia, ia, até entrar dentro daquele chiqueiro, que eles chamavam, que era aquele quarto. Aí, era todo tipo de peixe grande, era raia. Tudo a gente achava. Aí, lá de casa a gente via, quando a maré ia abaixando e os peixes ficavam lá querendo sair, ficava se batendo lá dentro. A gente gritava, “papai, tem peixe no curral.” Aí, a gente escutava a zoada de lá, porque eles se batiam, porque a água ia secando. Aí, nós ía pra lá correndo, um bocado de criança, pra olhar se tinha peixe.
Aí, nós ía pra lá e papai gritava, “olha, cuidado com a raia.” Porque quando a maré tava coisando, que tinha raia, ela rebanava assim, o rabo assim, tinha aqueles dois esporão, era arriscado. Ele falava. Aí nós ia, quando chegava lá, a maria tava saindo e os peixes a gente olhava dentro do curral. Aí, nós vínha correndo. “Papai, tem um peixe que é enorme lá dentro do curral. Aí, às vezes, não dava para ele trazer só, tinha que chamar outra pessoa. Botava num pau de carga, botava no ombro, e trazia. Assim que era. Então, nós aqui tínhamos essa fartura de peixe. Qualquer coisinha assim, a gente achava peixe. Tinha uma lagoa bem acolá, assim, no meio do coisa, a gente ia lá, a gente via as tainhas andando assim, a gente começava a sujar a água, sujar a água. Quando pensava que não, a tainha ficava toda bêbada, assim, da água suja. Nós enchia era cofo. Hoje, depois que começaram esses trabalhos, depois que veio o Itaqui, começaram a fazer o cais, que era pra encostar os navios. Aí, teve muitos… Como é que é? Negócio de bate estaca, que era tanta zoada, com eles batendo aqueles ferros, que era até tantas horas da noite, aquela zoadona. Então, com isso, os peixes, acho que foram se afastando, foram se afastando mais. E aí, depois, começou já Alumar também. Aí, já ficou, daqui para cá, a Alumar para cá. E aí, tinha que abrir o canal, para o navio passar, para ir para a Alumar. E aí, já teve aquele negócio das dragas. Aí, as dragas já começaram a cavar o canal. Aí, nisso que já estava cavando o canal, aí a tendência era aquela lama ir saindo assim, ó. Vai saindo assim. E aí, com isso, foi aterrando o lavado. Porque quando nós pescavamos, a lama era bem isso assim da gente. Entendeu? Tinha a parte que era areia, que tinha aquelas croas. Aí, com esse trabalho, foi entupindo tudo. Hoje, pra gente entrar num lavado daquele, a lama tá dando na cintura. Então, se eu quiser arrastar um camarão hoje, eu não tenho condição. Às vezes, até para gente mais novo do que eu, criança também, já cansa. Porque, às vezes, a gente arrastava camarão, a gente deitava assim, a gente ia deitando, nadando assim, puxando a puçá, aliviava era muito. Mas, hoje, nem nadando a gente consegue, porque a gente fica cansada, porque a lama está aqui, quando a gente levanta, a gente se enterra na lama. E, também, o pescado se afastaram. Se afastaram mais. Essas dificuldades que nós estamos enfrentando aqui. Os manguezais tirando, aí vai acabando os caranguejos. Os caranguejos vão acabando, os siris. É assim. Mas é o progresso, o que a gente vai fazer?
P1 - Mas ainda pensando na sua infância, como que você descreveria os seus pais? O jeitinho deles.
R - Ah, o jeitinho deles. Não sei nem contar, o jeitinho deles. Porque a gente sete até saudade assim, de contar a história da gente, e ver como eram os pais da gente, aquelas dificuldades para a gente aprender. E aqui não tinha escola.
Aí, minha mãe, como eu falei, quando ela chegou com sete anos, aí meu avô botava, levava ela de vez em quando para a Vila Maranhão para estudar. Daqui para Vila Maranhão vocês já sabe a distância. E nesse tempo não tinha estrada não, era aquele caminhinho de roça. Quando era no inverno, enchia tudo de água, a gente caía aí no caminho, pra chegar até a Vila Maranhão. Então, era aquele sofrimento. Então, meu avô botou ela pra ir estudando lá pra... E, com isso, ela fez umas amizades por lá, daquelas pessoas que estudavam junto com ela. Aí, quando foi tempo que a gente nasceu, não tinha escola. Aí, ela ia atrás de uma pessoa dessas, que estudou junto com ela, lá na Vila Maranhão, trazia lá pra casa. Aí, ele ficava hospedado lá em casa. E também tinha os vizinhos, outros meus parentes, aí botava todo mundo pra estudar. Ela cedia uma sala assim, nossa sala.
P2 - Com esse amigos dela?
R - Com esses amigos dela da Vila Maranhão. Aí, chamava ele pra vir dar aula pra gente. Aí eram esses que eram os nossos professores. A gente chamava ele até de Zé Caraolho. Era o nosso professor. Ela trazia pra lá e eles pagavam ele por mês. Todo mundo era professor da gente. Que não tinha escola, e aqui tudo longe pra nós ir pequeno pra Vila Maranhão, a pé. E é isso. Eu sei que sofreram muito. Minha mãe também quebrava muito coco, saia de manhã, pra quebrar coco, deixava nós em casa. Chegava, às vezes, pra comprar… Ia trocar o coco com a farinha, que às vezes... Depois dessas farturas todinhas, aí depois as coisas foram diminuindo, a pesca. Aí, eles já começaram a trabalhar mesmo nessa vida de mato. Era quebrando coco, que aqui, era fechada assim de palmeiral. Depois que foi começando a chegar gente, foi que foi roçando, entendeu? Aí foi derrubando palmeira. Mas aqui a gente vivia do babaçu. Aí, nós tínhamos os comércios que comprava o babaçu. Quando não era, a gente fazia, aquele montão de mulheres se juntavam, aí, por exemplo, hoje, 10, 15 mulheres ia quebrar coco pra mim. Eu tinha um montão de coco, aí eu contratava aquelas mulheres, elas iam quebrar hoje pra mim. Aí, quando chegasse amanhã, eu já ia quebrar pra outra, pagando aquela que veio pra mim. E assim ia. Aí, quando terminava, começava tudo de novo. Então, quando a gente ia recolher esse coco de tarde, aí… Uma manhã, meu pai pegava uma canoa, botava esse coco todinho na canoa, ia vender no Mercado Central, passando lá onde é hoje o Itaqui, entendeu? Ali, onde é o cais do Itaqui, passava por fora e ia vender no Mercado Central. Aí, de lá que ele fazia as compras, trazia café, trazia... As compras de lá. Aí, naquele tempo, a gente não sabia quase nem o que era arroz, a gente comia arroz, mas era assim, no final de semana. Mas era só no pirão, peixe com pirão, carne com pirão. Era aquela coisas assim, entendeu?
E era assim que era a vida deles aqui, sofreram muito para criar nós. E aí, eu sinto assim, hoje, saudade do passado deles. Meu avô, tudo.
P1 – Que recordações você tem dos seus avós?
R - Eu conheci só um avô. Só o meu avô da parte de mãe. A minha avó da parte de mãe, quando ela faleceu, eu tinha dois anos de idade. Meus avós da parte do meu pai, eu não conheci, porque eles eram de Barreirinha e quando eles vieram aqui eu era pequena. Aí, morreram também e eu não conheci eles. Eu conheci só meu avô mesmo da parte de mãe. Esse aí a gente foi criado junto com ele, que ele todo o tempo junto com a minha mãe, porque minha mãe era filha única, aí ele não saía de perto. Aí, ele morava sempre perto dela. Mais longe que ele morou dela foi ali, da praia pra cá, que ele tinha um sítio pra cá e morava aqui. Que ainda tem essa casa que ficou de herança pra ela. Aí, ela morreu, a casa está fechada lá, onde tem um juçaral grande ali, entendeu? Ainda é fruto do meu avô. E, assim, deixou muita saudade, porque era só ele, ele brincava com a gente, aquele avô que gostava de brincar. Corria atrás da gente, a gente fazia… Beliscava ele aqui, ele saía correndo. Aí, depois ele dizia assim: olha, acabou a brincadeira, eu já tô cansado. Mas sabe como é menino. Aí, nós ficava insistindo. Ele disse: olha, agora eu vou dalhe em vocês. Porque eu já mandei vocês pararem. Aí nós saía correndo, pensando que ele ia correr atrás da gente. Quando a gente olhava e não via ele, a gente vinha. Aí, ele aproveitava e se escondia detrás da porta, com o cinto na mão. Aí, quando a gente ia entrando, ele pegava, só a lapada. “Eu já disse pra vocês que acabou a brincadeira.” E era assim. Aí, quando pensava que não… Aí, ele via que a gente estava zangado, aí garrava, pegava umas duas, três latas de sardinha, aí botava numa bacia assim, cortava umas três cebolas, misturava tudinho. E chamava. Botava na mesa assim, e chamava nós tudinho. “Bora, bora comer sardinha.” Nós já gostávamos. A gente aprendeu a comer sardinha de lata com ele. Aí, nós ficava aquela roda. Parece que ele se sentia assim, tão satisfeito de estar perto da gente. Porque ele só tinha uma filha, e os netos que ele tinha era nós. Aí, ele aproveitou o que ele pôde da gente. E a gente também dele. Aí, depois, muito assim, que a gente já estava todo mundo grande, eu acho que ele sentiu saudade que nós não era mais crianças, aí arranjou uma mulher. Aí, essa mulher tinha três filhos, aí ele criou esses três meninos e fez três também nela. E aí, ele deixou mais esses três filhos, depois da minha mãe. Aí é assim.
P1 - Que mais que vocês gostavam de brincar?
R - Gostar de brincar? Nós brincávamos de roda...
P1 - Como que é?
R - Pegava assim no braço, uma porção aqui, e ficava um no meio, aí nós íamos rodando, rodando, rodando, cantando, depois a gente tirava esse daqui e botava pra roda e outro já puxava aquele dali e botava. A gente inventava um bocado de brincadeira. A gente pegava essas embaúbeiras que tinha assim no mato, não sei se vocês conhecem o que é embaúba. Aí, ela é meio assim, ela parece com o pé de mamão, tem as folhonas assim também. Aí, a gente não tinha o que fazer. “Gente, bora brincar.” Que ali era a praia mesmo. “Bora!” Aí, se juntava assim. Aí, tinha um primo meu, que ele gostava de estar brincando no meio da gente assim. Aí, meu pai tinha raiva, dizia assim: esse patife já está aí no meio? Que está só menina e mulher. Ele gosta de estar no meio de vocês. Começava a brigar com ele, ele nem ligava. Então, ele que era o... Ele era o homem, a gente aproveitava dele. A gente dizia, assim: Zequinha, vai ali tirar uma embaúbeira pra nós. Aí, ele ia tirar, nós botávamos um pau assim, enfiávamos um pau assim na areia, na praia, aí cortávamos a embaúba assim no meio, enfiávamos um pau assim, e botávamos dois pauzinhos assim, pra gente se segurar na ponta das embaúbeiras, da embaúba. Aí, a gente sentava aqui, outro sentava dali, que diz que era… Não sei nem como era o nome que a gente chamava. Burrinha, que a gente chamava. Aí, ele rolava assim, rolava com a gente, rolava, rolava, depois a Burrinha subia, a Burrinha descia. Pensava que não, daí virava, nós caía, tinha uns que choravam. Porque a burrinha caiu, chorava. E depois voltava de novo. Já queria brincar de novo na burrinha. Era assim. Nós inventávamos um bocado de coisas. Aí, não tinha diversão, não tinha televisão, nesse tempo. Aqui não tinha energia. Aí, todos os nossos transportes, meio de transporte, era canoa. Nós descia no Itaqui, pegava o ônibus, já no Mercado Central, que nesse tempo nem Anjo da Guarda ainda não tinha. Aí, fazia as compras, voltava no ônibus de novo, descia no Itaqui, pegava a canoa e vinha pra cá. Então, nós não tínhamos pra onde ir, a nossa diversão toda era essa, lá na praia. Aí, nós inventávamos as brincadeiras, quando dava de noite, assim, noite de lua, aí nós combinávamos aqui, nós enchíamos a água doce, botávamos numa vasilha, aí pra nós brincar de noite, deixava ali. Aí, depois, nós íamos correr, brincar. E a maré crescia, nós íamos banhar na maré de noite. Aí, depois que saía da maré, nós íamos tomar banho com água doce e íamos dormir. Entendeu? Então, nós inventávamos essas brincadeiras assim. E era todo mundo unido, porque não tinha para onde a gente ir, não tinha um cinema, não tinha um nada. O cinema era nós mesmos que fazíamos. Então, foi muito bom. Eu digo assim, olha, naquele tempo, nós com tudo isso, mas nós tivemos infância. E hoje eu vejo essas crianças nossas aí, parece que não tem infância não. E a gente era assim, todo mundo respeitava todo mundo, todo mundo que passava, todo mundo pra nós era tio. Porque a gente foi ensinado assim. “Toma a benção pra aquele moço ali.” “Papai, quem é?” “Não pergunta, toma a benção pra ele.” Entendeu? Aí, quando eles estivesse conversando e nós passásse bem aqui, duvido. Papai só olhava assim. A gente já sabia. “Aí, meu Deus, o papai está conversando.” A gente voltava de lá mesmo. Ele só olhava. Aí, ele só olhava. Pois é! Então é isso, gente! Eu sei que foi muito boa a minha infância, eu tenho muita saudade. Saudade mesmo.
P1 - E quando que chegou a eletricidade?
R - Minha irmã, se não me engano, foi em 1986. Porque nesse tempo, tinha a União, eu era presidente, fui presidente da União, me convidaram para ser presidente da União. Eu fui. E eu tinha um amigo que era vereador, morava no Anjo da Guarda, era até de cadeira de rodas, ele, Irmão Gabriel. E aí, eu convidei ele pra vir aqui fazer uma visita pra nós. Aqui nós não tinha energia, nós não tinha ônibus. Então, graças a Deus, ele que correu junto com a gente, e nós conseguimos. Nesse tempo era a Roseane, que estava no poder, que era governadora, e criou aquele projeto do ”Luz para Todos”. Aí, a gente aproveitou esse tempo. Ele conseguiu. E também o ônibus, a gente conseguiu. Que hoje ainda continua o mesmo ônibus, só um. Já lutamos tanto, já entrou dois ônibus aqui, botaram dois, mas depois tiraram de novo e continua só um. Assim.
P1 - E você lembra de algum professor… Você contou que vinha lá da Vila Maranhão. Mas teve algum professor muito marcante?
R - Depois disso, teve uma professora, que ela era do Maracanã, o nome dela era Dona Laudina. Era da família do Baldez, lá no Maracanã. Aí, eles vieram pra cá, conhecer Cajueiro, aí o velho gostou, o avô dela, aí veio morar aqui no Cajueiro. E, com isso, eles viereram, os netos também vieram com eles para aí. E, depois, eles ficaram gostando e passaram um tempão. E ela ficou sendo professora nossa. Entendeu? Era essa que era a nossa professora, Dona Laudina, essa marcou também. Um pouquinho má, naquele tempo era no tempo do bolo. Entendeu? No tempo do bolo. E ela era... Puxava a orelha, beliscava. Entendeu? A gente andava corretozinho. E os pais da gente, naquele tempo, diziam assim: ó, eu sou mãe, eu sou pai aqui, agora lá na escola, quem é, é você. Coisou no caco, pode meter a taca. Aí, ela era assim mesmo. Então, ela era muito assim… A família, todo mundo gostava dela. Entregavam mesmo os filhos. Mas todo mundo tratava sério. Nós tínhamos mais medo dela, acho que até do que da nossa mãe e do nosso pai. O medo que eu digo assim, aquele respeito, aquela coisa assim, de não fazer nada errado, porque ela era rígida mesmo. Então, a gente aprendeu um pouco com ela. O que a gente sabe hoje, eu agradeço mesmo o seu Zé Caraolho e ela.
P1 - E ainda pequena, como era o dia-a-dia de vocês? Você acordava cedo, ajudava na roça?
R - Sim, sim.
P1 - Como que era? Conta pra gente.
R - Porque assim, nosso pai, nossa mãe, eles tinham assim, eles trabalhavam nos matos, quando meu pai não ia pescar. Se meu pai fosse pescar, minha mãe ia pro mato, sempre. Então, juntava aquele montão de gente, assim, tio, tia. Que nós tudo era parente, aqui nessa comunidade aqui era só meus parentes. Hoje não, porque teve muitos que teve que sair e vendeu suas casas, aqui hoje já tem pessoas diferentes. Mas aqui era só família do meu pai e família da minha mãe. Entendeu? E aí, eles faziam o rancho, que a gente chamava de rancho, aquela casa de roça, faziam um rancho grande e lá enchia de coco e nós ia pra lá quebrar coco. A gente passava o dia no mato. Aí, nós, que era criança, nós íamos também. Aí nós íamos naquelas palmeiras, ia catando coco, conversando. Minha mãe fazia uns cofinhos assim pra gente, pequeno, porque nós éramos pequenos. E nós ia na brincadeira, nós catávamos, faziamos era montão de coco assim, ó! Já ajudava a minha mãe. Aí, quando meu pai ia roçar, aí iam meus tios todinhos para ajudar meu pai a roçar. Esse dia do meu pai, criar a roça. Aí, iam todos os meus tios, todos, ajudar ele a roçar. Aí, tinha o dia de tocar fogo. Aí, eles iam tudo pra lá também, pro fogo não invadir o mato. Ficava rodeando a roça. Aí, tocava fogo. Quando era pra fazer a coivara, que era pra juntar todas aquelas lenhas, fazia aqueles montes. Que era pra limpar a roça pra plantar. Aí, quando era o plantio, aí ia os meus tios. E aí, levavam nós, aquele montão de criança.
P1 - Tudo com a mão?
R - Tudo com a mão. Fazia assim com a enxada. Tudo com a mão. Aí, levava nós, crianças, que era pra gente plantar. Nós íamos com as vasilhinhas, com os carocinhos de milho, tudo dentro das vasilhinhas. Aí, papai dizia: olha, é três caroços na cova. Aí, nós começávamos a botar, de três, de três. Depois a preguiça já dava, nós ficávamos zangada, nós ficávamos resmungando um com o outro. “Isso não acaba! Não sei o que...” Mas não deixava papai escutar, não. Só ficava falando de longe. “Isso não acaba! Toda hora a gente está botando isso aí, olha de onde a gente já vem.” A gente olhava pra trás, assim, a distância. “De onde a gente já vem, isso nunca que acaba.” Aí nós começávamos a botar de quatro, de cinco. Que ele não estava vendo. Aí, quando os milhos começavam a espocar, o papai ia na roça. “Vixi, o milho está nascendo. Vou lá ver os milhos.” Chegava lá, tinha de cinco caroços. O papai chegava. “Rapaz, esses patifes, pegaram, botaram, foi de cinco caroços de milho.” Aí, minha mãe. “Deixa, porque Deus ajuda, deixa assim mesmo. Não mexe, deixa!” Aí, o papai se conformava. Aí, ficava. Quando crescia os milhos, eram cinco pés de milho numa cova. Que era só para ser três. Mas Deus ajudava que dava certo, dava tudo certo. “Não é que deu certo?” Aí, o pessoal, “não, mão de criança é sagrado.” Aí nós: com esse negócio de sagrado, agora toda vez que eles forem, eles querem levar a gente.” Nós ficávamos resmungando só de longe, entendeu? Nós ficávamos falando só de longe. Aí, quando ele ia plantar mandioca, nós íamos pra lá. “Olha, é dois pauzinhos de mandioca. Bota assim.” Ainda dizia como era pra gente botar. Aí, pra nós acabar depressa, nós botava de três. Botava dois assim e um assim. Aí, ele ia ver quando nascia. Era assim. Mas aí, a gente foi aprendendo também. Aí, depois a gente foi vendo como é que ele fazia, se era de dois, se era de três. Aí, depois que a gente cresceu, a gente já brigava com os filhos da gente. “Pra fazer desse jeito!” Ai, meu Deus do céu! É assim! A gente vai passando de geração em geração, de um pra outro.
P1 - Isso era na roça. E na pesca?
R - Na pesca, assim, de canoa, quem ia mais era meus irmãos homens. Papai nunca nos levava nós. Nós ficava pescando era mesmo na beira. Arrastando camarão, pegando siri, essas coisas, assim. Mas quando era embarcado… Primeiro, que nós tínhamos medo de andar embarcado.
P1 - Ah, é?
R – Era. Agora, papai ia com meus irmãos homens.
P1 - E por que que vocês tinham medo?
R - Nós tínhamos medo das maresias, que às vezes eles iam lá fora, aí quando a canoa subia, aí fazia um buraco no meio, que era de uma maresia para outra, e a canoa caía de vez assim, e a maresia às vezes coisava. Aí, nós ficávamos com medo. A gente não ia por causa disso.
P1 - E quando eles voltavam, eles traziam histórias também, além de peixe?
R - Aquelas histórias de pescador. O papai chegava e contava pra nós. “Rapaz, não é…” Chegava e se sentava assim. Meus tios, quando era noite de lua, gostavam de sentar na porta lá de casa, porque ali de casa a gente via assim, o Itaqui, via a baiazona. Nesse tempo passava muita lancha, bem na beirinha, que vinha de São João Batista, vinha de todo lugar assim, trazendo era gado, era porco. Passava assim, as lanchas, tudinho assim, e nós ficávamos lá na porta só olhando as lanchas passando, noite de lua. Aí, aquilo ali ia sair muita história, naquele negócio ali, naquela conversa ali. Olhando ali, saia muita história. Aí, papai ia contando pra meus tios e dizia assim: “Compadre, senhor, eu fui ontem tarrafear, ontem à noite tarrafear, senhor. Não ia um cara na minha frente, tarrafeando na minha frente.” “É mesmo, compadre?” “É, ele vinha tarrafeando na minha frente. Aí, eu disse: rapaz, eu vou voltar daqui! Porque esse cara já foi na minha frente, já está levando os peixes todos, então eu vou voltar daqui.” Aí, eles olhavam essas coisas, entendeu? Chegava e contava. Aí, a gente ficava pertinho assim, a gente ficava morrendo de medo, chega se arrepiava de medo, noite escura, a gente olhava assim, tudo escuro. E a gente já pensava que aquela visagem estava por ali. Aí, tinha aquela história de visagem, aí contava tanta história, que eles olhavam ali na praia.
P1 - É? Tem mais?
R - Muita coisa, assim, que vê. Agora, eu mesmo, vi uma vez assim, duas coisas. Nós na beira da praia brincando de noite, aí eu vi mesmo assim, olhando assim. Às vezes, eu até dizia, assim: rapaz, esse pessoal tá inventando mentira. Mas quando a gente vê, a gente vai vendo que é verdade, viu! Aí, nós tava brincando assim, na praia. E minha mãe sempre falava, “ó, vocês largam de tá brincando em praia até tarde da noite, vocês procurem casa.” Mas como nós morávamos bem na beira da praia, mesmo assim. Então, ali era como se fosse o nosso quintal, nos tinha que brincar era ali mesmo. Aí, nós fomos correndo assim, beirando o mangue, até uma distância assim, aí viemos de novo. Aí, quando eu olho, vai descendo uma mulher do mato para a praia. E ela, essa mulher, pareceu com a mulher que era a nossa parteira, que foi parteira, entendeu? Igualzinha! Gorda, cabelo branquinho. Entendeu? E ela vinha descendo do mato. Acho que tipo para dizer, assim: vocês vão pra casa! Porque ela, a gente chamava ela de mãe. Outros chamavam ela de vó. Entendeu?
A gente chamava de tia. Era assim que a gente chamava ela, porque foi a nossa parteira, a gente aprendeu a chamar ela assim. Que ela botava pra gente chamar. Mas igualzinha, igualzinha. Aí, quando eu olhei assim, nós saímos correndo, aí meu cabelo arrepiou logo, ficou daquela altura assim. Corremos pra dentro da casa. A minha mãe chegou. “O que é que vocês estão vendo aí que vocês estão correndo?” “Tinha uma mulher bem ali, tinha uma mulher bem ali.” “Não estou dizendo para vocês, para vocês irem para dentro de casa.” Aí, tá bom! E outra vez, eu vi foi uma bola, uma bola grande. Nós estávamos na beira da praia e essa bola veio no sentido daqui, como se viesse dali da Alcoa, como se fosse no sentido do Itaqui. Mas era uma bola grande, com um rabão, como daqui naquela casa ali. E aquele fogo assim, ó. O fogo assim, como se a faísca estivesse caindo. E aquela bolona na frente e aquela faísca, aquele rabão atrás, caindo. A gente chegou em casa e... Quase eu me assombro nesse dia. Aí, cheguei. “Papai, papai.” Aí ele, “que foi, menina?” Digo: papai! Aí, eu chamei ele para ele ir olhar, mas não deu pra ele ver. Aquela coisa se acabou no meio da maré que a gente não sabe pra onde foi. Foi assim. Não caiu dentro da água, não foi mais pra frente, não voltou, e dali sumiu. Aí, contei pra ele, aí ele disse assim: não, isso aí é cavala-canga. Eu digo: cavala-canga? “É, isso é cavala-canga, a mula sem cabeça.” Aí, desde esse dia, nós vimos um bucado de coisas. Aí, tinha um pessoal que morava ali no Parnaçu, onde tinha uma velha, que o nome dela era Benedita. Esse pessoal aqui invocaram que essa velha virava bicho. Entendeu? “É a velha Benedita. É a velha Benedita que passou ali, que virou cavala-canga.” Era assim, para ver se a gente perdia mais o medo. Era essas coisas assim. Aí, eles viam muita coisa assim na beira da praia.
Aí, meu irmão também, foi arrastar camarão, aí passou ele e um tio meu.
Aí, quando ele passou, tinha dois caras sentados assim, na beira da praia, assim, que fica assim, mais pra beira do mato. Aí, meu irmão disse que olhou aqueles dois homens ali e também não disse nada. Meu tio passou e não olhou os dois homens. E meu irmão passou e olhou os dois homens, assim, perto dele, e meu irmão ainda falou com eles. “Opa!” Aí, não respondeu. Aí, ele também não ligou, foi embora. Porque quando o pessoal vai pescar, às vezes, vai um atrás do outro. Aí, vinha outro mais atrás, aí ele perguntou. “Vocês viram aqueles dois caras ali, vocês conheceram?” Aí, eles, “não, não vi ninguém, não.” Aí, meu irmão. “Virgi, esses homens nem levantaram de lá, eu acabei de passa aí. Vocês não viram?” “Não, não vi não.” Então, era assim, era cheio dessas presepadas. Aqui era cheio dessas presepadas.
P1 - Diminuiu?
R – Diminuiu. Eu acho que depois da energia, que começou a clarear mais assim. Eu acho que diminuiu mais. Tinha muita coisa. Tinha um cachorrinho que passava, pequenininho, depois ele ia crescendo, ia crescendo, ia crescendo, ficava aquele monstro, parecendo o tamanho de um boi. Uma vez ele botou meu primo e meu irmão pra correr. Eles ficaram quase assombrados por causa disso, vinhão tarde da noite, de beber. Eles iam lá para o final da praia, que tinha um moço que tinha um comércio, e eles iam para lá, ficavam até 11 horas, 12 horas da noite, conversando, contando histórias. Eles contando histórias, aí levava aquilo até tarde, sorrindo. E aquela coisa. Aí, quando eles vieram de lá para cá, disse que vinha um cachorrinho seguindo eles. Eles mais embaixo assim, na praia e o cachorrinho mais por cima. Mas, também, eles não ligaram, pensando que era cachorro mesmo. Aí, quando eles foram chegando perto de casa, o cachorro foi crescendo para eles. Aí, foi quando eles cismaram que não era um cachorro. “Que cachorro grande é esse?” Aí, chegaram tudo... E meu irmão já era grande. Chegou quase assombrado lá em casa também, já gritando. A gente mangava era muito dele. “Ah, tem medo de morrer?”
P2 – Dona Nicinha, quando a senhora fala “quase assombrado”, por quê? Como é que fica assombrado?
R - Olha, a gente fica com aquele medo, com aquele medo assim, parece que a gente vai dar assim uma coisa assim, um passamento assim na gente, parece que a gente cega, entendeu? Parece que a gente fica assim...não está na gente assim, assim que a gente fica.
P1 - Já aconteceu?
R – Já aconteceu comigo.
P1 - Já aconteceu com você?
R - Aconteceu, eu tinha até problema assim, eu fiquei quase assim, aquele problema de medo. Que eu tinha medo, que eu me agarrava era com minha mãe. Para onde ela ia, eu tinha que ir atrás. Agarrada com ela. “Menina, me solta, menina.” Para mim, parecia que tudo eu estava vendo. Se eu viesse um vagalume assim, de noite. Aí, eu já pensava que era uma visagem que estava vindo de lá para cá. Eles contavam muito essas coisas, e com aquilo já foi me assombrando. Eu ficava assim com medo. Aí, tudo que eu via, aí eu já tinha medo. Se eu olhasse assim, uma lancha vinha passando, aí pelo mangue a gente olhava uma brecha assim, uma luzinha da lancha, lá longe. Eu dizia: “minha mãe, lá vem, lá vem um bicho, lá vem um bicho.” Assim. Aí, era desse jeito.
P1 - E passou o medo?
R - Passou. Passou. Depois foi passando, que a gente vai crescendo mesmo. E aí, depois que chegou energia a mais, assim… Mas eu também não me confio em sair no escuro, no quintal, essas coisas. A gente vai evitando também pra não ver. Mas que tem essas besteiras, tem.
P1 - E quando vocês iam lá perto da água, vocês faziam algum tipo de ritual, assim, pra poder entrar, pedir proteção?
R - Não, não. Nunca fiz, não. Porque assim, minha família, quando a gente era criança ou antes de nascer. Minha família toda era envolvida com negócio de macumba, logo que eles vieram de Alcântara, eles eram quase tudo assim. Depois que chegaram aqui, com o tempo, que foram todo mundo aceitando Jesus, sendo evangélico. Entendeu? Aí foram largando esse negócio. Minha mãe dançava, minhas tias dançavam. Meu avô também e fazia até remédio pro pessoal, pra ficar bom, não sei de quê, não sei de quê. Aí, depois foram todo mundo sendo crente. E aí, quando a gente já nasceu, a gente já foi também, já acompanhando. Então, acho que isso assim, mais que acabou assim, também deles contarem essas histórias, porque eles não podiam mais contar. Também memso que visse, mas não podia estar contando, porque já eram crente, eles não podiam estar mentindo. Que eu acho que no meio dessas coisas, saia uma mentirazinha.
P1 – E aí, pensando assim, nessas mudanças de hoje para quando você era pequena, o que mais que mudou aqui na comunidade?
P2 - Depois que chegou a luz, o que mudou aqui na comunidade?
R – Não, o que mudou, foi porque depois que chegou a luz, clareou mais as ruas, que eram escuras. E nós, nesse tempo, não comíamos nada gelado, nós não tínhamos nenhuma água gelada, não podia botar uma coisa na geladeira. Tudo era salgado. Pegava muito peixe, mas esses peixes todos a gente tinha que consertar todinhos e salgar. Se não vendesse logo ele fresco, tinha que salgar, porque não tinha como... Gelo, essas coisas, não tinha. Então, assim, essas coisas melhoraram. Melhorou muito assim, pra gente.
P1 - Vocês chegaram a vender os peixes de vez em quando?
R - Vendia, vendia.
P1 - Era sempre ou de vez em quando?
R - Não, todo dia se vendia, porque era muito farto de peixe. Porque às vezes que não vendia aqui, tinha um senhor que pescava aqui, que tinha uma família bem grande bem aqui, que chamva de Antônio Roxo. Aí, ele criou os filhos dele assim, pescando, todo o tempo pescando de canoa. Ele ia pescar lá perto do Itaqui. Aí lá, quando ele terminava de pescar, ele vendia lá no Itaqui, para as famílias que moravam lá em cima, no Itaqui, que ainda não tinha o porto. E quando ele vinha de tarde, ele vinha pescando de lá pra cá, aí já trazia, que essa pesca de lá pra cá, já era o que ele trazia pra casa, e já trazia o dinheiro do que ele vendia mais cedo. Porque ele ia de manhã pescar e só vinha de tarde. Assim que era.
R - Porque a maré, de manhã, amanhecia cheia na praia, aí ele aproveitava a maré. Aí, ele ia embora. Aí, a maré vazava, ele ficava pescando pra lá, vendendo peixe pro Itaqui. Aí, quando a maré enchia, ele vinha de lá pra cá, que era tempo que a maré chegava lá na beira, e aí ele chegava. Já de noite. Assim que era. Tudo acompanhando os horários da maré.
P1 - Como vocês sabiam sobre a maré?
R – Não, porque eles já ficavam na canoa, dentro da água mesmo.
P1 - Mas assim, quando a maré estava baixa ou alta, como que vocês sabiam? Era pela lua?
R – Não, porque a gente já morava na praia mesmo. A gente já via, já. Via ela chegando, saindo. Tudo a gente já... Quando vocês irem lá olhar, vocês vão ver como é fácil de entender.
P1 - E aí você aprendeu a pescar com quem?
R - Com meu pai.
P1 - Com seu pai?
R – Com meu pai, com meus irmãos.
P1 - Você lembra, assim, dos primeiros dias que você foi junto?
R - Porque, assim, desde pequena, que a gente começa. Assim, já dá uns cinco anos, seis anos, sete anos, já vai acompanhando. Já vai acompanhando. Até porque na beira da água mesmo, a gente ia andando com ele, às vezes ele estava afiando, e nós andando aqui com ele. Entendeu? É por isso que a gente se acostumou mais a pescar na beira. Aí, ele já com os meus irmãos, ele levava meus irmãos pra pescar com ele de rede, entendeu? Assim, quando ele ia embarcado, de espinhel. Que ele botava os espinhel, botava aquelas boias no espinhel, estendia aí no meio do mar. Entendeu? Aí, botava a isca no espinhel, aí o peixe vinha e pegava. Eles iam só pegando e botando dentro da canoa.
P1 - Você nunca entrou pra alto mar?
R - Não, nunca fui. Eu só ia embarcada quando era pra ir para o Itaqui, mesmo pela beirinha, nós íamos pela beirinha assim. Canoa de pano, quando nós íamos, nós tínhamos muito medo. Que quando eles iam na canoa de pano, elas ficavam fazendo aqueles… Canoa com pano. Naquele tempo tinha aquelas Garité aqui, que os meus tios tinham, que eles carregavam madeira, essas coisas, tudo era de barco, de canoa, canoa à pano. Aí, nós tínhamos aquelas pequenas de remo, que era só no remo mesmo. Essa que nós ia beirando o mar… Essa eu ia. Eu até remava nela também, com minha mãe. Nós ia lá na Camboa e vinha. Assim que era. Nessa à remo. Mas nessas de pano, eu tinha muito medo, porque eles iam lá fora e vinham, lá fora e vinham. Aí, eu tinha medo da maresia.
P1 - Você contou que tinha vagalume, hoje ainda tem?
R - Tem.
P1 -Tem?
R - Tem. É mais assim no inverno. Aqueles bichinhos assim, parece uma lagartinha. Tem aquela luzinha parecendo uma lanterna, bem miudinha. Aí, quando falta energia que a gente vê ele, porque tá escuro. Aí, a gente vê muito eles.
P1 - Tinha alguma coisa relacionada a animais ou a natureza que antes tinha e agora não tem mais? Algum animal, alguma planta?
R - Tinha, muitas coisas boas. Muito, muito. Por que o nome é Cajueiro? Tinha muito, muito caju. Eu tinha um comerciozinho aqui, aí o pessoal vinha nos caminhões e dizia assim: Dona Nicinha, eu tô precisando de castanha. Pra senhora comprar umas castanhas aí pra mim. “É mesmo?” “É!” Aí, eles traziam aqui aqueles montão de saco de nylon, enrolado assim. “Eu quero que a senhora compre umas castanhas.” Aí eu falava pro pessoal, digo: olha, eu estou comprando castanha.” Quando dava seis horas, era como se estivesse comprando coco babaçu. Vinha aquele pessoal com saco de nylon cheinho, vinha no carro de mão, vinha em carroça. Aí, eu comprava aquelas castanhas todinhas deles. Aí, quando chegava no sábado, ficava aquele montão de saco de castanha. Quando chegava no sábado, sempre era dia de sábado, o homem vinha buscar. Eu comprava a semana todinha, aí dia de sábado o homem vinha pegar na minha mão. Deixava o dinheiro, eu comprava, e ele já vinha. Por quê? Porque tinha muito cajueiro. E era só cajuzão. Minha irmã...
P2 - Você tinha um comércio aqui?
R - Tinha. Era bem nesse lugarzinho aqui mesmo. Aí, depois eu acabei o comércio. E aí, eu já... Eu acabei com o comércio. Aí, eu comprava essas coisas. Castanha, vendia pra esses homens. Porque tinha muito cajueiro mesmo aqui. Hoje, você vê nesses sítios assim, era muita tanja.
P2 – O que é isso?
R – Tangerina. Tanja, entendeu? Tinha laranjas. Muitas frutas, tinha. Mas acabou depois que começou esses movimentos dessas empresas. Foi acabando. Os cajus foram ficando pequenininhos, foi rachando, entendeu? Até hoje você vê os cajus, hoje quase não tem. A gente vê, mas é pouco e não vê mais uns cajuzões, como era antigamente, que a gente chamava assim, caju maçã, que era aqueles cajuzão, que parecia uma maçã. Não tem mais, a gente não vê. Eram os cajus vermelhos, bonitão, os cajus amarelos, bonitão. Mas hoje a gente não vê quase mais. Entendeu? Acabou com tudo.
P1 - E era tudo no boca a boca? Ele pedia pra você e você fechava, comprava?
R - Comprava e eles vinham aqui e pegava as coisas… Que dizer, deixava lá o dinheiro para eu poder comprar, porque eu não tinha o dinheiro para empatar. Eu não empatava o meu, porque eu não sabia se ele vinha. Eu digo: não, você adianta logo o dinheiro e eu compro. Aí, eu comprava e eles vinham pegar no dia marcado. E assim era tudo. E aí, comprava desse pessoal quase tudo aí. Aí, não era só um caminhão, não, eram dois, três, assim, no final de semana. Muita, muita castanha vendeu. Então, tinha essas coisas. E acabou tudo depois desses movimentos que você vê nessa BR aqui todinha. Nós estamos todos cercados dessas empresas. Aí, nós recebemos o quê? A poluição do cimento, poluição do minério, poluição do... Como é? Até esqueci o outro nome do que tem ali para o Itaqui também... Então, todas essas coisas, jogam para o lado daqui, ainda mais num ventão desse. Aí, vai batendo nas frutas. Entendeu? Você vê, bem ali, a gente fica ali na praia, a gente vê quando os navios estão descarregando, a poeirona que você vê caindo para dentro do mar. As poeironas. De lá a gente vê tudinho. Ainda dizem que a gente não é poluído, que não faz mal para a saúde, não sei o quê... Entendeu? Ainda dizem isso. Desse jeito.
P1 - E o seu papel aqui na comunidade? O que você fazia jovem? Você virou presidente da associação, né? Mas e antes disso, como que era por aqui? Cada um tinha uma venda?
R - Não, antes assim, porque a gente vivia disso mesmo, como eu digo, quebrando coco, e da pesca, fazendo roça. Nós vivíamos disso. Aí, depois, a gente já vai assim, depois já começou, quando chegou já o ônibus, aí depois que chegou já a energia, aí eu comecei já a participar da entidade, porque no tempo da energia eu era presidente da União de Morador, ali. Aí, foi que a gente junto com o vereador, a gente conseguiu, aí começamos a pedir coisas para a comunidade. Aí, já foi chegando algumas coisas que você vê, e depois eu saí da União. E como ali, a nossa praia, ficou abandonada lá, o pessoal que tava lá, começaram a vir pra cá, porque lá era muito difícil de água. De lá a gente vinha buscar água do lado daqui, na lata, na cabeça. Viu? Que a gente vinha buscar água nos poços pro lado daqui, quem morava pra lá. Aí, às vezes, a maré entrava numa picunha e ficava aquele liso, a gente escorregava nesse liso, com lata na cabeça, quebrava pote, que nesse tempo era um tempo de pote mesmo. E quebrava pote. Era aquela coisa, aquela agonia. Então, muitos se mudaram para cá, porque tinha muita área mesmo, porque nesse tempo, como eu estava falando para você, era pouca gente. Então, tinha muita área, a gente morava onde a gente quisesse aqui na comunidade. E aí, o pessoal começou a subir. E os que ficavam lá embaixo também, alguns, apareceu um homem, dizendo que queria comprar aquelas casas, que ia botar um porto, e que ia gerar muito emprego para a comunidade, entendeu? E ia trazer esse negócio de minérios, que ia ser por aqui, não sei o quê, não sei o quê… Sei que falou um bocado de coisas bonitas e o pessoal se iludiu e venderam as casas, para esse homem. Aí, tudo bem. Aí, uns foram embora, outros compraram esses terrenos por aqui e fizeram casa. E lá ficou. Aí, passou acho que uns 15 anos, e o homem não fez nada. Não fez mais nada. Aí, as casas caíram. As casas caíram. Não teve empresa nenhuma dele, que viesse pra dar emprego pra ninguém. Aí, um dia, eu fiquei assim, “Rapaz… E nós tínhamos esse nosso terreno lá, que a gente nunca vendeu pra ninguém, que era onde eu nasci. Mas o pessoal chegava, via que estava assim, um terreno vazio, desejava morar ali, a gente não brigava, eles moravam o tempo que quisessem, depois saía. Aí, se a gente quisesse pegar de volta de novo, a gente tornava a ir lá e pegava de volta. Então, foi o que aconteceu. Aí, morou um tio meu lá, aí chegou uns pescadores, eles começaram a fazer ranchinho pra pescador. Todo mundo que chegava, “não, faz um ranchinho teu aí.” Gente que vinha de Coroadim, de outro lugar. Aí, meu tio foi dando os pedacinhos, e eles foram fazendo rancho. Aí, tudo bem. Aí, quando esse homem chegou, foi comprando todos esses ranchinhos, essas coisas todas por lá. Aí, passou uns 15 anos, e o homem sumiu. Não teve mais nada, tal. Aí, quando chegou um dia eu disse assim: Rapaz, aquilo parece que me tocou assim. Aquilo me tocou e ficou assim, parece que martelando assim, no meu juízo. “Vai para a praia! Vai para a praia, cuida da praia.” Aí, eu fiquei com aquilo assim, eu digo: Rapaz, sabe que é mesmo, eu vou já cuidar da praia, que é lá que é a nossa área de pesca, que é lá que é a nossa área de lazer, que lá é campo de bola, lá é que os meninos se divertem. Aqui você não vê nadinha disso. Mas você vai lá, tem muito lugar para a gente brincar, se divertir. Digo: pois eu vou pra lá! Vou já enfrentar isso. Aí, eu fui e falei para os meus irmãos, para uns parentes meus. “Crianças, bora reativar a praia?” Aí, eles disseram assim: Bora! Eu topo! “Pois, tá bom!” Aí, eu fiquei pensando, mas aquilo todo tempo todo no meu juízo. Mas como é que eu vou fazer? Porque esse homem vai aparecer, vem com coisa, e eu não gosto de entrar assim. Aí, eu chamei um amigo meu, advogado. “Doutor Adriano, faz favor, vem aqui que eu quero falar um negócio com o senhor.” Ele muito bacana comigo, aí ele veio. Digo: Bora, lá na praia. A gente foi. Eu digo: olha Doutor, se passa disso, disso aqui que eu nasci... Aí, contei a história toda pra ele. “Então, o homem chegou comprando isso aqui tudinho, e hoje você tá vendo aí. Não está vendo casa, não está vendo nada, não é?” Aí, ele olhou pra mim assim, sorriu. “Não, Dona Nice, eu não estou vendo nada mesmo. Só a praia aqui mesmo e esses pedaços de terra aí.” Digo: Pois é! Então, eu estou querendo voltar pra minha terra natal. Eu já estava morando aqui. “Eu quero voltar para a minha terra natal, onde eu nasci. Meu umbigo é enterrado bem aqui. Meu e dos meus irmão é enterrado bem aqui. E eu quero vir para cá.” Aí, ele começou a rir. Com aquelas doidices minha, ele começou a rir. Aí, ele disse assim: Olha, Dona Nicinha, eu vou lhe falar, a senhora não está invadindo casa, a senhora não está invadindo cerca. E aqui é praia! Não tem dono! Então, o dono é vocês que são moradores. Mas, se a senhora quiser… Eu não estou lhe dizendo nada, a senhora é quem sabe. Mas ele vai se manifestar, ele vai mandar um documento pra senhora, que é assim, tipo uma intimação. Mas se ele mandar, a senhora manda pra mim. Digo: Ah, tá bom, Doutor! Isso que eu queria ouvir, eu já tenho um amigo do meu lado, eu não vou pensar duas vezes. Aí, ele começou a rir e tal. Aí, minha irmã, nós fomos pra lá.
P1 - Foi a sua família? Sua família toda foi pra lá?
R - Fui pra lá com meus irmãos. Levei irmão, levei sobrinho, levei parente, levei outras pessoas que não é nem parente. Eu digo: eu quero é muita gente, porque se o homem brigar, vai achar muita gente lá. Aí, ele disse: tá bom! A gente foi. Aí, não demora, ele mandou uma intimação pra mim. Só que ele tem um sítio bem aqui na rua de Fátima, que ele comprou, esse homem. Botou uns vigias, é cercado, tudinho. Lá na intimação, ele botou como se eu tivesse invadido a casa dele, a cerca. Botei vigia para correr, e não sei mais o quê. E fui com o pessoal tudo armado de facão e coisa... Aí, quando chegou aqui, eu olhei assim, eu digo: esse homem me deu mais direito agora. Aí, eu cheguei lá onde o doutor Adriano. Eu digo: Doutor Adriano, está aqui o documento que o homem mandou para mim. “Cadê, Dona Nici?” “Está aqui!” Eu digo:mas olhe bem aí, onde foi que ele me intimou. Uma coisa que não tem nada a ver uma coisa com a outra. Ele queria ser dono da Praia todinha, o que ele comprou, se acabou, ele não zelou. Agora, para ele querer ganhar na história, ele vem dizer que eu invadi a área dele, que é onde está o vigia dele. Se eu sou doida de fazer uma coisa dessas, está lá o vigia. Aí o doutor também tinha olhado lá tudinho. Eu mostrei para ele, ele olhou com os olhos dele, que não tinha nada. Aí, ele disse: olha, Dona Nicinha, tá bom, não se preocupe não, pode ir cuidar com a senhora. Aí, eu nunca fui em uma audiência, nunca fui em nadinha. Isso foi em 2013. E aí, pronto! Estamos lá até hoje. A sede do instituto é lá, que eu estou fazendo, ajeitando tudinho. Aqui é só provisória, mas é lá que é a sede. Entendeu? E aí, me largou de mão. E hoje eu estou lá na praia com o meu pessoal lá. E tem muita casa, tem para mais de… Acho que tem mais de 200 casas lá. Só que não é subindo na praia não, tem assim, suvindo para dentro dos matos, tudinho, por lá, tudinho. Agora, muita gente não está morando mesmo, por causa da energia, porque nós estamos na gambiarra. Entendeu? Aí, a gente fez o pedido em 2016, para a Equatorial, para botar a energia para lá. E até agora nada. A gente já botou outro ofício, lá também, para ver se agora a gente consegue a energia para lá. Mas graças a Deus está tudo bem.
P1 - E vocês continuam pescando lá?
R - Continua pescando, é como eu te falei, ainda tem os pescadores de moroada. Que a moroada que a gente chama, que é essa que eu falei, que tem os puçás que ficam lá direto, vazante, enchente, fica lá direto. E também tem essa de arrasto, mas diminuiu muito, por causa do lavadão, ficou muita lama.
P1 - E que ano que vocês foram pra lá? Voltaram pra lá?
R - 2013.
P1 - Ah, foi nesse mesmo ano.
R - É, nesse mesmo ano, 2013. A gente já voltou… Depois que esse homem comprou lá, que deixou, a gente aproveitou e voltamos pra lá de novo.
P1 - E o que a senhora gosta de fazer de lazer?
R – O que eu gosto? Ah, minha irmã, eu gosto de tudo. Sabe o que é que eu estou mexendo agora? Assim, quando a gente vai ficando velha, parece que a gente vai procurando mais problema pra gente. Eu tenho um serviço de convivência aqui com crianças. Aí, tenho… Nós temos aqui também um projeto da Vale, que é o “Rei de Prosperidade”, que apoia 100 famílias, cadastradas. Nós temos agora mais um projeto que está também funcionando nessa sala aí, que vai funcionar, que eles estão ajeitando aí a sala, é da Vale também.
P1 - Do que é esse projeto?
R - Da Vale, assim, tipo criando uma padaria. Aí, eles vão dar os cursos, ensinar, comprar todos os materiais. Aí, quando terminar todo o acompanhamento do projeto, aí fica pra comunidade. Aí, tem esse que é o “Rei de Prosperidade”, que é 100 famílias, que a gente ajuda com cesta básica, às vezes, está doente, precisa de um remédio, a gente compra o remédio, precisa ir para o médico, a gente paga a passagem ou um Uber para levar até lá. Então, a gente dá esse atendimento para essas 100 famílias, entendeu? Pela Vale também. E aí, com isso, nós temos esse serviço de convivência, que é pela Semcas, que é prefeitura. E aí, eu com isso, inventei mais um negócio de jogo de futebol para essas crianças. As crianças são doidas por jogo de futebol, aí, criei uma escolinha para eles, fiz as equipagens, entendeu? Agora estou ajeitando um campo que tem pra ali. Estou ajeitando que é pra ficar só pra nós. Para deixar o do pessoal pra cá, só pra eles. Aí, o das crianças e das mulheres, é pra cá. É outro que eu estou ajeitando lá pra nós. Entendeu? E aí, os meninos é todo dia, quando não tem o jogo, sábado, aí quando pensa que não, chegam aí. “Ei, tia Nicinha, cadê o jogo? Vai ter jogo?” Digo: vai! Aí, quando diz que não tem, fica todo mundo triste. Todo mundo triste. Mas já fiz a equipagenzinha deles. Tem até troféu pra botar um pra... Entendeu? Tem uns troféuzinhos deles ali. É assim. Eu gosto dessas coisas, dessas arrumações. Porque não tem, minha irmã, não tem nada que a gente...
P2 - Como funciona a associação aqui, dona Nicinha? É com doação da Vale, só? Ou tem outras empresas envolvidas?
R - Não, por enquanto a única empresa que está nos ajudando aí até agora é a Vale. E a Alumar também, que ajudou. Eu comecei a sede lá, eles me deram um valor de R$10.000,00, na época. Foi aí que eu comecei a levantar a sede.
P2 - A senhora tem as ideias, aí apresenta pra eles e eles investem?
R – Isso! E tenho também os sócios, que são associados, que pagam uma taxazinha de 15 reais, por mês. Então, juntando aquilo ali, a gente já paga o contador, para ajeitar os documentos, para nossos documentos estarem em dia. Agora mesmo, a gente foi convidado para o Instituto ser parceiro daquele projeto da “Minha Casa Minha Vida Rural”, porque tinha uma pessoa que queria fazer… Nós estávamos fazendo para cá, mas como aqui passou de rural para urbano, então a gente já perdeu o projeto, porque era rural, e já estava quase tudo, já estava tudo já. E aí, com esse pessoal que estava junto com a gente nesse projeto, aí viu que nosso Instituto tinha a condição de entrar por esse projeto, e aí eles falaram com nós para fazer o do Tinaí, pro pessoal de lá, porque a entidade da moça lá só tinha dois anos. Então, ainda não tinha a carência ainda pra... Aí, a gente entrou com o instituto aqui pra ajudar eles lá e, graças a Deus, agora foi contemplada. A casa, agora. Parece que já saiu o recurso para construir. Então, é assim, minha irmã! E aí, como eu digo: eu nasci foi aqui, me criei aqui, eu sei as dificuldades do Cajueiro e eu corro atrás pra isso. Então, depois aí, eu vi, assim, eu estava lá na União, depois eu vi que estava muito assim, coisada, as pessoas não corriam atrás, não coisava. Eu digo: não, eu não paro por aqui, não. O meu objetivo é correr atrás. Eu vou bater nas portas, eu vou até em porta de empresa. Amanhã mesmo eu vou nenhuma bem ali. Entendeu? Aí, eu consigo cesta básica pro pessoal. Eu digo: as empresas não têm a parte social? Eu vou lá nela, pra ver se traz pra cá. E é assim que eu faço. Entendeu? Corro atrás. E aí, graças a Deus, tem o Instituto, e, às vezes, pelo Instagram, muita gente me acha. Entendeu? Agora mesmo, eu tive contato com uma pessoa, que ele parece que é do... Eu até esqueci de onde é que ele falou. Que ele mexe com aquele negócio de energia solar, que bota nos vidrinhos de pet, aquele negócio todo assim. Aí, ele disse assim: Dona Eunice, eu achei o nome do Instituto e tal, nós estamos com um projeto assim, assim... Eu disse: minha irmã, isso aí me interessa é muito. Porque na praia não tem. Entendeu?
Nós estamos lá na gambiarra. Então, eles já estão vindo aqui para a gente… É de Santa Catarina, de lá que ele falou comigo. Estão lá. Vão vir aqui, que nem vocês, que não é daqui, eles também. Aí, vão chegar agora essa semana aqui para a gente conversar e mostrar isso. Então, é assim, minha irmã. Deus é maravilhoso! Deus está na frente de tudo! Mesmo quando a gente... Tudo que eu faço, eu oro e peço a Deus, e o que vem não é atoa, é mandado por ele. Às vezes, eu não estou esperando, mas quando eu penso que não, eu recebo um telefonema, é alguém… Às vezes, eu tenho uns amigos lá fora. “Eunice…” Agora mesmo, outra coisa, outra pessoa ligou pra mim também, que essa amiga já informou pra ela sobre um projeto federal, aí pediu a documentação do Instituto, se estava tudo ok, eu já mandei pra ela, já encaminhei. Tá vendo? Então, tudo que ela pediu, eu já dei, agora vamos só esperar.
P1 - Onde você conheceu ele?
R - Aqui mesmo, no Cajueiro.
P1 - Quando?
R - Ele trabalhava aqui na área. E nesse tempo também eu estava separada aí também, do pai dos meus filhos. Aí, eu estava sozinha e ele entrava… Porque ele é militar, ele passava aqui, aí sempre encostava aqui para tomar um refrigerante. Nesse refrigerante, aconteceu.
P2 - Quanto tempo tem a associação?
R - Foi em 2016 que eu fundei ela.
P1 - Então, ele não é o pai dos seus filhos?
R - Não.
P1 - E como foi se tornar mãe? Você se tornou mãe com quantos anos?
R - 20. 20 anos. Meu filho mais velho tem... Ai, meu Deus, deixa eu ver se eu ainda me lembro. 46. 46 anos.
P1 - E como que foi esse momento da vida?
R - Não tem aquela história que quando a gente aparece com um filho, o pessoal não dizia que era o diploma? Então, é assim que aconteceu com o meu primeiro filho. Eu fui para Brasília, trabalhar pra lá. E lá eu trouxe esse diploma, de lá pra cá. Cheguei com esse diploma, não sabe? E aí, depois que eu arranjei uma pessoa e fui morar junto e eu tive mais cinco.
P1 - Mais cinco?
R - Mais cinco. Com esse, seis. Tenho seis filhos, três mulheres e três homens.
P1 - E você é avó?
R - Sou já bisavó. Vó e bisavó. Sou avó de doze netos e bisavó de uma neta.
P1 - E me conta um pouco, como foi criar os seus filhos?
R - Ah, minha irmã, com muita dificuldade, porque quando eu me separei… O pai dos meus filhos, porque ele gostava de tomar umas e outras, ele chegava bêbado, aí foi aquela coisa assim, aquele abuso, que não deu mais pra mim. Aí, eu mandei ele procurar a vida dele. Aí, fiquei cuidando dos meus filhos. Aí, eu trabalhava, tinha esse comerciozinho, sempre tinha. Aí, o meu filho, como era maior, eu deixava ele tomando de conta. Aí, eu saía nas ruas vendendo perfume. Vendia perfume. Nesse tempo quase não tinha revendedora, era bem pouquinha. Aí, chegava um pessoal aqui com umas caixas, assim, de 30 produtos assim, aí chegava e me passava. Aí, me botava pra vender, tirava a parte deles, ficava com meu lucro. Aí, esse meu lucro eu investia no comércio.
Aí tinha vezes que eu trabalhava em casa de família, aí pegava meu trocado todo dia, ia e vinha, todo dia. Aí investia no meu comércio. Então, meu comércio era bem sortidinho. E meu filho também, graças a Deus… Eu criei meus filhos também bem. Então, ele era o mais velho, tomava de conta, e os menores ficavam com ele. Eu digo: bota aí as meninas para varrer casa, lavar roupa, ir cuidando, e tu e o outro vai fazendo outras coisas. E assim. Então, assim eu fui criando meus filhos. Aí, foi o tempo que eu encontrei com ele, aí fomos morar juntos, ele me ajudou. Ele está comigo até agora, a gente vive a mais de 20 anos, que a gente vive junto. E foi difícil, mas Deus estava no controle de tudo, e tudo saiu bem. E hoje, graças a Deus, meus filhos todos são profissionais, operadores de máquinas, tanto o mais velho, que é pastor também, o mais velho, que é o pastor.
P2 - Eles moram aqui, seus filhos?
R - Esse mora na Vila Maranhão, é o pastor. Mas ele tem uma igreja bem aqui, que ele já construiu uma aqui, tem uma lá na praia, tem outra na Vila Maranhão e está construindo outra lá no Arapapai. Então, já são quatro. E tem o meu mais novo, que é também operador de máquinas, trabalha na área da... Eles trabalham nessa área da Vale, tudinho pra i. E tem outro que é eletricista. Aí, tem as meninas. Tem duas aqui e uma que mora no Rio.
P1 - No Rio? E os seus netos, como foi ensinar esses conhecimentos todos para eles?
R - Então, meu filho hoje, ele é assim, até na hora que está pregando mesmo na igreja, ele diz assim, ele fica contando as histórias, como ele foi criado, como ele criou os filhos dele, que hoje ele agradece a criação que a mãe dele deu pra ele.
Porque talvez se eu não tivesse dado uma boa criação, uma mãe sozinha, hoje estava aí pela rua, talvez aprontando, me dando trabalho, mesmo grande, mas recebendo aquelas notícias, disso e aquilo. Então, graças a Deus! Eu ensinei meus filhos como eu aprendi com meu pai e minha mãe, entendeu? E assim também, aquela criação nossa daquele tempo, era uma criação rígida, mas para o nosso bem. E meus primos também que foram criados com meus tios também foram tudo criados assim, a gente foi criado junto, era uma coisa só. Do jeito que meu pai era, meus tios também eram. e a gente foi criado assim, desse jeito, entendeu? E, graças a Deus, eu sou feliz.
P1 - E esse daqui? Esse daqui?
R - Esse é neto.
P1 - Esse é neto?
R - Quer entrar?
P1 - Não?
R - Está só me arrodeando, ele.
P1 – Tá, eu vi ele ai fora. Sabe o que eu queria te perguntar? Do Covid, como que foi aqui?
R - Covid? Rapaz, até que não foi coisa, muito não. Só que eu me lembro, morreu um rapaz que morava ali, do Covid. Parece que caso que teve aqui, parece que foi só ele mesmo. Não me lembro assim de outro não. Se passou assim, foi... Eu mesma nunca me vacinei, não. Assim, né? Na época, eu digo assim, não vou me vacinar, não. Deus está no controle de tudo, Deus me vacina. E graças a Deus, nunca senti nenhuma dor na unha. Graças a Deus.
P1 - E quais os seus sonhos?
R - Meus sonhos? Ah, minha irmã, são tantos. Ai, Jesus, o que mesmo? O sonho que eu tenho é de ver minha comunidade arrumada como eu vejo as outras, asfaltada. Ajudando aquelas pessoas que precisam mesmo, que eu também preciso, mas tem pessoas que precisam mais do que eu. E assim. Correndo atrás para mim ajudar as pessoas, porque eu venho de uma família assim, meu pai e minha mãe eram desse jeito. Todo mundo, eles queriam abraçar, queriam ajudar. Aquela coisa, a gente foi criado naquele amor, assim, um pelo outro. Entendeu? Então, esse que é o meu sonho, de trabalhar pela minha comunidade.
P1 - E você gostaria de contar alguma história que a gente não tenha te perguntado, de algum momento marcante?
R - Aquela coisa… Uma coisa que a gente sabe que não volta mais. A minha infância, que foi muito boa. Hoje eu conto as minhas histórias para... A gente, às vezes, se junta, aí nós vamos contar as histórias, aquelas coisas que nossos pais falavam, umas palavras assim, que a gente vai lembrando e vai contando um pro outro. Serve, assim, de uma alegria. Todo mundo, aí um sorri, outro já conta aquela outra história, assim, tá vendo? Do nosso passado, como é que era. Então, hoje serve, assim, de uma história mesmo, até para nossos filhos, netos, que não conheceu a nossa história, a gente conta hoje, eles ficam assim, achando diferente, porque as histórias de hoje é totalmente… Essas loucuras aí. E aí, é assim. Eu tenho saudade da minha infância.
P1 - E como que foi para você contar, lembrar dessa infância e contar para a gente um pouco da sua vida?
R - É, eu digo assim, das minha infância que eu digo assim, porque naquele tempo tudo que a gente fazia era junto. Se meu tio fazia tudo, era assim, junto, como eu estava falando ainda agora. Eles faziam um rancho no mato, quando dava de manhã, ia todo mundo para aquele rancho trabalhar, quem ia para a roça, quem ia quebrar coco, todo mundo junto. E nós, crianças, ia também. Então, a gente foi criada ali todo mundo junto, a família toda era unida mesmo, unida. Eu, meus primos, todo mundo era unido, porque pra onde os pais, a gente tava acompanhando. Então, a gente sente saudade disso. Então, hoje eu vejo assim, que hoje assim, até digamos assim, eu tenho meus netos, aí eu vou dizer assim: ó, você vai fazer isso assim. Eles já não querem, às vezes, ouvir nem os pais, imagina eu que sou avó. E a gente tinha vontade deles serem criados assim, não debaixo da taca, que taca nós apanhamos muito também. Não debaixo da taca, mas que ouvisse assim, “olha, não faz isso que não dá certo!” E eles pensassem assim: minha avó falou, eu não vou fazer. E naquele tempo era assim. Qualquer pessoa, podia não ser parente da gente, mas se a gente estivesse fazendo uma arte por ali, passasse uma pessoa mais velha, daí que a gente olhava… A gente já ficava preocupado, “aí meu Deus, se chegar lá em casa e disser para papai, nós vamos apanhar.” Ou então, se ele dissesse assim: menino, tu não faz isso! Pronto! Nós não fazíamos. “Vai procurar casa!” Ia pra casa. Quem que respondia? Deus o livre! Entendeu? Então, não tinha isso. Então, essas coisas assim que às vezes a gente sente saudade, porque eu vejo meus netos, às vezes, eu falo… Graças a Deus que até que… Tem uns aí que são assim meio… Mas aí quando eu falo, eu vou dá-lhe. Eu dou-lhe mesmo.
Aí, eu dou-lhe mesmo. Então, eles já têm aquele… “Vixi, vóvó vai dá-lhe!” Entendeu? Porque a gente tem que falar é duro mesmo, pra eles poderem coisar. Mas tem uns que saem resmungando aí pra vó, diz cada coisa aí pra vó, pra mãe mesmo. Aí, eu fico assim… Digo: não, Graças a Deus nunca aconteceu comigo, com minha família também. Até agora meus netos, eu já tenho neto já de vinte e poucos anos, tudo trabalhando já, Graças a Deus. Mas sempre... Então, assim, aí eu me sinto feliz comigo e com minha família. Meus sobrinhos também, tudo me respeita muito bem. É tia pra cá, tia pra acolá. Quando chega aí é assim. Porque com nós, taca rolou muito. Olha... Assim, na roça, tem muita... Quem mora assim nas roças, tem muitos pés de planta, como vocês falaram ainda agora, se tinha muita fruta. Não sei se vocês conhecem. Ingá. Vocês conhecem? Minha irmã, aqui tinha tanto pé de ingá. Aí, umas ingazinhas desse tamanho assim, que ela era grossinha assim, que tinha os cachos mesmo tudo cheinho. E nós ia buscar água, era no poço, aí os potes secavam, papai ia pra roça, minha mãe ia pra roça. Aí, eles diziam: ó, quando eu chegar eu quero achar esses potes cheios. “Tá bom!” Nós ficava remancheando, remancheando. E eles estavam perto de chegar. Cinco horas eles estavam chegando do mato. Aí, quando dava perto de cinco horas, que nós achava de ir buscar água para encher os potes, aí nós pegava as latas, para ir buscar, a lata d'água assim na cabeça, nós chegava no poço, parece que era tentação mesmo, nós e aquele montão de menino, que nós só andávamos em bando. Aí, os pés de ingá estavam assim, minha irmã, aquelas cachopanas de ingá. Aí, nós se entretia na ingazeira, nós subíamos na ingazeira, a ingazeira quebrava galho com nós lá, parecendo um bando de macaco nos pés de ingá, e os galhos não aguentavam a gente, quebravam, nós nos jogávamos no chão. Aí, ficava uns lá chorando, que caía. Aí, depois já não estava chorando mais, já queria era ingá de novo. E com isso, as vasilhas todas na beira do poço. Aí, nós estávamos lá entretidos, quando nós pensávamos que não, lá vinha papai, vinha meus tios, tudo de pontinha de pé, com os galhos de pau na mão. Quando nós pensávamos que não, era só pegando no braço da gente, assim, ó, pegando no braço e taca, taca, taca, e nós berrando. Era tanto berreiro, tanto menino apanhando. Aí, é que nós pegávamos as vasilhas com água e levávamos para casa. Então, ingá nos fez apanhar muito. Ai, meu Deus do céu. Nós íamos buscar manga longe... Nós inventávamos de buscar manga, nós ficávamos lá entretidos, aí quando nós chegávamos, nós apanhávamos, porque demorava. Nós íamos tirar a Juçara… Mas tudo era assim, dava aquelas venetas, íamos um montão juntar manga, quando pensava que não, nós íamos para os brejos tirar a juçara. Até eu subia de juçareiro, as meninas. Nós todos subíamos no juçareiro, tirávamos cachos de juçara. Era assim. Nós atentávamos assim, mas era se virando, quando pensava que não, chegava com coisa em casa. Agora, só que o papai batia, porque ele dizia: vocês têm que sair e dizer para onde vocês vão. E também não pode demorar. Que a gente não sabe pra onde vocês foram, aí vão apanhar pra não fazer de novo. Aí, nós procurávamos a taca mesmo, sem necessidade, porque não tinha, às vezes, nem precisava fazer aquilo, mas dava na veneta, nós ia, só pra apanhar.
P1 - Você topa mostrar algum desses lugares pra gente?
R - Sim.
P1 - Vamos? Muito obrigada.
R - Quer ir lá no Andirobá, onde nós íamos buscar?
P1 - Vamos.
R – Vamos! Agora ali no brejo, ali é onde a casa da minha mãe, que está fechada lá, é brejo também. Aí lá a gente subia na juçareira, quando minha mãe chegava. “Menina, de onde vocês tiraram essa juçara?” “Não, nós fomos ali.”
“Menina, vocês querem cair daí e morrer? Cair em cima de um toco.” Ficava brigando o dia todinho, mas depois ia pra lá, amassava a juçara e comia. Ai, meu Deus do céu.
P1 - Oba, vamos lá então.
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