Projeto Conte a Sua História
Depoimento de Andreia Abud
Entrevistada por Lila Schnaider e Rosana Miziara
São Paulo, 29/05/2017
PCSH_HV568_Andreia Abud
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
Revisado por Viviane Aguiar
P/1 – Andrea, vamos começar bem básico. Qual é o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Andreia Maria Abud, tenho 44 anos, nasci em São Paulo.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Hélio Pereira Abud, já faleceu. Minha mãe, Lídia Terezinha Canone Abud.
P/1 – Seus pais são de São Paulo?
R – Meu pai é de Minas, minha mãe sim.
P/1 – Vamos falar um pouquinho da história dos seus avós maternos e paternos, suas origens.
R – Eu conheço pouco, mas eles eram italianos, os pais da minha mãe, bem italianos mesmo. Eu lembro pouco, eu era muito nova quando eles morreram. O que eu sei da história é que eles viviam na Itália, depois viveram uma época da vida na Argentina. A minha mãe é a única filha que nasceu no Brasil. Eu lembro... Posso falar do que eu lembro?
P/1 – Claro, quanto mais você falar...
R – Eu lembro, quando eu era pequena, na verdade, essa coisa italiana que eu adorava, que eles eram bem velhinhos, meu avô era cego, meu nonno. A gente não chamava de avô e avó, a gente chamava de nonna e nonno, né? Tinha uma história que me emociona, porque o meu nonno, ele serviu na Segunda Guerra pela Itália, ele era um motoqueiro, eu acho que mensageiro, uma pessoa que fazia isso – a gente tem até hoje um capacete que ele usou na Segunda Guerra. E uma lembrança que eu tenho deles é que eu chegava na casa deles, só falavam italiano. Eu lembro que o meu nonno, ele era cego, então, a minha mãe me punha na beira da cama ou da cadeira, onde ele estivesse, e ele ficava me tateando pra saber se eu cresci, se eu estava magra. Para o italiano você está sempre magrinha, né? E eu lembro da minha nonna fazendo macarrão na máquina e uma coisa deliciosa, que italiano dá vinho pra criança, de eu chegar na casa deles e eu podia pegar uma canequinha de alumínio e tomar vinho com guaraná (risos). Mas, infelizmente, um faleceu eu tinha cinco, o outro eu tinha parece que oito anos. Eu era bem pequena.
P/1 – Ele ficou cego ou ele...?
R – Ele ficou cego, ele ficou cego, mas, quando eu nasci, ele já era. Mas ele ficou cego. O que a minha mãe conta é que era daqueles homens muito grandes, com muita força física, que andava de moto e eu nem sei direito o por quê que foi... Ah, glaucoma, foi glaucoma.
P/1 – Mas essa casa em que você ia era aqui em São Paulo?
R – Em São Paulo, em São Paulo também. Na verdade, do que eu sei, quando vieram da Itália, foram pra Argentina – não estou muito certa dos timings –, depois já direto pra São Paulo. Aqui era uma casa com bastante espaço, aquelas casas bem antigas.
P/1 – E seus avós paternos?
R – Os meus avós paternos, eu já tive mais tempo com eles. Eles vieram de Minas, parece que o meu avô, o meu pai contava – o meu pai também já faleceu –, era um juiz de paz em Minas Gerais, e vieram pra São Paulo com, eu acho, são quatro filhos. Eu tenho um tio que é deficiente, o irmão do meu pai. E vieram também de uma origem muito... Quando vieram pra São Paulo, eu acho que perderam tudo, não sei exatamente o motivo, mas uma origem, uma vida muito sofrida, de muita batalha. Meu avô também ficou cego de um olho, quando eu nasci também ele já não tinha, não sei também exatamente. E vieram de Minas Gerais. Então, o que eu lembro dali: tinha uma casa também aqui em São Paulo, que tinha um quintalzão de terra, meu avô fazia balanços pra gente. Ele tinha muita habilidade, fazia balanços para os netos, e eu tenho essa lembrança. É de origem libanesa, então, bem, um pouco, eu não vou dizer machista, mas bem tradicional. Eu me lembro muito da minha avó, que fazia quibe e pão de queijo.
P/1 – Eles moravam em que lugar aqui em São Paulo?
R – Vila Guilherme.
P/1 – Você sabe um pouco da criação do seu pai, como ele foi criado, o que ele fazia?
R – Do meu pai, ele contava que ele era terrível, que ele apanhava, eram três meninos e uma menina. Eu sei mais da vida do meu pai de quando ele veio pra São Paulo. Eu acho que ele teve uma infância muito solta lá em Minas. Uma coisa que eu achava curioso é que, como o meu avô era juiz de paz, eles eram padrinhos de todo mundo, toda criança que ia batizar lá, eram eles. Eu sei um pouco mais da vida do meu pai. Fora uma infância normal, eu lembro que uma vez o meu pai levou a gente pra uma cidade que chama Passos, Engenheiro Passos, perto de Paraíso, que foi uma época em que ele foi levando a gente em vários lugares que ele foi vivendo, casas, casa de tia, de tio. Uma cidade minúscula, tinha uma igreja, um cemitério e algumas ruas. Tinha um negócio que chama congada, que o meu pai uma vez me mostrou que era uma festa – eu era pequena também –, pra eles, a maior festa da cidade, em que se fantasiavam as crianças de anjinhos. E eu lembro que o meu pai me mostrou isso, quando eu vi as crianças fantasiadas, que ele tinha que fazer isso quando ele era pequeno todo ano. E depois vieram pra São Paulo. Eu não sei exatamente quantos anos o meu pai tinha.
P/1 – Você sabe como o seu pai e sua mãe se conheceram?
R – Não, eu sei que minha mãe namorava, eu não sei onde eles estavam, mas parece que eles ficaram amigos. Minha mãe namorava o meu tio, “namorava” pra ela era estar de olho no irmão do meu pai. E minha mãe brinca que o meu pai era muito feio (risos) e que ficou muito bonito depois, que ele era bonito mesmo, e que no fim deixou de ficar com o meu tio pra ficar com o meu pai. Acabou gostando mais do irmão e ficou com ele.
P/1 – Aí eles se casaram e foram morar onde?
R – Em São Paulo também, próximo da minha avó.
P/1 – Na Vila Guilherme?
R – É, ali, Vila Guilherme, Tucuruvi. Se casaram, eu acho que a minha mãe devia ter uns 22 anos e tiveram... Eu sou a última. Tiveram minhas irmãs e depois a mim.
P/1 – E seu pai fazia o quê?
R – Meu pai era publicitário. Meu pai conta que, quando ele chegou em São Paulo, não tinha trabalho, que ele primeiro foi trabalhar numa padaria, numa padaria que chama Polaca, que existia lá em Santana, que é onde a gente morava. Sempre que a gente ia lá comer pizza na padaria, meu pai falava: “Eu já trabalhei aqui”. Eu admiro muito a história dele, porque meu pai era publicitário, e eu sou mídia. Meu pai era mídia, só que naquela época não existia faculdade de Propaganda. Então, meu pai acho que estudou até o terceiro colegial, eu não sei exatamente, acho que nem acabou o terceiro colegial. E ele conta que arrumou um emprego num jornal e que ele escrevia horóscopo no jornal e ele simplesmente escrevia coisas (risos) que não tinham nada a ver. Aí ele soube de uma vaga numa agência de propaganda, que na época chamava Lintas, que era uma das maiores agências que tinha no Brasil, e eu não me lembro o nome dessa pessoa, eu acho que é Rodolfo Lima Martensen, que é até o fundador da ESPM [Escola Superior de Propaganda e Marketing] – e eu vim a fazer faculdade aqui na ESPM. E ele soube dessa vaga, uma vaga de mídia, que ele não sabia o que era, mas ele precisava trabalhar. Acho que já tinha minhas irmãs, tinha acabado de casar, e ele falou que foi se candidatar pra essa vaga e que quem atendeu ele foi o próprio Rodolfo Lima Martensen, na Lintas, e que perguntou pra ele se ele sabia fazer conta, se ele sabia... Ele falou que ele sabia tudo. Aí, o Seu Rodolfo Lima Martensen entregou pra ele um bolo de papel e falou: “Tá aqui, então vai lá e faz”. Ele conta que ficou com aquilo na mão – contava, né? –, que ele ficou com aquilo na mão. Olhou pra ele e falou: “Você não sabe fazer, né?” Ele falou: “Não, não sei, mas se você me ensinar, eu aprendo.” Aí, o meu pai meio que virou um pupilo de um grande nome da propaganda, e ele foi mídia até morrer.
P/1 – Na Lintas?
R – Não, ele foi curioso, não sei se eu estou pondo as coisas na frente. Ele foi pra Denison, que era uma Agência Lintas, depois Denison, que era uma agência grande, e ele foi de uma agência que chama Expressão Brasileira de Propaganda, que era uma agência house da Varig, na época em que a Varig estava superbem. E o que é interessante – como a vida, né? –, porque eu acho que sou mídia por causa dele. O meu pai fundou o grupo de mídia no Brasil, é uma pessoa que foi muito conhecida nessa área de mídia, e eu lembro, quando eu era pequena, do meu pai, de eu ir na agência, aquela coisa do filho que vai um dia trabalhar com o pai. E eu lembro do meu pai, o meu pai tinha a conta da Colgate na época, e eu vim, depois de muitos anos, a trabalhar na Colgate. Então, eu tenho muito a lembrança de ligar para o escritório: “Onde?”, “Não, teu pai não está, teu pai foi pra Colgate”. Eu acho que, como era uma marca que fazia parte do meu dia a dia, era uma marca que eu lembrava, eles tinham outros clientes, mas eu tenho muito forte em mim a história de que ele atendeu a Colgate. Quando eu vim trabalhar pra Colgate, que eu tive a proposta e que eu voltei pra Young, eu fui atender essa conta. Eu fiquei muito emocionada no primeiro dia que eu vim aqui, porque eu vim, eu entrei numa sala de reunião que tem aqui, que chama Sala Brasil, que tem uns quadros, uns quadros. E dos quadros que tem na sala de reunião da Colgate, um quadro tinha na minha casa. Por quê? Eles atenderam a conta muitos anos atrás, e eu acho que o quê? Quarenta anos, 30 anos atrás, era conta da Denison, e um dos quadros que tinha na parede era o mesmo porque o Sepp Baendereck, que era o dono da Denison, o presidente da Denison na época, ele pintava quadros e ele fazia algumas edições, aquele um de dez, dois de 30, e na minha casa tinha os quadros dele. E um dos quadros era exatamente o quadro que, na primeira vez que eu vim numa reunião aqui, estava na sala de reunião.
P/1 – Como é que era essa casa de vocês onde você passou a infância, essa em Santana?
R – Até os 11 anos, era uma casa, sabe essas casas geminadas, que tem uma casa do lado da outra? Era uma casa pequena, mas uma casa superdeliciosa. A gente morava numa rua, numa ladeira com muitas pessoas amigas. A minha mãe e eu também, a gente conserva amizade com algumas pessoas dessa rua até hoje. A casa bacana, eu lembro de um quintalzinho pequeno, com um chão amarelo e preto de quadradinhos e eu lembro de muitas pessoas ali muito amigas, sabe aquela coisa? Santana é um bairro meio interior, então, tem muito aquela coisa de deixar a porta aberta, sair, entrar na casa de um, de outro.
P/1 – Você se lembra das brincadeiras de infância?
R – Lembro, eu brincava, eu adorava brincar na rua, nem sempre minha mãe deixava, porque eu era uma das mais novas ali. Eu brincava de queimada, eu brincava na “viloteca”, de tocar a campainha das casas dos vizinhos e sair correndo, eu brincava de boneca. Na época não era nem a Barbie, era Susi que chamava a boneca. Eu brincava de dançar, pôr música e dançar e cantar. O que mais? Às vezes, eu me lembro que eu e umas amiguinhas minhas, a gente tinha mania que a gente ia vender coisa, então, a gente fazia limonada e ia vender na rua (risos). Ficava sentadinha ali na ladeira, ou a gente pintava e achava que ia vender quadros.
P/2 – E da tua mãe, o que você se lembra dessa época da infância?
R – Minha mãe sempre que cuidou... Eu tenho muita diferença de idade das minhas irmãs, 12 e 9 anos. Então, sempre ali em casa cuidando da gente, eu lembro. Minha mãe gosta, minha mãe é italiana, então, tudo pra ela é comida. Ela sempre foi aquela mãe que te coloca comida, nunca você comeu o suficiente. Tinha um esquema com essas amigas da rua em que uma mãe levava, outra buscava. Minha mãe sempre era a que buscava na escola e sempre muito presente também, muito ali, muito carinhosa. Eu fui muito mimada, essa é a verdade, porque eu fui a “temporona”.
P/1 – Comemoravam-se festas, aniversário, Natal?
R – Sim.
P/1 – Que datas se comemoravam lá?
R – Aniversário não tinha essa coisa de bufê, tudo em casa, juntavam todas as vizinhas. Acho que era até mais legal o antes do que o aniversário em si, porque você tinha, juntava todo mundo, fazia brigadeiro, fazia um monte de coisa. Minha mãe fazia tudo em casa. Na verdade, o meu pai tinha um hábito que, todo Natal, Páscoa e Dia das Crianças, a gente tinha que ir numa creche, num orfanato, que o meu pai fez uma promessa, eu não sei exatamente. Parece que a minha irmã caiu e machucou, e ele fez uma promessa, ou meu pai operou o coração, foi uma dessas. Mas tinha uma creche, um orfanato perto, em Santana, que ele fez essa promessa em que, em todas as datas, a gente iria. Desde que eu sou pequena, muito pequena, antes de eu nascer, a gente já tinha esse hábito. Antes, por exemplo, de a gente ganhar, do Natal, no dia 24 à tarde, era o dia que a gente ia pro orfanato. A gente comprava, eram 160 crianças que tinha lá, a gente comprava, o meu pai ia na 25 ou sei lá, comprava. A gente fazia os saquinhos pra dar pras crianças. Ia a família inteira, se vestia de Papai Noel e tudo, e a gente distribuía isso no Natal, no Dia das Crianças e na Páscoa. Então, antes da nossa festa, tinha que ter a festa das crianças. Por muitos anos, a gente chegava lá, as crianças já reconheciam, gritavam o nome dele, porque ele era um que ia todo ano. O Natal sempre foi uma festa em família, onde a gente juntava a família. Eu tenho mais lembrança do Natal com a família do meu pai do que com a família da minha mãe, porque os meus nonnos já tinham morrido, quando eu era um pouquinho mais velha. Então, juntava a família, um monte de comida, eu lembro que eu deixava... Também não tinha muito esse esquema de: “Vamos chamar um Papai Noel pra vir aqui em casa”. Era muito. Você achava que o Papai Noel vinha, então, eu saía de casa, deixava água pras renas, deixava capim pras renas e bolacha pro Papai Noel, voltava sempre dormindo e aí acordava no outro dia e o Papai Noel tinha deixado brinquedo na árvore. Páscoa era também uma festa de família sempre. Normalmente, a gente se reunia com tio, tia, avô e avó. E Dia das Crianças não, era aquela coisa mais mesmo de ganhar um presente.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Dei trabalho, eu era muito grudada, então, eu acho que foi só no pré. Pré tem quantos anos, sete, seis?
P/1 – Seis, sete.
R – Eu me lembro da minha mãe me pôr na escola e me tirar, porque eu chorava e ela tirava, até chegar no pré, que eu precisei ir de fato. Então, seis anos.
P/2 – Você lembra por que tinha esse sentimento?
R – Eu não sei, eu chorava. Eu acho que, como é assim, eu sou a filha “temporona”, talvez eu tenha sido um pouco mais mimada. Toda criança, eu acho que a maioria das crianças chora. Eu acho que a minha mãe não aguentava e tirava da escola. Até a hora que não teve jeito, né?
P/1 – Em que escola depois você fez o primário?
R – Eu fiz numa escola de freiras, que se chama Instituto Madre Mazzarello, em Santana. Eu fiquei lá até o oitavo ano, depois eu fui pra uma escola, tudo em Santana, que eu morava ali, que se chamava SAA. Aí eu fiz colegial.
P/1 – E esse colégio de freiras, que lembranças você tem?
R – Olha, é uma escola um pouco rígida, tem a questão da religião. A minha família, ela é religiosa, meus pais trabalharam em Igreja Católica. A gente, eu acabei virando, a minha família hoje é espírita. Eu acho que eu tenho boas lembranças, mas eu acho que a escola, o Mazzarello, ela me dava um pouco de medo, porque ela era uma escola grande e essa coisa de freira, padre te dá um certo distanciamento. Então, eu lembro que tive momentos superfelizes, é lógico, mas talvez um pouco cerceadores.
P/1 – Que momentos felizes, você lembra alguma história?
R – Ah, muitos. Sempre o recreio. Eu lembro que, uma vez, uma coisa muito feliz que me aconteceu foi que eu fui escolhida para coroar Nossa Senhora, que era um dia em que você ia de vestido e você coroava lá a Nossa Senhora. Tinha umas coisas na escola muito legais, que era a coisa das semanas da fraternidade, onde você realmente se envolvia em alguns projetos pra ajudar algumas pessoas. Eu gostava muito de fazer parte dessas coisas e eu acho que tudo, o parquinho, a quadra. Aula de verdade não era dos melhores momentos, né? Tive uma professora muito querida lá na minha segunda série, foi uma série um pouco difícil, porque o meu pai operou o coração, na época era uma coisa preocupante. Então, foi um momento difícil na família ali, e essa professora foi assim... Eu tenho contato até hoje com ela, fantástica, uma querida.
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Tia Cidinha, muito, muito querida, e minha irmã depois trabalhou na escola, na mesma escola, e elas foram pares numa classe. E a gente, no fim, no Instagram, até hoje a gente se fala e eu a vejo de vez em quando, muito gostoso vê-la.
P/2 – Você era uma menina que gostava de aprontar, se juntava com os amigos?
R – Eu acho que eu tive fases. Eu tive fases mais quietas. Eu acho que eu não era das mais terríveis da escola, mas eu sempre, eu sou grande, então, eu sou sempre muito estabanada, sempre fui. E eu gostava muito de jogar, de jogos. Eu lembro que recreio pra mim era correr, era ou jogar queimada ou jogar vôlei ou correr pela escola. Eu não era muito de ficar quietinha, sentada com a boneca ou com alguma coisa parecida.
P/1 – Suas irmãs estudavam na mesma escola?
R – Estudaram, mas, como é muita diferença, quando eu estava no Mazzarello, elas já estavam na outra escola, depois elas já estavam na faculdade.
P/1 – O que te deixava feliz na infância?
R – Nossa, tanta coisa!
P/1 – Um momento que você lembre, fora esse do Natal.
R – Eu sempre fui muito família. Para mim, os momentos melhores eram as viagens em que eu ia com o meu pai e com a minha mãe e com as minhas irmãs. A gente viajava pra praia, a gente viajava pro sítio, que eu tinha um tio que tinha um sítio fora de São Paulo. Acho que todos os momentos em que eu brincava com amigas, eu tinha amigas muito queridas, amigas que não são hoje minhas amigas de convívio diário, mas sabe aquelas pessoas que, se você encontra, parece que foi ontem a última vez que vocês se viram, que a gente se viu? E os momentos felizes pra mim eram na “viloteca” mesmo.
P/1 – Conta essa história da “viloteca”.
R – Ah, então, a “viloteca” era um lugar em que eu ia quando eu era pequena. Eu me lembro muito bem das pessoas me perguntarem: “Andreia, o que é a ‘viloteca’?” E eu falava: “‘Viloteca’ é a ‘viloteca’.” Para mim, eu não entendia por que as pessoas não sabiam o que era “viloteca”, que era tão óbvio, né? Minha mãe falava: “É discoteca?” Eu falava: “Não, é ‘viloteca’.” “É biblioteca?” “Não, mãe, é ‘viloteca’.” E era um lugar em que eu ia quando eu era pequena, um lugar nessa casa, um quartinho que tinha lá, e eu brincava com as minhas bonecas, me sentia muito bem. Eu não saberia, naquela época, descrever o que era “viloteca” e aí eu fui crescendo e ela foi continuando. Tudo na minha vida, se eu precisasse pôr uma senha de alguma coisa – estou colocando a senha aqui (risos) –, mas, se eu precisasse escrever alguma coisa ou definir alguma coisa, pra mim era tudo “viloteca” e ficou até eu crescer.
P/1 – Na sua casa, hoje, como é que é?
R – O que aconteceu foi que, na agência em que eu trabalhava na época, muitos anos atrás, as pessoas perguntavam, lembra na época do Messenger? O meu era “viloteca@”, os meus e-mails eram tudo assim. “Andreia, o que é ‘viloteca’?” E eu falava: “Então, ‘viloteca’ é ‘viloteca’, se você não sabe, você não vai saber.” Aí eu contava essa história: “É um lugar em que eu ia, que eu me sentia muito bem e tudo mais.” Até que um dia o meu marido, que era meu amigo, ele veio com um texto pra mim e ele descreveu a “viloteca”, exatamente o que era a “viloteca”. Então, é uma história meio... As pessoas podem achar que é tudo meio doido lá em casa, mas os meus filhos, por exemplo, têm muito claro o que é a “viloteca”. Eu tenho quadros na minha casa em que está escrito “viloteca”, eu tenho esse texto do meu marido pendurado na minha casa, a família conhece muito bem. Então, vai na casa da Andreia e do Alê? Não: “Nós vamos pra ‘viloteca’.”
P/1 – O que está escrito no quadro?
R – O quadro é essa história exatamente, que ele escreveu esse texto, basicamente. É um texto muito lindo, eu não sei nem dizer, mas ele diz que a “viloteca” é um lugar que tem muitas cores, que tem muitos cheiros, que tudo cheira a fruta, que toca a música que a gente quer, que tem muito respeito, que tem muita alegria. É um texto muito bonito. Eu posso te mandar depois pra vocês verem. E no final ele acaba que esse lugar tem uma rainha e aí ele me chama de rainha da “viloteca”, e eu chamo ele de rei da “viloteca” e as crianças são os príncipes da “viloteca” (risos). E aí é tudo assim.
P/1 – Voltando, então, você tinha a “viloteca” lá na sua infância, que te deixava feliz.
R – Tinha, tinha, eu tinha. Eu lembro que eu tinha um cachorrinho que também me deixava muito feliz, que chamava Toquinho, que era um cachorrinho que, depois de muito tempo de eu estar pedindo pra minha mãe, eu ganhei. O que mais da minha infância de engraçado? Faz tempo, né? Eu acho que, depois, a gente mudou pra um outro apartamento um pouco maior, eu acho que, quando eu mudei, eu senti um pouco a falta daquela coisa da rua, de sair, ir nos seus vizinhos e você criar outros laços ali do lado. Eu gostava muito de balé, eu fazia balé, jazz, sapateado, eu gostava muito de dançar, de fazer tudo isso. Depois você vai crescendo, você começa a gostar de balada, de baladinha. Meu pai era bem rígido, não deixava muito eu sair, mas tinha bons momentos também.
P/2 – Só voltando um pouquinho na história do cachorro. Você ficou muito tempo pedindo? O que você lembra? Como foi quando você ganhou?
R – Eu, na verdade, engraçado, porque eu sou, hoje, louca por bicho, gosto muito. Tenho lá os quatro e eu resgato os bichos da rua, não consigo: se o cachorro está numa situação muito difícil, eu acabo levando. Engraçado que, quando eu era muito pequena, eu tinha muito medo de cachorro. Então, eu me lembro de uma época da minha vida em que eu não podia ver um cachorro na rua, lá do outro lado, que eu queria atravessar. Depois eu comecei, eu acho que eu comecei a gostar de bichinhos e talvez eu pedi um tempo, eu não me lembro quanto tempo, mas talvez até por isso o meu pai e minha mãe tenham me dado, talvez pra acabar o medo de vez. E aí uma tia, irmã da minha mãe, muito querida, que tinha cachorro em casa, ela cuidava de alguns cachorros e acabou que a cachorra dela deu cria e ela me deu esse cachorrinho. No fim, fiquei muito triste, porque, quando eu mudei pro apartamento, a gente doou, que eu acho que é uma coisa que eu não faria jamais hoje, mas na época eu era pequena, e a minha mãe acabou doando pra uma pessoa que ia cuidar e tudo mais. Foi uma alegria enorme quando você ganha um animalzinho, muito legal.
P/1 – E, na juventude, você tinha grupo de amigos?
R – Tinha.
P/1 – O que vocês gostavam de fazer?
R – Eu tinha essas grandes amigas, que a gente cresceu, amigos da escola. Então, o meu pai não me deixava muito sair, não era uma coisa muito aberta, não sei também, já faz um tempo. Eu acho que era meio normal na época. E tinha um clube, que chamava Clube Esperia, que era um lugar em que ele me deixava ir. Então, fim de semana pra mim era ir para o clube com as amigas, tomar sol, ficar no clube. E chegava no domingo, tinha a domingueira, que eu acho que começava às cinco, seis horas da tarde. Tinha meus primos que também frequentavam o mesmo clube, então, meu pai também me deixava ir na domingueira. Muitas vezes eu estava na domingueira, que era para o meu pai buscar tipo dez, e eu olhava para o lado, ele estava lá dentro dando uma olhada como é que estava.
P/1 – Você lembra de algum momento marcante da juventude?
R – Nossa, um?
P/1 – Vários, né? Alguma história que te ocorre?
R – Eu acho que eu tenho. Está tão focado no meu pai, mas eu acho que é pela saudade. Eu lembro quando eu fui, por exemplo, o momento de você fazer vestibular, que é um momento tenso da vida. Eu lembro que eu ia pra escola de manhã, fazia o cursinho à tarde, e eu lembro do meu pai falar pra mim: “Não faz mal se você não passar na faculdade”. Eu acho que querendo tirar a culpa. Eu lembro de uma coisa que me emocionou muito, que foi quando eu fui fazer o vestibular. O meu pai estava viajando, então, minha mãe ali cuidando, como eu disse, eu acho que eu fui bem mimada, todo mundo preocupado em como eu estava me sentindo pra fazer o vestibular. E aí eu lembro de uma carta que o meu pai fez pra mim, deixou pra mim para o dia do vestibular, que foi uma carta em que ele falava, superbonita, em que ele dizia: “Andreia, se você não passar, não passou, você tem mais um ano pra estudar, você tem mais tempo da sua vida”. E uma coisa engraçada que, quando eu falei que ia fazer Publicidade, meu pai falou: “Não, não faz, dentista, médica, arquiteta, mas não faz Publicidade.” Eu falei: “Por que não faz Publicidade? Você é publicitário.” E ele disse: “Ah, porque você não vai ter vida.” Porque tinha um pouco disso, que publicitário não... “Mulher, como vai fazer?”, e tal. E acabei fazendo Publicidade do mesmo jeito e acabei indo pra mesma área.
P/1 – Você passou nesse ano?
R – Passei, passei. Eu lembro muito também, da minha juventude, do nascimento dos meus sobrinhos. A minha primeira sobrinha nasceu, eu tinha 11 anos, então, era a minha boneca. Eu lembro desse momento, das minhas irmãs grávidas e quando as crianças nasciam. Eu tenho quatro sobrinhos, a primeira nasceu quando eu tinha 11, as duas seguintes quando eu tinha 14 e o último, eu acho que quando eu tinha 15, 16. Também eram momentos muito marcantes, porque a entrada de uma criança na família mudava tudo. Tinha momentos, nessa minha parte de juventude em que as minhas irmãs já eram casadas, que eram muitos bons. Toda quinta-feira à noite tinha um jantar na casa da minha mãe e do meu pai com todos presentes, então, iam minhas irmãs, meus cunhados, meus sobrinhos. Eram momentos muito delícia, com a família inteira, as crianças.
P/1 – Você desde pequena queria fazer Publicidade? O que você queria ser quando crescesse?
R – Não, eu já quis ser tudo. Na verdade, quando eu era pequena, eu queria ser faxineira, que eu achava o máximo quando a faxineira na casa da minha mãe, fazendo as coisas, e que ela se arrumava pra ir embora, eu achava superbacana. Então, a minha mãe falava: “Você tem certeza? Será que você quer ser faxineira mesmo?” Eu falava que eu queria. Depois, eu já quis fazer Medicina uma época, já quis ser veterinária. Eu acho que foi lá para o final mesmo, para os 16, 17 anos, que eu quis ser publicitária. Eu ia muito na agência do meu pai, eu achava bacana tudo, e essa coisa mesmo de você criar coisas, de você pensar em marcas. Eu tinha um pouco isso, então, eu gostava do assunto em si, do ambiente mais descontraído, uma coisa menos formal.
P/1 – Você entrou em qual faculdade?
R – Na ESPM.
P/1 – Como é que foi essa entrada na faculdade?
R – Pra mim, foi muito tranquilo, porque eu não tinha o peso de entrar na faculdade, eu tinha ali uma situação de que era tudo muito novo, eu entrei com 17 anos. Quer dizer, eu entrei gostando, querendo aprender, mas não tendo muita certeza do que que eu ia ver ali. Foi um pouco libertador, porque eu estudei em escolas mais tradicionais, de você ter horário, ter lista de chamada e tudo mais; era como ganhar o mundo, porque eu morava em Santana e estudava em Santana, aí eu entrei na ESPM, na Vila Mariana. Eu tinha que atravessar a cidade, eu não tinha nem carro ainda, não tinha carta. Mas a minha mãe, no começo, trazia e depois eu fiz 18 anos, eu já vinha sozinha. Meu pai dava umas palestras na faculdade, isso me incomodava um pouco, de as pessoas falarem que as coisas seriam fáceis por conta disso, e não foi nada disso o que aconteceu. O truco eu lembro que era um momento marcante. Eu fazia de manhã a faculdade, depois de um período, você tinha que escolher entre Marketing e Propaganda, eu não sabia o que eu queria, então eu fiz Propaganda de manhã e Marketing à noite pra eu poder entender o que que eu queria. E aí eu vi que era Publicidade mesmo e eu fiquei só com o período da manhã. Eu só estudava, eu fazia inglês, eu só fui trabalhar depois.
P/1 – E namorado, você já tinha tido namorado?
R – Já tinha.
P/1 – Você se lembra do primeiro namorado?
R – Quer dizer, namorar, namoradinhos, eu não me lembro quem foi o primeiro a dar um beijo, não. Eu acho que foi alguém, foi numa viagem, num lugar em que a gente ia viajar, do que eu me lembro.
P/1 – E, na faculdade, de que matérias você gostava? Como foi esse desenvolvimento?
R – Na faculdade, eu gostava de mídia, que é o que eu faço hoje, mas eu tinha um certo pé atrás, porque sempre eu achava que eu estava gostando de mídia porque era a profissão do meu pai. Só que toda vez que eu rodava, rodava na faculdade, onde eu me olhava, me via mais, era em mídia. Eu gostava muito de fotografia.
P/1 – O que faz “mídia”? O que tem na matéria, o que vocês aprendem?
R – Na matéria é muito diferente do que é a vida. A gente planeja o investimento dos clientes, onde vai ser alocado o investimento em propaganda, revista, rádio, jornal, de uma forma muito simplista, na verdade. Tem muitas métricas, tem muita conta. Então, a mídia, pra mim, é a principal área da propaganda. Tem gente que acha que é criação, mas pra mim é o fundamental, é onde você vai alocar o investimento do seu cliente. Então, você precisa de muitos dados, muita pesquisa, é muito técnico, onde você vai, onde vai te dar o melhor retorno. Lá na faculdade, eu já gostava muito dessa coisa, existe uma resposta do que deve e do que não deve ser feito. Criação é uma área na faculdade que também me chamou atenção, porque é onde está o glamour da propaganda, quem vai criar, quem vai fazer. Só que eu não tinha o menor dom, é uma área que você precisa ter dom pra seguir. E, no fim, todos os trabalhos que eu acabei fazendo, todas as coisas que eu acabei fazendo, é claro que tinha uma influência do meu pai ali, porque eu podia chegar da faculdade e conversar com ele sobre mídia. Mas realmente era uma coisa de que eu gostava muito, de olhar os dados de pesquisa, como as pessoas se comportam, por que elas preferem uma coisa ou outra. Sempre tive muita curiosidade nisso.
P/1 – Tem um trabalho ou uma matéria que você lembra, alguma coisa que tenha acontecido na faculdade que te marcou?
R – Ah, o trabalho final. Eu acho que isso é super-relevante. Eu tenho uma coisa que é assim, talvez eu tenha uma personalidade, eu acho que tudo aquilo que é imposto, decorado é ruim. Então, eu lembro, na faculdade, que as coisas pra mim tinham que fazer sentido, por que eu estava olhando aquilo ou por que eu estava fazendo aquilo, por que eu estava aprendendo aquilo. Por exemplo, métodos quantitativos e estatística, aquilo não fazia o menor sentido pra mim, era uma matéria em que eu ia muito mal, apesar de eu gostar de matemática. Hoje eu trabalho com números. Métodos quantitativos e estatística não diziam nada pra mim, mas, quando você aplicava aquilo, matemática, como mídia, por exemplo, fazia muito sentido. Eu lembro de matérias muito ligadas à psicologia do consumidor, aquilo você não tem que decorar, você tem que entender. Então, tudo aquilo que eu conseguia entender e fazia sentido pra mim era muito bacana. Agora, tudo aquilo que o professor fazia com que você decorasse... Eu lembro que eu tinha um professor de Marketing que não tinha outra forma a não ser dar uma colada, porque, se você escrevia o que você entendeu ou o que você falou, não servia, tinha que ser o conceito nu e cru. Então, trabalho marcante pra mim foi eu acho que meu TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], que foi um momento em que você realmente quer fazer aquilo acontecer, não academicamente, mas aquilo podia virar um plano de comunicação, podia virar uma estratégia de publicidade e propaganda. Todos os trabalhos. Eu tive um trabalho de Psicologia, uma vez na faculdade, em que a gente tinha que filmar crianças. Eu lembro que na época eu filmei o meu sobrinho, e aquilo pra mim era impressionante, como a teoria realmente acontecia na prática, quando você punha uma criança ali na frente de uma câmera e você conseguia traçar alguns perfis. Eu acho que eram os melhores momentos, aquilo que eu visse, que eu podia ver prático, alguma coisa prática nele. Eu fiz um trabalho, depois eu fiz uma faculdade de Pedagogia, que depois eu quis, eu pensei em abrir uma escola.
P/1 – Por que você quis fazer Pedagogia?
R – Porque eu gostava muito de criança, eu gosto muito de criança, e eu pensei que eu queria, talvez, abrir uma escola, se eu tivesse oportunidade de trabalhar. Eu sempre achei educação uma coisa ainda a se desenvolver muito. Eu sempre pensei a escola num lugar como, em qualquer lugar do mundo que você vá, você identifica o que é uma escola. Parece que é tudo meio igual, meio quadrado. Então, eu tinha talvez um sonho de montar alguma coisa diferente, de pensar a educação de uma forma diferente. Era um sonho só, porque é um negócio meio impossível, porque eu acho que eu era muito nova, eu não sabia direito o que eu queria ainda.
P/1 – Mas você não tinha trabalhado então?
R – Não.
P/1 – Nem estágio?
R – Não, eu ia à agência do meu pai às vezes, e aí eu fiz a faculdade de Pedagogia. Foi em dois anos só, porque, como eu já tinha as outras matérias, e aí eu também vi que não era aquilo. Aí eu fiz MBA em Propaganda.
P/1 – Na ESPM?
R – Na ESPM, em Publicidade também.
P/2 – Tem algum professor que você lembra da faculdade ou do MBA, que te marcou?
R – Negativamente vários (risos). Deixa eu pensar num positivo. Tinha, eu tinha um professor, que ele, eu não me lembro exatamente o nome, talvez eu precise procurar o nome dele, mas acho que era Mário Chamie, ele é um escritor na verdade. E ele deu, muitos anos, aula na ESPM. Ele já era mais velho, mas eu admirava muito aquele professor, porque não era uma aula que você tinha com ele, parecia que você não estava na faculdade. Uma pessoa muito inteligente, aquelas pessoas acho que acima da média, né? Mas eu sempre tive um olhar muito crítico na faculdade pra algumas aulas, pra alguns professores, que eu achava que eles eram um pouco limitadores ao invés de serem professores. Eu acho que eu tinha um pouco esse nariz torto, talvez em alguns casos. Mas ele, sem dúvida, foi um professor diferente, um professor muito libertador.
P/1 – Quando você foi fazer MBA, você tinha alguma coisa assim: “Quero ser tal coisa, vou ser, vou fazer isso depois”? Que ambição você tinha?
R – Eu, na verdade, já trabalhava. Eu trabalhava com mídia. Eu vou te contar o que aconteceu quando eu fui trabalhar com mídia.
P/1 – Isso foi quando você saiu da faculdade de Pedagogia?
R – Porque eu tinha uma coisa na faculdade que era o seguinte, as pessoas olhavam pra mim e falavam: “A Andreia vai ser fácil entrar numa agência por causa do pai”. O que eu fiz? Fui trabalhar em marketing, só que não era o que eu gostava, eu gostava de mídia, porque eu gostava mesmo e gosto até hoje, eu amo o que eu faço – é claro que às vezes enche o saco (risos). Aí eu, com 24 anos, que foi quando o meu pai morreu, eu falei: “E daí que ele também é mídia? Eu também vou ser. Talvez, que lindo, ele me inspirou, mas eu vou procurar um emprego nessa área.” Eu larguei marketing, que eu trabalhava há muito pouco tempo, e fui ser mídia, foi aí que eu fui. Por que eu estou te contando isso? O que a gente estava falando? Desculpa.
P/1 – A gente começou...
R – Do MBA.
P/1 – Se você tinha uma ambição, por que você foi fazer, se você tinha um sonho.
R – E aí eu falei: “Eu vou atrás do que eu gosto e do que eu gosto realmente é mídia.” Eu fui, eu saí de marketing, eu fui trabalhar numa agência de propaganda como assistente de pesquisa de mídia. Comecei lá do comecinho mesmo.
P/1 – Que agência era?
R – Chamava Upgrade. E onde eu mandava o meu currículo – aí eu vou pedir também pra vocês tirarem essa parte. Mas só para vocês entenderem, onde eu mandava o currículo, tinha o sobrenome do Abud, e eu não queria que alguém me desse um emprego porque eu era filha dele, eu queria por mim. Eu lembro que o meu primeiro chefe, que se chamava Paulo Chueiri, ele era aquele mídia mais tradicional, era o diretor de mídia dessa agência na época, que era um braço da Fischer na época, ele falou: “Olha, eu não vou te dizer que eu não vou te dar um emprego porque eu era amigo do seu pai, mas, se você vai se manter ou não aqui, não é mais porque você...” Ele tirou isso de mim, sabe? “Não é mais porque você é filha dele, então, pare com isso, eu não posso dizer, eu conheci o seu pai, eu vou te dar esse emprego, eu vou, eu vi o seu currículo, eu vi o seu sobrenome.” Eu comecei lá e eu quis correr atrás mesmo, eu queria ser mídia, eu queria conhecer mais de comunicação, eu queria conhecer mais de propaganda, eu queria correr um pouco atrás, porque eu não comecei tão cedo, eu comecei com 24. E aí eu fui procurar. Como eu já tinha saído da faculdade com 21, já fazia três anos, eu quis dar uma reciclada. Foi quando eu vim fazer o MBA na ESPM. Eu podia escolher, na época, Marketing ou, não tinha tantas, tantos cursos, e aí eu quis Propaganda mesmo, porque eu não era Marketing. Eu já tinha trabalhado em Marketing. Aí eu fiz em Propaganda. O que eu queria ser, eu nunca pensei muito em cargo: “Ai, eu queria ser diretora de mídia, eu queria ser head de mídia.” O que eu pensava é que eu queria fazer coisas legais, eu queria aprender mais, eu queria fazer mais pelos meus clientes. Então, foi por isso que eu procurei o MBA.
P/1 – Como foi essa experiência, essa primeira experiência na agência? O que você fazia? Quem eram os seus clientes?
R – Essa agência era um braço da Fischer, que então era a segunda agência da Fischer. Eu atendi Pernambucanas, Sé Supermercados, Cargill, Banco Safra. Na época, eu acho, eu atendi uma empresa de papel que chama Ripasa. Foi ótimo, porque era o que eu queria, e eu estava realmente no lugar em que eu queria, eu era assistente de pesquisa de mídia, quer dizer, eu era a pessoa que ajudava em dados para os mídias planejarem. Eu era um pouco secretária do Paulo Chueiri. Eu lembro que ele, pra ver se eu queria mesmo ir pra agência, ele falava: “Você vai ter que me trazer café.” Eu falava: “Ué!” “Você vai ter que fazer todas as minhas apresentações em PowerPoint, você vai ter que...” Ele fez um pouco de sofrimento, que foi muito bom. Então, eu fazia, ajudava ele muito rapidamente nessa função, coisas meio de assistente dele mesmo, secretária dele mesmo, pra poder fazer pesquisa de mídia, que era o que eu gostava. Eu lembro que uma vez a minha supervisora de pesquisa, ela saiu de férias, e dado de pesquisa é muita coisa. Eu peguei um monte de dado, tinha coisas que eu sabia mexer, tinha coisa que eu não sabia mexer, fiz um monte de bolas, um monte de gráficos, um monte de coisas. Cheguei para o Paulo Chueiri e falei: “Olha que legal que eu fiz aqui de pesquisa, que eu fui pegando esse dado daqui.” Peguei dado de um instituto com outro, e não podia misturar, e eu mostrei pra ele. Ele olhou pra mim e falou: “Muito legal, mas está tudo errado.” Eu falei: “Putz!” Ele falou: “Andreia, quanto tempo você ficou fazendo?” Eu falei: “Não sei, vários dias, eu achei...” Ele falou: “Não, o conceito está certo, mas o negócio está errado.” Daí ele falou: “Então, senta aqui que eu vou te ensinar como é que você faz essa análise que você está querendo fazer.” Então, foi muito legal. E tinha a área de pesquisa de mídia e tinha a área de planejamento de mídia, que tinha dois supervisores e dois coordenadores e o Paulo Chueiri, que era o diretor, e eu estava na pesquisa de mídia, que é uma área que suporta o planejamento de mídia. E uma das coordenadoras de mídia saiu, e eu estava há um ano na agência. Eu teria que passar pra assistente de mídia, depois pra... E aí o supervisor de mídia da época me perguntou se eu queria ser coordenadora de mídia dele e eu fiquei superfeliz, porque eu queria mesmo era planejamento de mídia. E fui lá para o Paulo Chueiri, falei: “Paulo, o Sérgio...” Ele: “Não, imagina, é muito cedo.” Acho que ele não queria. Ele é um querido, uma pessoa que eu agradeço até hoje. Eu acho que, se não fosse ele, eu não estava nessa área, teria sido muito mais difícil. E aí ele falou: “Até eu encontrar alguém pra ficar no seu lugar, você vai fazer as duas coisas, tá bom?” Eu falei: “Tá bom, eu vou fazer as duas coisas.” Eu fiquei um pouco nos dois e eu comecei a fazer execução de mídia. Eu lembro que eu fazia. Execução de mídia é onde você compra efetivamente, você não está planejando, você está executando o que alguém planejou. Eu lembro que eu fazia tudo, eu queria fazer tudo rápido, direito, mas rápido. Eu fazia à noite, pra eu aprender planejamento de mídia, que era a hora que eu pedia pro Sérgio ou pra qualquer supervisor pra eu sentar do lado, porque eu queria aprender a fazer o planejamento de mídia. Eu acho que eu fiquei uns seis anos nessa agência. Saí como supervisora de mídia na época.
P/1 – Por que você saiu? Como foi essa saída?
R – A agência, ela perdeu algumas contas, ela foi perdendo força, ela perdeu Pernambucanas, começou a alinhar umas contas internacionais e ela começou a ficar pequena. Eu tive uma proposta de uma agência chamada Nova/SB, que era uma agência, ela tinha muito mais contas do governo, tinha a Caixa Econômica Federal, e eu fui como supervisora de mídia nessa agência, que era a Nova/SB. Eu fiquei um ano lá, foi uma experiência bacana também, mas muito diferente, são contas mais fechadas. E aí eu tive uma proposta da Young, uma proposta, me candidatei, nem lembro. E aí eu fui pra Young, fui cuidar de Uol, de Uol basicamente, de Perdigão Internacional na época. E eu fiquei quatro anos na Young, onde eu cuidei também de Bradesco, Uol, Perdigão Internacional, acho que Tam. A vice-presidente de mídia da Young na época, Luciana Schwartz o nome dela, ela foi pra uma outra agência, que chama Neogama, e, quando a gente estava na Young, ela falou pra mim que ela ia me promover na Young. Só que ela acabou saindo e, depois que ela saiu, ela foi pra Neogama, apareceu uma vaga de diretora de mídia na Neogama, diretor de mídia. E ela me chamou, eu lembro que ela falou: “Não te falei que eu ia te promover, aqui ou em algum lugar, eu ia.” E aí eu fiquei quase quatro anos na Neogama cuidando de uma conta bem pesada, bem grande, que era o Bradesco. E aí a gente perdeu a conta do Bradesco, e tive também a proposta da Red Fuse, que é a Young.
P/1 – Que é um braço da Young?
R – Red Fuse é uma estrutura dentro do Grupo WPP. A Young é parte do Grupo WPP. A Red Fuse é exclusiva Colgate, então, mídia, atendimento, criação, todo mundo só atende Colgate. Não existe como CNPJ, no Brasil, mas é uma estrutura só pra atender Colgate.
P/1 – Como é que foi essa mudança de atender uma conta só dentro de uma estrutura?
R – A Colgate é uma conta, um dos maiores anunciantes do Brasil, acho que do mundo. É uma conta fantástica. Pra mim, ter saído da Neogama e ter ido pra Young era uma oportunidade pra eu atender uma conta internacional, de bens de consumo. Eu estava praticamente no varejo com o Bradesco, o Bradesco também era exclusiva, era uma conta muito grande. O bacana de atender, na estrutura em que eu estou hoje, é que todo mundo é só Colgate, então, não sou só eu como mídia que sou exclusiva. O atendimento é exclusivo, a criação é exclusiva, o rádio e TV é exclusivo, todo mundo é exclusivo. É todo mundo só pensando Colgate, Protex, Palmolive. Foi uma mudança de cultura muito grande, porque eu vinha de um banco, uma conta nacional, e fui pra uma estrutura globalizada, de uma conta que precisa ter uma série de diretrizes e alinhamentos globais, mas uma grande oportunidade, sem dúvida.
P/1 – Como é esse relacionamento global com o local?
R – (risos) Olha, como tudo, tem um lado superpositivo, porque a Colgate, esse alinhamento global, essa conta global possibilita você ter muitos aprendizados, muitas tendências, muitas oportunidades de viagens, de de cursos, de coisas que você faz, de cases ao redor do mundo que você traz. Mas é um desafio, um desafio bem grande. Inclusive, pouco tempo atrás, a Paula Tomazini, a gente foi dar uma palestra, a gente foi participar de uma palestra justamente sobre isso, os desafios de uma conta global num mercado local. Porque você tem algumas diretrizes a serem seguidas, e nem todas podem ser seguidas. O Brasil é muito particular. Parte de que no Brasil que você não tem bureau de mídia e no resto do mundo você tem bureaus de mídia. É um desafio porque você tem que fazer com que uma pessoa que não mora no Brasil entenda o que é mídia no Brasil, entenda o que é, por exemplo, a TV Globo, que só existe aqui, em nenhum outro país do mundo existe uma contemplação de audiência como existe na TV Globo. É um desafio diário, você tem que fazer com que aquelas pessoas entendam que o que funciona pra Nova York, Colômbia às vezes não vai dar o mesmo resultado aqui no Brasil. Então, é esse desafio de jogo de cintura. Tudo aquilo que não pode ser seguido, ou você não vai seguir uma diretriz, você tem que defender tecnicamente o porquê que você não vai fazer daquela forma e saber onde você vai abrir mão e onde realmente não vai ser bom para o seu cliente.
P/1 – E um case, algum fato marcante quando você entrou, nessa relação com a Colgate, alguma campanha específica?
R – Nossa, é um desafio de verdade, é um desafio diário, desde negociações que você precisa fechar, porque só você sabe o cenário do seu cliente. O mercado dita regras, o mercado dita regras de crescimento, e as marcas nem sempre estão num momento de crescimento, de investimento publicitário, principalmente uma conta global. Às vezes, você tem algumas questões relacionadas que não são só ao Brasil, dependem de outros países. Então, são desafios de negociação, muitos desafios globais, quando você tem, por exemplo, um direcionamento de share de investimento entre meios e aquele share não cabe para o que o Brasil precisa e você tem todo um trabalho a ser feito, apresentações, calls e reuniões até presenciais pra você poder mostrar a sua realidade no Brasil, o que é melhor pra Colgate no Brasil. Eu não tenho um case pra te dizer...
P/1 – Um lançamento?
R – Olha, a gente teve momentos muito felizes. Normalmente, a gente tem muitos bons resultados com tudo o que a gente coloca no ar. A gente teve uma campanha, eu não sei se eu posso falar também.
P/1 – Claro.
R – A gente teve uma campanha que talvez tenha sido pequena para o que ela veiculou, mas a gente teve um momento de Palmolive que a gente fez um jingle, uma música, uma coisa muito diferente da marca, que chamava “Solte seu cabelo, solta esse cabelo”, na época, que foi um momento onde a marca se colocou de uma forma muito diferente. Depois, voltou pra um aspecto um pouco mais funcional, mas foi um momento em que teve muita alegria de colocar essa campanha no ar. Acho que cada lançamento... Pra ser sincera, a gente está lançando um produto agora também, que tem uma mídia diferente, que eu acho que eu não posso falar (risos). A gente fica muito feliz quando a Colgate traz produtos diferentes para o mercado, quando a gente vê que a gente está realmente fazendo, isso que é bacana, o que você está colocando no ar é verdade, tem um aspecto funcional ali que é verdadeiro. Eu lembro quando a Colgate trouxe o neutraçúcar, que a gente foi fazer o lançamento do neutraçúcar, que realmente aquilo funciona, que realmente cria uma barreira, que a gente começou a buscar mídias pra que a gente pudesse demonstrar aquele efeito e sair um pouco só do binômio TV e digital. A gente fez algumas ações de mídia exterior, a gente criou publieditoriais em revistas, onde a gente usou muito conteúdo. Foi uma campanha bem bacana também que a gente fez. Mas de verdade eu acho que tem muita novidade todos os anos na Colgate, nos produtos que a gente coloca. Então, todas as campanhas são muito desafiadoras.
P/2 – E um desafio que você conseguiu, “realizante”?
R – Um desafio com a Colgate? Olha, eu não sei também, depois eu preciso ver com a Paula se eu posso dizer isso. Mas é assim: a gente tem uma questão que vem uma diretriz global de verba, que vem uma diretriz global de verbas entre os meios, TV, revista, jornal, digital, e aquela diretriz, ela veio baseada numa leitura América Latina, do que era bom pra América Latina como um todo. Quando eu fui olhar aquela diretriz, eu vi que aquela diretriz não funcionaria pra Colgate no Brasil, eu precisaria mudar o share do Brasil, porque eu tinha um número de marcas a colocar no ar, porque não eram os mesmos resultados que dariam na América Latina. E eu tive, na verdade não só eu, mas também com a Paula, que é o meu principal ponto de contato, a gente teve aí uns meses pra fazer uma série de defesas técnicas pra mostrar pra nossa regional que o Brasil precisaria seguir diferente naquele ano, porque a gente tinha outras necessidades, a gente precisava fazer as marcas rodarem de forma diferente. E esse foi um desafio que a gente acabou tendo um resultado positivo, em que a gente trabalhou muito em cima dos números, muito em cima de cenários. Fizemos uma série de cenários, uma série de defesas técnicas e você tem que ser, além de técnico, muito didático pra que as pessoas entendam. Então, esse eu acho que foi um desafio de que a gente foi vencedor também.
P/1 – Vamos falar um pouquinho da sua vida pessoal dentro disso. Quando você conheceu seu marido?
R – Meu marido era muito meu amigo, era meu melhor amigo, e então nem sei quando eu o conheci.
P/1 – Como é que virou de amigo?
P/2 – Vocês trabalhavam na mesma área?
R – Trabalhava na mesma agência.
P/1 – Mas como é que virou de marido pra amigo, como foi a história?
R – Como foi? Foi de repente. Ele é uma pessoa que eu admiro muito, que eu nunca imaginei que ia querer ficar comigo. Era um grande amigo, meu marido é amigo de muita gente. Então, na agência em que a gente trabalhava, ele era muito meu amigo, mas ele era muito amigo de muitas pessoas, muitas outras pessoas. Até que, um dia, eu tinha me separado, e ele falou pra mim que já gostava de mim. Eu também não sei o que você vai poder falar disso. Mas, assim, eu já tinha o Cauê, meu filho, é do meu primeiro casamento. O Cauê tinha nove meses quando eu me separei e logo depois eu comecei a namorar com o meu marido. Ele era um amigo querido e um dia chegou pra mim e falou que já me amava, que não era só meu amigo. E aí acabou que foi muito rápido, como a gente já se conhecia muito bem, né?
P/1 – E ele já tinha falado a história da “viloteca”?
R – Foi naquela época (risos).
P/1 – Como é que continua a história?
R – Sabe que eu não sei dizer o que aconteceu? De verdade, não sei. Era uma pessoa que eu não imaginei que era mais do que meu amigo, eu estava meio carente, eu não sei, e aí ele disse que tinha certeza que já me amava, porque ele tinha me visto grávida e era meu amigo, nunca tinha falado nada. Aí teve um dia, que eu acho que até fui eu que dei um beijo nele, que ele falou que já me amava, que já gostava de mim. Então, eu acho que fui eu, e aí foi muito rápido, porque a gente era muito parecido, a gente já era muito próximo. Eu tinha um filho de dez meses, então o nosso namoro era o seguinte: não dava pra sair, não dava pra nada. Dava pra ficar em casa assistindo a um filme depois que o neném dormia, porque eu também sou muito mãe, então, eu jamais sairia. Eu trabalho o dia inteiro, você vai sair à noite, vai deixar? Eu sempre fui muito focada nos meus filhos. Aí foi muito rápido, não tinha essa coisa de “vamos sair”, eu tinha que ficar muito na minha casa. Na hora em que eu vi, a gente já estava morando junto. Até teve uma ocasião, porque ele ia pra minha casa, o Cauê dormia, a gente assistia a um filme, jantava, esse tipo de coisa, ele voltava pra casa dele. Eu morava em Higienópolis, ele morava no Morumbi, fazia esse trajeto do vai e volta, às vezes dormia em casa, às vezes não. Eu lembro que teve uma vez que – e ele morava numa casa e tinha duas cachorras na casa – ele tinha ido pra casa dele, depois ia jantar na minha casa, e ele ligou e falou: “Nossa, tentaram entrar aqui em casa, jogaram coisa pras cachorras, tudo mais.” No fim, o que estava acontecendo era que ficava a casa dele com as cachorras, e ele acabava ficando comigo em casa, porque eu tinha o Cauê, não dava pra eu ficar saindo. Eu falei: “Ah, então o seguinte: já traz, só falta trazer a cachorra, já traz a cachorra!” E foi muito rápido. Comecei a namorar com ele em maio, em dezembro eu já estava morando junto, em março nós casamos. Ele fez o seguinte: a gente estava morando junto, nem pensei em casar. Aliás, ele fez o Histórias da Viloteca Dois, que foi um vídeo, “histórias da Viloteca, agora em vídeo”, e ele fez um pedido de casamento com uns bonequinhos assim. Aquelas histórias que – eu posso também mandar pra vocês – a pessoa só mexe a boca, e que ele contava um pouco da nossa história e ele me pôs pra assistir. O Cauê tinha dormido, a gente foi assistir a um filme, que era A Casa de Cera. Ele pegou, à época da Blockbuster, abriu o DVD, falou: “Vamos assistir?” “Vamos.” Eu sentei na sala e aparece ele no vídeo, contando um pouco da nossa história e ele me pede em casamento no vídeo e dá um pause. Ele fala assim: “Se você aceitar, abre esse armário aqui embaixo da televisão.” Eu abri o armário, lá dentro tinha uma caixinha que tinha a aliança, que a nossa aliança é de “mokume gane”, que é um aço dos samurais, tem toda uma história, uma encaixa na outra, e tinha um calendário. Isso foi em dezembro, e o calendário só ia até março do outro ano. O calendário era pra eu marcar já a data naquela hora, eu não podia marcar depois (risos). E o calendário ia até março, eu marquei 25 de março, naquele dia mesmo eu marquei. Aí nós casamos na praia, chama Praia do Capricórnio. E a gente fechou uma pousada pé na areia, só fomos nós e família, tinha 20 pessoas, minhas irmãs, meus cunhados, meus sobrinhos, as irmãs dele, pai e mãe. E o nosso casamento foi o seguinte: a gente armou uma tenda. Foram a minha mãe, a mãe dele, que disseram coisas pra gente, a gente fez um casamento meio musical, foi um casamento que a gente escolheu as músicas, a gente fez um livro de músicas que diziam um pouco da gente. E foi muito legal, porque a gente foi na pousada, eu não fui no cabelereiro, eu não fiz nada. Uma semana antes, eu comprei um vestidinho branco na M. Officer, na época, e a gente viajou todo mundo, a família, pra essa pousada. Chegou no sábado, no pôr do sol, tinha essa tenda e a gente tinha um gravador na época, na época não, faz 12 anos, 11, 12, na época, a gente pôs as músicas. Cada um, um livrinho, aí a minha mãe falou coisas, a mãe dele falou coisas, eu fiz um juramento pra ele, ele fez pra mim. Eu entrei com o Cauê no colo, ficamos com o Cauê o casamento inteiro no colo, foi um casamento de almas, que a gente fala. A gente estava descalço e foi assim. Depois, a gente foi todo mundo pro mar, a gente pôs um barquinho pra Iemanjá e foi o casamento da minha vida.
P/1 – Esse livro, tem livro dele da “viloteca”?
R – Tem livro dele da “viloteca”, eu tenho o pedido de casamento, que é a “viloteca” em DVD. E foi aí que a gente começou, na verdade, a fazer os livros também deles. A gente tinha feito já, a gente era namorado ainda, a gente fez o do Cauê de um ano. Porque eu parei pra pensar que os meus filhos não iam saber. Na época eu só tinha o Cauê, o quanto eu amava ele, o quanto que eu achava que não ia adiantar eu falar. Eu precisava fazer alguma coisa pra mostrar o quanto que eu amava ele. Daí, depois o Theo, quando o Theo nasceu. E eu fiz o primeiro livro, pro primeiro ano de aniversário dele, pensando nisso. Eu precisava contar pra ele tudo aquilo que eu estava sentindo por ele, que eu achava que, falando, não ia ser suficiente. E a gente começou a fazer os livros todos, todo ano, onde a gente tem já toda uma estrutura. A gente conta tudo aquilo que a gente sente por eles.
P/1 – Esse ano está em qual edição?
R – Esse ano, o Cauê tem 13, na décima quinta. Eu acho, 15 livros.
P/1 – Aí você pega pra gente poder... Que lindo!
R – É um livro bem bacana.
P/1 – Como é que foi o nascimento do segundo filho?
R – É a maior emoção, né? É muito louco, eu tinha uma situação, eu sempre, quando estava grávida, pensava assim: “Hoje ele está aqui, amanhã vai sair, como é que pode sair um ser, que vai amanhã respirar e hoje não respira?” Eu posso falar também do nascimento do Cauê? O nascimento do Cauê, do meu primeiro filho, a gente teve um susto no meu parto. Foi um parto normal e estava tudo bem, eu estava bem. Claro, é sofrido, mas tudo bem. Na hora que o Cauê foi nascer, que estava em momento de expulsão, ele virou ao contrário, aquela coisa super-rara. Mas, olha só, algumas semanas antes, na minha gravidez, eu sou espírita e eu fui no centro espírita. Eu ia no centro espírita. Umas semanas antes de o Cauê nascer, o meu pai mandou uma mensagem no centro espírita, e meu pai me chamava de Moranguinho. E meu pai escreveu assim: “Moranguinho, já está na hora, está chegando perto da hora de o Cauê nascer. Você fica tranquila, porque no final vai dar tudo certo e vocês vão ser muito felizes.” Eu achei aquilo superbacana, o meu pai querendo me tranquilizar, e passou. Eu estava tranquila. Quando o Cauê foi nascer, na hora da expulsão, ele virou ao contrário, então, ele entrou em sofrimento. Eu tive um momento difícil no nascimento do Cauê, de decisão. A médica ia fazer uma cesárea vertical pra tirar, começou a entrar um monte de médico, todo mundo muito nervoso, é uma coisa rara de acontecer. No momento de expulsão, não tem mais como voltar atrás, só se cortar vertical. E na hora que estava todo mundo nervoso, que você via que estava tenso, a médica, os outros médicos, pediatra, eu lembrei da mensagem do meu pai, eu falei: “Não, ele não ia mandar uma mensagem pra mim, pra acontecer alguma coisa errada, pra dar errado, pra eu perder o bebê, pra eu morrer. Não, vai dar tudo certo.” E eu fiquei muito tranquila por causa da mensagem que eu tinha recebido. Tanto que, depois, o anestesista voltou no quarto, falou: “Olha, você vai me desculpar, mas nunca vi alguém tão tranquilo como você num momento daquele, que normalmente a mãe está desesperada.” Mas eu tinha dentro de mim e no fim deu certo, ele nasceu. Nasceu a fórceps, mas de parto normal, mas nasceu. O Theo, você já sabe o que está te esperando. Na verdade, ele acabou nascendo de cesárea. Ele pôs a mão também pra cima e demorou um pouco pra nascer, acabou fazendo cesárea. É uma emoção. Eu não pensava em ser mãe, não era uma coisa que eu tinha como meta, só que é uma coisa indescritível na sua vida. Impressionante o quanto aquilo te vira do avesso. Eu acho que, quantos filhos eu tiver, tantos filhos vão me virar do avesso.
P/1 – Como é que foi depois conciliar trabalho, os dois filhos?
R – É desafiador também, é desafiador. Eu tenho muito claro que, pra mim, não tem outro caminho. É assim, você tem que ser mãe, você é mãe. Você não tem que, mas, se você é mãe, você tem que desempenhar sua função de mãe, só que isso não vai fazer com que você pare todo o resto da sua vida. Então, pra mim, é muito claro que o que eu tenho de mais importante na minha vida são os meus filhos, meu marido, minha família. Mas aquilo que você não pode errar são os seus filhos. Então, o fundamental pra mim são eles, mas também é muito importante o meu trabalho, também preciso do meu trabalho, tanto financeiramente como emocionalmente, como eu me preparei a vida inteira pra isso. Só ficar em casa sendo mãe, pra mim, não faz sentido. Então, eu concilio muito bem, eu acho, sabia? É claro que eu tenho um respaldo, eu criei toda uma rotina na minha casa. Hoje eles estão maiores, mas eu sempre tive uma babá que me ajudou. E me ajudou, não cuidou, eu nunca tive essa sensação de que não vi meus filhos crescerem, de que não vi meus filhos falarem, meus filhos andarem, nunca tive. Sempre trabalhei muito, quando era preciso, eu ficava até mais tarde no trabalho, mas quando não era, quando dava, eu ia pra casa e trabalhava até mais tarde. Até hoje eu faço isso, mas eu olho pro lado e vejo: “Espera aí, eu me doei o dia inteiro aqui, né?” Mas eu faço questão de levá-los na escola, eu faço questão de levar no pediatra, eu faço questão de fazer a lição, eu fazia questão de dar banho à noite, eu sempre deleguei aquilo que dava e tem coisa que eu não delego. Tem sofrimento? Tem. Quando você tem que viajar e deixar um filho ou quando tem um filho doente e você tem que trabalhar, é difícil. Mas também tem momentos. Se está muito doente e você sabe que ele precisa de você, então, o seu trabalho vai ter que te esperar, você trabalha de casa, você vai ter que usar celular.
P/1 – Voltando agora um pouco para o trabalho com a Colgate, você disse que você tem a oportunidade de fazer várias viagens, vários encontros, até por ser uma conta global. Conte uma viagem ou um episódio desses marcantes ou a primeira vez que você foi.
R – Eu acho que marcante pra mim foi a primeira viagem que eu fiz pela Colgate, porque eu tinha acabado de chegar, eu não entendia direito a conta ainda, eu não entendia como é que funcionava. Era muito diferente pra mim das contas nacionais. E eu tive que fazer uma viagem sozinha, do Brasil éramos eu e Deus, né? Na verdade, eu acho que a Paula, eu acho que a Paula não foi dessa vez, não me lembro. Mas era eu ali, por parte da agência do Brasil, e eu tive que apresentar coisas em inglês, pra pessoas que eu não conhecia, de uma conta que eu ainda não dominava. Eu lembro que eu cheguei muito nervosa, muito tensa, não conhecia ninguém, eu via que as pessoas já se conheciam, e o inglês, você sempre acha que não fala o suficiente, eu sempre acho que não falo o suficiente. Esse momento foi... Até que eu olhei assim, eu falei: “Bom, agora você está aqui, agora fala. O que eu não souber eu vou dizer que pouco tempo eu estou com essa conta.” Mas foi um momento tenso. E também teve um momento tenso aqui na Colgate, uma vez, de uma reunião que normalmente a agência não participa, uma reunião da Colgate só com os top managers, o board da Colgate. E, por algum motivo, a agência teve que participar, e eu tive que vir fazer uma apresentação também em inglês, de um dia para o outro. São momentos marcantes, tensos, mas extremamente gratificantes, quando você vê que você foi capaz, que você conseguiu passar por esse momento de tensão.
P/1 – Você acompanhou algum momento, nesses quatro anos, que foi uma marca, uma meta que foi cumprida?
R – Vários a gente tem. Quando a gente lançou um produto, Protex Íntimo, que a gente tinha uma meta de share e a gente a alcançou. A cada vez que as nossas marcas ganham um ponto de share de mercado, são metas e são momentos que a gente acompanha com muita alegria. Quando uma marca que não era líder se torna líder de mercado.
P/1 – Com quais você vivenciou isso?
R – Eu me lembro do Protex, uma vez, que já não estava e acabou crescendo. Os cremes são líderes, a gente já é líder, mas, quando a gente ganha um ponto a mais ou meio ponto a mais ou uma posição maior, a gente fica muito feliz.
P/2 – Voltando um pouquinho na história da “viloteca”, se você puder falar, os cantinhos da “viloteca”.
R – Ah, tá. Na minha casa, então, tudo é a “viloteca”, e a gente gosta muito de bicho. A gente mora no meio do mato praticamente, na Granja Viana. Então, na minha casa, eu tenho lá um lugar em que a gente tem umas fotos da família e eu ponho muitas flores ali, porque eu acho que ajuda na energia, demonstra que você tem alegria e que você está cuidando das pessoas que estão na sua casa. Eu tenho lá o que chamo de hall da fama (risos) da “viloteca”, onde eu, sempre que possível, coloco um girassol, porque o Cauê, meu filho, quando era pequeno, adorava girassol e sempre que via um girassol, pequenininho, de carrinho, ele apontava e ele queria. E ele ia carregando no carrinho o girassol e punha no quarto dele e punha pela casa. Hoje, então, sempre que tem girassol, eu compro, porque ele às vezes pergunta: “Puxa, mãe, não tinha girassol dessa vez?” E na Granja tem um lugar em que você compra flor na esquina da rua muito barato, dá pra encher a casa de flores. Teve uma época que eu tinha na parede do banheiro de uma outra casa que eu morei, na Granja também, eu tinha a história da “viloteca” pintada. A gente escreveu, eu e meu marido, uma história. E a minha irmã foi lá, porque a minha irmã pinta superbem, é artista, e pintou. Então, você via que as pessoas iam ao lavabo, ficavam um tempão lá, porque todo mundo queria ler. Porque também tem a ver com a “viloteca” um livro do Saramago que chama Em Busca das Ilhas Desconhecidas, não sei se vocês conhecem, onde você pede um barco para o rei, atrás das ilhas desconhecidas, mas ninguém acredita que existem ilhas desconhecidas, porque todas as ilhas já foram conhecidas: “Por que você está indo atrás de uma ilha desconhecida?” Então, a gente também tem essa história na minha casa, do “homem do leme”, que a gente chama, que chama uma mulher pra ir pro barco, em busca das ilhas. A gente juntou essa história das ilhas desconhecidas, Em Busca das Ilhas Desconhecidas, com a história da “viloteca”. A gente fez um texto e a gente pintou no banheiro, no lavabo, que era o único lugar em que dava (risos). Mas aí eu mudei e não pintei de novo, eu tenho só o texto.
P/1 – Olhando a sua trajetória de vida, de que a gente falou um pouco, você gostaria de deixar algum outro momento registrado, que a gente não tenha perguntado aqui, que você acha importante registrar?
R – Não, os momentos mais importantes da minha vida acho que foram ditos, que, pra mim, pessoal, eu estou dizendo. Claro que no profissional tem grandes momentos, mas, no fundo, a sua vida, ela é mais, né? Foi o meu casamento, sem dúvida, que foi lá no pé na areia, no pôr do sol, descalço, que era tudo o que eu queria na vida, e o nascimento e tudo o que eu vivo com os meus filhos, o que é fantástico.
P/1 – Olhando a sua trajetória, se você pudesse mudar alguma coisa na sua vida, você mudaria?
R – Mudaria, mas eu não posso te falar. Eu não sei se eu mudaria, eu não sei. Isso aqui eu acho que é assim. Tem uma coisa na minha vida que foi muito sofrida, mas que também me deu uma alegria muito grande, então, talvez nem isso eu mudasse.
P/1 – Olhando sua família, seus filhos, que você disse que gosta de viajar bastante, tem algum momento marcante, uma viagem que você destacaria?
R – Olha, a minha vida, ela é feita de pequenas coisas, de pequenos momentos. Eu viajei, cada viagem que eu faço com os meus filhos, com a minha família, é fantástica. A gente foi pra Disney, o que é uma coisa bem lugar-comum, mas foi fantástico. Quando o meu filho, o Theo, a primeira vez olhou, que ele olhou pra mim e falava assim: “Nossa, mãe, aqui todo mundo fala inglês, e esse é o Mickey de verdade!” Foi aquela coisa, que você já foi pra Disney várias vezes e, quando você vê ali, é outra coisa, né? Mas o que me emociona na minha vida são coisas pequenas, o que me emociona de verdade é o cotidiano. Na semana passada, eu morri de chorar simplesmente porque eu fui dar um beijo no meu filho, ele pôs a mão aqui e fez isso. Então, o que marca pra mim, não sei, parece que dá um freeze em imagens na minha vida que são coisas que me marcam demais e são pequenas as coisas que me marcam, desde o Cauê, às vezes, que já está quase adolescente. Parece que tem momentos que a minha vida vira uma câmera lenta, que parece que aquilo me... Não sei se eu já vivi em outra vida, mas eu fico pensando. Deve ter cenas da minha vida que você... Quando ele te pede um abraço, o jeito que te olha, o jeito que te chama. Marcante é difícil, mas são as pequenas coisas.
P/1 – O que você acha de uma empresa como a Colgate estar fazendo 90 anos no Brasil? O que representa uma empresa como a Colgate fazer 90 anos?
R – Não porque eu trabalho com a Colgate, mas é uma empresa que eu já admirava, porque a Colgate é uma empresa de valores. Não tem, eu acho, no Brasil, quem não conheça a Colgate, né? E você estar há 90 anos num país como esse, com as dificuldades que esse país tem, continuando na liderança, sem nenhum problema, nenhum escândalo, nada, pelo contrário. É uma empresa tão idônea, é um marco. É um marco uma empresa conseguir, nesse país, ter a relevância que a Colgate tem, tanto como marca e prestígio, como realmente a posição que tem no mercado, principalmente a Oral Care. Cuida daquilo que a gente... É a sua saúde oral, é o seu corpo, é como você toma banho, é com o que você dá banho no seu filho, é com o que você vai escovar os dentes dos filhos. Isso é muito sério. A Colgate leva isso muito a sério, é uma empresa muito correta, tem valores. Uma coisa que eu senti de diferença também quando eu vim trabalhar na Colgate é isso: é uma empresa com muitos valores, as pessoas que trabalham aqui têm um código de conduta muito correto, você percebe isso. Por onde você transita, você percebe esse valor em todos os funcionários, inclusive em nós, que somos parceiros. A gente também segue essas regras, essas condutas.
P/1 – O que você achou de contar a sua história pro Museu da Pessoa, a sua história de vida?
R – Ai, eu achei demais, muito legal. É um privilégio. Eu não sei muito bem como é que funciona, mas eu fiquei muito feliz, na verdade, quando a Paula me mandou o e-mail. Eu me senti privilegiada de ter sido escolhida pra uma coisa tão bacana como essa. Eu fiquei muito feliz, muito, muito obrigada.
P/1 – Obrigada, eu queria agradecer a entrevista, supergenerosa. Quais são os seus sonhos hoje?
R – Meu sonho? Meu sonho é morar na “viloteca” (risos). Não, meu sonho é continuar fazendo o melhor que eu posso. Meu sonho é continuar me desenvolvendo profissionalmente, eu sou muito feliz por trabalhar pra Colgate, eu quero sempre crescer no que eu estou fazendo. É ter uma vida feliz, com meus filhos, meu marido, meus cachorros, meus gatos, pegar todos os bichos, ter dinheiro pra pegar todos os bichos da rua que eu puder, ter uma ONG [Organização Não Governamental] de animais, de gato. Trabalhar bastante pra ter dinheiro pra isso (risos). Eu acho que é esse o meu sonho.
P/1 – Obrigada.
R – Obrigada vocês.
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