Entrevista de Frederico Ribeiro da Silva
Entrevistado por Sofia Tapajós
Águas Belas, 15/06/2025
Projeto: Vidas, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas
Entrevista número: PCSH_HV1466
Realizado por Museu da Pessoa
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Entrevista de Frederico Ribeiro da Silva, entrevistado por Sofia Tapajós, Águas Belas, 15 de junho de 2025. Projeto Vida, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas, entrevista número PCSH 1469. Então, agradecer mais uma vez.
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Agradecer. Valeu.
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Pelo seu tempo aqui.
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Valeu, valeu.
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Eu queria começar te perguntando o seu nome.
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Kleke Nyhó Otska. O que é esse Kleke Nyhó? É um tigre. Na minha tribo eu fui batizado por esse nome. Kleke Nyhó Otska. Ele é um tigre. E a fêmea? Ela é mulher. Não tem a pareia, tem o tigre e a tigra, né? Eu digo assim, né? Que é uma proposta. Aí, todos os animais, entrando em português, têm suas pareias.. O pombo, a pomba, a rolinha, o rolo, o louro, a loura. Aí vai por diante. Que nós chamamos aqui no sertão, o papagaio-louro. Aí com certeza tem a loura também, né? Com ele, são a pareia. Aí nós estamos aqui, vou falar em português ainda, nós estamos aqui, pensativo, que nós vamos para o nosso ritual. Para o mês, do meados do mês em diante, que vem, nós já estamos indo para a nossa Caatinga. Eu, por essa idade, já fico pensativo o que é que nós vamos fazer tem umas casinhas lá, vai ajeitar as casinhas, limpar o arredor pra nós juntar o que não presta… um pai de família, um pai de família, um pai de família eu sou já tataravô, eu graças a Deus e a quem pode. Então nós passa 90 dias rezando na verdade é, nós passa rezando 90 dias com 90 noites. “Que tanto você faz nessas tribos?” O branco já chegou a perguntar. Nós estamos rezando. Nós estamos louvando para aquele lá de cima. “O senhor reza?” Rezo e muito. “Ah, o senhor reza”. Eu acompanho o sacristão. Na hora que o padre estava sozinho, eu fui fazer o papel de sacristão. Eu aqui. Falo...
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Entrevistado por Sofia Tapajós
Águas Belas, 15/06/2025
Projeto: Vidas, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas
Entrevista número: PCSH_HV1466
Realizado por Museu da Pessoa
P/1
Entrevista de Frederico Ribeiro da Silva, entrevistado por Sofia Tapajós, Águas Belas, 15 de junho de 2025. Projeto Vida, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas, entrevista número PCSH 1469. Então, agradecer mais uma vez.
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Agradecer. Valeu.
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Pelo seu tempo aqui.
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Valeu, valeu.
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Eu queria começar te perguntando o seu nome.
R -
Kleke Nyhó Otska. O que é esse Kleke Nyhó? É um tigre. Na minha tribo eu fui batizado por esse nome. Kleke Nyhó Otska. Ele é um tigre. E a fêmea? Ela é mulher. Não tem a pareia, tem o tigre e a tigra, né? Eu digo assim, né? Que é uma proposta. Aí, todos os animais, entrando em português, têm suas pareias.. O pombo, a pomba, a rolinha, o rolo, o louro, a loura. Aí vai por diante. Que nós chamamos aqui no sertão, o papagaio-louro. Aí com certeza tem a loura também, né? Com ele, são a pareia. Aí nós estamos aqui, vou falar em português ainda, nós estamos aqui, pensativo, que nós vamos para o nosso ritual. Para o mês, do meados do mês em diante, que vem, nós já estamos indo para a nossa Caatinga. Eu, por essa idade, já fico pensativo o que é que nós vamos fazer tem umas casinhas lá, vai ajeitar as casinhas, limpar o arredor pra nós juntar o que não presta… um pai de família, um pai de família, um pai de família eu sou já tataravô, eu graças a Deus e a quem pode. Então nós passa 90 dias rezando na verdade é, nós passa rezando 90 dias com 90 noites. “Que tanto você faz nessas tribos?” O branco já chegou a perguntar. Nós estamos rezando. Nós estamos louvando para aquele lá de cima. “O senhor reza?” Rezo e muito. “Ah, o senhor reza”. Eu acompanho o sacristão. Na hora que o padre estava sozinho, eu fui fazer o papel de sacristão. Eu aqui. Falo português. O nome do padre se chama Klaixiwa. Vou entrar em assunto: O que é Klaixiwa? Ele é um capelão. Não é que vocês sabem que ele é um capelão? Aí nós chamamos ele aqui no nosso idioma, Klaixiwa, porque ele é um homem respeitado. Aí vem o bispo. E o bispo, como se chama ele na língua do senhor? Etikahessam. Ele é o cabeçudo dos padres todos e dos frades. Isso eu tenho aqui e aqui. Então, ia’te o Klaixiwa tá a clexa. Tamo a clixate, não a clixate, tá setzôde chiká, ióte, ufá, jástolê. Nêma tá sáta tishtêle, e jádwá jástolê. Nêma ják falcá lêde chóke, ják falcek, já nol neká, tá nêduade. E sô ják fétfêma, nôdódase, tónkatsasek láixiwá lá nêduade, tá nekase uní, uní, tá nekáhe, uatchuké, ___________? “O que foi que o padre e o bispo disseram na igreja, Frederico? E você por que não foi?” Eu estou traduzindo, né? “E por que você não foi?” Rapaz, o que correu do assunto… E foi. Mas ainda estou eu aqui para lhe contar o que foi que ele disse, viu? E eu conto também, por quê? Se eu for na missão, eu só saio no final. Os meninos dessa idade ficam rindo quando eu digo isso. E é uma verdade pura. Eu chego lá, deixo o bispo, deixo o padre, caso se eu for assistir, ouvir, o que é que ele vai dizer? E pra mim mesmo, o padre não diz coisa errada. Ele pode ser o que for, como falam dos pobres. Que eles são isso, são aquilo, são mentirosos, tal, tal. Mas eu vou escutar aqui, no momento, tem palavras que é aconselhada que ele dá para o “caba” colocar na mente, né? Mas tem uns, não digo que é todos, eu não digo que é todos. E o que vocês vão fazer lá no ritual nesses 90 dias? Rezar, como eu falei, né. Ainda hoje eu vou rezar, mas primeiro, para eu estar na reza certa, eu vou ter que pescar, eu vou ter que caçar, eu vou ter que, caso, fazer um trabalho maneiro, umas garrafadas, um remédio pra tal, fulano. Antes. Aí depois dessas, eu vou pra devoção. Primeiro a obrigação e depois a devoção. Eu faço assim. Eu não sei se todos vão assim, comigo, né, eu não sei. Mas por onde eu for é isso. O meu, a minha vida até hoje, eu aqui, mas meus parentes da minha idade, nós não vou dizer que nós fomos assim, não. Não fomos assim. Nós levamos muitos massacres aqui na Águas Belas, que tem Águas Belas aqui, que não tem aqui mais nós. Os mais velhos daí corriam na costa de fogo. As casas não eram assim. As casas, me lembro muito, casas de palha. Pegava qualquer bomba de gás, sem explodir, só pra tá queimando em cima da casa dos meus parentes. Aí nós morávamos, o meu povo ainda morava ali, depois da bomba. Então... correram e se espalharam, nosso povo. Um foi morar lá na Serra dos Cavalos, outro foi morar lá na Serra das Brigadas, outro foi morar lá na Serra do Poço embaixo e saiu se espalhando desses índios daí, porque o Águas Belas tostou as casinhas de palha em fogo. Então, pra hoje, eu digo pra hoje, na minha vista, no meu ponto de vista, nós estamos outras pessoas. Sim que nós nos intrigamos com esse povo também. A ramada que ficou, nós não nos intrigamos, não. Porque se passou aquela, passou. Mas eu peço a Deus que não caia mais outra dessa, né, eu por essa idade. E é o que eu digo nesses meninos novos. Mas amizade, hoje tem o futebol. Os brancos com os índios aqui. Estão convidados pra nós todos irmos assistir. Por nada. Por que nós vamos brigar? Porque eles vêm visitar nós? Vem armar a brincadeira? Não. A minha vida, eu quero chegar lá. Eu fui esse tipo de pescador, eu fui esse tipo de caçador, eu fui esse tipo de trabalhador e acompanho os meus mais velhos. Pra eu comer, com a minha família, eu ia buscar bode, ovelha, daqui a três léguas, de pé. Um homem chamado Paulo, aqui dentro da tribo, ele era um pouquinho, um índio, né, um pouquinho folgado. E ele era um pivô, ele era um cabeça aqui. “Meu filho, Frederico”, “senhor”, “bora mais ali”, “bora”. “É longe, viu? Você vai, meu filho, aguenta?” Eu com 11 anos, 12, aguento. Passando necessidade, como era que eu não ia? Nós vamos buscar umas criação lá. Meu tio, ele, viu? Eu ia mais o velho ir pra um “chanduco” assim que nem nós fomos e comprava as criaçãozinhas lá, fiado, pagava uma parte e deixava a outra lá. Quantos? Quatro, cinco criação ao tamanho. O velho não podia lotar coelhos na corda, né. “Pega aí, meu filho”, aí você é tudo aqui. Levava os animal caminhando pra mim chegar lá na frente, esperava ele com o bastão. Quando ele chegava, nós chegava, aqui na aldeia, ele matava dois, três. Tira um quarto aí pra Frederico fazer o “moide” dele. Ele já tem o dinheiro no bolso. Toma, Frederico, vai comprar farinha, vai comprar verdurinha pra você comer mais sua família. Eu aqui, viu? Tirava uma palha nessa época de inverno. Qual é o sol que vai secar a palha? Não tem sol pra secar a palha. A minha vida que eu vou contando. Lá vai eu para o mato, buscar feixes de léia, fazer um “trempe” assim de moquim, que a senhora nem o senhor não sabe o que é o moquim. Um negócio assim, vamos supor. Aí faço aquele molho de palha, boto ali ao redor do moquim. O sol é o fogo, viu? Botar aquela lenha que eu trouxe de baixo de chuva, de tudo, pra secar. Pra eu fazer o artesanato com a minha família. Nós ir pra feira, pedindo a Deus pra nós vender, pra nós ir se alimentar. Eu, eu não vou falar e vou falando. Aqui dentro dessa aldeia, inseto, percevejo, eu não falo. Era de topada e topada. Morreu tia minha, morreu prima minha, juntado a uma pulga que tinha empestado aqui. Ele ia entrar no dedo, comadre, assim ao lado, ele ia fazer a morada lá. E muitos índios e muitas índias morreram faltando um dedo que aquele inseto comeu. Não era coisa boa, né, não era coisa boa. Não tinha ferro elétrico, não tinha energia, não tinha essas coisas, né. Depois que mudou, o tempo mudou, ah, pode ser, ele não vem mais, nem nos sonhos, esses animais, esses insetos não vêm mais, porque amanheceu o dia, a minha filha, a minha neta, estão no ferro elétrico, o inseto que estiver ali dentro, ele tá vivo? Ele tá morto. O meu passado: Ia pescar, uma hora dessa, pra eu chegar três horas da tarde, quatro horas da tarde o molho de peixe, como eu falei, de peixe porque eu adoro peixe, viu? Embora ele faça a gente se engasgar aí quando chegavsa, “ó minhas tias, o peixe aí pra nós comer”. Cadê a farinha pra misturar? Coisa ruim. Tem uma fubá, que hoje fala, “vá trocar peixe por fubá pra nós comer”, pra sobreviver. Eu não vou dizer que nós tinha boi preso, isso e aquilo preso. Tem dinheiro lá no banco? Tem, “sacerdão”? Não tem. Isso é que eu conto. Se um aparecer da minha idade e vir contar essa, eu desminto ele. O Gilman de Bira acaba da minha idade. Mas ele só vivia na enxada, mais o pai dele... trabalhando.
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E quem te ensinou a pescar?
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Quem me ensinou a pescar foi meu pai. Hoje ele não tá nessa terra. Ele se foi, eu fiquei, mas meu tio, o irmão dele. Um homão, viu? Era um homão. Os braços, ele desse um tapa no bode, ele derrubava. Foi. E não era, eu digo assim, era... Hoje é umas tarrafas. Eles já sabem. Vão pescar já, cada casa uma tarrafa pra... Vão ter já, a pescada é de tarrafa, né. Eu ia mais ele, só botava o “bizarquinho” de lado, chegava lá, tirava a roupa de cueca, de short, velho, tudo. “Ó o peixe, ó o peixe”. Pá, pá, pegando o peixe pra nós sobreviver. Arrumava o peixe, não tinha farinha. Quando tinha farinha, a gente não tinha o peixe. Aí veio, né. Mas hoje... Hoje, graças a Deus, que nem tá querendo ser o ___.
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E qual era a ferramenta que vocês pegavam o peixe assim?
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Agora, pra nós pegar o peixe, tá, deixei ele aí porque você matava demais. Nós tinha, eu não tinha a ferramenta que ele faz, é uma planta, sabe? Eu ainda tenho essa na mente e sei fazer por onde tá. Se tem um buraco desse tamanho aqui, desse salãozinho aqui, eu vou lá e pego a planta, uma planta que tem leite. Ninguém come essa planta. Aí lá tá o peixe, ruim de tirar na mão. e ruim de tirar na tarrafa ou na rede. Eu pego lá um quicete de faca, um molho dessa planta que eu tô dizendo, onde eles tão lá fazendo a festa dentro daquela água, viu? Um molho assim. Quando eu mexer ali, aquele leite só vai dar no ____. O bichinho não tem pra se defender, nem em pé, ele se entrega. Cobra, cururu, gia, cágado, o peixe que tiver. O peixe que tiver ali dentro, morre. Nós temos aqui um peixe pequenininho, se ele der uma ferroada, em eu, em qualquer vivente, fica um calombo bem assim. Adormece a mão, se furar na mão, se for no pé, adormece o pé. 24 horas. Desse tamanhinho. E como se chama esse peixe? Etiola. Ninguém come nem ele, que não tem o que comer no peste. Agora já temos outros na pescada, é o mandim. Ah, esse é desse tamanho. Só que já teve índio que levou a espetada dele. Eu chorei nesse dia, o rapaz, eu tive pena dele, meu tio. Caímos na terra que só dava mandim. Mandim e piau. Oxe, os dois tarrafeiros tiravam a ele um monte. Tiravam um monte. E nós com inveja, eu, o primo, _______, dois frangotes, aqueles quatro homens. Aí, rapaz, o meu tio já morreu, quase todos, quando ele puxou a tarrafa, não deu uma vaga que não desse mandim, só veio mandim na tarrafa dele. Aí ele vai e diz, gostava de beber uma pinguinha, viu, “João”, chamar João, “Olha como saiu assim!”. Benza-te Deus. Mas você não vai lucrar esse peixe não, que você vai se engasgar. Já no grau, viu? Os dois primos. Vai ali engasgar quando você comer o peixe. Eu vou caçar o meu por aqui. Esse que era João não tinha tarrafa. Mas minha comadre de Deus, quando veio botar a mão na loca, a primeira coisa no mole aqui, a bichada deu uma pregada aqui e varou. Os “trepes” do peixe, a valentia dele cravou aqui nele, no índio. Lá vem ele com a bichona assim “apregada”. Era pra filmar, viu? “Antônio, meu irmão, chega aqui, vem me acudir aqui”. Balançava, tá assim e não caía. Ele foi lá com uma faca, abriu a carne do outro, fez a cirurgia para o bicho sair. Olha a bichona. Esse índio passou um mês e quinze dias na tipóia. Não levou costura porque não rasgou tanto, mas a injeção ele tomou. Tomou umas três injeções, João de Birminho, pai de Régio. Aí temos essas coisas do meu alcance, né? Eu conto coisas do meu alcance assim. Coisa que eu passei, eu perdi minha mãe cedo, com sete anos de idade, rodou, rodou mais na frente, perdi o pai, aí fui criado pelas tias, duas tias minhas e um tio. O tio chegou, abandonou nós, abandonou nós lá na casa e foi embora com outra. Tudo história, viu? Tudo é novidade. Olha, minhas tias, para nós sobreviver na costela, que é a palha que eu falo. “Bora, meu filho, vamos tirar a palha, vamos fazer isso, senão nós não sobrevivemos”. Tá bom. Eu não vou sair da casa da senhora tão cedo. Eu sem mãe, sem pai, mas tenho que ficar com as duas tias, tenho que ficar. Dessas aí eu conto assim, coisas. Coisas. Vou falar deles. Coisa do nosso pajé, do nosso cacique, é língua portuguesa. Depois eu falo coisas que chegam em luva, em mão. Pajé, cacique, tá aqui esse pra ser o povo. Muito bem, tá lá preso. Ele faz lá uma parte, menos, e a parte maior ele faz pra ele. Quer ver? Chegou a mulher de Maria, tá com dois anos, parece com três anos, trouxe uma mercadoria pra nossa tribal. Um carro que é daquilo lá naquelas paredes ou mais pra distribuir cobertor, rede, comida mesmo, brinquedo pra menino e por aí, etc, um monte.Umas camisas ela deu e botou o nome ela é de Maria, eu não sou porque ela não me deu a camisa, eu não sou dela, mas a camisa que ela deu tá o nome dela no retrato dela na frente e o nome atrás dizendo assim, eu sou de Maria. Passou. Esse ano veio um, não foi? Vem lá em nós. Chegou lá em nós, lá no Ouricuri. Amigos da Pae (?). Acho que é assim também, que eu não sei. Fornecendo nós, ajudando nós sobrevivência, né? Temos, não vou dizer que temos no nosso meio, tem um pouco, meio folgadozinho já. Mas nós temos um meio assim, eu sou um, que eu não vou falar, e sendo meio de cima, meio em pé. Mais uma aula. “Vamos fazer um artesanato? Vamos fazer uma... Como é que diz? Vamos fazer uma medicina?” Meu filho me chama, que eu não vou dizer que é outro. Esse aqui é meu filho. E esse aqui é sobrinho. E esse aqui é meu vizinho. Aí nós fica nessa... Rapaz, chovendo, como é que nós vamos fazer uns artesanatos? Como é que nós vamos fazer a medicina? Chovendo não presta, porque tá todo molhado. Precisa fazer um fogo de lenha. A lenha tá molhada, não pega fogo pra ferrar. E aí nós fica pensando, nós, vamos aqui. Se não tivesse chovendo, como choveu à noite, e graças a Deus tá chovendo mais, eu já tava no mato ou na serra. Por essa idade de 72. Não precisava, é porque vem um jovem desse. “Eu não sei, meu, eu tenho que plantar essa”. A verdade. “Você quer ela?”, eu quero. Mas não tem aqui. Índio com índio, né? “Onde é que tá?” Tá lá na serra. “Bora?” Bora. Eu vou mais ele. O filho chama, bora. Uma coisa estiada, mas uma coisa chuvosa... Ele viu, essa semana que nós estamos terminando, no começo eu fui mais ele lá na serra. Subi, eu não caí. Mas quando foi pra descer, eu vi o coco secando, viu? Que sobe assim, vai, vai, vai. Eu queria que estivesse certo pra senhora ver. É boa de andar, só que não tem inseto, não tem animal. Mas chovendo assim, tá lisinho que nem seca o sabão. Pra pessoa levar um escorregão e meter o bumbum no chão. Eu acho meio ruim, viu? E vai enxutinho, um pouco “remelado”, né? Após essas mulheres que vieram, que foi mais ele, ele me chamou, saímos no estiado. Mas eu não achei ruim não, né? Nós fomos para o nosso local, aqui no Buquerão. Tem um local chamado Buquerão, que é a nossa _____ que nós andamos. É aquela coisa. A estrada de pau, pé de árvore, né? Tá certinho. Cada pé de jaqueira, cada pé de mangueira, cada pé de laranjeira, de limão, Cana, banana, oi, o que pensar? Tudo faz a sombra, né? E a água, a beleza é a água, a água natural que vem pro povo da cidade. E vem pra nós também. Aqui, estiado, agora chuvoso, eu tô que nem aquele animal, vou, não vou, né? É mesmo. Ontem eu tava meio estiado um pedacinho, e aí nós tiramos essas plantinhas por ali, por perto.
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E, seu Fred, você consegue descrever pra gente, contar pra gente como que era essa casa que você morou com as suas tias?
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Conto. Como que ela era? A senhora quer que eu escreva?
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Não, pode falar.
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Olha aí. Madeira a pique. É o que sai aí no português. Pau a pique, fala assim. Eu digo logo madeira, porque vai num só. Não é um tipo de madeira. Vai todo tipo de madeira. Eu tirei a palha. Eu virei a palha pra ser a teia. Tirava a palha lá na serra, os “palhos”. Chego aqui, viro. Vira o “palho”, né, pra ele ficar quase que nesse papelão. Ele não sobe pra cima assim que vira não, que ele tá verde. Ele não une lá. Deixa um temporal lá, ele fica secando ali. A palha é coco ouricuri. Vou lá no mato. Corto essa madeira a pique. É dessa grossura. É da grossura das varas, pá, envarar. Cubro ela de palha e faço as paredes de vara. E aí levo o barro. Uma casa bonita, pra quem não tem casa, viu? É casa bonita, de vara. E ali dentro, apertadinho, aquela casa apertadinha. A senhora pensava que era desse tamanho? Era desse pra cá, assim, ó, pra caber três pessoinhas. O fogo, eles... Que o fogo não é... Não era fogão. Três pedras. Uma “trempa”, vamos supor, três “trempas” para colocar a lenha ali debaixo, beber o café, beber o feijão, beber a carne, o arroz, o que tivesse. Essa casa. Nós não podíamos fazer banheiro dentro dela porque não pode. Tanta faísca não podia sair porque se subisse o vapor de faísca, queimava o páreo e quem tivesse dentro se queimava também. Era uma casa “choboio” e ao mesmo tempo engraçada. Nenhum deles diga que é mentira, alcançaram um pouco, esses aqui. Mas eu fiz muitas casas de palha lá no meu ritual. No mais velho, como diz hoje. E nesse mais novo eu não fiz porque não me deram chance de eu fazer. Senão eu tinha feito uma casa de palha. Na _____ de palha. Por rio e por baixo barro. Que nem um passarinhozinho faz a sua casa na serra. Nos pés de pau. Se estiar, eu ainda não vou ficar aqui o dia hoje. Eu, por essa idade minha, se estiar... Porque se eu, se eu, se tiver lá, por meio da ladeira, se eu tiver livre, eu acabo de ficar no pé da serra, palestrando mais melhor, bebendo água fria, boa. Você leva uma rapadura pra você morder lá, se tem dente. Eu não tenho dente, não mordo, né? Só faço engolir. Aí nós estamos por aqui. Uma pergunta. Eu não sei onde a senhora mora, o cidadão, né, a senhora. Eu vou falar no ia’te, que ainda eu não falei. (fala em Ia’te). É assim. Aí eu digo, milhares, uma só. Não, eu digo milhares, por essa idade minha, de conversa, diálogo, milhares. Não dizendo, vou traduzir, que eles não traduziram. A senhora vem de tão longe, que eu falei, mais cidadão, mais essa senhorita aí também. De tão longe, veio procurar, primeiro, esse cidadãozinho que é meu sobrinho. Após, ele já sabe que eu sou uma cobra criada, na língua, e sou mesmo. Veio, combinou de noite. “Amanhã vem umas pessoas aqui, meu tio. E qualquer coisa nós vamos falar lá”. Nós vamos, nós vamos pra onde você quiser, nós vamos. Mas ele, eu vou pra onde ele me chama, eu vou. Só aqui, viu? Mas se ele tratar de dizer, “não, nós vamos pro Grande Recife, pra Grande Recife. E de lá nós pega o voo e nós vamos pra Portugal”. Como eu já achei. “Nós vamos pra França”. Meu sobrinho vai só. Que Deus lhe acompanhe, viu? Eu fico por aqui mesmo.
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Seu Fred, conta pra gente como que você aprendeu a falar a língua.
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Como eu aprendi? A minha avó. Ela era paralítica. Ela era uma ceguinha. Eu fui guia dela. Muitos tempos. Assim, vamos supor: Ela sentava na cama, minha avó, viu? Ficava lá sentada. Só o pivô era eu pra andar. As meninas cuidando. As minhas tias, né, já muito mais velhas do que eu. Fazendo outra arrumação. E ela lá sentada na cama. Aí ela diz...
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Nesse tempo você tem quantos anos?
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Eu tinha meus cinco anos, já sabido, né? Cinco anos, né? Aí ela dizia assim, “Frederico!” “Oi!” (fala em ia’te) Lá vai eu de caça de suspensão. Me lembro quando eu vejo chave, madruga, com aquelas caças de suspensão. Era que eu vestia, viu? Lá, sabe que eu tava de calça. (fala em ia’te). Toma. Eu dizia pra ela: “A senhora fuma toda hora”. Essa é a proposta, né? “Vem cá, Federico, vai buscar ali meu cachimbo pra eu fumar”. A bichinha não via, né, aí eu menino já esperto, sabe? “A senhora quer fumar toda hora, minha avó”. Aí ela queimava ruim. Foi essa que eu falei. Aí, urinar. Tem urinol lá dentro. Logo dois. Um pra ela cuspir, outro pra ela urinar dentro. Porque ela não ia pro banheiro, não ia não, sozinha não. Tem que ter um pra levar. Né? Aí ela chamava “Vai ver meu... Chamava... Vai ver meu pinico?”(fala em ia’te). A palavra é essa. (fala em ia’te). Lava de novo. Pega esse setkenema. Fechar a porta e ela fazia a obrigação dela lá. Rodava, rodava, rodava. (fala em ia’te) É o que é essa palavra. Vai ver aquela palha lá, para o lachar. E ela fazia artesanato sem ver? Fazia. Coisa incrível. E não é de eu aprender com as palavras dela.(fala em ia’te) vá comprar pão pra nós tomar com café. (fala em ia’te) A hora de reque, tô na ute, e lá fora é inite e ite”. Vai lá na rua, comprou uma _____ mais fraca. Nós não temos dinheiro pra nós sozinhos. E aí foi. Foi desse jeito, fui aprendendo, aprendendo. Aí eu digo, eu só vou aprender nossa fala em idioma e vou pra escola. Com nove anos, entrei na escola de nove anos pra até uns trinta e pouco eu estudei na escola daqui. Ia um dia, outro não ia, um dia outro não ia, um dia outro não. Aí quando as professoras viram o que eu vinha, me botavam lá no quadro, que é quadro por todo canto, né, das escolas, e elas viam escrevendo o nome dela, o nome do prefeito, o nome do vereador. Já tinha presidente, botavam o nome do presidente. E elas vendo lá. “Você já sabe escrever, né? Contar, eu nem falo que você é um danado pra contar”. “Eu conto, professora”, “eu vou lhe dar seu diploma”. Agora, com isso aqui, se você quiser estudar lá na cidade, você vai. Não há professora que não queira lhe ensinar. Não sou respondão, nunca respondi professora, nem professor que eu tive aqui nessa aldeia nova. Eu passava bonito no meio da rua, no meio do povo lá da rua, mas eu não quis. Ele lá toma uma cana, e os alunos, depois que toma essa cana, eles querem brigar mais o “caba”. Aí não pode. Ele vê que meu ponto tá mais em cima do que o dele, ele tem coragem de me pegar na rua qualquer e querer bater até em eu. Eu morando aqui desse lado e ele do lado de lá, né? Aí eu digo, eu não vou pra escola não, não vou nada. Eu por aqui mesmo eu fico. E não estudei na rua não. Mas chance? Eu tive chance. Eu tive muita chance. Aí nós ficamos conversando por aqui. Vocês montaram não nada, uma coisa aí? Pronto. O dia é pouco, nós conversamos. Olha, na palavra, aqui tem uns dez dedos. Eu chamo ele de um aos dez. Na língua, eu chamo. A senhora chama de um jeito e eu chamo de outro. Sabe? Tem cinco dedos aqui. Vamos supor. Fatua é um. (fala em ia’te) Fatua taku fatua é dois. Esses dois são pares. Fatua taku tkanu faz três. Lishinu taku fatua satu tkanu faz quatro. Satu tkanu taku fatua ruia. Isso aqui fecha o quadro. Aqui é fatuá, aqui é tkanu, aqui é lishinu, aqui é quatro, mas não é desse jeito que eu falei. Aqui é o fechar quadro. Ruia. Pode escrever assim, essa palavra você nunca esqueça, porque lá fora ele vai lhe perguntar como se chama a palavra um. Você já tem na cabeça. Você já tem na cabeça. Fatua. Agora vamos ver se você acerta isso que eu disse, viu? Precisa ter ideia, precisa ter uma história. Aqueles negros que eu escrevi pra eles não se erram, não. Olha aí, olha aí. [conversa paralela] Eu falo tudinho. Mas nós carrega 20 dedos. Eu carrego, boto os outros no meio. Eu vou falando o nome de animal, nossos dedos. Aqui foi em horário pequeno, mas já dá em animal, tudinho.
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E por falar em animal, Sr. Fred, desculpa. Como que era quando você era pequeno, os animais, a paisagem, as plantas, como que era?
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As plantas, as plantas, nossa foi a agricultura primeiro. Milho, feijão, que nós plantava, milho, feijão, abóbora, melancia, inhame, batata, macaxeira e nossa horta. Esse garoto não lembra não, mas eu me lembro que eu carreguei muitas mandiocas lá da serra, pra quê? Pra nós comer. Milho maduro nessas épocas. Abóbora que o outro fala que é jerimum. Era fartura. Aí eu aprendendo com esse povo meu. Problema de agricultura, né, esse. Que eu acompanhei muito e fiz muito. É brincadeira eu plantar em roça duas máquinas de feijão. O ano veio tão bom que eu bati o quê? Bati oito sacos de feijão em duas máquinas de feijão. Oito sacos. Eu dei pro arador, eu dei dois sacos que lavrou a terra, né, facilitou a penetração na enxada. Vendo esses dois sacos aí, devido o dinheiro, meu velho Antônio, eu fazia assim. Comprando as coisas pra levar pro ritual. Coisa de agricultura, eu aqui. Negócio de planta, agora que tá nascendo, mais planta em nosso meio, porque a nossa nação, mesmo que não dê valor, mas tem um plantio. Tem ali um índio que plantou, só ele plantou 200 pés de imburana. Só ele sozinho, 200 pés de imburana. Pra que serve essa imburana? Ela tem fruta, mas nós não comemos, mas tem uns pássaros que comem. Ela trava quando a senhora faz o chá dela, ou eu, pra salvar o outro, ele é um pau que trava. Travoso, né? Mas cheiroso. Mas se eu comer uma coisa que vai ofendendo lá dentro, eu não vou dizer porque é até feio dizer, o que ele faz, aquele remédio faz. Acho que entra dentro da tripla do “caba”, sai no cocô, sai no ventre, sai no arroto, sai na urina. Não sai, sai essas plantas que ele tá fazendo. Duzentos pés ele sozinho plantou. Não num dia só. Numa semana ele plantou duzentos pés de imburana. Elas já estão desse tamanho, vai crescendo, tá chovendo. Por quê? Aí fecha nosso terreno, né, e nosso terreno não tem tanta planta, tanto pé de arvores, tanto pé de planta assim, bicho alto, né? Grosso. Aroeira, nós nunca tivemos as aroeiras que tem agora no nosso ritual. Uma aroeira cheirosa, cheirosa que ele está e sabe tudinho que ele sabe. E o branco lá procura essa aroeira, procura. Onde é que procura, ___? Procura de vez em quando. Traga a planta chamada aroeira pra... Eu não vou dizer pra quê. Ele que pediu é porque ele já sabe pra quê, né? Aí, café seco. Eu tomo café seco de vez em quando e tá ____ caí. Eu meto sozinho, esse rapaz vai andar por aí, mas os outros, que ele é jovem, eu fico dentro de casa. Alguma pessoa, que seja de fora, que seja daqui, eu não sou o rezador. E nem sou o curandeiro, mas eu dou a presença, eu dou a presença de ser o curandeiro. Dou porque eu não saio de casa. Eu não tô com a mesinha, a planta, como a senhora tava falando, eu falo mesinha na língua do branco, eu não tenho ela. Mas se chegar um aperreado, e aqui não tem essa, o que eu como do que ele vem ou ela vem com esse incômodo. Aguarde por aí que eu vou ali buscar, eu venho já. Daqui meia légua, eu dou um pico por essa idade, papapá, vou lá e pego a planta. Ele não diga que é minha mentira. Eu não tenho ela. Mas se disser, vem um aperreado, ou uma aperreada, como é que você defende meu primo e meu tio aí? Ah, dor de barriga, não sei o que é que tem na barriga. Ou senão, tá morrendo de tossir. O que é que se faz? Nós vai dar um jeito. Eu não tenho aqui na mão, não, que eu não tenho, mas eu vou buscar. A planta está lá no mato, só me esperando. Ou aqui ou lá na serra.
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Ele é um conhecedor, né? Conhecedor e muito forte. Ele fala que ele não é um rezador, não é um curador, mas termina sendo. O conhecimento dele é muito forte.
R -
Me procurou, me achou. E dá certo. Todas as plantas servem.
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A Imburana, que ele falou, né? Estão plantando mais. Muito importante, a nossa caatinga que ele fala, nós do _____, que é aberta, ela é pobre de pé de planta.
R -
De pé de planta.
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Grandes, como a imburana que falta mesmo. A Aroeira, que chegou essa Aroeira nova lá na Zona Franca, que é uma. Espécie de Arueira, mas também serve para remédio e outras plantas,
R -
Muito não vão atrás, mas eu vou. Eu defender a minha pessoa, eu vou buscar. Vou na hora.
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E com quem você aprendeu esse conhecimento?
R -
Eu aprendi com meu pajé. Ele chamava-se Julião. E o outro chamava-se Sarapó. O Sarapó era um velho que ele tinha um quarto desmantelado de nascença. O cacique, o meu cacique. Aí ele por trás da casa dele tinha um pedinho burro. _______. Aí toda _____onde ele tá. “Benção, meu tio”. “Deus abençoe”, o cacique. “O que que cê quer” Não é mais do que cajá que cê vê”. Até isso mesmo. Cadê o bisaco? Vai lá, toma vara. E o moleque. Aí lá vai eu pegar o cajá. “Já vou, meu tio. Depois aparece aqui, viu, sim?” Na língua. Era na linguagem. Aí deixava o cajá em casa quando pensava que não ia lá no pajé (fala em ia’te) Eu já fui a ele ao convite de uma pescaria, do meu pajé. Do cacique eu falei que ele não saía, eu paguei o quarto dele que tinha mantelado. Já meu pajé, sendo um homem de idade, não me enjeitou. “Onde foi que você viu o peixe?” “Um lugar por lá”. “Eu vim chamar o senhor pra nós ir”. Ele só falava na língua indígena, ele comigo desse tamanho, desse tamanho. Aí nunca que eu perdi, e não perdi ainda não. “Como é que nós vamos pescar, menino?” “O senhor tem duas tarradas, você me dá uma, eu levo uma e o senhor leva outra”. E nós ia pescar, mais meu pajé... Aí toma língua E aí, carreguei aqui, o mufaco, aham “Nós vamos comer assim que nós chegar lá, viu?” Ele dizendo comigo e pegando o peixe na água que eu levei ele Uma água que batia mais ou menos aqui, curtinha, aqui na terra indígena mesmo. Aí quando eu chegava, a família dele muito mais do que a minha, na época, ele morava lá no quadro da aldeia e eu morava lá na descida. A minha família mais pouca e a dele mais, mais, mais. Homem, quando eu ia na tarde, que eu perguntava a ele(fala em ia’te) Pajé me ensinou, o cacique me ensinou, o mais velho mesmo pra eu chegar nessa idade, palavra que eles me passaram trabalho que eles me apresentaram e não esqueço, não vou esquecer porque eu vou morrer, vou mudar de lugar, né aí eu vou esquecer. Mas, eu digo, o desse, desse, desse, desse por essa idade que não tem 70 anos ainda, tem capacidade de aprender comigo em qualquer grau
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E na época que foi para fazer as olarias? Quando foi sair da casa de taipa para fazer casa de tijolo? Você trabalhou muito com os tijolo? Aprendeu a fazer?
R -
Eu aprendi, eu bati até telha. Eu bati. Eu era um oleiro de telha, mais meu tio... Ele batia tijolo e ele batia telha. Tinha uma olaria dele só aí por trás da aldeia. Chamava-se Nelito, que eu comecei mais com ele primeiro. Depois que Nelito deu pra botar branco, ele disse que tinha mais produção, aí eu me afastei de Nelito. Meu tio, irmão dele e minha mãe. Todos dois refinados. Aí fiquei mais um chamado Chico Joventino. Aquele lá foi quem... Aquele me ensinou mesmo. Trabalhar com aquele velho, aquele cidadão na olaria de tijolo. Os outros batiam 500 tijolos. Pelo dia eu batia mil. Caba novo, “pinhaço” novo. Vim lá e vim cá, vim lá e vim cá, vim lá e vim cá. Batei mil tijolos dentro do dia, antes do dia. Não era mentira, é que ele sabe que... Esse aqui ainda bateu tijolo, eu sei que esse neguinho aqui bateu. E aí nós fomos, saímos de casa de palha, de casa de taipa, não tirei mais madeira para fazer rancho no ritual, não tirei mais. Quando foi saindo os tijolos, cada qual fazia seu quartinho, né? Como hoje tem lá. Já viram o (fala em ia’te)? Hoje é um dia de domingo, dá uma volta com eles lá, para ver como é o ritual, não é desse tamanho as casas lá, que eu não vou dizer que é. Casinha pequena para duas pessoas, fazer um foguinho, botar um potinho com água lá, o tamanho das casinhas lá. Então, nós saímos, tendo tijolo em mão, trocava a diária de pedreiro para o tijolo, eu com 5 milhões de tijolos manda fazer um quarto de 4 milheiros. Tamo falando milhões de tijolos lá com 5 milhões de casa aí. Era assim, foi desse jeito que começou. Bati telha. Hoje, agora que eu posso esquecer de batimento de telha, mas eu bati tanta da telha, ó, aquele negócio de bater a pila assim que nem tá pilando massa, né? Passar um rodo ali nele, moer a mão, bater, pá, pá, pá. Chutar aqui, negar ali com o “chatoarro”. Bater aqui, chegar lá, rebar aqui, talar. Ele vem lá com um negócio, um cagno que faz assim, né? Um de madeira, né? O feitor da telha é aquele que deixa ele bem ajeitadinho, vai lá, coloca ela no chão, ela fica armada. Eu bati, tudo isso eu fiz. Telha. Como ele perguntou, você bateu telha, você bateu tijolo, cortava lenha pra queimar o tijolo, não tem energia. Hoje tem coisa que é assada de barro, na energia, viu? Tem, eu digo que tem.
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E Águas Belas mudou muito?
R -
Águas Belas? Mudou. Não vou dizer que não mudou, porque mudou. Era coisa pouca também ali, sabe? Mas eu vou dizer assim, do meu tempo pra cá. Os prefeitos, digamos assim, os prefeitos. Vou começar, já citei o nome de uns cacique, nossa, eu falo dos prefeitos. Primeiro prefeito do meu alcance, não sei o que. Tinha um Julião. Não sei o que Julião, mas não era esse de cá, não era de lá. Não foi da minha lembrança, mas teve um homem chamado Dezito Branco, que tem uma fazenda no Caminho de Garanhuns aí. Ele chama o Doutor Zito e ele já é falecido. O meu lembrar foi ele primeiro aqui. Os postos eram de pau, não tinha energia na cidade. Esse eu lembro aqui e aqui. E é o ponto de vista. Aí, doutor Zito, o senhor pode botar energia aí, o senhor pode. Não era que vinha da Força de Paulo Afonso, que vinha lá de Santana de Ipanema, que vinha... Não! Ele não sei como arrumou, uns botou e botou posto de pau. A aldeia aqui não era desse tamanho não, meu filho. Não era desse tamanho não. Era também aquele tiquinho de casa. Lá no diante da igreja. Por ali. É pouquinho. Na cidade, mais um pouquinho. O motor desse homem, o motor que esse homem botou, rodava a noite todinha, quando fosse seis horas, ele desligava. Na rua e aqui, posteação de poste de pau. Hoje não, graças a Deus. É cada poste, tamanho de poste de cimento, que eu não sei nem de onde é que vem esses postes, facilmente. Então se você falar uma coisa num momento, você não brinca mais futebol não, né? Não, né? Vai ____ que vem hoje. Falei com a juventude. Vai ter futebol, mas se for chuvoso assim, eles vão só se melar de lama, que eu tô vendo. Aí, se fosse estiado, nós andaríamos na rua, tomando banho. Já que eu disse que eu tinha medo de água, eu só tenho medo de água que eu saio debaixo da chuva e me molha, me lamelar, mas eu já no lugar que eu estiver, eu entendo, tá? Pode chover que eu não abro, não.
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E, seu Fred, deixa eu te perguntar, quando você era pequeno, vocês te contavam histórias? Você escutava histórias?
R -
Escutava.
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Que histórias que você escutava?
R -
As histórias que eu escutava… início do mundo, que os mais velhos traziam na cabeça. Vou contar uma, não só uma, eu tenho muitas histórias. Tinha um pássaro, ele era o rei dos pássaros. Ele era o rei dos pássaros. Só ele que existia fogo no começo do mundo. Uns três mais velhos que já se foram contaram assim _______ e nela eles viram. Eles. E aí estavam contando. Tinha esse pássaro que era o rei dos pássaros todos e não tinha um pássaro que ele não pegasse. Então ele quem tinha um fogo. Só ele que tinha um fogo na época de todos os bichos falarem, e ele só quem tinha fogo era ele. Aí foi todos os animais ver se raptavam ele num fogo. Era ele pegar o fogo e correr aqui e ali ele pegava o pássaro, outro pássaro e tomava o fogo. Bota meu fogo pra cá. É uma história essa. Aí chegou um pássaro que chama-se bizunga de fogo. Tem esse pássaro que os meninos conhecem, um bizunga, ele se parece com um brasa mesmo: “Aí, minha gente, nós não vamos comer nesse mundo de meu Deus. Vamos comer coisa crua, não dá pra nós”. “E quem é que vai buscar um fogo naquele passarinho fulano de tal?” Guardião, chamava guardião, parece que era assim esse passarinho chamava. “Ah, pois eu vou lá”. “Você vai morrer”. “Eu vou lá e vou trazer fogo”. Pô, onde é que esse diabo desse passarinho foi lá e trouxe? Olha. Fica aí, viu? Uma toada de passarinho de marra bonita, era pavão, era coruja, era gavião, tudo passarinho bonito. E nem um se arriscava a ir lá. E ele, desse tamanhinho, foi lá. Chegou lá, ele tá lá bem assentado, aquele lindo passão. E o fogo dele lá. É a história que os meus mais velhos contavam. A ele, na língua, chamavam o passarinho. E o pequeno chamou ele, né? (fala em ia’te) “O senhor tá acordado?” “Eu vim aqui quentar o fogo do senhor. Pode o senhor dormir. Eu não vou lhe roubar, eu não vou carregar seu fogo, não”. “Você vem com a cara de trambiqueiro, viu?” Ele disse logo no passarinho pequeno, “você vem com a cara de trambiqueiro. Mas eu vou me ajeitar aqui para eu ver qual é a sua”. Enquanto ele deu as costas, ele pegou um tição de fogo, o máximo, era o rei dos tição também. Pernas, asas para que te querem. Quando ele virou, o passarinho não estava mais ali. “Eu lhe pego, eu pego outros pássaros, não pego você”. Ele boiou, o pássaro pequeno rodou, rodou, rodou entre uma quixabeira, duas imburanas, tudo seca, caída, sem fogo. E o pássaro rodou, e ele lá atrás. Aí o fogo pegou. Aí toma seu fogo, eu não quero mais não. Só fez entrar no meio de umas urtiga, urtigas que fala. Esse, esse passarinho chamado... Beija-flor. Beija-flor. Bizunga-de-fogo. Viu? Entra dentro das urtigas e diz “Fica pra lá o condenado, o condenado. Você quem botou fogo pelo mundo?” Aí quando pensa que não, todo ele, todo esses pássaros foram buscar o fogo. Todo! De graça, o fogo ficou de graça. Esse guardião ou guarnição que tinha fogo, ficou sem força. Por quê? Foram um monte de pássaros e nenhum adquiriu fogo. Vai um desse tamanho, um gasguito, e o cabra tem até pena de bater nele, que ele é tão pequeno que não dá pra comer. Não. Fez o fogo. Pegou fogo no mundo. A história que meus velhos contavam. Muitas coisas meus mais velhos contavam, que eu cheguei a ficar admirado.
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Mas eles contavam a história do lobisomem também.
R -
Contavam de tudo. Oxente, novidade de lobisomem. Um diz que é novidade, outro diz que não é. Mas eu quero acreditar. Até porque aqui nós, lá na serra, morava o índio. Ao vivo, isso aí, ele tá pra minha conta. Porque o novo vivia. Gatinho novo, cachorrinho novo. Ele sabia quantos tinha, quantos animalzinhos tinha de cada um. Aí ele ia trabalhar, só vinha de noite, o dono. A mulher não ligava. Aí ele, com os cachorrinhos dele mais bonitos, foi desaparecendo de uma perdigueira. “Aqui tem um “caba” que tá roubando meus cachorros. Eu vou reparar direito”, caçou, caçou, não tava a quantidade de cachorrinho, cadelinha que ele deixou. Botou eles dentro de um bairro, num caçou, aí prendeu eles, para eles não sairem. Aí ele foi lá no porco, aí ele disse, “ô, fulana, aqui era oito porcos, só tem cinco, cada três?” “Não sei, talvez algum bicho comeu”. Vou prender a porca pra ele ficar tudo junto da porca. Foi estoura e tá na letra. Prendeu a porca mais perto. A cachorra parida, ele já dividiu. Aí você pega o gatinho. Chegou lá, o gatinho tinha quatro, só tinha um. O dia era de quinta-feira. Aqui o povo do Nordeste diz que o “Lupe” só corre na sexta-feira. Não toda sexta, mas tem aquela sexta-feira que tá guardada pra ele. “Eu vou pegar esse e vem pegar meu bichão aqui”. Pois não é que ele pegou? Pegou. Ele pegou uma foice, uma roçadeira, fez uma armadilha ao lado do vento. Onde o vento já deixa o cisco, como diz a história. E onde o vento vem, ele não fez a armadilha, ele não fez lá, porque se o bicho vem desse lado, ele sente ele lá. Não, o bicho vinha de lá e ele tá do lado de baixo, o que ia pegá-lo. Coisa ao vivo, meu cumpade. Aí, ficou. Tomou o banho, se benzeu, que ia brigar com o bicho, né? Ele ia brigar com o lobisomem. Aí, como pensar que não, deu na meia-noite, ele veio. Olhou pros quatro cantos. O cavaqueiro era o bicho, né? A cancela de porteira, ele só fez dar um pulo pra dentro, pra ir comer cachorro, gato, o que topasse ali dentro. Só que o ex, o dono dos cachorros, dos porcos e dos gatos tava do lado de fora, ele deixou ele à vontade. Lá os cachorros, rai, rai, rai, rai Botou nele quente, amanhã tem que gritar “o bicho!”. Ele escutou. Quando ele escutou o bicho, ele foi dar o pulo lá, foi na garra do “caba” lá. O “caba” só fez passar a roçadeira no pé dele, o “caba” caiu por terra. Quando ele caiu por terra, ele foi em cima, “caba” de coragem, um facão e a roçadeira. Ouvi deu morte. Não se assanha aí. Aí o caba foi se “paliçando”, “paliçando”, “paliçando”. Foi não, foi. “Por que você vem comer meus bichos aqui toda vez? Você criou alguns bichos aqui”, os dois, hein? Coragem é danada, viu, o velho com a roçadeira e o cabra sangrando. “Eu prometo que nunca mais eu venho aqui na sua residência, viu? Eu prometo”. “Olha, se você vem eu lhe mato de uma vez, viu? Eu ainda vou deixar você sair vivo daqui, viu? Mas você merecia os meus bichinhos, tudo que você já comeu, merecia eu cortar seu pescoço. Merecia. Tá bom, vá-se embora.” O que fez o estrago no pé dele, do “Lube”, que era “Lube”, ainda foi tirar um pedaço do saco, velho, amarrou lá, botou um miolo de pau, de um pau chamado pinhão, pra curar, fechar. Amarrou, “vai-se embora, viu? Se você me contar, eu vou lhe contar na aldeia, em peso lá, no povo lá. Na rua, por todo canto”. “Prometo que nunca mais eu nem viro o bicho”. Não é que vira mesmo. Ele que comeu os cachorros e o gato era porque ele virava mesmo, né? Você sabe quem foi esse? Mané de Bambá. E o pai daquela menina que mora ali de Belo Cebu. Paraibano. Quem cortou o pé do outro foi o Paraibano. Só que os dois, um que virou ainda tá na terra. E o que matou já morreu. Não é considerável. em que tudo estoura ao vivo, o seu cachimbo?
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E seu Fred, você tem alguma história na mata, da mata?
R -
Na mata?
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É.
R -
Eu já. Tirei muita palha. Eu comece de novo em palha. Levei tanta carreira, minha comadre, de tanta serpente pra me pegar. Não pra me engolir, pra engolir um cabra inteiro assim, mas pra me judiar. Dentro da mata. De verdade. Uma cobra chamada Caninana. Não tem que ver o teiú. Olha o tamanho da bicha. E depois não sei se ela morde, falar que nem o outro, não sei se ela morde. Mas bateu, ela bate, que ainda ela me deu duas lapadas. E deu mais umas duas em Vanlidi, que mora aqui. Vanlidi de Lairne. Foi eu e ela que apanhamos. Derrubamos nossas palhinhas no chão que nós trazíamos pro ponto, hora de meio-dia, e ela vem lá por cima [som] “Quem tá subindo aí?” Eu olhei pro chão, ela bem em cima de mim assim, já virando o rabo assim, a cauda, Oxê! “Vai pra lá!” Eu disse, “vai pra lá!” Tão me “cipuada” de ela mesmo. Eita bicha! Quando eu puxei o facão, ela saiu de mim e foi montar a mulher, a minha parente, n as pernas dela [som]. Subiu de novo. E estoura. Estoura pesado ao vivo. Eu passei. Eles que falam. Tamo aqui, viu, professora?
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Qualquer coisa... Tem mais alguma outra história da mata também que você queira contar?
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Taliano. A senhora sabe o que é taliano? Umas abelhas. Eu fui, mas minha turma de índio e índia. Levando aquele tiquinho de farinha, aquele cantinho de rapadura, um pãozinho machucado, uma bananinha pra nós comer lá, né? Tirar aquelas palhas. Fomos numa alegria tão grande, nós éramos oito pessoas. Uma chamada Terezinha, uma chamada Marinete, outra chamada Olalha, não sei se a Olalha, se tava, a Olalha de Sidraque, Sidraque, Pedli, Pedinho, Javier Caldir, que também não sei se é eu, aquele já morreu há muito tempo, eu digo logo assim. E eu, frangotão, ô rapazão, entramos numa alegria porque nós ia tirar palha que nunca mais ninguém tinha tirado essa palha. Minha comadre de Deus, cada qual o índio tirando suas palhinhas, né? E eu também tirando, subindo os pés de coco pra derrubar as palhinhas para fazer os molhos. Oxê! Quando eu... Justo foi eu tirar um molho desse tamanho, mas eu dei uma ideia divina que eu não deixei troço em canto nenhum. A corda no bisarco, o lanche no bisarco, e o molho de palha desse tamanho amarrado, amarrei assim, a tiracolo, como quem fiz: Eu vou levar uma carreira daqui, quando eu correr daqui, a palha não fica. E foi mesmo. A Taliana empestou naquele grupo de oito pessoas que foram naquela banda. Botou nós tudinho pra correr. Uma abelha tão valente que nunca vi daquele jeito. Oxe, eu saí com o pé do vidro de todo mundo, inchado, grosso, de um lado e de outro a mão. Enquanto mata, é mais pior que ela, eu acho que se chama outro, vem pra cima. As outras mulheres, as outras índias que tava mais eu, as bichinhas deixaram. Cachimbo de pau dentro do mato, fumos espalhados, deixa eu me ver mais. A boia, não sabe aonde derrubar. “Fred, vem me acudir”. Quem é que vai lhe acudir? Eu tô pedindo a Jesus Cristo pra vim me acudir também, como é que eu vou lhe acudir, mulher? Se eu cava ver se aquela ____ou o dela ficava, eu tocava fogo. Como eu toquei fogo em uma, eu tava lá dentro da terra. Mas eu não via. Só por cima. Briga de dois. Quando nós saímos na pista, braços inchados, as minhas parentes, as pernas inchadas. Porque a bicha quando ferrou, olha o catumbo que fica no corpo. Aí eu disse, “tia Tereza, a mãe de mocinha, tia Terezinha, a senhora ainda vai vir pra serra?” “Olha aqui, eu vou fazer uma cruz nunca mais eu venho meu sobrinho”. “E você, meu tio?” “Bora sim, bora pra serra de novo”, ele, o velho, pra dizer que tem a coragem. “Não vou mais não, vamos sim embora”. E nós vamos sim, pai, vamos sim embora. Eu mesmo já tirei uma muquequinha bem assim. Que fazia, na época, três ou quatro _____ desse tamanho. Pra vir um carrinho completo. Pra fazer esteira, chapéu, vasculhador, espanador, por aí. E lá veio só eu quem vinha com aquela painha. Da minha história, tudo é minha história que eu passei, viu? Pra eu sobreviver, passei, levantei para guarda de cobra numa tela que bateu nele, passei, achar mixuga lá dentro d'água. Ia lá pro reto, eu me morder, fui pegar o peixe pra eu sobreviver. Eu ia caçar de espingarda, que eu aprendi já, já sabia. A espingarda em vez de detonar lá no animal, detonou pra trás, queimou no lado dos meus olhos, sacudi ela no chão. Eu sobrevivei. A tarrafa me enganchou lá dentro. Lá nos pilão, que é fundo lá. Quando eu fui desenganchar, uma mão, sem ter ninguém lá. Uma mão em eu. Oxi! Subi pra cima. Eu digo, aqui tem gente. Mas lá morreu dois, afogados. A alma daquele que morreu tá naquele local. Duas cruz lá. Eles aí sabem. Ou um deles aqui que sabe que tem cruz lá. Eu digo, eita! Eita, meu Deus do céu! A vida é pesada, viu? Cadê a tarrafa? Ó o cordão em cima. Mas quando eu fui botar a mão, eu senti outra mão que nem tava me alisando. Eu me arrepiei. Subiu água funda. Poxa, mais funda que isso lá. Eu digo, vou deixar essa tarrafa aí, mas é nova. Aí chegou mais dois, cada um com uma varona pra desenganchar. Não foram mergulhar como eu fui. Eu digo, agora ou ela me pega ou ele me pega, agora eu vou desenganchar e fui. Aí outro chamado Lindalva, viu________ Ele faz uma posição de um pato, esse Lindalva, viu? Foi mais eu... Nós chegamos lá, matamos os peixes, e ele puxou de um lado e eu puxei de outro, aí saímos. Pescador é nós dois, né? Não é, Lindalva? Deixa ele pra lá. Ele fazendo um papel de pato. E eu não sabia o papel que eu ia fazer, eu levei um pau dessa grossura assim, pra desenrolar, né? Matemos lá os peixes, já tava... Opa! Opa! Opa! Bater seu retrato, viu? Aí quando pensar que não... Olha, nós dois... Ele também não tem pai, nem mãe, esse Lindalva, que nem eu. Nem tem pai, nem tem mãe. E faz nós, despeço que é uma rede. Do saco ele, no saco eu. Bora simbora, meu priminho, ele comigo. Bora! Vamos deixar esses bóia aí. Astero, Pedro Federico, Auclídeo Velho, os mais velhos, né, rede que ia naquele meio de... E nós dois, filhos de nação fraquinha, já tava com o nosso mastigado ali. A vida passou por ele. Eu tenho um corte aqui, no meu braço. Eu fui pescar. Armada de menino, né, pra sobreviver. Peguei a garrafa, uma garrafa, né? Ela tá, a garrafa é aqui, aí ela tem o fundo entrado. Eu vou aqui, fiz o buraco e coloquei um pouco de farinha dentro. Aqui eu tapo. Aí eu levo ela lá na água. Deixo ela bem embaixo. A piaba vem lá, o peixinho, né, vem lá, ver a farinha espalhando de dentro, que a água deixa a farinha lá. Aí a piaba vai querer comer, vai enchendo, enchendo, enchendo. Eu gostei daquilo, né, pra sobreviver, pra eu comer. Aí quando pensar que não, eu fui, achei de ir sozinho um dia pra lá, pro ponto da pesca. “Não vá hoje, que hoje não é dia de pescar”. “Eu vou, minha gente, deixa quieto. Eu não vou pra longe não, eu venho logo”. Oxi, foi acontecer. Quando eu vou, botei. Tirei. Duas vezes. Nas três, eu não sei o que foi aquilo, nas três litradas, duas eu tirei muito. Cheio, cheio mesmo. Na outra que eu fui tirar, veio meio. Só que eu peguei aqui no litro e segurei aqui no indivíduo do pau. Quando eu segurei aqui no pau, botei o pé aqui, Gente jovem não pensa, né? Esse pau aqui, eu saí fora d'água, mas fiquei bem na beira da pedra, com o litro na mão. Quando eu puxei aqui, ele pá, quebrou, eu caí com o litro. Uma pedra aqui. O litro caiu na minha mão. E eu dentro d'água. Aí o litro, o pedaço do vidro, pegou aqui mesmo. Corte esquisito. Eu tenho que nem fosse um... desse tamanho, tem a corda assim aqui mesmo. Eu tenho esse corte mesmo. Tanto do sangue, eu sozinho... A vida é dura, viu? Eu dizendo. Eu sozinho, me aconselhando e meu sangue correndo. Mas quem tem padrinho, não morre pagão, tem essa também. Aí acontece aqui não, lá vem um sozinho também. E trazendo um gué, um anzol. “Vem aqui, filho de Deus, vem me socorrer aqui”. “O que foi, meu tio?” “Vem aqui, rapaz, depois eu lhe digo. Ainda bem que eu tô aguentando a falar”. Com o braço todo labrado de sangue. Ele veio de lá pra cá quando ele veio. “Rapaz, o que é que é isso, hein? E agora, meu tio, como é que faz pra enxugar esse sangue?” Você vai ali e pega um corte, um taco de pinhão. A mesinha, nessa hora que o caba sabe, viu? O sangue tava correndo mesmo. Não era dizer que não tava correndo, não, tava correndo mesmo. Aí ele foi lá, esse que veio me defender, outro índio. Botou o pinhão aí. Lavou, lavou, lavou eu. Correndo aí. Peraí, eu sei já o que é que faço. O beiço tava aberto assim no meu braço, aqui no maciço do braço, tava aberto. Ele raspou o pinhão, o miúdo do pinhão, botou aqui e amarrou com um taco de saco. “Você vai assim pra não cair. Você aguenta ir pra casa sozinho?” “Eu não sei se eu vou aguentar passar na seca, rapaz, ali”. “Bora eu ir até a seca”. Eu nem quero mais litro, nem quero mais peixe, nem quero mais pescar. Encerrei a pescaria de litro. E se pegasse na minha barriga, eu tinha me botado pra fora. Tinha me botado pra fora, de fato. Aqui, ele me cortou. Um negócio aqui desse lado, ele me cortou. Pra não dizer que é minha mentira. Olha, espia aqui. Tá vendo aí o corte que tem aqui? (mostra braço) Olha, isso aqui foi a marca da pescaria aqui. Como é que eu peguei aqui no pé do pau e ele quebrar? E eu já costumava pegar nele toda vez e não quebrar. E dessa vez, quebrou e o caco só vem direto aqui nesse bolo. Ai, ai, ai, ai. A vida é precária, viu, comadre? Qualquer uma conta essas histórias, viu? É sério, conta esse negócio. Tem uma abelha aqui, a turmatilha, ele sabe o que é. Ela não ferroa, ela não pica ninguém. Eu teimoso já, rapaz. Bora tirar ali uma susca, uma arapuá, bora! Que hora? Meio dia, a hora que a bicha tá valente lá na casa dela. Mas quem vai bulir com quem tá quieto, leva disso mesmo, eu disse com ele. Ele chegou lá, ele se vestiu, né? E pegou uma foice e um facão. Eu reparei daqui onde tá o carro, tava lá ela, oxê! Uma bacia dessa não cabia ela não. É desse tamanho, essa araboa que eu digo. É ali que nós dois vamos lá, vamos lá ou não vamos? Vamos. Ele se vestiu como um fantasma, né? Ele. Pra abelha não atingir ele. E eu não me vesti que eu não ia brigar com ela lá. Mas ela veio a mim. Mas antes dela vir a mim, eu tapei aqui (tapa os ouvidos). Só tapei aqui. Aqui eu não tapei nem aqui. Só aqui mesmo cuidar, só tá no ouvido e na cabeça. Oxê! Ela tá pregada nele por todo canto, mas ele foi lá com essa roupa que eu tô dizendo. Pá, pá, cortou ela, arrastou ela inteira desse tamanho. É isso, viu? Seu cunhadinho. Desse tamanho. Lá vem ele. E agora, onça, o que que cê faz aí com ela? O que que eu faço? Ela tá pregada nele por todo... Tava meio que nem _____ pra ele tá sempre por todo canto. Menos aqui. Peguei o facão. Mel pra todo lado. E esse mel, doce, viu? Mel ligado daquela abelha. Agora, nela, tem remédio. Tem a pedra que mata o peixe. Tem a cera, que os meninos trabalham com ela. E tem uma tal de uma saburá, que serve até pra remédio também. É uma coisa amarelinha que nem gema de ovo. E daí que o compadre Belo mandou eu tirar uma pra dizer que ele me dá cem reais pra eu tirar toda a saburá dela. Eu não vou nem por duzentos porque ela não morde pra arrancar taco, mas ela zoada no vidro por todo canto. E pra tirar aquelas coisinhas dela, nem a tampa dessa garrafa assim. Saburá. Serve pra remédio, pra asma, quem tiver a doença chamada asma ou até uma ponta de tuberculoso, se beber o chá dessa saburá, adeus, aquela doença já era, viu? A pessoa que beber não morre não. Morre aquela doença. Eu que conto, minhas plantas que eu faço. Esse não sabe, esse não sabe, esse não sabe. Sabe até uma cena. Mas no meio da cena tem a saburá, que é o remédio. A mesma coisa que o rapaz me disse, você não gosta do temporal, de ventania, eu gosto não. Rapaz, a ventania vem tapar meu comer, vem tapar minha água, mela minha roupa, e a ventania demais não presta. Aquele rir de mim que dá. Aí ele falou pra mim, “Não, você tem que gostar, porque no meio daquele ali vem o vento que aquele de cima manda, que é o bom. E você tem que se entregar nessa hora, no ar, no vento”. Ih, é, rapaz? “É. Estou lhe dizendo. Não é todo vento, não, ele disse”. Eu digo, “e como é que eu vou acertar esse vento bom que vem? Que hora? Como é que ele vem?” “Ele vem bem _________, ele me contando. Bem _______, aí você vai, abre os braços, e ele se põe em você. E ali ele deixa a felicidade pra você”. Muito bem, viu? Eu falei pra ele. Agora aquele que vem derrubando telha, derrubando carga, fio elétrico. Aquele não é bom não E eu acredito que não é bom mesmo não, viu? Aquele não é bom não, viu?
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Seu Fred, você acha que a mata tá mudando muito? Mudou muito?
R -
A qual?
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A mata?
R -
Se tá mudando? Rapaz, não tá muito mudado não, viu? Mas tá uma transparência bonita, tá, né? E aí que de lado eu sei. Nesse esquerdo eu sei, né?
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O que que você acha que mudou?
R -
A mata. É isso que a senhora pergunta?
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Isso.
R -
Cê dá, Amarei. A fuma, Amarei, cê dá. Tá feito, cê dá. Esse tá seco. Não, esse aqui tá bom.
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A mata, né?
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Isso.
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Antigamente, como ele falou, a fonte de vida, de se alimentar, sobreviver, era a caça, a pesca e o coqueiro ouricuri, ele chama, que era a palha que confeccionava todo tipo de artesanato, chapéu, vassoura e até próprio fundamental a nossa escada de abrigamento, que ela era uma fonte de renda e muito valiosa pra nós. Não é à toa que o nosso retiro religioso hoje chama Uricuri. Então ela é muito valiosa, ela é uma fonte de renda.
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E naquela época tinha muito muitas barragens, muitos rios cheios. Eles sobreviveram com pesca e caça. Hoje a gente não sobrevive mais com caça e pesca, porque o ser humano mexeu muito com a natureza. Então aqui na nossa aldeia, aproximadamente, quase oito mil indígenas. Imagina isso, saiu oito mil indígenas pra sair pra caçar. Quantos animais não vem? Então, o máximo dos animais que tem, a gente ainda tenta preservar o máximo possível em isolado, para poder não destruir mais. Mesmo assim, é a nossa medicina, nossas naturezas. Então, no tempo de hoje, nós estamos tentando resgatar o máximo possível do que foi devastado. a nossa fonte de caça e pesca hoje é nossos artesanatos, nossas medicinas que a gente confecciona e sai para o mundo aí, como você veio para a Brasília, para o Rio, para São Paulo para vender nossos artesanatos, para nós recolher e trazer para nós passar essa temporada que nós passamos, que é os nove meses no Recreio Religioso, que é o Recreio. Então hoje nossa fonte de caça e pesca é isso. Até porque pra nós não acabar mais com a natureza, nem com os nossos animais.
R -
Entendeu? Era assim nossas convivências. Mudou. Pra nós mudou.
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Vocês querem apresentar mais outras coisas?
R -
Fica aí, pode ficar aí, pode ficar aí à vontade. E eu insisti, a senhora ia andar na serra para o senhor ver o que é um paladar. Aqui nós só estamos vendo mosca, casa, né? Lá a senhora ia gostar dos pés de árvores que tem, pés de planta, de medicina. Lá tem. Né, Tarcísio? Isso que tem mesmo, tem.
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A gente já está encerrando. Queria só fazer mais uma pergunta. O que você imagina, assim, para o futuro daqui da aldeia, da mata?
R -
Da nossa mata, o futuro. Eu não sou o futuro na aldeia. Eu seria, se eu fosse uma pessoa que tivesse condição, eu fazia o futuro na minha tribal. Porque ela é para filhos e netos. Uma planta, que eu morro e ela fique. Meus filhos ficam. Meus netos ficam. Minhas netas ficam. Meu bisneto fica. Entendeu a senhora, né? E aí dizia assim. Esse aqui foi seu Frederico que fez isso, fez isso. A minha alma tá escutando dizendo, ainda tem um que puniu por mim. É. “Como vai Frederico lá na tribal de vocês?” Vocês dois conhecem quem é o Ubiracê, o velho lá. Aí, o ser humano. Aí o outro responde, “ele tá lá, que tanto ele faz?” Aí o menino respondeu, “ele faz coisa de... trabalha numa medicina com as árvores da serra. Ele é remedista, né? E ele sabe, viu?” Ele virou pra cima de meu neto. “E ele sabe, viu?” Eu confiei naquele coroa comigo. Ele, eu não sou coroa que nem ele, que ele é mais velho que eu. Ubiracê, o irmão de Bessão velho. Porque aquele “caba” ali, eu sei que ele tem coragem de trabalhar. Ainda ele tem coragem, ainda ele tem coragem. Tá com saúde ele? Tá. Ele tá com saúde. O menino falou pra mim que eu tô com saúde. E o Ubiracê, que eu trabalhei mais, ele trabalha em tijolo, trabalha em calvão. Fazendo calvão com aquele camarada. Só que depois ele virou um pedaço de pau de tio Mané.
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E antes de vocês encerrarem um pouco, com toda essa “modernação” que teve em nossa aldeia nos tempos de hoje, Mas como eu falei, nós somos a única etnia do Nordeste que ainda mantém nossa cultura viva, nossa língua materna intacta. Graças aos nossos anciões, nossos anos para o passado, e nosso retiro religioso, que é a Uricuri. Então a gente se sente orgulhoso por nossos tempos de hoje, em toda a colonização que teve, o que a gente sabe que não foi fácil, foi um massacre, eles sofreram na pele a verdadeira dor. Hoje a gente só sente o que eles passaram. Mas eles foram a prova viva que passaram todo esse sofrimento e esse massacre. E a gente agradece a eles e aos nossos antepassados, que deixaram pra nós e ainda deixam a gente resistir. E por mais que nós esteja mudado hoje, não esteja como nós estamos antigamente, mas a gente ainda mantém viva nossa história e nossa cultura. E é isso que nós sai fora no meio do mundo, que nós aprendemos com eles a ouvir melhor, a ver melhor. Por isso que a gente não se distrai, porque a gente sabe que celular, A “mordenação” do mundo é contagiosa e atraente em quem não quer ter um celular bom, quem não quer ter um carro bom. Mas a gente aprendeu a não se levar por isso, porque a gente sabe quem a gente é, a gente sabe de onde a gente veio. Então a gente aprendeu a ver melhor, ouvir melhor e saber diferenciar o objeto do sagrado, a coisa do sagrado. E só três palavras, deixando para vocês entenderem um pouco tudo o que o ancião falou aqui em nossa língua, nosso idioma, nossa história. Começando com casa. O segundo nome é onde ele leva, como eu estou falando, onde ele leva o... Setu Tialha. O sagrado é Setu Tialha, é lugar de paz, lugar de harmonia. Como é gratificante você chegar na casa de suas... em suas casas e seus... você se dar bem com seus irmãos, com sua mãe, com sua mãe. Então, aquele poder daquela casa, o sagrado vai exercer aquele poder que tem. Sem isso, nunca o sagrado vai mostrar o poder que tem naquela casa. E o segundo nome, onde a gente considera talvez o mais importante, é mãe. Mãe, a gente também tem dois nomes no nosso idioma. Um simplesmente pelo fato dela ter um filho, ter dado à luz. Às vezes tem um filho, como a gente vê na televisão, sacode no lixo, mas só pelo fato de ter dado à luz, não deixa de ser mãe. E o primeiro nome é Isiá. Uma simples mãe, só pelo fato de ter trazido a luz. E o segundo nome onde ela é o sagrado é Itô Ketâmi, que quer dizer meu primeiro olhar, o começo do meu olhar. Então é a partir daquele primeiro olhar de uma mãe que a criança vai saber como ver o mundo, como enxergar o mundo, como se comportar no mundo e até com os outros, com o próximo. E é daí que a gente tem o maior respeito por os profissionais da educação, os professores. Quando a gente vai se apresentar e a gente tem 12 professores para 30, 40 alunos, eles vão fazer o máximo possível, dar o máximo possível, doar o máximo possível. Mas aquela criança nunca vai assimilar no coração e na mente o que é o amor, o que é o respeito, como esse primeiro olhar de uma mãe. Onde aqui em nossa aldeia a gente tem um aluno para vários professores aqui. Responsável pela educação de um só aluno. Então nós temos vários mestres, vários professores. E não saindo de casa tem o terceiro nome que é família. Família a gente também tem dois nomes. Um pelo fato de ter laço de sangue. Às vezes, você tem um primo ou um irmão que mora longe, mas nunca viu, mas só sabe que tem uma família. E o primeiro nome é Itza, quer dizer família, laços de sangue. Às vezes, só se vê quando é tempo de ano novo, que se juntam, como a gente vê por aí pro fora. E o segundo nome, onde ela é o sagrado, é Itdidi, que quer dizer minha força. Então, como é gratificante, você tá no fundo do poço, E você ter um irmão pra dizer, pra ter com quem contar. Aquele irmão que dizer bem assim, eu só saio daquele fundo do poço com você. Então esse irmão, qualquer infortuno, qualquer coisa grave que ele tiver, vai ser mais fácil dele erguer a cabeça e sair daquele fundo do poço. Ele não vai ter começo de depressão igual a gente vê muitos tendo. Se sente sozinho no mundo, vazio, querendo até se matar, porque acha que não tem ninguém por ele. E daí, tem aquele irmão, que é onde eu falei, que é onde eleva o sagrado, que diz bem assim, que está disposto a dar um braço por você, até possível a vida por você. Nada de infortúnio. Nada desse infortúnio. Aquele irmão vai se sentir só. Vai sofrer só. Tudo ele vai ligar a cabeça e conseguir, né? Então, só essas três para você entender só um pouco do que eleva a toda essa visão de mundo que a gente Como é que a gente hoje tá vestindo roupa, tá vestindo calçado, a coisa do branco. que a gente sobre-diferenciar o objeto do sagrado, que a gente não se deixa se envolver graças a nossos anciãos, entendeu? E a gente diz isso pra vocês, pra gente, porque a gente não pode mudar o mundo, mas a gente pode mudar aqueles que procuram estar próximo da gente. E isso vocês levam como uma lição de vida que é contagiante até pra vocês mesmos, seus familiares, seus filhos, né? Seu ex-amigo. Um irmão não pode... E um amigo pode ser esse... Pode ser essa força de um irmão. Por mais que exista essa função toda que eu falei, entendeu? E é isso.
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Tarcísio, eu vou aproveitar que o senhor tá com o microfone e te perguntar a você como é que você vê o futuro daqui?
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Daqui de nossa aldeia? Eu creio que eu não vou ver jamais eu vou ver um futuro ou um passado que esse daqui já presenciou e viveu, mas eu creio que hoje nós estamos se esforçando ao máximo possível e resgatando toda a nossa história, toda a nossa vivência, digamos, do antepassado para poder a gente não deixar morrer, porque nosso idioma, como nós somos a única A única etnia do Nordeste em que ele ainda mantém viva a nossa língua e nossos costumes tradicionais intactos. A gente tentou honrar ele por tudo que ele sofreu, tudo que ele passou. A gente tentou honrar ele o máximo possível e eu creio que a gente... talvez a gente só acabe... nosso idioma, nossa história. Talvez quando não existir mais nenhum, sumiu aqui na terra. E nós sabemos como é valioso e importante pra nós.
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Seu Fred, você quer falar mais alguma coisa?
R -
Eu já tô quase querendo dormir, que eu tô muito pior que eu tomo um medicamento aí. Mas não importa não, aqui se eu conversar mais, mais um pedaço aí, mais a senhora, ou mais os senhores, a senhora e a menina também, eu agradeço por a senhora e ele virem me visitar através desse jovem. Esse jovem aqui é meu sobrinho. Aquela. Vai vim uns pessoalzinho um pouquinho, mas vai vim... Quando vim eu quero que nós palestre ele. Por que ele vem atrás de um eu? Um véio como um eu, porque ainda tem uma página que ele pode aprender comigo, né? Eu acho assim. É isso. Eu acho. Essa planta não é nós que planta. Não, ela já nasce. Aí digamos assim que eu sei que ela serve para remédio. Eu que sei. Se ele não botar fé na erva, eu boto. Por que o senhor bota fé na erva? Porque eu já curei com ela vários. O pai chega nessa idade, 72 anos. E antes que eu vá para outro mundo, aí o Lindinho, Antes que eu vá pro outro mundo, na certeza que eu vou, que eu não vou ficar em cima dessa santa terra virando pedra. Tem que ir pro outro mundo. E antes disso, o meu jovem, o meu garoto, era isso aqui que meu tio Fred fazia, isso é medicina. Eu vou fazer um esse, um esse, um esse mesmo, que de tempo já vem. Aí eu me informo. Foi nós que plantamos. Nasceu da obra da natureza. Eu sei pra que... pra que serve. Essa é uma. Essa é outra. Aqui é raspa. E aí é o pé da obra que não tem madeira. A madeira dela é pouca. E esse aqui é um pau. Nessa grossura mais grossa. Lá na mata tem ele. Eu acho ele cheiroso, ele pra mim não fede, ele é cheiroso. E aí ele faz um rapé pra tomar no nariz, ele. Ele faz um xapum, é, um menininho, uma criancinha. É pra isso que eu informo eles e nenhum deles é que diga que é mentira minha, que é mesmo. Tem problema em menino, sem eu ser o curandeiro, que o curandeiro me ensinou o que é. O menino, o nenê, o garoto, a garotinha não sente o que é que tá doendo nela. Eu vou lá e pego a planta com essa mão que Deus me deu e faço aquele chá.
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