A PARTIDA
Ali, o quarto dela.
Por um bom tempo ela ficou estendida naquela cama, o olhar virado para o teto mas tão fixo que mais parecia estar preso ao infinito.
Ao aproximá-la, por mais que alguém se manifestasse, espontaneamente jamais ela dava atenção – afinal esse mundo não parecia pertencer a ela. Mesmo assim estar ali para nós bastava, pois quando com alguma graça ou força divina em que se obtinha uma fala ou melhor ainda, um sorriso dela, o mundo explodia em alegria tamanha a satisfação em trazê-la para a nossa realidade.
Longo foi o tempo em que ela, presente, nunca fazia parte de nosso viver. Conformados. No fundo aquilo nos bastava.
Foi só no dia em que ela reagiu aos nossos estímulos, que o mundo caiu de verdade, pois sentimos que aquilo seria o aviso de que ela poderia não continuar mais conosco. Na verdade nem foi ela mas seu corpo que parecia querer avisar que aquele suporte que ele havia dado até então, aquele mínimo que ele concedia, não poderia mais ser garantido.
Hospital, soro, balão de oxigênio, sufocamentos!
Se antes só restava um corpo, agora nem mais um corpo para reagir, apenas equipamentos!
Tudo aquilo que temíamos ou que torcíamos para não acontecer estava começando a surgir. Em nossas preces o pedido era para que não houvesse sofrimento, afinal tudo que lhe foi imposto ela suportou com resignação e paciência. Já era bastante.
Uma violência agora nada iria justificar.
Os paliativos tem esta virtude, a de nos ajudar a chegar ou melhor a de poder esperar sem que o corpo padeça ou que a mente fique tão inquieta.
Mas nada é eterno, nem a esperança, um dia o ciclo fecha. Este dia, por tantas vezes afastado da memória, empurrado pra longe cada vez que aflorava, parece que agora não aceitaria em ir embora, ele se tornaria eterno – o dia da sua morte!
É então quando vamos buscar nossas forças, até mesmo onde nunca imaginávamos que elas pudessem estar e assim ajudar nossa mãezinha a...
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A PARTIDA
Ali, o quarto dela.
Por um bom tempo ela ficou estendida naquela cama, o olhar virado para o teto mas tão fixo que mais parecia estar preso ao infinito.
Ao aproximá-la, por mais que alguém se manifestasse, espontaneamente jamais ela dava atenção – afinal esse mundo não parecia pertencer a ela. Mesmo assim estar ali para nós bastava, pois quando com alguma graça ou força divina em que se obtinha uma fala ou melhor ainda, um sorriso dela, o mundo explodia em alegria tamanha a satisfação em trazê-la para a nossa realidade.
Longo foi o tempo em que ela, presente, nunca fazia parte de nosso viver. Conformados. No fundo aquilo nos bastava.
Foi só no dia em que ela reagiu aos nossos estímulos, que o mundo caiu de verdade, pois sentimos que aquilo seria o aviso de que ela poderia não continuar mais conosco. Na verdade nem foi ela mas seu corpo que parecia querer avisar que aquele suporte que ele havia dado até então, aquele mínimo que ele concedia, não poderia mais ser garantido.
Hospital, soro, balão de oxigênio, sufocamentos!
Se antes só restava um corpo, agora nem mais um corpo para reagir, apenas equipamentos!
Tudo aquilo que temíamos ou que torcíamos para não acontecer estava começando a surgir. Em nossas preces o pedido era para que não houvesse sofrimento, afinal tudo que lhe foi imposto ela suportou com resignação e paciência. Já era bastante.
Uma violência agora nada iria justificar.
Os paliativos tem esta virtude, a de nos ajudar a chegar ou melhor a de poder esperar sem que o corpo padeça ou que a mente fique tão inquieta.
Mas nada é eterno, nem a esperança, um dia o ciclo fecha. Este dia, por tantas vezes afastado da memória, empurrado pra longe cada vez que aflorava, parece que agora não aceitaria em ir embora, ele se tornaria eterno – o dia da sua morte!
É então quando vamos buscar nossas forças, até mesmo onde nunca imaginávamos que elas pudessem estar e assim ajudar nossa mãezinha a viver este momento, a completar a sua missão, a vencer a última etapa, a de passar para o outro lado.
Impotentes, face a esses desígnios, nos resta apenas segurar as mãos, tirar do peito engasgado, aquelas que sabemos serem as últimas palavras que ela irá ouvir. Neste instante nos sentimos tão pequenos, insignificantes mesmo, mesmo assim ali ficamos porque essa é nossa missão, missão histórica, solene, de ajuda-la neste rito de passagem.
Com esta energia nos tornamos eloquentes, verdadeiros poetas e, é quando formulamos as mais belas frases, porque brotam do coração, para reafirmar para nossa querida mãe, que a sua missão foi cumprida e que agora ela poderá ir em paz, com sua alma.
Conosco resta o vazio, o vazio que nenhuma lembrança apaga.
Adeus, mamãe!
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