Projeto Vidas, Vidas e Saberes em um Mundo em Chamas
Entrevista de Vergínia Justiniano Paz
Entrevistada por Bruna Oliveira
APA Baía Negra, 27 de maio de 2025.
Código da entrevista: PCSH_HV1463
Revisado por Nataniel Torres
P - Vergínia, para começar, eu queria que você me dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R - Sim, meu nome é Vergínia Justiniano Paz e eu nasci no dia 9 de março de 1970, e nasci aqui na APA Baía Negra mesmo, aqui no município de Ladário, essa é minha terra natal.
P - E qual é a primeira memória que você tem aqui na APA?
R - Olha, a minha primeira memória foi assim... Meu pai já se foi. Então, assim, tudo que vem à primeira memória vem ele, porque ele foi o meu herói. Geralmente a gente vê, assim, homens falar: meu pai me ensinou isso. E eu, assim, então, tudo que eu aprendi hoje, tudo que eu vivo dentro aqui da APA Baía Negra, na terra onde eu nasci, foi ele que me ensinou. Então, assim, quando você fala assim, a memória que eu tenho é a memória dele me ensinando a lidar com a terra, a viver no Pantanal, a cuidar e gostar de onde a gente vive, tanto que eu estou até hoje aqui.
P - E como era? Eu queria que você descrevesse um pouco como era quando você era mais nova.
R - Sim. Eu nasci aqui. Quando as pessoas me perguntam: “Vergínia, você é de onde? Você nasceu onde?”, eu falo assim: eu nasci na APA Baía Negra. “Mas onde é a APA Baía Negra?” Ele ficou curioso, porque antigamente não era APA. Ela se chamava Codrasa. E onde eu nasci é o 72, era Cinturão Verde. Então, se tornou uma comunidade de assentamento e hoje é chamado por 72, mas era Cinturão Verde. Então, era o Cinturão Verde dividido com a APA Baía Negra e com a Codrasa. E eu nasci no meio ali da divisa, que minha mãe e meu pai trabalhavam desde quando ele trabalhava na fazenda. Ele era capataz, então ele sempre trabalhou na fazenda. E eu nasci ali, nasci na beira da baía mesmo. E aí me cresci aqui....
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Entrevista de Vergínia Justiniano Paz
Entrevistada por Bruna Oliveira
APA Baía Negra, 27 de maio de 2025.
Código da entrevista: PCSH_HV1463
Revisado por Nataniel Torres
P - Vergínia, para começar, eu queria que você me dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R - Sim, meu nome é Vergínia Justiniano Paz e eu nasci no dia 9 de março de 1970, e nasci aqui na APA Baía Negra mesmo, aqui no município de Ladário, essa é minha terra natal.
P - E qual é a primeira memória que você tem aqui na APA?
R - Olha, a minha primeira memória foi assim... Meu pai já se foi. Então, assim, tudo que vem à primeira memória vem ele, porque ele foi o meu herói. Geralmente a gente vê, assim, homens falar: meu pai me ensinou isso. E eu, assim, então, tudo que eu aprendi hoje, tudo que eu vivo dentro aqui da APA Baía Negra, na terra onde eu nasci, foi ele que me ensinou. Então, assim, quando você fala assim, a memória que eu tenho é a memória dele me ensinando a lidar com a terra, a viver no Pantanal, a cuidar e gostar de onde a gente vive, tanto que eu estou até hoje aqui.
P - E como era? Eu queria que você descrevesse um pouco como era quando você era mais nova.
R - Sim. Eu nasci aqui. Quando as pessoas me perguntam: “Vergínia, você é de onde? Você nasceu onde?”, eu falo assim: eu nasci na APA Baía Negra. “Mas onde é a APA Baía Negra?” Ele ficou curioso, porque antigamente não era APA. Ela se chamava Codrasa. E onde eu nasci é o 72, era Cinturão Verde. Então, se tornou uma comunidade de assentamento e hoje é chamado por 72, mas era Cinturão Verde. Então, era o Cinturão Verde dividido com a APA Baía Negra e com a Codrasa. E eu nasci no meio ali da divisa, que minha mãe e meu pai trabalhavam desde quando ele trabalhava na fazenda. Ele era capataz, então ele sempre trabalhou na fazenda. E eu nasci ali, nasci na beira da baía mesmo. E aí me cresci aqui. Depois, a gente foi pra cidade pra estudar. Estudei. E aí eu falei assim pra minha mãe: “Eu quero voltar pro meu lugar.” E ela sempre brigou comigo, porque na minha casa são sete mulheres. Então, não tem nenhum filho homem, não tem nenhum irmão. Então, dessas sete mulheres, eu fui o que... Tudo que meu pai queria ensinar para um filho homem que ele não teve, ele ensinou para mim. Então, assim, voltei para cá e comecei a vir com ele. Formei uma família, porque eu sou viúva, meu esposo já faleceu. E aí eu tenho... São oito filhos: são seis homens e duas meninas. Minha caçula está com 17 anos. E aí eu falei: “Não, eu quero. Quero ali. Eu vou cuidar ali, botar ali no mato, e ali vai ser aqui que eu quero ficar. Não vou sair daqui, não.” E assim dei continuidade na minha vida. Fui estudar, saí um pouquinho pra fora, mas aí voltei. Voltei, e eu tenho meu sítio, construí minha casa, graças a Deus. Meus filhos todos estudam, já são casados também. Sou avó de quatro netos e nunca saí daqui. Meus pés sempre estão aqui.
P - Quando a gente se falou no telefone, você falou que o seu sangue corria aqui nesta terra.
R - As pessoas me perguntam, falam assim: “Vergínia, você não tem vontade de ir para outro lugar, de conhecer, de morar em outra cidade?”. Eu falo: “Não. Esse aqui é o meu coração, a partir do momento que…”. É por isso que eu brigo. As pessoas até falam para mim assim: “Nossa, dona Vergínia, ela vai, ela enfrenta. Ela vê a destruição, ela vai mesmo, ela fala”. Então, assim, eu brigo por isso daqui. Então, é o meu sangue. É o meu sangue correndo aqui, tá nas veias. É o meu coração pulsando isso daqui. Então, eu acho que se eu sair daqui, não tem mais vida pra mim. Essa é a minha vida. E eu amo esse lugar. Eu vivo aqui. O meu trabalho que eu faço é voluntário. Na Associação de Mulheres Produtoras, meu trabalho é voluntário. A minha brigada também é comunitária, é voluntária, mas eu faço com amor, com muito amor. Eu não tenho o que reclamar, não. Eu luto pelo habitat natural onde eu vivo. É que nem os animais. E eu me sinto no meio deles. Eu me sinto. Tem a onça, a gente convive com ela. A gente convive com os animais. E eu me sinto bem assim. Não tenho medo de nada, não. Eu só tenho medo, eu falo assim, “da mão de Deus”. Mas tudo que eu faço é com amor, com dedicação e, primeiramente, é Ele me dando força. Essa é a minha vida aqui dentro.
P - Eu queria voltar um pouquinho, eu queria saber um pouco dessa família, como é que era o nome do seu pai e da sua mãe?
R - Então, o nome do meu pai é Oscar Paz. Ele já se foi, e da minha mãe é Eva Justiniano. Então, ela está com 88 anos. E meu pai já se foi. Mas, assim, onde meu pai ia, eu estava com ele. E a minha mãe brigava, falava assim: “Mas ela não é homem, ela não é guri, ela é menina.” E ele falava assim: “Mas um dia ela vai precisar desse trabalho. Um dia, tudo isso que ela está aprendendo, um dia ela vai ter que usar, de alguma forma, se ela gosta. Ela gosta do que faz, então com certeza.” E eu só tenho que agradecer tudo o que eu... Eu faço trilha, eu vou pescar, eu tenho carteira de piloteira, sou brigadista e, assim, são várias outras coisas, mas tudo isso, assim... Ando na mata e as pessoas falam assim: “Não tem medo? Olha a onça.” Mas eu me sinto um animal também. Um ser humano, sabe? Um pouquinho deles. Mas é assim, é muito bom, é muito prazeroso a gente saber que a gente teve um aprendizado que vem de família e que vem do meu pai, que ele gostava, e esse legado ele passou para mim.
P - E eles nasceram aqui na APA também?
R - O meu pai e minha mãe são uma mistura. Minha mãe é da Argentina e meu pai tem sangue português. Então, se conheceram também em fazenda. Vieram pra cá e aí formamos a família, graças a Deus, casaram e viveram aí até muitos anos. Meu pai faleceu e minha mãe ainda tá aí, firme e forte.
P - E você sabe como eles se conheceram ou não?
R - Olha, a minha mãe contou uma história bem engraçada, que ele trabalhava já em fazenda, ele era do quartel, e aí os pais dele também tinham fazenda. E aí ele fugiu do quartel e foi para a fazenda, porque ele não queria servir o quartel. E aí teve, parece que foi uma festa, uma coisa assim, minha mãe era nova ainda, e eles foram, e lá nesse lugar que eles se conheceram. E aí se conheceram, aí já foram se conhecendo, depois casaram, e aí formaram essa família. Mas assim, ele nunca desistiu de sair da fazenda, do mato, e ela acompanhava ele também. Então é uma história muito linda, minha mãe conta também uma história muito linda pra gente, do que ela viveu, eles tinham plantação, muitos animais, e eu me lembro bem mesmo que quando eles plantavam melancia, tinha roça, a gente ia pra feira vender, a gente ia com muito orgulho, catar melancia, melão, ovos, ele matava porco, essas coisas para vender. Então foi uma vida muito boa mesmo, uma infância de viver a terra ali muito boa mesmo e colher do que ele plantava.
P - E você estava falando que você tem irmãs. Como é que é o nome delas? Como é que era a convivência entre vocês quando você era pequena?
R - Era bom, sabe? Era muito bom, porque assim, a mais velha eu cuidava. Minha mãe ia pra roça com meu pai e a mais velha ficava cuidando da gente. Mas a minha irmã fala assim que eu era mais danada, que eu sempre queria estar acompanhando. Eu chorava pra tal, ou então se minha mãe deixava com ela. E eu tava lá, pegando uma enxada, uma foice, ou então querendo subir no cavalo. A minha irmã falava que eu era muito danada. Mas era uma convivência muito boa. Mas nenhuma delas se adaptou a ficar para o mato, e para o mato até hoje. Elas falam que eu sou... Elas falam: “nossa, mas meu Deus do céu, como você gosta de mato?”. Mas assim, uma convivência muito boa.
P - E você chegou a conhecer os seus avós?
R - Cheguei. Cheguei de conhecer meu avô, a minha avó. Então, eles moravam em Miranda. Meu avô já se foi, minha avó também, mas cheguei de conhecer, sim. Foi muito bom.
P - E na sua infância, você lembra de algum episódio de família que tenha te marcado? Você estava comentando que essa lida do seu pai e os ensinamentos que ele passou foram importantes, mas é isso que vem na sua cabeça?
R - É, e assim, o que eu tenho na memória é que eu lembro muito bem que ele me ensinava até a manusear uma foice, um machado, que era até para minha defesa. Então, eu lembro que ele saiu com minha mãe para pescar, e a nossa casa antigamente era a casa de barrote, que a gente fala. Hoje a gente fala taipa, mas antigamente era a casa de barrote, mas era bem confortável, era tudo limpinho. E minha mãe saía com meu pai para pescar, e às vezes para caçar, porque antigamente era a sobrevivência da gente. O pantaneiro era a caça. Então, assim, a carne era à vontade. Então, hoje em dia é proibido, e hoje em dia eu cuido dos animais, porque a gente mora numa área de reserva. Mas, assim, essa foi a convivência. Então, eu lembro que, quando ele saiu para pescar com a minha mãe, e aí me deixou com as outras minhas irmãs... Já tinha umas irmãs mais velhas, duas que trabalhavam na cidade, e aí elas só iam no final de semana para casa. Aí ficava eu e minha outra irmã. E aí, eu deitada na cama, a gente brincando, eu lembro benzinho, eu tinha os meus sete anos, e aí, eu brincando, eu olhei assim debaixo da cama e vi uma cobra enorme. E aí o meu pai falava assim: “Tenha muito cuidado, presta atenção em tudo, mas, se você ver que ela vai te oferecer algum risco, não tem outro jeito: ou é você ou é ela.” E aí eu vi que ela vinha na direção da minha irmã. Aí eu fui lá pegar uma foice. E, nessa hora, eu não tive medo. A minha irmã se pendurou em cima da cama. E eu fui e consegui matar essa cobra enorme. Eu acho que ela tinha bem uns... Hoje em dia eu conto pra minha filha e ela fala: “Mãe, meu Deus do céu, que loucura!” Ela devia ter quase uns 3, 4 metros. Era uma cobra enorme. Não era sucuri, era uma cobra preta, que meu pai fala que ela corria atrás da gente, que ela é muito venenosa. E aí, quando ele chegou, ele viu assim, ele assustou. Aí a minha irmã contando pra ele que eu tinha matado a cobra. E ele falou assim: “Nossa, filha, com muito orgulho eu tenho.” E aí minha mãe falou: “Meu Deus do céu.” Ela sempre ficava assustada. Mas é assim. Eu lembro disso daí. Que, assim, é um aprendizado e que a gente está se cuidando também.
P - E quantos anos você tinha?
R - Eu tinha sete anos.
P - E a sua irmã nessa época?
R - A minha irmã era mais velha do que eu e era mais medrosa. Ela é três anos mais velha do que eu. Mas ela sempre foi a mais medrosa. Tudo que tinha que fazer, ela me chamava. Até para matar uma galinha, eu tinha que matar. Era assim. Ela era a mais medrosa. Eu já enfrentava tudo. Não tinha medo, não.
P - Vergínia, tem as histórias com os animais, com a cobra que você contou, mas eu estava vendo ali uma imagem da mula sem cabeça, e daí eu fiquei pensando se tinha histórias que seu pai e sua mãe contavam para você de lendas.
R - É, minha mãe contava. E minha mãe fala que ela já chegou a ver o Pomberinho, que fala, que tem na mata. Então, às vezes, ela falava assim, porque eu gostava muito. A minha brincadeira não era assim, no quintal de casa. Eu ia para o mato. Eu gostava muito ali. Eu roçava ali, eu limpava ali, a gente fazia comidinha. Então, a gente brincava muito assim. Fazia, do cipó, um balanço. E, às vezes, ela ficava com medo. Aí ela começava a contar a história: “Não vai para lá, porque tem um Pomberinho.” Aí a gente ficava: “Mas o que é Pomberinho, mãe?” “Ah, é um gurizinho, que tem um chapéu grande. E ele encanta criança, ele vai chamando, vai chamando, e você vai indo, e ele leva para uma lagoa funda.” Ela começava a contar essas histórias. Mas ela já chegou a ver o Pomberinho na mata, ela falou, que ela chegou a ver. E, quando ela chegou a ver, parece que duas... Quando ela era criança, duas crianças que estavam com ela desmaiaram. Ela correu e foi chamar os tios dela. Minha mãe é da Argentina, mas tem família dela que são índios também. É uma mistura bem brava mesmo. Ela contava essa história de índios também, que eles entravam para saquear as coisas, o alimento, e, às vezes, eles até matavam. Então, ela disse que chegou a presenciar isso daí. E aí ela contava a história para a gente: do Pomberinho, do pai da mata que guarda os animais, e até hoje. E a gente leva com a gente, porque eu já passei uma experiência de estar andando na mata e eu me perder. Então, acontece isso também. E aí a gente ficava, as minhas irmãs ficavam com medo. E eu falava: “Não, mãe, não existe Pomberinho.” Mas ela falava assim: “Existe, sim. É verdade, porque eu vi.” Então, uma das crianças que estava comigo até desmaiou. E aí foi chamar o tio dela, foi ver, e aí viu os pezinhos da criança, porque diz que ele é uma criança. Então, viram que foi até na cachoeira, na lagoa, e ali ele desapareceu. Ela contava muita história pra gente. Até hoje ela conta. Ela é bem lúcida ainda. E ela conta. Meu pai também contava que ele saía para caçar, e uma vez ele matou um veado campeiro. E, como já era seis horas... O pantaneiro é assim, o campeiro é assim: ele tem o horário de se guardar, que é o meio-dia e seis horas, onde você não pode estar na mata ou então você não pode estar matando nenhum animal. E aí ele se perdeu. Ele ficou rodando, rodando, rodando dentro da mata, e não conseguia achar o caminho de volta. E aí ele dormiu. Ele subiu no pé de árvore e dormiu ali. No outro dia que ele foi. Mas aí ele falava tudo isso, que tinha que guardar. Tipo assim, é o finado, é Semana Santa, que a gente não pode matar nenhum animal. Então, tudo isso ele ensinava pra gente. Mas é assim, é uma história muito linda. Hoje em dia eu conto pros meus filhos: o que minha mãe conta, o que meu pai contava, hoje em dia eu conto pros meus filhos.
P - Como é que é essa história que tem um período de resguardo?
R - É porque a gente respeita muito a mata. A mata é um ser vivo. Ela tem os seus guardiões. Eu acredito muito nisso. Então, a partir do momento que você está ali, é a natureza. Ela é viva, ela tem força. A gente nunca pode ir contra a natureza. Se Deus colocou algo ali, eu acredito que cada ser, cada plantinha tem vida. Cada animalzinho, cada inseto, cada coisa que coloca dentro da mata, ele tem o seu trabalho, ele tem a sua história ali dentro, ele contribui com a natureza. Então, isso é lindo. Hoje em dia, se eu vejo qualquer bichinho, eu já fico assim: nossa, eu até choro. Hoje em dia as pessoas falam assim: “Você vive da mata, você já viu a onça?” “Já, já vi, já fiquei de perto com o casal.” Mas é aquilo de você olhar para ela e você respeitar o espaço dela, e pronto, que ela não vai avançar. E agora, hoje em dia, a gente vê: “A onça está matando gente, a onça está comendo gente.” Então, assim, é um felino, é um animal que a gente também não sabe o instinto dele, mas a partir do momento que você respeita o espaço dele, ele vai respeitar também, porque eu vivi isso daí. Então, se eu não vivesse isso daí, eu podia falar. Então, eu vivi isso daí. E eu ando na mata até hoje, faço trilha, eu escalo morro, desço morro, vou pescar. Então, a minha vida é a mata, é o Pantanal, é os animais, é essa natureza linda onde eu vivo.
P - E você estava me falando que você teve um episódio que você se perdeu na mata. Como é que foi?
R - Sim, a gente estava caçando até um, que eu comprei um casal de, na verdade, oito gansos, que eu acho tão bonito ter tanto bichinho, e aí um deles se perdeu. E aí eu não sei se foi a jaguatirica que tentou carregar ele, e aí a gente estava andando na mata, eu caçando. E aí eu lembro que eu andei, andei, mas fui marcando para onde eu estava indo, e aí quando eu fui voltar, eu não conseguia voltar, não conseguia nem achar o lugar onde eu tinha marcado. E aí eu lembro que eu estava... eu só lembro que eu acho que eu estava dando volta dentro da mata, igual aconteceu com o meu pai. E isso era o quê? Já estava quase escurecendo, já era quase umas seis horas já, e o meu sítio bem perto. Aí eu comecei a gritar, e aí a pessoa gritava, eu falava assim: “Eu estou perdida.” Estava longe, e aí a pessoa falava assim: “Vem reto, vem reto.” E eu falava: “Tá.” E aí eu andava, andava, mas eu não estava saindo aonde deveria chegar. E quando eu comecei a andar, eu saí de frente bem ao rio, ao braço do rio, e eu falei: “Meu Deus do céu, estou perdida.” Aí eu fiquei assim, parei um pouquinho, conversei com Deus, que nessa hora a gente leva o pensamento a Deus, para não acontecer nada. E aí eu fui voltando, fui voltando, sabe? Voltei, andei bastante mesmo, andei muito na mata. E aí eu voltei, aí eu escutei, aí eu gritei de novo. Quando eu gritei já estava bem perto. E aí foi com muito custo que eu consegui achar o caminho de volta. Mas aí é aquilo: não faz aquilo que eu já te falei. Obedece. Tudo tem seu tempo, tem seu momento. E hoje em dia eu faço isso. É coisa que eu não brinco muito com a natureza, não. Eu não sei se vocês viram, quando vocês entraram, lá naquela descida estão mexendo com um minadouro que tem ali, de água nascente. Não sei se vocês viram uma obra lá, numa descida lá. Eu fico às vezes pensando, eu já cheguei até a chorar por causa disso, porque ali já tem muitos anos. Desde quando eu me vejo como adulta, nós passávamos por ele. Era só uma estrada, aonde a gente ia, que era outro lugar onde meu pai vivia. Então, já tinha aquela nascente ali. A gente parava, a gente tomava por ser uma água salobra, mas a gente bebia. Aquilo ali saciava a nossa sede, e tinha uma plantação muito bonita de agrião ali. A minha mãe pegava, a gente levava. Então, era uma água muito pura, que a gente consumia também. Então, aquilo ali é de muitos, muitos anos mesmo. E hoje em dia eu passo por ali e eu vejo: “Ah, o pessoal, o homem quer fazer isso, quer desviar uma nascente.” Então, eu vi perfurando, e eu fico pensando assim: “Meu Deus do céu, a natureza colocou, Deus colocou aquilo ali, a natureza nasceu ali, é coisa da natureza. Por que o homem está metendo a mão? Porque o homem quer fazer algo que acha que sabe?” Então, eu vi ali que a coisa está meio complicada para eles até. Então, está perfurando, mas eu acredito que ela não é só em um lugar, ela é uma nascente bem extensa. E ali, querendo ou não, eles vão prejudicar pessoas que estão para baixo na comunidade. A gente pensa assim, que na hora que ela começar a jorrar muita água e juntar com a água da chuva, alguns moradores vão ser prejudicados. Então, são coisas assim que o ser humano não pensa muito no próximo. Ele quer fazer e acha que ele consegue fazer algo que está ali. Está certo que às vezes vem uma pessoa que estuda tudo, mas a gente já viu isso acontecer, da mão do homem colocar onde não é cabível, porque a natureza tem força. Quando Deus coloca algo ali, eu acho que o ser humano, o homem, não tem muito o que definir. Ele sabe o que ele aprendeu, mas o que Deus coloca na vida da gente, o que Deus plantou ali, e que é dali, não tem ser humano, não tem força que consiga tirar. E eu fico triste, porque tinha várias outras maneiras que poderia fazer até para salvar uma nascente que é tão linda. Que algumas outras nascentes que nós temos aqui já se foram devido à mão do homem. Então, assim, aquela ali foi que eu passava, eu lembro que eu era bem criança, a gente tomava até banho, era tão gostoso. Então, hoje em dia eu fico... e aí todas as pessoas que vêm, tanto Ibama, Florestal, eu fico indagando, questionando sobre isso. Onde é que a gente vai chegar? E aí, quando fala assim: “O próprio ser humano destrói o que Deus coloca.” E isso é verdade.
P - Vergínia, eu queria te perguntar, quando você pensa assim na primeira casa que você tem lembrança. Como é que era a descrição dela? Você falou que ela era de Taipa, você lembra dessa casa de Taipa? Como que era?
R - Era um quarto bem grande, porque eles não faziam quarto dividido. Então, era uma peça bem grande mesmo, e aí se dividia por cortina. E não era nem cama, era tarimba. A tarimba é feita de madeira mesmo da mata, aí só coloca umas tábuas e ali colocava um colchão em cima. Então, essa era a nossa cama. E aí era o mosquiteiro também que minha mãe fazia. Os lençóis não eram lençol que hoje a gente tem. O meu pai comprava, antigamente vinha fardo de arroz, fardo de feijão, fardo de açúcar, e era aquele saco branco, bem branquinho. Aí minha mãe lavava aquele saco, e aí ela emendava um com o outro pra fazer lençol, e aí ela bordava. E pra ele se tornar uma cor colorida, meu pai tirava a casca do angico, e ali deixava o pano, aquele pano bem branquinho, de molho. E ali ficava algumas cores, minha mãe bordava. Então, era muito bonito. Desde o lençol, a fronha, tudo ela fazia pra gente. Até a roupa ela fazia pra gente, umas saias muito bonitas, bordadas. Então, eu me lembro nitidamente que era assim. E hoje em dia, se você for falar uma tarimba, as pessoas não sabem o que é tarimba. Então, essa era a nossa casa. Eu lembro benzinho que era uma peça muito grande. Era dividido por lençóis assim que minha mãe fazia, de saco, de estopa. E a cozinha, que era um fogão à lenha, e uma varanda onde meu pai tinha uma mesa, era um armário, algumas coisas que ele botava, e o fogão da minha mãe. A cozinha também, que era uma varanda. As panelas dela bem branquinhas, o pote que a gente tinha, que não tinha geladeira, essas coisas, era pote com água bem geladinha, bem fria mesmo. E assim era a nossa vida. Não tinha geladeira. Meu pai, quando carneava, ele botava tudo, estendia tudo, salgava, botava numa bacia e aí estendia. Aquela carne que a gente usava por anos. Ou então minha mãe fritava, colocava numa lata que era de banha de porco, e ali se conservava a carne por muito tempo. A gente usava ali. Pão, a gente nunca ouvia falar, porque a gente comia mandioca frita com a carne, se era cedo, ou fazia uma farofa. Minha mãe, às vezes, fazia pão, era caseiro, bolo, criava muita galinha. A gente criava de tudo um pouco, desde galinha, porco. Ovo não faltava, fruta também, melancia. Então, a gente era uma família feliz. Não tinha o que mais querer, não. A felicidade da gente estava ali dentro.
P - E você sabe por que você chama a Vergínia?
R - Olha, minha mãe fala que meu pai colocou esse nome por causa da irmã dele. Ele só teve uma irmã também. São seis homens e só teve uma irmã. E aí ele quis homenagear a irmã dele e colocou o meu nome por Vergínia. Minha mãe até brigou. Minha mãe: “Mas por que vai colocar o nome dela, da sua irmã?” Aí ele falando que só teve uma irmã. Então, essa foi a história que ele contou pra mim, que colocou o meu nome de Vergínia.
P - E me conta como foi esse momento de sair da APA e ir para a cidade para estudar. Se você se recorda desse momento de ir para a cidade, do seu pai indo com vocês, como é que foi isso?
R - Geralmente era mais minha mãe. Meu pai ficava na casa, cuidando da lida, plantando, cuidando dos animais. E minha mãe que ia. Antigamente a nossa locomoção era uma carroça. Ela sabia ali ensinar o cavalo. E era uma carroça que ela levava a gente. Então, tinha a casa que era de compadre, que antigamente era muito essa coisa de compadre, comadre. O compadre dela era da Marinha, que a gente já tinha a Marinha aqui na cidade de Ladário. E aí a gente ficava lá na casa da comadre dela. E aí final de semana a gente voltava pra casa. Na sexta-feira à noite, de tardezinha, ela ia buscar a gente. Quando a gente saía da escola, ela ia pegar. Mas era assim, ela encilhava a carroça, arrumava a gente, e aí a gente vinha pra cidade. Às vezes ela não deixava, porque ela ficava com dó. Então, às vezes, ela fazia esse trabalho de vir cedinho, deixava a gente, e quando era tardezinha, pegava a gente. Mas, geralmente, a gente às vezes ficava, afinal, a semana todinha na casa do compadre dela, da comadre dela. E aí, na sexta-feira, ela vinha buscar a gente e a gente voltava pra casa. Então, eu lembro benzinho, que a gente vinha toda feliz, que estava conhecendo, fazendo amizade, indo para a escola, aprendendo a escrever, a ler, e quando chegava a gente já ficava contando, já começava, já tentava fazer o nome do pássaro que a gente sabia, do animal. Então era bem interessante, era bem legal mesmo.
P - E como foi essa época da escola para você?
R - Olha, eu vou falar para você, foi um pouco meio assustador, porque a gente vive dentro da mata, a gente vive uma história de vida ali totalmente diferente das crianças e das pessoas que estão na cidade. Foi um pouco assustador, porque a gente ficava um pouco acanhado no nosso cantinho, a professora chamava para conversar. Mas assim, eu sempre tive essa curiosidade de querer aprender, sabe? Era sempre mais assim. Mas aí depois a gente foi se acostumando. Foi gostando e depois até levar o conhecimento pra mãe, pro pai também. Era legal. Era um pouco assustador, mas era bem legal mesmo.
P - Você ia com as suas irmãs pra escola?
R - É, ia com as minhas irmãs. E antigamente eu falo assim, hoje em dia eu falo para a minha filha: eles querem uma mochila de marca. Eu falava: “A nossa mochila era um saquinho de arroz.” E ela fala assim: “Credo, mãe.” Ela fala hoje em dia: “Volte, mãe.” Mas era. A gente ficava, chegava, na época que a gente ia, ficava até brigando pelo saquinho de arroz. Então, ali era só um caderno, não tinha mais, era só um caderno, um lápis e uma borracha. Então, a gente botava no saquinho de arroz ali e ia embora para a escola toda metida com um saquinho de arroz de cinco quilos. E assim era a nossa vida, mas a gente era feliz. E depois a gente ganhava também, às vezes, das pessoas, uma mochila, um caderno. Então, era assim. Mas a gente viveu muito... Até hoje eu lembro. Às vezes até brigava pelo saco de arroz. Eu falo assim: eu vivi muito bem. A minha vivência desde a infância foi uma vida bem feliz mesmo, sabe? Muito bom mesmo.
P - E como é que era o Ladário nessa época?
R - Olha, Ladário tinha pouca coisa. Tinha a igreja. Hoje em dia ele é uma escola particular, que é a Escola São Miguel, mas eu estudei nela porque era uma escola religiosa, de irmãs, Irmãs Regula, que a gente fala. Então, assim, tinha a igreja, tinha essa escola, tinha uma... Era poucas casas, e a maioria das casas era toda de madeira. Não tinha casa de material, as casinhas eram todas de madeira. O centro mesmo de Ladário tinha, acho que, umas quatro ruas só, e era estrada de chão. Eu lembro benzinho que a gente tinha a igreja, tinha essa escola, que é a Escola São Miguel, e tinha uma pracinha, tinha a Sanesul. Então, assim, era pouca coisa, sabe? Mas era tudo estrada de chão… A Marinha. A Marinha era a primeira que chegou. Eu lembro bem que, quando minha mãe ia para a cidade, eles adquiriram uma casa, que o compadre até passou para eles, e aí conseguiram construir umas três peças de madeira. Quando a gente já ia para a cidade, a gente ficava lá, que era bem no centro da cidade também. E aí minha mãe ia lavar roupa no rio, junto com umas lavadeiras que batiam roupa, que antigamente elas lavavam roupa de Marinha. Minha mãe já chegou de lavar, que, quando meu pai estava para cá, para a fazenda, para o mato, a gente ia para a cidade com a minha mãe, até para sobreviver. A minha mãe lavava roupa para o pessoal da Marinha, para marinheiro. E aí ela botava aquela trouxa de roupa, aquele lençol branquinho, e descia para a beira do rio junto com as mulheres. Ali tinha umas pedras bonitas, ali eles colocavam a roupa e batiam ali, a roupa na pedreira para limpar. E eu ficava olhando, sentada. Gente, eu ficava pensando, eu falava para minha irmã: “Como é que vai limpar, ela batendo ali?” Eu ficava imaginando, mas aquele lençol saía limpinho, a roupa dos marinheiros branquinha. Então, essa era a vida. Enquanto ela estava lavando, a gente estava pescando, já para levar o peixe limpo também. Então, era assim. Era uma vida bem... sabe? Eu tenho bem essas lembranças aí. A gente tinha um moinho, que era um moinho de arroz, em Ladário. Tinha também uma fábrica de tijolinho, que a gente fala, aqueles tijolos bem quadradinhos, que hoje a gente quase já não vê mais. Então, eu lembro bem que era assim.
P - E o que você gostava de comer nessa época?
R - Olha, até hoje eu falo que sou muito carnívora. Meu pai me ensinou a comer muita carne, desde caça. Então, eu sempre gostei do peixe. Sempre gostei do peixe. Da carne também eu gosto, mas eu sempre gostava de pescar. Sempre gostei do peixe. E a minha mãe, quando ela ia pescar, levava a gente. Ela nunca deixava a gente sozinha. E aí chegavam esses navios de embarcação que vinham com gado de fora. E às vezes quebravam uma perna e aí eles não podiam levar. E aí eles deixavam lá. Eles doavam para as pessoas que estavam ali na beira do rio pescando. Eles deixavam carnear. Ou então eles mesmos carneavam. Ali cada um levava um pedaço de carne. Aí eu lembro que minha mãe colocava numa sacola, num saco, aí a gente subia com esse alimento pra gente. Então era assim, era peixe, era carne, mas nunca faltou, nunca faltava o alimento pra gente.
[intervenção]
P - Eu queria saber se nessa época que vocês pescavam, se era comum vocês andarem no rio de barco e também se nessa época já tinha muito pescador que vinha pra cá pra pescar, ali pra Corumbá e Ladário ou não?
R - Não, não era comum. A gente andava mais a pé. Não tinha quase barco, era mais embarcação de porte grande. Era marinha e esses cargueiros que a gente fala. Então não tinha como hoje em dia você ver barco, barco todo equipado. Então, era mais a pé mesmo. E o rio era bem limpo. Então, você via... E tinha muito peixe. Tinha muito peixe, muita caça. Então, a gente andava para tudo quanto é lugar. Seguro, a gente se sentia seguro, na verdade. Tinha muito peixe mesmo. Não tinha muito barco assim, não. Então, às vezes, a gente parava em um lugar, pegava peixe, pescava. E o próprio navio da marinha parava, dava alimento também, alimentação, que vinha quando tinha, tipo minha mãe com a gente que era criança, e aí eles faziam a marmita, eles davam desde pão com salame, suco, a comida mesmo, algumas coisas em conserva, eles davam pra gente, então era assim, a gente sabe, eu me lembro benzinho, que era assim que a gente vivia.
P - E daí vocês tinham barco ou não?
R - Não, nós não tínhamos barco, não.
P - E quando ia pescar?
R - Era na beira do rio mesmo. A gente pescava de varinha, que hoje em dia a gente pesca de linhada de mão.
P - E como é “de linhada de mão”?
R - É, linhada de mão é uma linha que é enrolada num tipo uma garrafinha assim, você enrola. E aí você joga no rio, ali você fica segurando. Na hora que o peixe puxa, você puxa também, enrola na latinha, então era assim. Meu pai fazia sempre linhada pra gente, anzol também. Ele sabia fabricar também o anzol, que era de mola. De colchão, ele fazia, ele mesmo fazia o anzol. E aí ele fazia para a gente.
P - E isso ele te ensinou ou não chegou a te ensinar?
R - Ensinou, ensinou. Só que agora, hoje em dia, a gente já compra tudo mais fácil. Hoje em dia, você vai aí na venda, no mercado, você já acha. Então aí você fica naquela escolha, qual que é o anzol melhor para você pescar? O meu filho que fala assim, “pergunta para a mamãe, ela sabe qual que é a do bagre, qual que é a do pintado, qual que é a da piranha, que minha mãe sabe”, eles falam.
P - E tem uma diferença?
R - Tem, porque para bagre é um anzol pequeno e já para piranha é um anzol um pouquinho maior, mas tem que ser bem fisgado. Já para peixe liso, para peixe grande é um anzol também maior, porque você vai colocar uma isca maior, o pintado é bem grande. E o pintado é diferente da piranha, a piranha chega e morde, o pintado não, ele fica amaciando, amaciando, mas também quando ele dá aquela corrida, você já dá a linha, mas também fisga ele. Eu amo pescar, adoro pescar.
P - Desde aquela época? Desde menina?
R - É, desde menina. Meu pai me levava para pescar, a gente passava a manhã inteira, voltava cheio de peixe, de canoa, sem remar também, sem pilotar barco. Então, às vezes eu pegava a minha irmã, ele brigava muito, ele falava, “não saia sozinha”. Mas quando eu olhava assim, eu já estava remando, já parava no lugar, já começava a pescar, eu já vinha com o peixe, já limpava, então era assim.
P - E o que você sentia quando estava pescando no meio do rio?
R - Eu me sinto como um pássaro, livre. Nada me botava medo. Eu me sentia segura ali. Pegávamos as flores do camalote, a gente às vezes ficava brincando dentro do barco, e aí lembrava que tinha que pescar, a gente pescava, era assim. Mas não tinha medo não, até hoje. As pessoas falam para mim assim, “nossa, Vergínia, você é louca, você fica no mato, você só vive dentro do mato”. Então, não tenho medo não, eu vivo isso que eu gosto mesmo, amo mesmo.
P - E me conta, você começou a trabalhar muito cedo? Como que foi?
R - Sim, comecei a trabalhar com 13 anos. E quando minha mãe, e a gente começava a estudar, então não tinha aquela coisa de mãe, pai, por que assim, tem um alimento de casa, mas hoje em dia não. Os filhos têm mesada. Nós nunca sabíamos o que era isso. Então, comecei a trabalhar com 13 anos. Fui babá. E aí eu falava pra minha mãe, porque tinha algumas amiguinhas, que falavam assim: “Tem assim, trabalha assim, então você vai ganhar seu dinheiro”. E eu já começava a olhar, vi elas tinham um calçado bom, uma roupa boa, eu queria. E aí elas falavam assim: “Mas a gente trabalha, mas se você quiser a gente…” E aí eu até pedi pro meu pai, meu pai não queria deixar de jeito nenhum. Meu pai: “Não, que não precisa. Que isso, que aquilo…” E aí eu ficava pensando: “Nossa, mas eu queria uma roupa assim, eu queria um calçado assim. E minhas amigas têm, porque que eu não posso ter?” E aí comecei a trabalhar, depois de tanto pedir pra ele. A minha mãe já deixou. Mas o meu pai não queria, não. E aí fui trabalhar de babá com 13 anos. Eu lembro benzinho que a primeira vez eu trabalhei com uma senhora que era do Paraná, e cuidei do filhinho dela, tanto que o filhinho me chamava de mamãe. E quando eu ia pra casa ele chorava, eu chegava até a dormir no meu trabalho, que ela pedia por causa dele, que ele ficava até doente, que eu cuidava dele. Então assim, e aí fui trabalhando, e aí não parei mais, trabalhei de babá. Com 15 anos eu fui como ajudante de cozinha, que antigamente era Palhoça Avenida, minha irmã me levou, e aí eu lavava louça, fazia um monte de coisa. E aí já não parei mais. E aí trabalhei também de doméstica. E aí o dinheirinho que eu pegava, eu ia, chegava, dividia com a minha mãe, aí eu falava, ela falava: “Esse aqui é pra você comprar um calçado, ou uma camiseta, ou uma calça”, e o restante eu dava pra ela. Então era assim. Pegava o pouco que eu pegava, eu dividia com ela, e ela me dava, assim, pra mim comprar uma roupa, e o resto ficava com ela. Mas eu nunca desisti de trabalhar, não.
P - E nessa época que você começou a comprar algumas coisinhas, você se lembra de alguma peça que foi marcante?
R - Eu lembro que foi aquelas sapatilhas, as melissas. As melissinhas estavam na moda, nossa! Eu ficava olhando as meninas com aquelas melissinhas transparentes. Eu falava: “Ainda vou ter uma Melissa dessa”. Eu lembro que foi a minha primeira sandalinha que eu comprei foi uma melissa. Então, nossa, meu Deus do céu, não tirava Melissa para nada. Então, eu lembro que a minha primeira sandália foi a Melissa. E aí, quando eu comprei, a primeira blusa para mim foi uma camiseta com uns pássaros bonitos, que eu sempre gostei, até hoje. Então, assim, eu lembro benzinho. Mas a primeira que me marcou mesmo foi a Melissa, que eu comprei a sandália para mim.
P - E você estava falando um pouco antes, quando a gente estava conversando aqui fora, que você tem criação, seu pai também tinha?
R - Tinha. Meu pai criava porco, galinha, pato, gado, também tinha. Então assim era de um pouco, de cada coisa ele tinha um pouco. Então a gente vivia em fartura, o dia que quiser comer galinha a gente matava a galinha. O dia que queria comer um porco, minha mãe matava, minha mãe também era danada, matava porco, aí um pouco trazia para a cidade para vender, e ali já comprava algumas coisas para a gente, e ovo também. Eu lembro que a gente ia no pé de jabuticaba, fazia aquela cesta de jabuticaba, a gente trazia para a cidade para vender, melancia, melão, milho, minha mãe fazia muita pamonha, bolo de milho. Então, eu lembro benzinho de tudo isso. E até hoje eu sei fazer a pamonha, a única que sabe fazer a pamonha em casa sou eu. Quando eles querem comer pamonha, eles falam assim, “mãe, eu vou comprar três sacos de milho pra você fazer pamonha”. Então, é pamonha pra dar e vender. Então, até hoje eu aprendi a fazer pamonha, pão caseiro, tudo isso eu aprendi.
P - E me conta uma coisa, quando você estava mais grandinha, que você começou a trabalhar, o que você fazia para se divertir?
R - A diversão nossa era fazer uma fogueirinha, onde a gente morava na fazenda, e ali sentava, começava a contar história, e a gente brincava também, a gente brincava de roda. Então, a gente já levou a brincadeira para a fazenda que a gente aprendeu na escola. Então, chegava de noite, a gente fazia uma fogueira, ali sentava, e a gente começava ou contar a história, ou fazer essa brincadeira. Então, quando chegava umas nove horas, todo mundo já se recolhia. O vizinho mais próximo que ficava mais perto ia embora de cavalo ou na carrocinha. Então era assim. A nossa diversão era essa. Acender uma fogueira de noite, ficar contando história, brincando.
P - Vocês se relacionavam com os vizinhos? Tinha bastante vizinho?
R - É, porque tinha. Eu lembro que tinha uns três vizinhos mais perto. E aí, quando chegava à noite, eles iam para casa. E ali a gente ficava, não tinha outra brincadeira. E aí quando era assim, final de semana, domingo, a gente fazia a nossa boneca, meu pai fazia era de madeira pra gente. As bonequinhas, meu pai fazia. E aí minha mãe ensinava a gente a fazer a roupinha. A gente costurava. Cortava, era tudo bem bonitinho que era. Os guri brincavam de carrinho, era de lata, faziam umas rodinhas. Então era assim, a brincadeira nossa era assim.
P - E nessa época que você começou a trabalhar, que você primeiro trabalhou de babá, depois de ajudante de cozinha, você continuava na escola?
R - Sim, estudava. Estudava de manhã e aí, à tarde trabalhava. Então era assim, ou então estudava, trabalhava de manhã e à tarde ia para a escola, era meio período.
P - E em que momento você conhece, foi muito depois assim, eu queria entender, foi muito depois que você conhece o pai de seus filhos? Que época que foi?
R - Eu conheci ele, eu estava com 17 anos quando eu o conheci. Ele não era daqui, ele era do Norte, um pessoal também bem trabalhador, que o povo do Norte é bem trabalhador. Quando eu o conheci, eu tinha 17 anos. Mas eu trabalhava também, estudava, eu já trabalhava em casa de família. Depois trabalhei numa loja também, como vendedora, e aí eu conheci ele. Conheci ele num restaurante, que toda vez eles iam, aquela turma, ele era mascateiro, vendedor ambulante, e aí eles iam almoçar pra lá, e aí ele chegava. Eu falava assim, “nossa, já chegou aquela turma lá pra comer”. Eles só gostavam de peixe, por incrível que pareça. E aí eu falava assim, o cozinheiro falava assim, “pode ter certeza que eles vão pedir peixe”. E era certo mesmo. E aí eles chegavam, pediam peixe, e aí foi, conheci ele ali. Eu lembro que minha mãe tinha comprado, parece que foi uma rede pra gente, e por incrível que pareça, ele foi o cobrador da minha mãe. E aí quando ele chegou, e ele falava bem arrastado, eu lembro benzinho. Ele falava assim, ele chegava assim, “a tua mãe tá aí?” Aí eu falava assim, “minha mãe tá trabalhando. E tu fica sozinha?” Ele falava assim. Bem arrastado mesmo. E aí a gente foi conversando tudo. E aí eu lembro benzinho que uma vez ele falou assim [intervenção]
P - Vergínia, você estava contando do pai dos seus filhos, o momento exato que ele foi entregar o que sua mãe tinha pedido e você começou a conversar com ele.
R -Ele puxou o assunto. Eu era muito acanhada, até porque minha mãe falava: “Não dá assunto pra ninguém.” Meu pai, então, morria de ciúmes da gente, então ele não deixava assim. E aí ele falou assim: “Vocês não saem, final de semana?” Eu e minha irmã: “Vocês não saem para tomar um sorvete?” E eu falava: “Não, meu pai não deixa, não. Mas a gente pode trazer para sentar, conversar.” Aí: “Tá bom.” Só que eu falei para minha mãe, falei: “Mãe, o rapaz, o senhor que vem cobrar, o rapaz...” E ela falava: “Não é para ficar dando confiança, não. Se ele quiser, ele vai chegar em casa, a gente vai conhecer quem que é.” Eu lembro bem que foi num sábado. Ele chegou com um sorvete quase derretendo, mas levou. Aí ficamos sentados conversando, e minha mãe já... Ele começou a contar a história também da família dele, que são família também de trabalho na roça. Lá no Norte eles são muito de roça. Então, ele começou a contar a história. Aí ele foi frequentando. Dia de sábado, dia de domingo ele ia para casa, e ali foi onde a gente se conheceu. E aí eu falei: “Ó, minha mãe falou assim que foi pra namorar, que nem você quer. Então vai ter que chegar e falar com minha mãe e com meu pai.” Ele falava assim: “Eu falo com a tua mãe, mas com teu pai ele é brabo.” E aí se conhecemos, tudo. Chegou em casa, tudo. E aí depois a gente já se foi se conhecendo. E não chegamos de casar, não chegamos de casar. E depois aí a gente foi, eu fui para o Norte conhecer a família dele, fui para lá para o Norte. E aí a minha sogra queria que eu ficasse lá, porque depois aí já estava grávida do meu primeiro filho. E aí ela: “Não, vocês vão ter que casar aqui.” Me pegou no braço, porque lá o pessoal do Norte é assim, eles não têm essa coisa de ficar morando junto, e tem que casar. Eu lembro que ela me pegou no braço e vestiu a roupa dele, colocou ele e fomos para o cartório. E aí o pai dele e a mãe dele, de um lado: “Vai ter que casar, filha de ninguém a gente tira para ficar.” Eles falavam amasiado. E aí, quando chegou lá, por eu ser de menor ainda, não podia, tinha que ter a assinatura do meu pai, da minha mãe. E aí eu falei pra ela: “Não, quando a gente chegar lá, a gente casa.” Eu falei: “Quando chegar lá, a gente casa.” E aí a gente ficou lá uns dois meses pra conhecer lá como que era. Ela queria me dar uma casa pra mim ficar lá, até pra ter o primeiro neto lá. Eu falei: “Não, eu quero ir pra perto da minha mãe e do meu pai.” E aí a gente veio embora. E aí eu tive meu primeiro filho. Com 17 anos tive meu primeiro filho. E aí ele começou a trabalhar, porque quando ele veio de lá, ele veio com o pessoal em trabalho também. Ele vendia na mascateira, essa coisa assim. E aí ele trabalhava. Eu tive meu primeiro filho, aí fiquei cuidando já da casa, já sabia tudo o que tinha que fazer, que minha mãe me ensinava tudo. Então, cuidando do meu filho, para mim foi uma experiência de vida muito boa. E aí a gente já... Ele gostava também do que eu gostava, gostava de mato, gostava de roça. Então, a gente teve uma vida assim bem... Foi 30 anos de uma boa convivência, sabe? E aí eu tive só guri, fui tendo só filho homem, só filho homem. Então, assim, aí ele falava assim: “A gente vai tentar uma menina.” E eu falava assim que eu queria uma menina também. Aí eu tive seis filhos homens. E aí, depois que eu tive a menina. Então, quando eu tive a menina, ele nem acreditou. Achava que era guri. Foi e comprou toda a roupa de guri. E aí, na maternidade, que a gente conseguiu trocar a roupa da menina, do guri eu dei para uma moça que estava lá, e ela me doou a roupa dela de menina, porque também ela achava que era... E tudo aconteceu assim. Então, aí depois eu tive minha menina. E aí eu falei assim: “Mas eu não quero só ficar com uma menina, não, porque eu sei que ela vai achar falta de alguém para conversar.” E aí foi quando eu tentei e tive minha caçula, que hoje em dia está com 17 anos. E aí pronto, já paramos a fábrica. E aí ele foi trabalhar para a fazenda. Eu acompanhei ele também, junto com meu pai. Meu pai se dava muito bem com ele. E onde meu pai ia, a gente estava junto. Eu e ele também gostava de pescar, de caçar, plantar. Ele era assim, gostava de animal também. Então, de tudo aquilo que eu gostava, ele complementava também. Então, foi uma convivência muito boa. Mas depois ele ficou doente, pegou a diabetes e tudo, e aí se foi. E aí, quando ele se foi, eu me senti sem meu esteio, sem chão. Porque você tem uma família ali que você formou e, de repente, você perde. Então, assim, eu me senti sem meu braço. Mas aí, com tudo que eu passei, que eu já tinha uma experiência e que eu olhava para um lado, eu já tinha meu sítio, eu já tinha minha casa, minha família. Então, eu falava assim: “Eu tenho que continuar, não posso parar. É difícil, não é fácil.” Porque tudo que você constrói, você construindo para viver com aquela pessoa. E a gente falava muito. Eu falava assim: “Quando eu ficar velhinha, você vai cuidar de mim.” Ele falava: “Então tá, mas se eu ficar velhinho primeiro, você vai cuidar de mim.” Então, era assim. Era assim a nossa vida. E aí, quando ele se foi, eu falei: “Meu Deus do céu, e agora, o que vai ser de mim?” Tá certo que o filho já estava grande, mas oito filhos, duas meninas, e que precisavam de mim também. E nessa hora eu precisava ser mãe e pai. E assim, graças a Deus, por eu ter uma convivência muito boa com as pessoas, os patrões que eu tive, as patroas que eu tive, as amizades que eu fiz nos trabalhos que eu enfrentei, e essas pessoas me abraçaram. Então, nessa hora, me confortaram, me levaram até para passar para o psicólogo, porque eu quis me entregar a alguém em algum momento. Então, aí eu pensava assim: “Meu Deus do céu, não tem mais ninguém, é só eu.” E aí eu segui em frente. Ele trabalhava já de mascate, eu também fui nessa vida com ele. Eu aprendi a pilotar moto, a carretinha, hoje em dia eu sei pilotar tudo. E aí, quando ele já não podia mais, eu que levava ele na moto. E a gente saía vendendo. Então, era assim: chegava às 9 horas da noite, saía às 7 horas, só chegava às 9 horas da noite. Mas é sempre a família ali junto, sabe? Os filhos, a família junto. E aí, quando eu perdi ele, eu falei: “Meu Deus do céu, e agora, o que eu vou fazer?” E aí, uma amiga minha falou assim: “Vergínia, recém abriu o hospital Cassems, em Corumbá.” E ela falou assim: “Eu tenho um trabalho lá, e tá surgindo uma vaga. Se você quiser, amiga, eu te encaixo lá.” Eu falei: “Nossa, trabalhar no hospital é uma experiência nova.” Eu pensei assim. E eu falei: “Não, eu vou.” Então, eu fui com a cara e a coragem, não sabia o que eu ia fazer lá, mas aí eu fui. E aí, quando eu fui, eu entrei para fazer esterilização dos equipamentos, rodava turno, mas eu encarei, sabe? E aí, a primeira vez que eu fui, eu vi muito sangue, que uma pessoa chegou acidentada. E aí, eu lembro benzinho que eu cheguei em casa no outro dia, eu fiquei com aquela coisa assustada, e eu falei pra minha filha: “Nossa, eu não sei se eu vou aguentar, filha, é muito sangue que a gente vê, é muita coisa.” E aí ela falou assim pra mim: “Mãe, mas se a senhora vê que não dá, não dá. Não vai. Se a senhora não vai conseguir, não vai. Pode surgir outra coisa pra senhora.” Mas antes disso eu já tinha conversado tanto com Deus. Eu sentava de noite, eu não tinha mais com quem conversar, que meu esposo não estava mais ali. E aí eu conversava com Deus, que minha mãe sempre falava: “Se você tem algo para falar, conversa com Deus, Ele é seu melhor amigo. Ele vai te dar tudo o que você vai precisar ali.” E aí eu lembro benzinho, eu chorando, chorando. E eu falei com Deus, eu falei: “Meu Deus do céu, tem que continuar, eu não posso parar. Minha filha precisa de mim, ela tá estudando. Ela quer se formar, ela quer ser alguém. E eu preciso dar um amparo pra eles. Não tenho mais o pai, eu não tenho mais ninguém.” E aí... Eu já tinha falado com ela, ela entrou no quarto: “Mas não fica assim não, mãe. Não quer ir, não vai. Amanhã não vai.” Aí depois eu falei assim: “Nossa, eu pedi tanto pra Deus abrir a porta, me dar um trabalho, e agora que Ele me deu um trabalho, eu vou? Não. Eu não sou mulher de voltar para trás. Meu pai não me deu... não foi esse ensinamento que ele me deu.” Aí, no outro dia, eu levantei 4h30, tomei meu banho. 5 horas tomei meu banho, fiz meu café, aí ela acordou. “Mãe, a senhora vai trabalhar?” Eu falei: “Eu vou, filha. Vou trabalhar. Eu não vou desistir, não.” E fiquei dois anos e seis meses no hospital. Dois anos e seis meses eu trabalhei na Cassems. Eu já tinha meu sítio, então, assim, eles ficaram morando lá na casa da minha mãe, que tem terreno ao lado, que foi herança de família que eu também ganhei dos meus tios. E aí construí, conseguimos construir a nossa casa, uma casa boa para eles lá na cidade. Então, hoje em dia eles estão lá na casa, na cidade, e só eu, porque ela estuda, o menino também estuda. Eles gostam também de mato, mas devido ao estudo, trabalho, as coisas que têm que ser na cidade. E aí eu falei: “Não, eu vou ficar cuidando do meu sítio, não vou sair. Vou pra lá no final de semana, mas eu vou rapidinho, vou e venho. Estou de moto.” Eu vou e venho. “Mas eu não vou sair do mato, não.” E assim eu dei continuidade. Aí eu saía daqui quatro, quatro e meia, cinco horas. Eu saía todo dia, ia para Corumbá trabalhar no hospital. Aí, quando dava seis e meia, quase sete horas, eu tava voltando pra cá. Passava na minha mãe, via meus filhos e aí vinha embora pra cá. Então, isso foi a minha rotina. E aí, já não parei mais. Aí depois eu falei assim: “Ah, eu não quero ficar mais no hospital. Chega de ver sangue, chega de ver sofrimento, tanta gente doente.” Aí eu pedi as contas. Aí minha chefe falou assim: “Nossa, dona Vergínia, mas não vai, não? A senhora tem uma história com a gente. Então, assim, poxa, a senhora é tão dedicada, isso e aquilo.” Falei: “Eu não quero mais ficar no hospital. Não, não quero mais, não. Eu quero estar no mato, eu quero estar…” “Mas o que a senhora vai fazer?” “Eu não sei. Mas eu vou estar morando lá no meu sítio lá”, falei pra ela. E aí eu saí do hospital, vim para o meu sítio. Aí eu parei e falei assim: “Olha, mas eu não quero ficar parada. Eu vou ter que fazer alguma coisa.” E aí surgiu a fazer o curso de brigadeiro, de piloteiro. Tirei minha carteira de Arrais, fiz o curso de piloteiro, fiz gastronomia também. Entrei na cozinha da UFGD com a professora Angélica, fiz o curso de gastronomia, tirei o meu certificado. E depois surgiu a brigada, também entrei na brigada, fiz também. E assim eu fui dando continuidade, não parei, não. Estudando, fazendo curso, pegando meu certificado. E aí eu comecei a fazer trilha. O pessoal vinha e a gente já começava a tirar uma renda, quando vem turista de fora. E aí o pessoal já me chamava, por conhecer muito a área mata, o pessoal me chamava. Aí: “Pode chamar a dona Vergínia que ela vai.” E aí eles pagavam uma diária para acompanhar eles, e aí eu ia. E aí a minha amiga, então, assim, gosta muito de fazer trilha, andar no mato, escalar morro. E aí eu subia ali no morro, no alto do morro ali onde eu faço trilha, e eu ficava olhando para aquele morro lá do Urucum. Eu ficava encantada com aquele morro ali. Aí teve uma tarde benzinho que eu lembro, que eu subi no Mirante, e aí eu fiquei pensando. O pessoal todo mundo conversando, tomando um suco na hora do lanche, e eu parada olhando para o morro. Eu fiquei pensando, eu falei: “Nossa, Deus, eu ainda vou subir naquele morro. Eu ainda vou subir lá, não sei como, se for fazendo trilha, mas o Senhor vai realizar meu sonho.” Aí tá, vim embora para o meu sítio, o pessoal foi embora, passou uma semana. Aí eu recebi uma ligação de uma amiga minha. E ela falou assim para mim: “Vergínia, você está no seu sítio?” Falei: “Estou no meu sítio.” “Você não está mais no hospital?” Falei: “Não, eu saí do hospital. Então, eu estou só aqui mesmo no meu sítio, faço algum trabalho aqui, tiro alguma renda de alguma coisa.” Ela falou assim para mim: “Amiga, surgiu uma vaga aqui no morro, na Vetorial, para a cozinha.” Eu, como já tinha feito o curso de gastronomia, falei assim: “Nossa, amiga, eu vou.” Aí ela: “Você vem mesmo?” Eu falei: “Vou, pode colocar meu nome.” E aí ela falou: “Então tá, vou falar com a minha chefe. Amanhã mesmo ela já liga para você para fazer a entrevista.” Nós estávamos na época da pandemia, da Covid. E aí eu falei assim: “Não, mas eu vou sim, amiga.” E aí ela falou assim: “Manda algumas coisas que você fez aí, do seu certificado, alguma coisa que você já fez.” E aí eu mandei três. Por falta de um, mandei três. Ela: “Nossa, Vergínia...” Coisas de alimento, uma coisa assim. E ela falou: “Um é suficiente.” E aí ela mostrou para a chefe dela, mostrou tudo. A chefe dela me ligou. Era seis horas, eu tinha ido para a cidade, para casa da minha mãe, e ela me ligou seis horas, porque a gente não estava tendo esse contato até então por causa da Covid, ela me ligou e falou assim: “A senhora é a dona Vergínia?” E eu falei: “Sou.” “Ah, então, nós tivemos uma indicação da senhora. Eu estou aqui com todos os dados, o certificado da senhora. A senhora consegue fazer uma entrevista com a gente amanhã?” Falei: “Tá.” “Mas a entrevista vai ser online, não vai ser por causa da Covid.” Falei: “Tá bom.” E aí eu já fiquei pensando, mas eu não contei pra ninguém. Fiquei pensando, falei: “Ai, meu Deus do céu, nossa, meu sonho se realizando. Eu vou subir aquele morro, não sei pra onde, mas eu vou subir.” E aí eu cheguei, aí eu falei pra minha filha, chamei ela, falei: “Filha, eu tô tão feliz.” Ela falou: “O que foi, mãe?” Eu falei: “Eu tô tão feliz, filha.” Mas não tava, ainda não tinha sido contratada, nada, só ia fazer entrevista. Eu falei assim: “Lembra que eu falei pra você que eu tava fazendo a trilha e eu fiquei imaginando aquele morro lá? Eu acho que eu vou pra lá, filha.” Ela: “Sério, mãe?” Eu falei: “Então, eu vou fazer uma entrevista, vai depender do que a moça falar.” Aí, quando foi oito horas, ela me ligou, da manhã. Ela: “Dona Vergínia, está preparada para fazer a entrevista?” Eu falei: “Estou.” E aí ela conversou comigo, foi explicando como que era. “A senhora tem horário disponível?” Eu falei: “Estou à disposição.” “A senhora tem filho pequeno?” “Não.” Eu falei: “Não.” “A senhora consegue rodar turno?” Eu falei: “Sim, porque no hospital eu rodava turno também.” Eu falei: “Eu não vejo dificuldade nisso daí.” Aí ela: “Então tá bom, dona Vergínia. Amanhã a senhora me procura, a senhora vem para o escritório.” Aí eu falei: “Tá.” Mas até então eu não estava acreditando. Aí fui para o escritório, pedi para o meu filho, meu filho me levou, cheguei lá, levei todo o meu documento, aí ela assinou tudo lá. Ela falou: “Dona Vergínia, amanhã mesmo a senhora vem pegar os EPIs da senhora e a senhora vai subir para o morro, para a senhora ver como é lá. As meninas vão ensinar a senhora.” Eu falei: “Tá ótimo.” E aí, quando eu subi, quando eu entrei dentro do ônibus da empresa, com o uniforme, meu Deus do céu! Eu fui chorando, sabe? Eu chorei dentro daquele ônibus, coloquei um óculos e fui chorando, agradecendo a Deus. Meu Deus do céu! Quando eu subi o morro ali que eu vi, eu lembrei tudo o que eu falei, tudo o que minha mãe falava para mim: “A palavra tem força. Acredita no seu sonho, nunca desiste. Se você tem algo que você almeja, que você acredita, pede com fé, porque a palavra tem força, ela tem o poder.” E aí eu fui. Quando eu cheguei lá, as meninas me trataram super bem, sabe? Nossa, a chefe também. Conversei com ela. E aí, quando foi três dias, já comecei a trabalhar. E aí já fui toda orgulhosa, com uniforme, pegava o ônibus da empresa. E aí fui pro morro. E aí trabalhei na Laís, na Mina Laís. Entrei na cozinha. Aí a Mina Laís fechou, e aí eu fiquei preocupada. Aí o pessoal: “Nossa, vai mandar um bocado de gente embora, porque fechou.” E aí todo mundo preocupado: “Nossa, será que vai dar nossas contas?” Aí ela chegou e chamou, me chamou, chamou outras pessoas e falou assim: “Dona Vergínia, a senhora vai pra Monjolinho, tá? Na mesma empresa, só que a senhora vai pra lá. Vai fechar aqui, a gente vai ver como que vai ser, mas a senhora vai pra lá.” Falei: “Tá bom.” Nem sabia pra onde que era, se eu tava indo. E aí fui. A Monjolinho é mais longe, é uma mina também que trabalha com mineração, é também no morro. E aí eu fui pra Monjolinho, aí eu fiquei ali também, oito meses trabalhando. E aí eu falei assim: “Eu não quero mais ficar à noite.” Aí eu falei pra ela: “Chefe, eu não quero mais ficar à noite, porque tá sendo muito cansativo.” Porque eu já vinha pra cá, já tinha um trabalho aqui também que eu gostava de fazer trilha, então tava muito cansativo aquilo ali pra mim. Ela falou: “Então, dona Vergínia, a gente não vai dar as contas das senhoras. A senhora vai ficar com a gente. Então, a gente vai colocar a senhora para o período do almoço.” “Tá ótimo?” A senhora falou: “Tá bom.” “Mas a senhora não vai ficar aqui. A senhora vai para outra mina. A senhora vai para a siderurgia.” Então, eu trabalhei nessas três áreas. E aí eu vim para a siderurgia, que era perto da Laís. E ali também já comecei na cozinha. E ali aprendi a fazer muita coisa. Adoro cozinhar, enfeitar salada. O meu prato predileto é a salada: enfeitar, trabalhar com as verduras, fazer as flores, arranjo, tudo eu sei fazer. E ali fiquei. E aí o pessoal já começou a gostar, já passei na experiência. Depois da experiência já fui para forno, fogão, tudo. No entanto que ele já confiava em mim, deixava eu trabalhar até sozinha. Eu trabalhava, cozinhava para 380 homens, desde o café da manhã, o almoço. O pessoal gostava. O prazer da gente, a cozinha... Eu falo assim: “Você, quando está numa cozinha, que você faz um alimento, você tem que fazer com amor, porque é tão prazeroso você ver as pessoas comerem e falar: ‘Nossa, tá tudo tão gostoso, tá tudo tão perfeito.’” Isso a gente faz com amor. Comida você tem que fazer com amor. E aí o pessoal chegava e falava: “Tia, nossa, mas tá tão gostoso esse macarrão.” “Tia, tá tão gostoso isso. Posso comer mais um pouquinho?” Então, era muito gostoso. E aí, quando eu enfeitava a salada, eles olhavam e falavam: “Ai, tia, me perdoa, mas eu vou desmanchar essa salada. Tá tão linda, mas a gente tem que comer.” Então, tudo isso eu aprendi. E aí fiquei também na Vetorial. Fiquei dois anos. Aí eu falei pra minha chefe: “Ai, chefe, eu vou sair.” “Mas por que, dona Vergínia, a senhora vai sair? Tem alguém que tá fazendo alguma coisa errada? A senhora tá inconfortável com alguma coisa? A senhora não tá se sentindo bem? Pode falar, dona Vergínia.” Tinha técnica de segurança, que ela era um amor de pessoa. “Tem alguma coisa que a gente pode ajudar?” Porque eles tratam muito bem a gente. “A senhora quer passar para um turno? O que é?” Eu falei: “Não, é que eu não quero mais mesmo. Eu quero voltar para o meu mato.” “Mas, dona Vergínia, o que a senhora vai fazer lá? Já tem que pensar que a senhora tem que ter uma segurança.” Falava: “Não, mas lá eu tenho um trabalho também. Mas eu não quero mais ficar aqui no morro.” Por duas vezes eu passei, sofri um acidente quase. O nosso ônibus, a carreta quase bateu de frente. Isso foi de madrugada. Então, eu falei: “Não, eu quero ir também.” Porque eu não tinha tempo para a minha filha, porque ela ia para a escola, quando chegava já estava indo para o trabalho. Eu chegava de madrugada, três horas da madrugada, e dormia um pouco, aí eu não via ela. Então, assim, eu via que eu queria mais estar perto dela, porque eles não têm mais ali alguém para conversar, só era eu. Então, eu falei: “Não, eu vou sair mesmo.” “Fica pelo menos mais três meses até a gente arrumar uma pessoa.” Falei: “Tá ótimo, eu vou ficar.” Aí fiquei mais três meses com eles lá, até ela arrumar uma pessoa, e depois eu saí. Nossa, mas fizeram despedida, choraram, mas assim, até hoje a gente se vê. Ela queria me levar. Aí a nossa chefe saiu, foi pra Rio Pardo, Rio Verde, não sei pra onde. E lá ela abriu um restaurante. Aí ela me ligou, ela queria que eu fosse pra lá pra trabalhar com ela. Falei: “Não, eu tô onde eu quero ficar. Não vai dar pra mim, não.” Então, aí eu fui seguindo minha vida.
P - Vergínia, sabe o que eu queria saber? Quando você fala seu sítio, é esse aqui?
R - Eu tenho meu sítio ali embaixo, na beira do rio. Aí eu falo assim que ali foi uma promessa de Deus. Porque é uma história também tão bonita. Que assim, quando eu trabalhava com ele, a gente vinha andar, a gente vinha vender, e eu olhava aquele ali, sabe? Eu ficava encantada com aquilo ali. E eu falava assim: “Um dia ainda vou ter um sítio assim, eu vou comprar uma terra assim, você vai ver.” Ele falava assim: “Você é doida?” Ele falava: “Tu é doida? Tu tá viajando longe. Tu não vai conseguir”, ele falava pra mim. Eu falava: “Então tá bom.” Então, assim... E aí eu lembro benzinho que eu começava, aí um patrão dele, que era patrão dele, a esposa dele começou a trabalhar com ouro, vender ouro. E aí ela queria uma cobradeira, queria uma pessoa pra cobrar. E ele falou assim: “A minha esposa sabe andar de moto, ela pilota.” E aí ela falou: “Pronto, eu vou contratar ela para ser minha cobradora, se ela quiser vender também.” E aí eu comecei a fazer cobrança, a trabalhar em cobrança. E aí eu... nossa, eu fiquei apaixonada por esse lugar, fiquei apaixonada mesmo. Aí eu falei: “Não, eu vou.” Meu pai tinha já aqui perto da Baía, e eu falava: “Mas eu quero aqui, é tão lindo aí.” E aí eu passava, eu ficava... toda vez que eu passava, eu falava assim: “Deus, o Senhor tá preparando esse terreno aí pra mim, meu Deus”, eu falava. Ele falava: “Tu é doida, mulher, tu é doida.” E aí eu lembro benzinho que eu vinha passar o final de semana na casa de uma amiga, aí ela falou assim para mim: “Vergínia, o rapaz vai sair dali porque é um casal e a mulher dele trabalha na cidade, então fica muito complicado para ela estar vindo para aí. Eu acho que eles vão vender o pedacinho de terra ali deles.” Falei: “Será?” Aí ela: “Se ele estiver vendendo, você me fala, que eu quero.” “Você compra, Vergínia?” Falei: “Eu vou dar um jeito.” E aí tá, quando passou um mês, ela me ligou. Aí ela falou: “Dona Vergínia, a minha amiga falou que se ela estava interessada no sítio, lá na casa assim assim, se ela ainda quer?” Eu falei: “Eu quero.” “Ah, então tá. Se ela quiser, amanhã a gente vai lá dar uma olhada.” Aí vim, dei uma olhada, nossa, eu fiquei encantada, sabe? Fogão de lenha, do jeito que eu lembrei do que a gente tinha. Falei: “Pode ter certeza, eu vou ficar.” E aí eu cheguei e falei com a minha patroa. Falei assim: “Olha, é um lugarzinho assim que eu gosto.” Ela sabia que eu gostava. Ela: “Não, tá bom, Vergínia. E o que você precisa?” Falei pra ela: “Eu vou passar três cheques. Mas quando for dia 10, antes dela entrar com o cheque, eu já vou passar o dinheiro, e aí eu vou pegar o cheque da senhora.” “Tá bom, dona Vergínia, então será que assim vai ser.” Ela me deu os três cheques. E aí meu esposo não acreditou. Aí eu cheguei e falei pra ele assim: “Ó, eu vou lá conversar com a dona do terreno lá, da casa lá, do sítio lá.” “O que você vai fazer lá? Você vai fazer compromisso e você não vai conseguir.” Eu falei: “Eu vou. Tá aqui, já falei com a minha patroa e ela vai me ajudar.” Aí ele falou: “Eu não vou lá, vai você.” E aí eu fui sozinha, sabe? Cheguei lá, chamei ela, conversei. Aí o esposo dela saiu e falou: “Não, dona Vergínia, está ótimo. Inclusive vou dar até a chave para a senhora, já pode levar a chave, já se considera como sítio da senhora.” Falei: “Será, meu Deus?” Aí eu fui embora toda feliz, cheguei lá e mostrei para ele. Ele: “Mas o que você fez?” Falei: “Eu sei o que eu fiz. Pode ter certeza que eu vou me desdobrar, vou trabalhar, moedinha por moedinha que eu conseguir, eu vou guardar.” E aí ele me deu a chave, e aí fui embora para casa. No outro dia eu levantava cedo, fui juntando, fui juntando. Quando chegava dia 8 eu ia lá até aqui e pegava um cheque. Dia 8 eu chegava lá e pegava, e assim eu consegui comprar. Eu falo: é o meu pedacinho de chão que Deus me deu. Foi com sacrifício, não foi fácil. E aí, nossa! Mas eu não tinha contado para minha mãe, meu pai e nem para os meus filhos. Só ele que sabia. E aí teve um domingo que eu falei assim: “A gente vai pra casa de uma amiga da gente, passar o domingo lá. A gente vai fazer um churrasco, ela convidou a gente pra comer um peixe assado. Vambora, mãe! Todo mundo gosta, vamos embora.” Aí, quando chegou assim, eu parei, falei: “Olha, ela pediu pra gente ficar aqui, mas como é que a gente vai ficar?” Essa casa era bem grande. “E como que a gente vai ficar aqui?” Falei: “Não, mas ela não deixou até a chave comigo, não tinha falado nada.” Falei: “Vou deixar pra fazer a surpresa.” Aí abri assim a porteira, entramos, e o meu vizinho também, onde a gente estava, eles gostavam também de estar perto da gente, que ele era lá do Norte também. E aí a gente entrou, todo mundo, meu pai, minha mãe. E aí, quando eu falei assim: “Olha, tá vendo?” Abri a porta e falei: “Olha só que casa linda.” “Nossa, é muito bonito mesmo.” “Como assim? Tem um batente, meio murinho. Fogão de lenha.” E aí falei: “Gente, vamos embora preparando. Os homens ficam encarregados de fazer a carne, eu vou estar limpando aqui.” Aí eu peguei a chave e falei assim: “Vocês estão vendo essa casa aqui, esse sítio?” Aí: “Sim, mãe, a gente tá vendo.” “Então, ó, esse aqui é nosso.” “Como assim, mãe, nosso?” Falei: “É nosso.” Falei: “Eu comprei.” “Sério, mãe? A senhora comprou?” Falei: “Comprei.” “Ah, mãe, a senhora tá mentindo.” Falei: “Tô falando a verdade.” Falei: “Esse sítio aqui é nosso. Esse é meu pedacinho de terra, meu pedacinho de chão, que eu e seu pai vamos plantar, a gente vai viver aqui. Aqui, ou um ou outro vai ficar velhinho, a gente vai se cuidar. Então, aqui eu quero ficar numa cadeira de balanço, balançando, olhando ali pro rio, ou numa rede deitada, mas aqui é meu lugarzinho, onde eu não vou sair.” E aí pronto, já foi festa. Os meninos já foram arrumando daqui, arrumando dali, fazendo almoço. E assim passamos o domingo. E aí já foi, plantando, já vim com tudo, trazendo as coisas. Ele gostava muito de fazer a roça, fez a roça. Colhemos muito milho, feijão. Tudo o que eu comia na infância, eu vivia aquilo ali. A gente tirava do nosso sítio. Desde galinha, ovo, porco. Tudo a gente tirava o nosso alimento dali do sítio. Queria comer um peixe, descia ali, pegava um peixe fresquinho da hora. E assim a gente foi. Até chegar numa hora dele me deixar tomando conta de tudo sozinha.
P - E foi esse momento que você retornou para a APA? Ou você já estava?
R - Não, eu já estava.
P - Já estava aqui?
R - Já estava aqui. Então, por estar aqui... E aí eu pensava, como vai ser sem ele? Onde eu estava, ele estava comigo. Onde ele estava, eu estava junto com ele.
P - Como era o nome dele?
R - Era Wilton, Francisco Wilton. E aí eu pensava: “Meu Deus do céu. Eu vou tocar sozinha. É minha casa.” Já tinha construído uma casa também lá, no terreno que meus tios tinham me dado, o terreno também, que é herança de família. Meu tio tinha passado pro meu pai, e meu pai deu pra mim por causa dos filhos que estavam todos estudando na cidade. Mas já tinha construído lá também, com sacrifício. E aí já tinha aqui meu sítio também. E aí eu falei: “Mas daqui eu não vou sair, não.” Mas aí vem aquela coisa: “Como vai ser agora?” Eu pensava. “De algum jeito a vida vai seguir.” E aí, quando eu peguei a moto pela primeira vez, eu tinha colocado na minha cabeça e falei: “Eu não vou mais andar de moto.” Eu meio que entrei em depressão, mas aí meus amigos me ajudaram. Aí, quando eu peguei a moto e peguei essa estrada de onde vocês vieram até chegar no meu sítio, nossa, eu vim chorando, sabe? Porque... desculpa, gente. Porque, assim, a gente vinha conversando, vinha brincando, e por muitas vezes ele falava assim: “O dia que eu for, como vai ser? O dia que eu não estiver mais aqui.” E aquela fita, aquela coisa voltava na minha cabeça. E aí eu vinha às vezes conversando comigo mesma: “Mas eu sei que você tá do meu lado, tá me dando força, mesmo que você não tá aqui, na minha garupa, mas você tá me acompanhando. Porque eu tenho que ser forte. A vida está seguindo para mim. Eu sei que você está sendo a minha fortaleza. Eu não vou desistir. Eu nunca fui uma mulher fraca e não vai ser agora que eu vou ser. Eu vou dar continuidade, você pode ter certeza. Você vai ter orgulho de mim.” Eu conversava muito com ele. No entanto, foi assim. Dei continuidade no trabalho. E aí cuidava das coisas, dos bichos, dos animais, da minha casa. Só que não tinha mais ninguém do meu lado ali. Pra tomar um café, pra conversar. Mas, assim, em nenhum momento eu pensava em desistir. Por ele e pelos meus filhos, em nenhum momento eu pensava em desistir. E aí eu falei: “A vida vai seguir. Eu não sei o que me espera amanhã, mas a vida vai seguir.” E aí, quando era final de semana, os meninos vinham, a gente fazia o almoço em família. Queria comer uma galinha, a gente matava uma galinha; queria comer um peixe, a gente fazia um peixe, e assim. E eles falavam: “Mãe, a senhora fica aí sozinha, vamos pra lá.” Eu falava: “Não, filha, eu estou tão bem aqui.” Eu me sentia muito bem, eu me sentia protegida. As pessoas falavam: “Mas você não tem medo?” — “Não, não tenho medo, não. Não tenho.” Eu me sentia segura. Sabe o que é você estar em um lugar e se sentir seguro? Nada tá faltando pra você, então eu me sinto assim até hoje. E eu não parei. Então, nisso... Aí conheci a dona Júlia, que foi uma mulher guerreira, que foi a presidente daqui também. E aí conheci, a gente já começou a trabalhar junto...
P - Ela morava aqui próximo?
R - Ela morava. E aí já formamos esse grupo de mulheres. E aí a gente queria mais. A gente já sonhava. E por a gente fazer vários cursos com o pessoal da UFGD, eles traziam vários cursos pra gente. Desde o biscoito de acuri, o doce de jaracatiá, que é uma raiz nativa que nós temos aqui na região, o jenipapo, que a gente aprendeu a fazer o licor, o bolo. E a gente ficava sonhando: “Nossa, por que a gente não ter a Dona Julinha?” Eu falava assim: “Que ela era uma borboleta”. E, assim, a gente aprendeu a fazer muita coisa. E nisso daí a gente sonhava em ter nossa cozinha, a gente ficava imaginando, mas a gente queria fazer, para trazer pessoas, e até para as pessoas comerem com a gente aqui, a gente ficava imaginando, a gente queria uma cozinha para a gente. E aí, ela falava assim: “Meninas, não desiste, a gente vai conseguir”. E aí conhecemos a Tainá, que ela é chefe do Ibama. E ela gostou muito do trabalho da gente, das mulheres. E a gente imaginava, a gente falava assim: “Poxa, a gente quer ter uma cozinha, a gente quer trabalhar com as nossas próprias mãos, a gente aprendeu a fazer, por que não a gente fazer dentro da nossa cozinha?”. E ela falou assim pra gente: “Meninas, tem o programa do Luciano Huck, que eu vejo aí que eles abraçam a causa de muita gente, quem sabe a gente não dá sorte e consegue fazer uma cartinha e mandar pra lá”. Nossa, eu adorei a ideia, “vamos embora”, cada um deu uma ideia daqui, uma ideia dali, e aí ela fez a cartinha pra gente. E aí mandou pra lá. Aí ela: “Bom, agora vamos esperar, tá na mão de Deus”. E aí passou, acho que uns dois meses, aí ela me ligou. Aí ela falou: “Dona Vergínia, você não vai acreditar”. Eu falei: “O quê?” Ela falou: “Nós fomos sorteadas”. Nossa, quando ela falou aquilo ali, foi uma alegria imensa. Liga pra uma, liga pra outra. A Dona Julinha chorando, todo mundo feliz. E aí ela falou assim: “Olha…”, como eu estava trabalhando, aí ela falou assim: “Eu vou lá para participar do programa”. Nós temos uma mulher também que é agente de saúde daqui, e ela acompanhou ela, e eu fiquei no auditório, na plateia para fazer a torcida. Então a gente se dividiu. E aí ela foi para São Paulo, participou do programa dele, só que aí no final, que ela tinha que rasgar o documento, ela não rasgou. A gente ia ganhar um valor X, mas aí não conseguimos ganhar, mas ganhamos um pouco. E aí já foi o suficiente para a gente querer montar a nossa cozinha. Aí ela chegou, ficamos todos felizes. Mas aí ele se sensibilizou com o nosso trabalho, com a nossa história, com a nossa carta que a gente fez, ele ligou e falou que ia dar tudo para a gente, que ele ia abraçar a nossa causa e que ele ia reformar a nossa cozinha com tudo. Nossa, e foi a maior felicidade. E hoje a gente tem nossa cozinha com todos os equipamentos, desde forno, fogão, geladeira, freezer, todos vasilhames. A gente conseguiu. E fazer a reforma também do lugar onde a gente tem nossa cozinha. Aí a gente começou a trabalhar, uma felicidade imensa mesmo. E aí ele fala que ainda vai vir no Pantanal, que ele quer comer a nossa comida, e que ele quer ver como é que está o nosso trabalho. Então isso foi gratificante, sabe? Foi assim, e a gente aprendeu muito com ela. E ela falava assim: “Olha…”, a história da borboleta que ela fala, que a gente estava fazendo um trabalho, e cada um tinha que colocar um significado de um animal, uma ave, um inseto, qualquer coisa. E eu lembro que a gente estava numa roda, e aí eu falei que eu era a onça. Eu nunca desistia do meu lugar. Eu nasci aqui no habitat natural e aqui eu quero ficar. Então eu defendo meu lugar com garras, com unha, com dente, dou o meu sangue. E aí ela sentada assim, que ela era bem magrinha, ela falou assim: “Eu sou uma borboleta”, ela falou assim. Aí todo mundo curioso: “Por que borboleta, dona Julia?” Ela falou assim: “Porque eu vou voar, voar, voar e onde eu ver as flores lindas, ali eu vou parar. Onde eu ver um perfume bonito, cheiroso, ali eu vou parar. Então eu sou uma borboleta. E eu nunca vou desistir de voar”, ela falava assim, “eu nunca vou desistir de voar. E isso eu quero que vocês também devem com vocês. Não desistam de voar”, ela falava pra gente.
P - Eu queria te perguntar se você consegue perceber alguma diferença daquela região que você morava quando você era pequena, que você nasceu, para a APA de agora.
R - Sim, muita diferença. Porque antes, a gente tinha nossa mata bem verdinha, bem cuidada. E hoje a gente vê muita coisa sendo destruída. E a gente já não tem mais aquela coisa de você tentar só você defender. A gente precisa de mais pessoas. A gente precisa de mais braços, mais mãos, mais parceiros. Porque a partir do momento que vai ter mais pessoas moradores, já não vê com os olhos que eu já vivi, que eu convivi ali. Para eles é novidade chegar, construir e fazer algo. E não pensar no bem-estar da mata, da natureza, do que a gente vive. Então, o que eu vivia antes era tudo de bom, que você andava numa mata, você encontrava com uma fruta nativa, e você se alimentava daquilo ali, hoje a gente quase já não vê mais. Ou ela foi destruída, ou o fogo destruiu, ou o próprio ser humano matou ela. Então é como as nascentes que a gente tem também aqui. Muitas delas o ser humano acabou com ela, dragando aquela água dali para levar para sítio, para fazenda, e ali se acaba. E hoje em dia eu vejo totalmente diferente. Então, por mais que eu estou vivendo em uma área de preservação, uma área de conservação, mas é uma luta, todo dia é uma luta. Eu já passei aqui dentro até por ameaça, por estar ali à frente, sabe? E a gente fala assim, por ser mulher, por você ser uma líder, por você estar liderando algo, querendo ou não, a gente ainda vive essa coisa de machismo, de “ah, ela é mulher, ela não pode, ela não consegue, ela não tem força”. Não, eu nunca me vi assim. Desde quando eu me vi por ser humano e meu pai me ensinou que a gente pode sim, se você tem força de vontade e você quer, você consegue sim. Então eu passei por isso aqui dentro, sabe? Mas eu nunca desisti, não me botaram medo, não. Foi aí que eu me tornei mais forte. Hoje em dia, o trabalho que a gente faz aqui dentro, quando eu já assumi a presidência das mulheres, eu não tenho até as próprias pessoas que a gente tem um conselho gestor que é IBAMA, Florestal, PMA, é Secretaria do Município, é Promotoria de Justiça, é União, e eles falam assim pra mim: “Dona Vergínia, a senhora toma conta só dessa senhora”, mas eu não vejo só me tomando conta assim. Eu vejo eu em um todo, em um pedacinho de cada coisa. No entanto, quando ligam para mim, “D. Vergínia, eu estou escutando motosserra, acho que estão tirando madeira”. Eu vou atrás, eu pego esse quadro aí, eu vou, e a Tainá briga comigo. “D. Vergínia, não faz isso, pelo amor de Deus, não vai sozinha, é perigoso”. Mas assim, é como se fosse estar tirando um pedaço de mim, sabe? Então eu vou, eu procuro conversar, eu procuro orientar. A gente tem um trabalho muito bonito aqui dentro que a gente faz uma blitz educativa orientando as pessoas que vêm por ser uma área de preservação, conservação. E a única área que tem onde as pessoas vêm passar o seu domingo, o lazer, pescar, é aqui. Corumbá não tem, mas nós temos lá da área que tem a Apa Baía Negra. Então a gente orienta, a gente faz uma blitz educativa, a gente para na beira da estrada, a gente veste toda a nossa roupa, dá brigada. A gente tem o apoio da PMA, do AG Trat e da cidade, e aí a gente orienta as pessoas dando panfleto, dando a sacolinha: “Olha, vem para a nossa área, está trazendo seu lixinho, mas leva de volta. Não faz fogo na beira de uma árvore, que é uma planta nativa que nós temos. Você traz sua churrasqueira, você faz seu foguinho ali, mas apaga, não deixa sujeira”. Então a gente trabalha assim. E fora isso, a gente também trabalha com as mulheres dentro da mata. A gente plantou 5 mil mudas aqui dentro da mata. Primeiro, eu lembro quando começou, a ECOA trouxe esse trabalho pra gente. Foi de fazer limpeza dentro da mata, de fazer retirada de lixo, porque uma área aqui pra baixo era um lixão da cidade. Tinha muito lixo mesmo. A gente chegava durante a parte da manhã, a gente tirava 78 sacos de lixo de dentro da mata. Então eram cinco homens trabalhando e só eu de mulher, no meio dos homens. E era bom que a gente estava cuidando da natureza, cuidando do que é nosso. E aí a gente fazia essa coleta do lixo, levava para a beira da estrada e o caminhão fazia a retirada. E depois que a gente fez essa limpeza na mata todinha, aí que a gente veio com as plantinhas e a ECOA trouxe as mudas para a gente. E aí a gente, teve mais mulheres trabalhando com a gente, aí foi só mulheres, porque a gente fala assim que a mão da mulher é mais sensível, é mais cuidadosa para plantar e só tinha um rapaz com a gente. E aí a gente plantava, a gente fazia o buraco, colocava ali um gelzinho pra segurar, colocava as plantinhas, eu tenho o costume de colocar e conversar com as plantinhas, conversar com os bichos. A gente fazia o berçário, porque se não tinha chuva, mas o sereno cai muito aqui à noite, e aquilo ali vai conseguir conservar a plantinha bem fresquinha. E cada dia que eu chegava, eu olhava assim, “nossa, elas estão lindas, vocês estão lindas”. Então, até hoje é assim o trabalho da gente. E quando foi agora, na época de 2000, quando foi ano passado, 2024, que a gente teve de novo o fogo aí, que foi bem extenso. E o meu trabalho também foi muito cansativo, mas bem prazeroso. Eu fazia o monitoramento da estrada desde a entrada até o final da estrada. Eu fazia três vezes durante o dia, ficava correndo na estrada, conversando com as pessoas, orientando, entrando na beira do rio, explicando sobre o cuidado do fogo. Então, nós tivemos o ano de 2024, nós passamos ilesos, graças a Deus. O fogo atingiu do outro lado do rio, mas na nossa área não chegou. Então, a gente teve um trabalho bem extenso, mas foi muito de resposta boa. A gente teve uma ótima resposta, tanto que se tornou uma paisagem modelo. Se você entrar no Instagram da APA, ali está: “A APA Baía Negra é uma paisagem modelo que não teve fogo, foi tudo verdinho”.
P - E o que é uma paisagem modelo?
R - A paisagem modelo é onde a gente tem as plantas nativas, as frutas nativas, onde os animais vivem livremente, e não foi atingida pelo fogo, se tornou uma paisagem modelo. Então, não foi atingida pelo fogo, isso devido a um trabalho bem extenso da comunidade, da nossa brigada, que quando a gente via qualquer fumaça em qualquer lugar, já se comunicava um com o outro e eu já pegava o quadro já ia para o lugar, já entrava na mata, via que não era folga, era só qualquer coisinha ali, a gente já combatia e pronto. Então, esse foi o cuidado que a gente tem. E os animais vivem aqui dentro livre. A gente tem o lobo-guará, nós temos a onça que o pessoal tem medo, mas a gente tirou até o certificado de amigo da onça, porque ela já comeu um carneirinho meu, ela já comeu um cachorro meu. Mas é o alimento dela, é uma cadeia alimentar, um se alimentando de outro. Eu já fiquei de frente com o casal, fiquei admirada olhando, meu Deus do céu, que coisa linda, que coisa linda, sabe? Então é aquilo, “respeita o meu lugar, meu espaço, que eu estou respeitando o seu também”. Então a gente vive assim, e eu fico muito orgulhosa desse trabalho que a gente teve, que era dona Vergínia pra cá, dona Vergínia pra lá: “Dona Vergínia, tá acontecendo isso”, eu vou pra lá, vou pra cá, mas é uma resposta boa que a gente teve, e eu fico muito orgulhosa quando eu viajo, vou representando a comunidade, e aí chego lá e eles colocam no telão, e eles falam sobre a APA Baía Negra, se tornou uma paisagem modelo, aparece ali a filmagem pelo drone. Eu fico muito orgulhosa de ver que o trabalho da gente teve uma resposta boa.
P - Dona Vergínia, eu queria que você contasse um pouco agora, pensando assim, um pouco, como a gente sabe que aconteceu, como que eram os rios e como que era o regime de chuvas antes dos últimos anos, que foi muito diferente. E o que mudou e por que mudou a ponto de vocês montarem uma brigada?
R - Sim. Então, antes, como eu falo para você, a gente andava de ponta a ponta de um rio, livre. Hoje em dia você não consegue mais, por erosão, as próprias barcas que hoje a gente passa aí, ela destrói muito a beira do rio, muitas árvores caem devido ao desmoronamento do barranco. Então a gente já não vê como a gente via antes, um rio, vamos supor assim, que era até um rio protetor, que você chegava, você poderia até tomar um banho, você poderia fazer alguma coisa com aquela água ali, hoje em dia você não tem mais essa confiança, a gente não pode mais. A água do rio, a gente só usa mesmo pra planta. O que você via antes, que era uma água limpa, uma água que você conseguia enxergar um peixe, hoje em dia você não consegue ver mais, por se tornar uma água muito turva, muito suja. Então, muita coisa mudou. E hoje em dia a gente briga por isso. Tanto que a gente teve uma empresa aqui em cima que abriu e ela fechou um braço de um rio que se torna, que vinha para, passava perto das casas e ali foi fechado. Então teve um impacto muito grande, porque secou um braço e a gente também sofreu com isso. Então assim, muita coisa mudou, não melhorou. Muito pelo contrário, piorou. E a gente briga por isso, a gente briga por ter mais atenção, ter olhares dos representantes nossos aí de fora, dos políticos, das empresas, olhar com mais carinho para essa natureza, que hoje a gente tem ela, mas a gente sabe até quando vai conseguir estar vendo isso. A gente não sabe até quando. Só vai saber a partir do momento que a gente se abraçar, se unir, der as mãos e todo mundo trabalhar engrenado ali em uma só palavra, um só objetivo, um só trabalho, um só cuidado, que é cuidar do nosso Pantanal. Eu fico muito orgulhosa quando as pessoas chegam de fora e falam assim, “nossa, dona Vergínia Sara mora no paraíso. Olha aqui, olha essa natureza, olha esse espaço”. Isso é gratificante, mas tudo isso tem um trabalho de você cuidar, de você preservar esse lugar e você está levando adiante para as pessoas. Mesmo que as pessoas vão parar, vão ouvir você e depois lá na frente elas vão esquecer, mas mesmo assim a gente não desiste, a gente está ali. E quando a gente quis formar a nossa brigada, a gente se interessou em formar, foi em 2020, que o fogo devastou o nosso Pantanal por completo. Então 2020 foi a pior perda que a gente teve. E até hoje a gente ainda tenta se recuperar. É uma ferida, uma cicatriz que a gente ainda tenta esquecer. Quando veio em 2024 o fogo novamente, a gente voltou a fita. “Meu Deus do céu! A gente está passando pelo mesmo terror”. Mas graças a Deus a gente não teve fogo dentro da nossa área e trabalhamos com mais ajuda também. Em 2020 foi muito triste, muito triste mesmo. O fogo chegou lá no final, já perto de algumas casas, nós tivemos que reunir alguns moradores e conseguir apagar com balde, com algumas coisas, para não chegar nas casas. E foi aí que nós pensamos. Por que não a gente formar uma brigada? Que a gente já via em alguns lugares, assistia algumas matérias. E aí eu conversando com as mulheres, falei assim, “vamos pedir ajuda”. E foi que a gente começou pede para um lado, vai para o outro, até que surgiu a Tainá mais uma vez, que ela é do Ibama, e a gente conversou com ela e ela falou, “tá bom, eu vou levar esse pedido de vocês adiante, eu tenho certeza que a gente vai conseguir”. E aí foi através do Ibama, a gente fez o curso, quando a gente fez o curso, a gente fez com muita alegria, a gente foi, já fomos fazendo o curso, já fomos para a teórica e depois já fomos para a prática também. Enfrentamos um calor imenso aí de 40 e poucos graus, mas a gente estava ali, na lida ali, e assim a gente formou a nossa Brigada Voluntária. Então, se formou com sete mulheres e quatro homens. E aí a gente, a ECOA deu toda a assistência para a gente, nós temos o nosso almoxarifado com todo o nosso material bem equipado, a nossa brigada da comunidade é bem equipada, nós temos rádio, nós temos de tudo, de tudo a gente tem. Então, hoje em dia a gente quando se trata de um fogo dentro da área, a gente está preparado para ir combater, a gente está super preparado para ir ao combate e assim a gente faz.
P - Vergínia, eu queria te perguntar, como é o fogo de um incêndio florestal? O que você sentiu quando chegou perto das casas? Qual é a dimensão?
R - Então, quando se trata de fogo, a gente fala que o fogo não respeita. O fogo não tem cerca, o fogo não tem seu limite. A gente, sim, delimita ele, mas ele não tem. Então, quando se trata de fogo, vem todo aquele medo dos animais, que são os primeiros que são, que recebem ali esse foco de incêndio, esse calor. São os animais que morrem: os rasteiros, as aves. Então, a gente pensa nisso. É claro que a gente pensa também na segurança da nossa comunidade, de o fogo não chegar nas casas. Mas, quando a gente vê o fogo, a gente já monta aquela estratégia de fazer a retirada primeiro das pessoas, que a gente está ali para socorrer primeiro o ser humano. Primeiro é a vida, e depois a gente vai ao combate. Mas fazer primeiro os primeiros socorros é retirar as pessoas do lugar, quando a gente vê que o fogo está vindo mesmo e a gente vai ter que enfrentar ele. Deixar a área sem pessoas. Esse cuidado a gente tem. Só que, graças a Deus, devido ao trabalho que a gente teve aí, eu já enfrentei fogo mesmo, bem destruidor. Já cheguei de entrar com os brigadistas, e eu me emocionei também nesse dia, que era um final de semana. E colocaram, foi proposital, numa baía que estava seca, e ali, quando me ligaram, o fogo estava indo, estava tudo seco, e o fogo é muito rápido, muito rápido mesmo. Você tem que manter uma estratégia até então, porque você tem que se cuidar também, ter sua segurança. E aí a gente avançou. Quando a gente avançou, que eu entrei dentro da baía, eu me deparei... Eu estava com uma bomba costal nas costas, que a bomba costal é o equivalente a 20 litros d’água, é muito pesado, com todos os seus acessórios, seu EPI, eu com a bomba costal e mais um suporte de água para a gente beber. E aí eu estava caminhando junto com os brigadistas na mata, e aí eu vi uma cobra imensa, uma sucuri muito linda. E aí eu vi ela se torcendo, sabe? E eu parei assim, comecei a olhar, e como se fosse assim: “Me ajuda, me salva.” E eu não tinha mais o que fazer. E eu ainda parei, sabe? Fiquei assim, tentando. Jogar água a gente não pode, porque é pior. Mas assim, sabe? Ela me olhando assim, ela se torcendo. E meus companheiros viram que naquela hora eu me emocionei. E eles me levantaram e falaram: “Dona Vergínia, vamos seguir. A gente não pode mais fazer nada.” E os animais voando para um lado e para o outro, devido à fumaça. E eu segui em frente. Então, ali eu criei muita coragem de enfrentar mesmo. E era um calor de 40 e poucos graus. E a gente ficou enfrentando ali na fumaça, respirando aquela fumaça, os olhos ardendo, e a gente conseguiu controlar, sabe? A gente conseguiu controlar o fogo. Esse dia foi muito triste. Eu fiquei semanas, eu acordava de noite e parecia que eu estava vendo aquele animal. E assim, Deus é tão bom, que depois que aconteceu isso, que passou, eu estava pescando no meu sítio, e aí apareceu uma sucuri. E eu comecei a pescar, e eu peguei o peixe assim, e ela tirou a metade. Eu tinha até um vídeo gravado, mas eu perdi no meu celular. E ela tirava a cabeça assim pra fora, e eu pegava o peixe e dava na boca dela assim. E ela fazia aquele processo de enrolar, sabe, e se alimentar. E aí eu pegava um peixe pra mim e um peixe pra ela, um peixe pra mim e um peixe pra ela. E eu tinha o meu gato e o cachorro. E aí eu fiz o vídeo. E aí eu mostrei para minhas amigas. Nossa: “Dona Vergínia, a senhora é doida, pelo amor de Deus, isso é uma cobra. Ela vai engolir a senhora, ela vai pegar a senhora.” Mas eu não tinha medo. Não tinha medo. E esse trabalho, esse processo, eu fazia com ela. E sempre, quando eu ia pescar, ela estava ali. Ela aparecia ali. Ela chegava ali e eu alimentava ela. E aí eu lembro bem que foi uma tarde e eu não fui pescar. Eu estava tão cansada, eu estava trabalhando aqui na mata, eu cheguei, fiz um café, botei uma cadeira assim e sentei. Estava ventando. Lembro como se fosse assim: ventando, meu cachorrinho, meu gato assim. E aí eu fiquei ali. Eu falei assim: “Ah, ela vai se alimentar.” Mas eu pensei, sabe? E a minha cachorrinha começou a latir, latir, latir. E eu falei: “Gente, o que será que é?” E aí eu não dei muita importância, sabe? E ela começou a latir e vinha para o meu lado, tipo assim, me avisando. E eu sentada. E, que eu olhei assim pra trás, a cobra vinha vindo assim na minha direção, assim ó, uma sucuri linda. E, naquele momento, eu pensei assim, falei: “Meu Deus do céu, será que ela veio caçar, ela veio atrás, que ela queria se alimentar, será que é ela?” Eu fiquei imaginando mil e uma coisas. E eu até tirei foto dela. E aí eu fui com o pauzinho assim, tocando, tocando, até ela chegar no curicha, até chegar na baía, o cachorro, o meu gato, e levei ela. E aí eu fiz vários vídeos, várias fotos, coisa mais linda, mas eu perdi o celular. E aí eu mandei para minhas amigas, e minhas amigas não acreditaram. Até a Tainá, uma enfermeira também. Ela falou: “Dona Vergínia, eu vou lá. Eu quero que a senhora me mostre essa cobra, eu quero que a senhora alimente ela, que eu quero ver, eu quero filmar.” E aí eu trouxe até lá nesse seu Pantanal, onde a gente vai. Chegou lá, ela apareceu. E aí, quando ela apareceu, não ficou ninguém na beira, só eu ali. “Dona Vergínia, ela vai engolir a senhora. Meu Deus do céu!” O pessoal ficou admirado e filmando. E aí ela ficou ali, sabe? Então, assim, essa convivência de animal, de estar ali com os bichos ali, vem de mim, sabe? Eu não tenho medo. Eu tenho um carinho. Eu tenho respeito por eles. E eu sei que isso eles contribuem. Eles sentem também isso. Então, assim... É uma história muito linda. E, quando eu vejo assim, elas passando, eu tiro foto, eu paro, converso, deixo elas passarem. Esse dia mesmo eu estava andando aqui, tinha uma jiboia bonita. Eu estava catando maracujá do mato. E ela paradinha. E eu parei, fiquei olhando, tirei foto. Então, assim, é muito prazeroso. Eu já sentei para me alimentar na hora do almoço, trazer a comida para a mata, e eu sentar numa pedra, e eu com os pés em cima de uma jiboia, e eu não senti ela. Só fui sentir que meu amigo viu ela saindo assim. Eu vou falar: é muita história. É muita história prazerosa, sim. E conviver com esses animais é tudo de bom. É muito bom. Então, eu cuido, eu falo, eu converso. Se for pra mim ir lá e brigar: “Olha, não mata, não vai fazer mal nenhum. Ela é linda que ela é.” Então, tudo isso, gente, é o meu trabalho, é o meu dever. Eu sei que Deus me colocou aqui na Terra com uma missão. E essa missão não tem dinheiro no mundo que pague. Eu faço por amor. As pessoas falam assim: “Mas você precisa de alguém que te ampare, de alguém que veja esse trabalho.” Eu falo assim: “Eu preciso mesmo é de força, de coragem e da minha saúde. Isso eu preciso, porque Deus me dá tudo aquilo ali. Para mim, eu sei que uma missão Ele me deu, e isso eu faço com muito amor, muito amor mesmo. Eu me dou a isso aqui.”
P- Isso é ser uma mulher pantaneira?
R - Isso é ser uma mulher pantaneira. Eu me sinto uma mulher verdadeiramente pantaneira mesmo. Às vezes eu fico olhando assim, as pessoas falam, “eu sou pantaneira”. Não, pantaneira é você viver aqui, sabe? Com os pés no chão, sem medo, sem andar, você sentiu uma dor, você vai ali, você pega uma planta, você faz, você é curada. Eu estou com 55 anos, eu nunca me dependi, fiquei dependente de remédio. Nunca meu remédio, eu vou lá, faço um chá, faço isso, faço aquilo. Se eu quero relaxar, eu pego um capim santo, eu pego uma outra planta, faço, eu tomo. Então é assim a minha vida. E ando na mata como ninguém. Isso é ser uma mulher pantaneira. Com muito orgulho mesmo.
P- E esses conhecimentos da terra, passado de geração em geração, né?
R - Sim, eu passo. Meu pai passou pra mim. Aprendi com a minha segunda mãe, que foi a Dona Julinha. Não desisti. Voar o máximo que você quiser voar, você voa. Acredita nos seus sonhos. Não guarda ele numa gavetinha. Não guarda ele pra você. Mostra. Mesmo que, às vezes, tem pessoas que não conseguem ver. Mas você está fazendo o seu trabalho. Eu tenho certeza que, de alguma forma, ele vai aparecer uma hora. E aí você tem essa história para contar. Eu tenho muita história para contar para os meus filhos, para passar para eles. E isso eu passo para eles, de não desistir. Hoje pode ser que não aconteça. Mas amanhã é outro dia, não pertence a gente, mas sim a Deus. E pode ter certeza que Ele vai estar ali de portas abertas para te mostrar onde é o caminho. Isso é bem importante.
P - E me conta, você queria deixar registrado qual é o nome dos seus filhos?
R - Tá, vamos lá, é bastante. O mais velho é o Everson, aí vem o outro que é o Marcelo, aí vem o que levou o nome do pai, que é o Wilton Júnior, aí vem o Gabriel, o Rafael e o Paulo André que acabou de chegar aí. Esse é o caçula, o Paulo André. Aí vem a menina Andressa e a minha caçula Ana Clara.
P- E como foi se tornar mãe?
R - Olha, é outra experiência. Se tornar mãe é você estar ali, uma plantinha que você vê nascer e que você vai cuidando, você vai regando, ela vai crescendo, você vai cuidando dela, você vai dando ensinamento, você vai ensinando. E é assim, eu nunca bati nos meus filhos. Nunca, nunca fui pegar um cinto, uma vara e surrar. A minha convivência com eles foi de conversar. De sentar e conversar, bem diferente do pai, porque o pai já era nordestino, tinha aquele jeitão. Todo. Mas assim, eu sempre fui de sentar, “olha, senta, é assim, é assim, é assim. A vida, você vai aprender o lado bom e o lado ruim”. Eu sempre aprendi, tá certo que eu aprendi da pior maneira, que foi com sofrimento, mas foi um aprendizado para a minha vida, que hoje eu tenho. Os meus pais me ensinaram a ter educação, a respeitar o mais velho, a dar a benção, hoje em dia quase a gente não vê isso, de acordar, “bença mãe, bença pai”, porque quando você pede a bença, você está sendo abençoado. Quando você acorda e você agradece pelo seu alimento que você tem, Deus está abençoando ali. E quase hoje em dia a gente não vê mais isso. É muito difícil a gente ver isso, o agradecimento. Então eu sempre ensinei eles assim, até hoje quando eu chamo é “por favor, você pode fazer isso, me ajuda a fazer isso, tá no seu alcance?”, então é assim. Eu sempre ensinei eles assim. E eu tenho uma filha que hoje ela me dá orgulho disso, ela tá com 17 anos, ela tá fazendo técnica de mineração, já subiu lá no morro onde eu subi, então eu tenho muito orgulho do que eu vivi e do que eu tô ensinando pra eles.
P- Eu queria que você me contasse a história do peixe que você pescou.
R - Então, foi uma história bem assim, foi até engraçado, porque assim, a gente saiu, a gente veio para... Eu tinha acabado de sair do serviço, e a gente pegou um barco, a gente emprestou o barco do vizinho e foi para um lugar onde saía muito peixe. E estava eu, a minha irmã, o finado meu esposo e meu sobrinho. Acabou. E aí a gente parou num lugar. E, de repente, o tempo fechou. E aí o tempo fechou e começou a ventar, ventar, ventar. E a gente parou, amarrou o barco em um lugar, esperou aquele vento forte passar. E aí a minha irmã com medo: “Vamos embora, bora.” Eu falei: “Não, vai acalmar, vai ficar bem.” E aí acalmou, umas três horas da madrugada acalmou, duas horas acalmou o vento. E aí começamos a pescar, é o horário que o peixe bom sai, é de madrugada. E aí começamos a pescar. Nisso, meu sobrinho já pegou um pintado, nossa, ficamos felizes. O outro já pegou outro peixe, e assim fomos. Aí eu falei assim: “Meu Deus do céu.” Falei: “Eu tenho que pegar esse peixe.” E aí veio a primeira fisga, eu peguei um palmito, depois peguei um girupensem, assim, desse tamanho assim. E aí ficou toda feliz. Aí joguei de novo. Quando eu joguei assim, levou a linhada aqui, fez barulho no barco. A linhada fazendo barulho. E rolou assim. E eu grudei nisso que eu grudei, que até hoje eu tenho aqui, ó, que cortou a... Agora que tá... Entrou a linhada assim. Aí eu peguei um pano, amarrei rapidinho. Mas não soltei. Segurei ele. E ele levou a linhada. Levou, daquilo que ele levou, eu deixei ele levar. Aí meio que cansou e eu vinha puxando, vinha puxando. Falei: “É pesado, é pesado, mas eu vou trazer ele.” Aí parava um pouquinho, ele levava a linhada, eu dava, ele levava, ele cansava e eu puxava. E assim foi nossa briga. Olha, foi quase mais de meia hora de briga com ele dentro d'água. E todo mundo parado, todo mundo querendo ver: “Calma, não vai perder, não vai perder, calma que ele está vindo.” E aí, quando chegou assim, o meu esposo botou a lanterna assim... Menina, mas era um pintado enorme, mas enorme, muito bonito. E quando eu vi que ele já estava bem cansado, ele abre esse meio aqui, a parte da guelra dele, abriu assim, eu meti a mão por dentro assim e levantei. Eu não aguentei, peguei com as duas mãos assim e levantei, sabe? Mas é enorme, que pintado lindo! Nossa, aquilo ali eu agradeci a Deus! E eu falei: “Gente, agora a gente quer... Se vocês quiserem ir embora, agora a gente vai, viu? Porque agora eu peguei o peixe que eu nunca tinha pegado na minha vida.” Mas um pintado enorme mesmo, enorme, muito bonito mesmo, viu? E aí pronto, aí eu sei que nesse dia a pescaria foi boa. Aí viemos embora para casa. Quando eu cheguei lá em casa, o pessoal já estava esperando com faca, tudo amolado para ajudar a limpar o peixe. E no outro dia foi só festa, viu? No outro dia foi só festa, mas foi muito bonito, foi muito bom. Foi o pintado assim que eu... Nossa, eu falo: “Ainda vou pegar outro desse.” Muito bom mesmo, foi uma pescaria boa mesmo. Foi de madrugada. Nessa hora eu até o sono perdi. Não tem sono que chegue quando você está pescando. É muito bom.
P - E como é que você conheceu o seu marido?
R - Ah, ele já conhecia aqui também, num trabalho aqui dentro, que a gente trabalhava aqui, no plantio, e foi até engraçado também. E aí o pessoal falava assim: “Cuidado, a presidente não gosta que fica, é animal assim, pode ter degradação na área. Então ela é assim”, o pessoal falava pra ele, ele contando esses termos pra mim. Aí: “Se você quer andar com o gado, o gado vai deixar em tal lugar, você tem que andar cedo, não pode ficar andando mais tarde, porque o gado não pode atravessar para a área da comunidade. Que isso, que aquilo.” Aí ele dizia assim: “Meu Deus do céu, um dia eu vou bater de frente com essa mulher, ela vai querer falar as coisas... Vai querer brigar comigo e falar as coisas”, o pessoal falava para ele. Aí um dia a gente estava ali no plantio, a gente vinha cedo para o plantio, seis horas a gente chegava aí na mata. Aí cada um trazia seu café da manhã, era um café da manhã compartilhado. Um trazia um bolo, outro trazia um suco, um café, e a gente sentava na beira, debaixo de uma árvore, forrava uma toalha e a gente fazia, era tipo um piquenique, mas nós estávamos tomando nosso café da manhã para depois ir trabalhar. E aí já botava as nossas caneleiras, todo o nosso EPI, luva. Aí a gente ia pra mata pra fazer o plantio. E eu trabalhava na roçadeira, porque você tem que fazer a coroa, onde você vai plantar, e a outra vinha, cavocava, a outra já vinha com gel, e depois a outra vinha com a plantinha. Era assim, cada um tinha o seu trabalho ali. E aí ele tava vindo, isso era cedinho, e ele tava vindo com o gado pra cá e tinha um búfalo. E quando eu vi aquele búfalo, eu falei: “Meu Deus do céu!” Aí o rapaz que vinha com ele falou: “Nossa, a presidente tá ali, agora ela vai brigar, agora ela vai pegar a gente de frente.” Aí ele disse: “Quem que é ela? É aquela dona ali que tá lá plantando, tá junto com as mulheres ali.” Aí eu vi, e as meninas: “Ah, lá um búfalo, cuidado, ele vai para cima.” Ele falou: “Não, não tem perigo não, dona.” Aí eu parei e falei: “Moça, para onde que vai indo esse gado?” Ele falou: “Não, a gente está levando ele para a fazenda.” Aí eu falei: “Ah, tá bom.” “Mas ele não é bravo, não. A gente está levando ele para ali, a gente vai deixar ele lá.” Falei: “Ah, tá, tá bom.” “Aí, mas se vocês quiserem uma água, podem beber lá”, ele falou, “a gente está bem pertinho aí.” Aí a gente estava ali, ficamos ali trabalhando. Aí um dia choveu, mas uma chuva, uma chuva, aquele relâmpago, começou a chover. Aí um outro rapaz que trabalhava com a gente falou assim: “Vamos chegar lá na fazenda ali, tem um moço lá, ele dá cobertura para a gente”, porque estava relampiando bastante, trovejando, e a gente com o equipamento, e corremos para cá, viemos embora. Só que ele não estava aí, estava outro, que é irmão dele. Aí tá, quando a gente teve um dia que a gente veio, a gente queria água, acabou nossa água, viemos embora. E chegamos aí, tava do jeito que tava, um monte de... Que ele gosta também de fazer, ele faz também, faz bolo, faz um monte de coisa doce. Aí tava aí, nós chegamos lá, todas sem jeito. Chegamos: “Você pode arrumar pra gente, não?” Aí ele assim: “Vamos chegar, vamos entrar”, já veio, pegou café, suco, biscoito. Deu, nós ficamos ali sentados, comemos e fomos embora. Aí uma das meninas compraram o queijo, aí ele falou: “A gente faz isso, isso, me dá seu telefone.” Ele falou assim: “Vou passar meu número aqui para vocês.” Aí passou para a gente. Só que engraçado que uma outra amiga que estava se amigando com ele e estavam conversando. Mas assim, sabe aquela coisa de você vir e você não levar para aquela coisa e você está ali enturmada? Em nenhum momento você passa pela sua cabeça, então você não tem aquela visão de levar para outra conversa. A minha amiga me chamou de Vivi: “Vivi, vamos lá que o menino falou para a gente ir lá, tem surpresa, eles estão fazendo doces.” “Ah, eu não vou não, eu tenho vergonha. Se você quiser ir, você vai.” “Não, mas vamos, ele é muito nosso amigo, muito amigo meu, que isso, que aquilo.” Aí ela falou assim: “Eu acho...” Ela falou assim: “Ele falou que a gente pode ir, eu acho que ele está de olho em você.” Eu falei: “Ah, para. Quem está de olho em mim? Eu, hein? Não, eu estou tranquila.” Eu falava: “Eu estou tranquila.” Aí ela: “Não, você vai comigo.” Eu falei: “Tá, eu levo você, mas tá, não fica não conversando essas coisas não, que aí eu venho embora”, eu falava pra ela. “Não, tá bom.” Aí ela ficava mandando foto pra mim: “Olha só, eles fizeram um bolo, fizeram isso.” “Não, a gente vai pro plantio, a gente vai ficar plantando lá e se um dia eles convidarem a gente, tá bom.” E nisso a gente começou a ficar pegando amizade, pegando amizade. Aí um dia ela falou pra mim assim: “Você acredita que ele chegou e falou pra mim assim: ‘Quer pra mim levar você lá?’ Ele achou você muito interessante, ele quer conversar com você.” Eu falei: “Eu não vou.” Aí tá, aí por incrível que pareça, os carneirinhos que estavam lá no meu sítio sumiram. E aí eu saí desesperada atrás dos bichos e os guris: “Mãe, a senhora vai entrar no mato sozinha? Mãe, cuidado, a onça apareceu, que já tinha comido um carneirinho.” Eu falei: “Não, tá tranquila, filho, eu vou atrás, eu vou achar.” E aí eu comecei a chorar: “Ai, meus bichinhos, onde será que estão? Vão dormir no mato? Vão passar no relento? Será que a onça vai achar eles?”, eu ficava. E aí passei quase três dias caçando eles, e três dias eles ficaram na mata. Aí eu vim para cá com o meu filho para ver. Falei: “Moço, não viu o meu carneirinho assim?” “Poxa, não vi, dona, mas vamos tomar um café, vamos tomar um suco.” Ele saiu com o pote de suco, de café, estava com o meu filho. “Vamos tomar, pode tomar.” E aí ficou. Quando foi no outro dia, aí o vizinho daqui de perto me ligou: “Vizinha, o carneirinho da senhora apareceu aqui, a gente já prendeu. É só vir pegar com os meninos.” Falei: “Tá, pode deixar que eu vou pegar.” E aí eu vim pra avisar ele. Falei: “Não, tá tranquilo, a gente conseguiu achar.” “Ah, tá bom. Mas volta aí pra tomar um café, volta pra eu tomar um suco.” E a minha amiga soltando pilha. Soltando pilha. Falei: “Meu Deus do céu.” Aí um dia nós viemos pra almoçar, ficamos aí almoçando. Ele faz licor de leite também, muito gostoso. Acho que tá até na garrafinha ali, aquele ali é um licor. Aí fez, porque eu não bebo, não fumo. Como eu comi bastante, tomo açúcar, mas não bebo, não. E aí eles ficaram aí conversando. Aí ele veio todo acanhado: “Ah, porque eu perguntei para sua amiga e isso. Será que dá certo?” Eu falei: “Não sei, mas tá bom, eu vou pensar no seu caso.” Aí cheguei e falei com a minha filha. Minha filha: “Nossa, mãe. A senhora só fica se dedicando ao trabalho e só tem que ter um tempo para a senhora também. A gente não é contra. Se a senhora está sendo feliz, a gente vai ser feliz também.” E nisso foi dando conversa, foi dando conversa. E também tudo aquilo que ele gosta, eu também gosto. Já entramos no mato para caçar, já fomos caçar, andamos aí. E aí a gente foi tendo essa convivência. Aí eu falei: “Ó, mas eu tenho a outra casa lá que eu tenho que cuidar, eu tenho lá meus filhos.” “Não, a gente tá aqui é pra somar. Se a gente gosta um do outro, é um cuidando do outro, um sabendo respeitar o espaço do outro, e assim a gente vai.” E hoje em dia a gente já está recente, vai fazer dois meses, mas a gente está se dando super bem. Está sendo outra experiência de vida para mim. Mas assim, tudo que ele gosta, acordo 4 ou 3 horas, ele vai tirar leite, a gente vai, então é assim. Meus filhos adoraram, a família gostou, todo mundo. Passei a semana santa aqui, fiz sopa paraguaia, um monte de coisa. A gente se dá super bem. É isso, estamos tocando a nossa vida.
P - A gente está encaminhando para as perguntas finais. Eu queria saber como você, dos conhecimentos que seu pai te deu, quando você foi fazer o curso de brigadista do fogo, alguma coisa que seu pai te ensinou ajudou na hora do curso da brigada ou foi um conhecimento completamente novo?
R - Não, algumas coisas ajudaram. Tipo, mexer com ferramenta. Algumas mulheres não conseguiam. E eu já tinha a facilidade de mexer com facão, com a foice, com a enxada. Eu sempre tive essa facilidade. Então, era mais fácil para mim, por ter esse conhecimento que eu aprendi com ele. Então eu entrava na mata e ia batendo, picando com o foice, e o pessoal dizia: “Nossa, dona Vergínia, onde que você aprendeu isso? Você era muito rápida.” Mas tudo já veio de um aprendizado, de um conhecimento que o meu pai passou para mim. Então, para mim não vi muita dificuldade. A única dificuldade é que antigamente eles usavam o fogo até para fazer uma limpeza na pastagem, plantar, eles falavam. E hoje em dia, a gente não usa mais o fogo para isso, para nada. Se a gente faz uma roçada, a gente usa aquilo ali como um complementar, porque é uma compostagem de plantas que a gente usa para as próprias plantas, então a gente não queima mais. Hoje em dia o fogo para a gente é zero. Está certo que o fogo tem seus benefícios, mas também tem o seu cuidado. Hoje em dia eu sei dividir muito bem o que ele oferece e o que ele não oferece, o cuidado que a gente tem que ter com o fogo. Foi uma experiência boa também, de saber lidar com o fogo e levar isso adiante para as pessoas, que a gente não tem o fogo só como inimigo. A gente precisa também dele, mas você precisa saber usar ele, ter todo o cuidado com o fogo.
P - E o que a APA Baía Negra representa na sua história?
R - Olha, a APA Baía Negra representa para mim a minha história de vida. Como eu falei para você, é o meu coração. A APA Baía Negra é a minha vida, é o meu sangue que corre nas veias. É o meu coração batendo todo dia, é um batimento diferente. E onde eu vou, até hoje eu fico admirada com as coisas que eu vejo. Eu nunca falo assim: “Ah, eu já vi isso aqui”. Não, cada dia é uma história, é uma vida, é algo diferente que eu vivo aqui dentro. Então, a APA Baía Negra é a minha vida, é o meu chão, é a minha terra, é o sangue que corre nas minhas veias, é o meu coração pulsando. É a minha vida. É o ar que eu respiro. É o batimento que está aqui dentro de mim. Essa é a minha história. É como eu descrevo a APA Baía Negra. É tudo para mim. Eu não vivo sem isso aqui. Não saberia viver também. É a minha vida. É o meu chão. O meu porto seguro é aqui. Então, eu vivo isso daqui, vivo, não saio, não me vejo sem isso aqui.
P - E você tem sonhos?
R - Tenho muitos sonhos ainda, viu? E ainda de ver a minha comunidade bem, porque o trabalho que eu faço não é só para mim, eu faço pela minha comunidade, de ver um trabalho aqui dentro, a gente tirando a nossa própria renda aqui dentro, não precisar as pessoas saem daqui para outro lugar para tirar o seu sustento, mas sim daqui de dentro, porque nós temos uma APA que tem tudo, tem uma riqueza linda, mas a gente precisa de mãos amigas, a gente precisa de pessoas para olhar com mais olhares para a gente. E saber que a gente pode tirar bons frutos aqui dentro. Está certo com todo o cuidado, mas que a gente consegue trabalhar e tirar o nosso próprio sustento aqui de dentro. Ver minha comunidade bem, eu também me sinto bem. Então, isso é a minha luta por isso aqui.
P - Vocês fazem alguma venda? Como é com a associação?
R - Então, a associação ela trabalha com doces, a gente faz doce, a gente faz um café da manhã, a gente faz um almoço, a gente faz um chá da tarde ao pôr do sol, essa é a renda que a gente tira. Inclusive agora em junho, a gente vai ter 42 alunos que vão vir de São Paulo, do Instituto Acaia. Então, já fechamos já também, e aí as mulheres também tiram sua renda e a gente faz o trabalho que a gente tem dentro da cozinha. A gente já tem o... Trabalha com o pial de três pintas. A gente faz o arroz vermelho, que a gente faz o arroz boliviano. O arroz vermelho é nativo daqui da região também, a gente trabalha com ele também. O suco natural, tudo daqui de dentro que a gente tira, então é muito prazeroso. Essa é a única renda que a gente tira aqui dentro.
P - Vergínia, pode falar.
R - E fora o trabalho que a ECOA faz pra gente aqui também, no replantio, no agroreflorestamento, também é um trabalho que a gente consegue tirar nossa renda aqui dentro.
P - Vergínia, eu ia perguntar se você tem mais alguma coisa que eu não te perguntei para acrescentar na sua história de vida, que foi só um pedaço, não dá conta de tudo, mas se você quer contar alguma história que eu não tenha te perguntado.
R - Olha, eu tenho certeza. Eu tenho muita certeza disso, sabe? Eu sempre falo assim, eu não sei falar será, não, pra mim não existe será. Eu tenho que ter certeza daquilo. Eu tenho certeza que ainda vou ver tudo isso aqui sendo visto em vários lugares. Eu já fiz um filme com a nossa brigada, que esse filme foi para outros lugares, para concorrer prêmio. Então, o que eu ainda quero ver, e tenho certeza que ainda vou ver, é a APA Baía Negra sendo bem visitada. As pessoas vindo, olhando para isso aqui, tendo o prazer de estar aqui dentro, de caminhar aqui dentro, de sentir tudo isso que a gente sente, de ver ela crescer. Não crescer, eu falo assim, mas crescer em visão de coisas boas. Então, isso eu tenho certeza que eu ainda tenho esperança e ainda vou ver isso. É uma história muito linda que tem aqui dentro. São muitas histórias, sabe? Muitas histórias lindas. Nós temos a nossa Baía Negra ali, que tem uma história muito linda também das águas. Se você entrar lá dentro pra você pescar, você não pode gritar lá dentro, porque elas vêm se formando ondas. Isso é real, porque eu já vivi isso daí com meu pai lá dentro. Então, é história linda que temos aqui dentro pra ser contada.
P - Como é que é essa história?
R - É assim, ela é uma baía bem profunda, bem grande, mas agora ela está seca devido a nossa estiagem. Agora que ela está enchendo. Então meu pai falava assim que quando a gente entrar dentro da baía e a gente for pescar, que é uma baía muito grande, a gente não faz barulho, você não fala alto, você não grita, você tem que pescar bem quietinho, fazer o silêncio máximo. Se você começar a gritar, a fazer barulho, a onda vai se formando, vai se formando, vai se formando, até ficar uma onda brava. E isso eu enfrentei com ele. Eu achava que era mentira, mas isso eu passei com ele. É uma história de vida, de convivência. A história que a gente tem aqui dentro é muito linda. Isso é prazeroso para a gente, a gente sentar e contar a história que a gente tem aqui dentro para as pessoas. São essas histórias que a gente quer que as pessoas conheçam o que a gente tem aqui dentro. Nós temos uma riqueza que precisa ser preservada, que precisa ser cuidada, que precisa de toda atenção. E a brigada que nós temos aqui, agora que eu vou viajar lá para Brasília representando a nossa brigada, eu vou com muito orgulho. Eu nunca andei de avião, eu vou com medo, mas eu vou. Eu vou porque eu sei que eu vou trazer a experiência que eu vou passar lá e tudo que eu aprender lá eu vou trazer de experiência pra gente aqui. Isso é muito bom. Como eu fui pra Bolívia, passei essa experiência lá do frio, que a altitude é terrível. A respiração da gente é muito... Eu cheguei a enfrentar fogo lá, mas assim, foi uma experiência única também que eu estou levando pro resto da minha vida, um conhecimento muito bacana mesmo, um ensinamento que a gente leva pra gente. Então, mais coisas boas, eu tenho certeza que cada dia é um aprendizado. Eu não tenho medo de ir em frente, não.
P - Antes da pergunta final, eu lembrei de uma coisa quando você estava falando que enfrentou o fogo na Bolívia. Eu queria te fazer uma outra pergunta e depois a gente faz a pergunta. Final, que é bem simples. Mas essa pergunta é: eu já ouvi você falando em outro momento, acho que na nossa ligação, que hoje você falou que o fogo não tem limite. E que existe o medo de que ele pule para o outro lado do rio. Como é que é isso?
R - Por exemplo, agora a gente está vendo um vento bem extenso. O fogo está do outro lado do rio. A gente sabe que quando ele está tomando conta e você perde o controle, a gente pode esperar tudo dele. Então, quando o vento está muito extenso, ele pula. As faíscas que vêm de lá, e se o fogo tá, o vento tá ao seu favor, pra cá, trazendo ele pra cá, aquela faísca bem alta, ela vai pular pro outro lado. Qualquer faísca que cair aqui na nossa comunidade, que a mata tá seca, ali já começa um fogo. E esse vento que a gente está tendo agora, ele é totalmente vai avançando com o fogo. Então você tem que ser muito rápido. Esse era o nosso maior medo. E quando a gente fala em fogo, a gente tem toda… Hoje em dia não, a gente usa muito a tecnologia, de usar. O vento está a favor, está a leste, está a sul, está quantos km da gente. Hoje em dia a tecnologia ajuda bastante a gente. Mas há medo. A gente já enfrentou, já fez o contra-fogo também, porque a gente viu que não conseguia chegar. Nós já nos preparamos para um contra-fogo também, para chegar, eles se encontrarem ali e ali ter o limite final. Já passamos por tudo isso. Então, esse é o medo. Mas se a gente tiver um trabalho de educação, tanto levando nas escolas e levando para um todo, eu tenho certeza que cada um vai fazer a sua parte de cuidar. Porque o fogo é assustador. A gente já viu aí que até hoje as pessoas não se recuperaram, mas estão acreditando que a gente consegue, sim. E quando se fala em ir em defender, eu entro. Eu entro com o meu corpo e alma, eu vou. É isso.
P - E como foi contar sua história hoje? O que você achou?
R - Olha, eu juro que eu não esperava isso. Vocês me trouxeram muitas lembranças boas. Da minha infância, do meu pai que já se foi, e assim, da Dona Júlia. Que às vezes vem, mas você não tá contando para alguém o que você passou. E isso, nossa, isso foi muito bom, muito bom mesmo, lembrar o meu passado, de onde eu vim, eu não tenho, vamos dizer assim, não tenho vergonha de falar das minhas origens, de onde eu vim, o que eu comi, o que eu passei, o que eu sobrevivi, não tenho vergonha, eu falo isso com muito orgulho. Eu vim de uma família humilde, mas uma família trabalhadora, uma família que honrou o que a família ali, que foi meu pai, a minha mãe, o que me ensinaram, com os pés no chão. Eu tenho muito orgulho mesmo de falar que eu sou pantaneira, sou da terra, sou do chão, sou da água, sou desse Pantanal lindo. Então, eu tenho muito orgulho de ser quem eu me tornei, da mulher que eu me tornei hoje. Eu tenho muito orgulho disso, muito orgulho de mim. E cada dia é um aprendizado, então eu vou falar pra vocês, eu me senti muito feliz com vocês, das perguntas que vocês me fizeram, do que eu tô convivendo aqui com vocês, é uma experiência também que eu tô levando pro resto da minha vida. Isso é muito bom, foi muito bom, tá sendo muito bom.
P - Verginia, em nome do Museu da Pessoa, em meu nome, em nome do Saulo, da Thais, muito obrigada por compartilhar sua história.
R - Eu que agradeço, gente. E desculpa, tá bom? Porque é uma emoção. Falar da minha vida, falar do que eu vivi, do que eu sofri. Então, é a minha vida, esse relato é isso. Mas eu não desisto, sabe? Eu não desisto não, porque eu sei que Deus tem muita coisa ainda pra mim. E eu tenho certeza que o dia que eu for que nem Dona Júlia, bater as asinhas e virar uma borboleta, estou deixando uma história, um legado, que meus filhos vão sentar e vão falar: “Eu tive orgulho da minha mãe, que ela foi essa mulher”, as minhas amigas também, elas falam muito isso para mim. Então, eu vou sentir que ali eu cheguei com a minha missão, mas ainda tenho muita coisa ainda para caminhar, com certeza. E é isso, gente, eu que agradeço mesmo de coração, viu?
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