NELSON LIMA DOKTOR
A MPB COMO FILOSOFIA BRASILEIRA
O LUXO...
A ousadia de considerar a MPB como uma filosofia brasileira certamente não é uma ideia minha, que não sou compositor. Há esta intenção em muitos compositores. Percebe-se uma tentativa de entender o Brasil di profundis em Chico Buarque, entre outros compositores. Tanto que hoje Chico Buarque é um respeitado escritor.
Não somente os compositores, mais famosos, mas, também os coreógrafos também podem ser considerados pensadores do Brasil. Eis que música e dança configuram-se como gramáticas de um jeito de pensar brasileiro. Quão difícil é introjetar na mente dos jovens as ideias abstratas que desenvolveram-se no Ocidente: racionalismo, iluminismo, idealismo, marxismo, existencialismo e muitos outros ismos... Tudo isto parece ser especialmente chato para um brasileiro comum!
A música popular brasileira não é muito popular. Não vende muitos discos. Muita gente não entende as letras. Muita gente não entende as letras de Lenine e de outros compositores. Eu mesmo não entendo algumas coisas que ele compõe, com seus regionalismos. Paulinho Moska também é um compositor abstrato por demais. A grande “brasilidade” do compositor brasileiro é explorar ao máximo todas as características de uma obra musical: ouvir, cantar, dançar. E hoje em dia, ver e sentir na pele, pelas vibrações das caixas de som. Só não dá ainda para cheirar música. Para alguma coisa tem que servir uma composição?
Se pensarmos na música estrangeira é assim que explica-se o sucesso popular de Michael Jackson. Ninguém entende nada, mas, a música é dançante e cantante. Uma boa música da MPB pode ser um tipo de música estrangeira para os ouvidos populares, apesar de tratar-se da música popular brasileira. Há uma pretensão de ensinar na MPB, que pode se realizar ou não. Esta pretensão não existe na música pop estrangeira, que esbanja seus palavrões e baixarias sem preocupar-se em ser...
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NELSON LIMA DOKTOR
A MPB COMO FILOSOFIA BRASILEIRA
O LUXO...
A ousadia de considerar a MPB como uma filosofia brasileira certamente não é uma ideia minha, que não sou compositor. Há esta intenção em muitos compositores. Percebe-se uma tentativa de entender o Brasil di profundis em Chico Buarque, entre outros compositores. Tanto que hoje Chico Buarque é um respeitado escritor.
Não somente os compositores, mais famosos, mas, também os coreógrafos também podem ser considerados pensadores do Brasil. Eis que música e dança configuram-se como gramáticas de um jeito de pensar brasileiro. Quão difícil é introjetar na mente dos jovens as ideias abstratas que desenvolveram-se no Ocidente: racionalismo, iluminismo, idealismo, marxismo, existencialismo e muitos outros ismos... Tudo isto parece ser especialmente chato para um brasileiro comum!
A música popular brasileira não é muito popular. Não vende muitos discos. Muita gente não entende as letras. Muita gente não entende as letras de Lenine e de outros compositores. Eu mesmo não entendo algumas coisas que ele compõe, com seus regionalismos. Paulinho Moska também é um compositor abstrato por demais. A grande “brasilidade” do compositor brasileiro é explorar ao máximo todas as características de uma obra musical: ouvir, cantar, dançar. E hoje em dia, ver e sentir na pele, pelas vibrações das caixas de som. Só não dá ainda para cheirar música. Para alguma coisa tem que servir uma composição?
Se pensarmos na música estrangeira é assim que explica-se o sucesso popular de Michael Jackson. Ninguém entende nada, mas, a música é dançante e cantante. Uma boa música da MPB pode ser um tipo de música estrangeira para os ouvidos populares, apesar de tratar-se da música popular brasileira. Há uma pretensão de ensinar na MPB, que pode se realizar ou não. Esta pretensão não existe na música pop estrangeira, que esbanja seus palavrões e baixarias sem preocupar-se em ser entendida!
Temos que continuar requentando o discurso da “resistência cultural” contra a música norte-americana? Penso que não. A questão é muito mais linguística do que ideológica. Nos anos 70, um brasileiro comum sempre crescia bilíngue. Os brasileiros de classe alta sabiam português, inglês e francês. Os brasileiros de classe média sabiam português e inglês. Os brasileiros pobres dos subúrbios da Bahia e do Rio de Janeiro, praticantes de candomblé quando esta religião estava no auge (sem ser perseguida), sabiam português e yoruba. Não importa o status social de cada linguagem! Em termos psíquicos, todos são pelo menos bilíngues.
Eu, pessoalmente, posso entoar um cântico inteiro com a grafia inexata de quem aprendeu por ouvido: onisaurê, saunajé, onisaurê, odé corimã, saunajé babá! ou odécomorodé,odéarêrê ou oromimá,orominmaió, orimimaió, aiêiê ô ou xangôê tá, iarára ê, xangôê tá, Iarárá ê ô! No candomblé, aprendemos duas línguas de lugares bem distantes da África ao mesmo tempo, sem distinguir muito bem uma da outra: yoruba e quimbundo.
O uso instrumental da língua na religião, como ocorre com o latim no catolicismo, aciona inicialmente o processo de memorização em vez do processo de cognição, como na criança. Ninguém sabe direito o que está falando no início. Os cânticos não são cantados pelo seu sentido interno, interpretativo, e sim, pelo papel temporal que desempenham dentro da liturgia religiosa: o primeiro cântico é sempre para exu, depois, a mudança na saudação indica que se homenageia a outro orixá, depois a coreografia em roda indica que haverá incorporação, assim vai até que os cânticos para Oxalá, pai dos orixás, encerram a cerimônia. O exemplo do Candomblé serve, sem enveredar no tema, para demonstrar como os brasileiros cantam canções que não entendem, e como essas canções fazem sentido em sua vida. Os brasileiros são mestres em “desvirtuar” músicas estrangeiras, pela proximidade com seus fonemas, para o sentido de sua cultura que o som emite. Isto cria situações muito engraçadas como o refrão de torcida de futebol “tu é gay, tu é gay, que eu sei” que vem de um funk! A Regina Casé chama isto de embromation. Será que todas as canções da MPB fazem o sentido que os autores dela imaginaram para seus ouvintes. Vamos ilustrar com alguns exemplos.
Quem é o herdeiro da obra inigualável de Luiz Gonzaga, da sua radiografia do Nordeste? Não foi seu filho, que enveredou pela música de protesto. No meu entender foi Zé Ramalho em “Vida de Gado”. É uma música estonteante, que deixa quem a escuta pela primeira vez boquiaberto. É uma música atemporal, porque o Nordeste é aqui e agora, no Brasil e na América Latina. Foi esta música que me fez perceber que o Nordeste não é mais uma região, mas, sim, um estado de espírito do Brasil inteiro, de norte a sul: um ethos! Na Rocinha carioca vê-se o Nordeste, seus contrastes, com a moldura da Mata Atlântica. A propósito, a Rocinha não pode mais ser chamada de favela ou morro. Agora as favelas são comunidades.
Zé Keti não poderia mais ser compositor cantando que o “o morro não tem vez”. Nem poderia compor-se “barracão de zinco, tradição do meu país”, nem “no morro do pau da bandeira”! Não se pode fazer apologia ao “separatismo” entre a favela e o asfalto, como se a integração das cidades já ocorresse, e já tivessemos ultrapassado o estágio de “vontade política”. Se isto é verdade, que a classe média então desmonte as grades que cercam prédios e condomínios, como era até os anos 70 quando já existiam favelas nos morros. Usem apenas câmeras de segurança! Aí estará comprovada a real intenção de integrar totalmente a cidade, que em termos culturais parece realizada como as canções de letras politicamente corretas demonstram. As cidades antigas eram muito mais bonitas sem grades e as novas cidades já nasceram com grades.
E O QUE TEMOS HOJE...
Já a música infantil brasileira terá morrido? Se morreu, foi por receber dois golpes de misericórdia: o funk carioca e Justin Bieber! Estava em uma festa de criança em Nova Iguaçu, quando alguém colocou para tocar a Turma do Balão Mágico: “sou feliz, por isto estou aqui...” Os comentários das crianças foram os seguintes: -Caraca, isso é muito chato!; - Pô, que merda! – Coloca funk aí, mané! As meninas são mais suscetíveis ao excitamento precoce de Justin Bieber. Antes bastava ser bonitinho, agora tem que insinuar sexo como fazia a Madonna para os gays. Se a indecência ocorrer entre crianças e adolescentes, ou melhor, teens, tudo bem! Não pode é adulto estar metido no meio! A diferença entre a música infantil e a música ”adúltera” e tão somente a idade do público e dos artistas. Na verdade, a música adulta atual é uma música infantil para adultos, na inversão de valores em relação aos anos setenta, quando compositores adultos compunham para crianças com a boa intenção de fazer a cabeça deles a serem seus futuros ouvintes, politicamente engajados.
Chico Buarque compôs aquela música de passarinhos que termina com um alerta: o homem vem aí! Era para mostrar que o homem era inimigo da natureza. Rogério Skylab admitiu que compôs a continuação da música na qual ele é o homem e vai matando todos os passarinhos. A licença politicamente incorreta de Rogério Skylab só pode ser escutada por um público seleto na internet por ser muito chocante. É, pois, que ninguém traduziu as últimas músicas de Justin Bieber para ver as indecências que as crianças estão cantando, sem saber. No futuro, ao aprenderem inglês e descobrirem as porcarias que estavam cantando, os futuros adultos vão sentir tão culpados que vão até querer “aceitar a Jesus”!
A boa música, com reflexões, é toda reprisada. Tem música nova que parece boa, que soa bem, mas, que no fundo é porcaria também. A filha do Jair Rodrigues me saiu cantando uma assim de quem desconheço a autoria: “Legal, ficar sorrindo a toa...sorrir pra qualquer pessoa...andar sem rumo na rua!” No final, a mesma, sendo mulher, quer “que o dia termine bem”! Aonde, minha filha? Você pode escapar do dia, mas, de noite você tá ferrada!
Tudo é repaginado com arranjos modernos, pois, não se compõe mais no Brasil. A música da funkeira Anitta é o que: um refrão de promoção do supermercado! É isso que os compositores sabem compor hoje em dia. Gustavo Lima e você! Parece o que? Anúncio de refrigerante. É ou não é? Ai, se eu te pego! Anúncio de ponto de táxi. Funk das cachorras: anúncio de pet shop. E certos baianos e companhia? Conseguem ser ainda piores com suas onomatopeias de quinta categoria. Tudo começou com “segura o Tchan! Aperta o tchan!” – anuncio de sutiã ou calcinha. A apologia à masturbação feminina da dança da boquinha da garrafa é escandalosa! Mais recentemente, “Eu quero tchu, eu quero tchá” que bem lembrou uma propaganda de banho de ducha no chuveiro elétrico.Cada biboca do interior de São Paulo possui uma dupla sertaneja: as primeiras vozes são sofríveis, e as segundas vozes não deveriam nem cantar, deveriam assobiar. Seriam muito mais úteis à musica em termos melódicos. Tem dupla sertaneja até em Bagé, fronteira com o Uruguai, em plenos Pampas e a léguas do Sertão. Deviam fazer uma barreira sanitária no Uruguai. Estou sendo velho e chato? Vocês então não viram Flávio Cavalcanti quebrando discos de vinil na TV Tupi!
Todos esses “compositores” brasileiros do século XXI deveriam ganhar um cachê fixo por show: 622 reais. Eles merecem ganhar o salário mínimo que todo o trabalhador sem qualificação que anda de trem ganha. E também deveriam ganhar um bilhete único para ir de ônibus para os seus shows. Eles ainda dizem que fazem shows beneficentes! Beneficentes para quem? Só podem causar atrofia cerebral em crianças e piorar os sintomas do mal de Alzheimer nos idosos com seus grunhidos medonhos.
Por fim mesmo, algumas ausências deste livro chamam atenção: Dorival Caymmi, Noel Rosa e Jorge Ben. Os dois primeiros, eu simplesmente não senti-me capaz de homenagear, pois, os considero grandiosos e atemporais, principalmente, em termos melódicos. Em relação ao último, dedico um artigo que está no posfácio do livro. Já Tim Maia já disse tudo, pois, é o síndico! Saudades eternas dele!
Miguel Pereira, 14 de novembro de 2013
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