Entrevista de Elias Cecílio Netto
Piracicaba/SP
Realização Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
R1 - Então, desde criança eu gostava de escrever. Meu sonho era escrever, aquele negócio todo e tal. E eu não sabia o que eu queria ser, sei que queria escrever, queria ser escritor, mas escritor não era profissão. Então eu quis ser médico, eu quis ser advogado, porque isso é isso, isso é aquilo. Mas a escrita, tudo em torno de escrever.
(00:32) P1 - Mas o que te atraía nisso, nesse gosto por escrever? O que te encantou nisso?
R1 - Eu nasci com isso, filha. Eu me lembro que eu era criança, eu pedia livros. E houve um Natal, até que eu me recordo, eu devia ter uns seis anos, nunca mais me esqueci desse Natal, do lado da nossa casinha, em que nós morávamos, o seu pai e seu avô, tinha uma livraria. Eu passava em frente a livraria, tinha um livro de contos de fadas, uma coisa assim, sabe? Diversos livros. E eu olhava para aquele livro, eu queria aquele livro, aquele negócio todo e seu avô percebeu e daí perguntou para mim o que eu queria do papai Noel. Eu queria aquele livro e eu esperei o Natal inteiro. E o seu João, que era o dono da livraria, me via olhando, só que ele achou que era outro livro, o livro errado. Então ele falou para o meu pai: “É esse daqui que ele está querendo”. Nossa, e o meu pai vai me dar o livro de presente, na hora que eu vi, abri, era outro. Eu chorei tanto, chorei tanto, chorei tanto. Eu me recordo que eu fiquei sentado na porta da livraria, no dia de Natal, esperando o seu João aparecer. O seu João apareceu e eu falei: “Não é esse livro!”. Ele acabou trocando para mim o livro, sabe? Então eu tinha paixão por ler, querer aprender coisas, sabe? E daí eu fui vendo que os grandes escritores, se tornaram escritores, trabalhando inicialmente em jornal. Então eles iam para a imprensa, a imprensa era como se fosse uma escola de literatura. E aquilo ficou em mim, né, eu queria. Daí eu comecei a ler jornais, Davi Inácio, Carlos Lacerda… tanto é que o pessoal me chamou, no início de carreira de Davi Inácio ou Carlos Lacerda de Piracicaba, porque eu peguei aquele ímpeto, aquele troço todo. E daí os meus professores, quando eu estava no ginásio, começaram a ver as minhas composições e uma ou outra eles mandavam para os jornais para se publicar, achavam bonito. Eu me lembro muito de uma do dia das mães que foi um sucesso assim, todo mundo, a cidade inteira queria me cumprimentar, cumprimentar a minha mãe e tal. Então eu fui crescendo essa ideia. Então eu falei: “Eu vou fazer diplomacia”. Porque diplomacia prometia, Vinicius de Morais era diplomata, não sei quem era diplomata… E comecei a estudar línguas, francês, inglês, alemão, até que eu ganhei um concurso, peguei em terceiro lugar no concurso que o Diário de Piracicaba fez. Mas eu estava aprendendo, com uns 16 anos eu fui para a revisão do jornal de Piracicaba, porque o meu pai era muito amigo do Losso, dos dois “Lossos”, né. Um deles era maçom, meu pai também. Fiquei um tempo lá, eu lia para o revisor, inclusive, Samuel (04:27), o grande Samuel (04:29), era da revisão do jornal, ele estava saindo para ir embora para São Paulo. E eu estava lá, nisso houve o concurso do Diário de Piracicaba, eu participei do concurso, né. Participei do concurso e era férias, nós fomos lá para a casa do seu tio Armitos, em Água de São Pedro, meus amigos, fomos lá e tal. Nisso recebemos um telefonema, era o meu pai avisando que eu peguei o terceiro lugar no concurso
(05:07) P1 - Qual a sua idade?
R1 - Eu tinha 16, 17 anos. 16 anos. E daí eu fui receber, até tenho fotos eu recebendo o título junto com seu avô e sua avó, o diploma. E o Losso Netto, que foi um dos jurados, ele veio nos cumprimentar, cumprimentou o meu pai e a minha mãe e falou: “Olha, o primeiro lugar tinha que ser dele, mas nós não demos, porque ele é muito criança e tinha o Guilherme Vitti e o Leandro Guerrini, que eram dois escritores, então demos o terceiro lugar, mas ele merecia o primeiro”. Nossa, aquilo foi um escândalo! Daí então eu…
(06:05) P1 - Qual foi o tema do concurso?
R1 - Foi aniversário do Diário. O tema era esse, aniversário do Diário, eu não me lembro quantos anos que era
(06:15) P1 - Do Diário ou do Jornal de Piracicaba?
R1 - Do Diário.
(06:17) P1 - Mas o Losso foi um dos…
R1 - O Losso foi um dos juízes
R1 - Dos jurados mais assim…
(06:22) P1 - É, um dos jurados. Mas era em homenagem ao Diário, né. Daí o Ferraz percebeu, começou a falar: “Ah, esse tem talento”. Ferraz era um dos diretores do Diário, né. Eu fui para lá, fui para lá e fiquei uns três, quatro anos, auxiliar de revisor, depois eu fazia polícia, sabe? Depois fiz um pouco de esporte, porque começar como jornalista, começava assim, fazia ou polícia, fazia esporte, escrevia minhas crônicas… então quando chegou em 61, o Wilson Guidotti, seu tio, casado com a Odila, irmã da Mariana falou que… Ele é filho do Luciano Guidotti, grande prefeito. E o Luciano queria voltar à prefeitura, mas estava rompido com o jornal e com o Diário, então ele montou um terceiro jornal e falava que ia ser um grande jornal. Mas eu estava já enraizado no Diário, eu fiquei em uma posição difícil, porque poxa vida, o meu futuro cunhado, estava noivo de sua mãe. Eu falei para o Ferraz: “Ferraz, eu tenho que ir”. “Então vai, fica um mês, dois meses lá e volta”. E realmente eu fui e percebi que o diretor não entendia nada (08:00), as instalações eram precárias, eles compraram tudo errado, não entendiam nada de jornalismo e eu já tinha um pouquinho de experiência, apesar da idade. E eu fui fazendo, fui fazendo, fui fazendo. Nisso eles mandam embora o Valdemar Arruda, que era o diretor, porque ele começou a se envolver com mulherada, com zona de meretrizes, aquele negócio todo. Os associados da Folha eram o empresariado mais forte de Piracicaba, tirando o dedinho de Morgante, então estavam todos lá, donos da Folha, mas fizeram tudo errado, não entendiam, né. E mandaram o Valdemar Arruda embora e o consultor principal da Folha era um jornalista famoso de São Paulo, piracicabano, de nome Luiz Thomazzi. E o Thomazzi via o meu trabalho, ele ia sempre, vinha uma vez por semana para ver, orientar quem ele gostou. E um belo dia… eu continuei tocando o jornal, esperando que viesse o novo diretor, eu era solteiro… veio um recado para mim, para eu dar um pulo lá na agência do Luciano Guidotti, onde estavam reunidos os acionistas da Folha. E me chamaram lá, o Thomazzi estava lá, né. Eu fui, nervoso que eu estava, falei: “O que está acontecendo?”. Na hora que eu sentei começaram a conversar, o Thomazzi virou e falou: “Cecílio, eu quero apresentar você para eles como o novo diretor da Folha de Piracicaba”. Assim, eu: “Hã?”. O Luciano virou e falou assim para mim: “Aceita ou não aceita!”. E o Luciano me conhecia, muitas vezes eu saía com o Luciano para ver Piracicaba, ele era nosso vizinho, né. “Aceita ou não aceita, Turquinho?”. Eu falei: “Aceito!”. E aceitei. E foi então que eu estava com 21 anos, não, ia fazer… é por aí, 21 anos. 21 anos, eu ia fazer 22 em junho e a Folha começou em março. Eu me recordo que uma vez o Oswaldo Sobek, que era um dos revisores nossos, um grande intelectual, sabe? Ele veio mostrar a notícia para mim, que a Folha de São Paulo, de São Paulo, estava publicando uma notícia que o mais jovem jornalista do mundo estava na Europa com 22 anos. Ele falou: “Olha, você é mais jovem do que ele”. Eu tinha 21. Do mundo, que era na época, né. Vixe, Maria! Enfim, daí eu fui tocando, fui tocando, mas a Folha não ia para frente, uma briga entre acionistas, sabe? Uma coisa maluca. E chegou um belo dia que a folha estava dando prejuízo, isso já... e eu lutei para o Luciano Guidotti se eleger, sabe? Eu fiquei sozinho na luta, sozinho. O jornal de Piracicaba e o Diário malhando o Luciano e eu defendendo. Mandaram o Luciano pra a Europa para ele não atrapalhar, porque ele brigava, falava besteira, aquele negócio todo. Daí saiu uma crise na Folha, uma crise, uma crise financeira, econômica, aquele negócio todo, o Luciano falou: “Você toca?”. Foi isso mesmo, “Você toca?”. E eu falei: “Como toca?”. “Não, nós vamos cair fora. Você toca? Nós vamos fechar. Se você tocar, o lucro é seu, o prejuízo também”. E eu topei, “Não, eu vou tocar”. Me apaixonei pelo jornal, né. Quando chegou, nunca mais me esqueci, quando chegou o fim do ano, o lucro foi 720, não sei, reais, era um dinheirão.
(13:08) P1 - Reais não.
R1 - Não, não era. Cruzeiros, devia ser cruzeiros. 720.000 mil cruzeiros. Com aquele dinheiro eu casei, ganhei aquele dinheiro, casei, continuei o jornal, aquele negócio todo. Até que um dia…
(13:27) P1 - Mas só uma coisa, os acionistas saíram?
R1 - Saíram.
(13:31) P1 - Como é que você… com que estrutura que você ficou aí?
R1 - Eu fiquei o seguinte, quando eu fui me casar eu ganhei uma ação do doutor (13:38), ganhei 100 ações, porque o doutor (13:43) falou: “Você vai precisar nessa briga toda…”. Ele era muito amigo meu, gostava muito de mim, morava em frente à Folha, doutor (13:51), um médico famoso, ele falou: “Olha, o meu presente de casamento”. E me deu 100 ações. Então eu fiquei acionista também. E ele falou: “Você fica. Vai falar agora como acionista!”. Tanto é que o meu registro na época, não podia ser jornalista, porque o Jânio Quadros tinha criado uma lei do jornalismo, então minha carteira profissional está como… sei lá, instrutor, não sei, uma coisa assim, não está como jornalista. Em resumo, eu fiquei e ganhei… o Luciano ficou contra mim, ele queria me dar as ações, eu não quis aceitar, no Natal, eles ficaram magoados comigo e o Luciano entrou na prefeitura. E quando o Luciano entrou na prefeitura, havia aquela coisa: “Ah, jornal do Luciano, jornal do Luciano, jornal do Luciano, jornal de empresário, jornal dos (14:57), jornal isso…”. Na primeira semana o Luciano começou a fazer um monte de besteiras, ele já era o meu padrinho de casamento, o Wilson já era o meu cunhado, eu falei: “Não posso ficar quieto!”. E escrevi um artigo assim, “Decisão infeliz”, uma semana depois que ele tomou posse, dizendo que: “Desse jeito que o senhor Luciano Guidotti começou, não ia dar certo a administração dele, porque ele começou com um ódio e com perseguição política e mandando os pobres funcionários para Santa Terezinha, para não sei onde, tal, tal, tal… ‘Isso não é justo e está tudo errado!’. Não vai dar certa essa administração”. Filha, foi um escândalo na cidade! O pessoal que era contra mim não acreditava e o Luciano ficou desesperado. A partir de lá ele queria me destruir, tanto é que ele foi lá em casa para arrebentar a Folha e me dar um tiro, o meu padrinho de casamento, né. Mas então começou aí a minha coisa, eu fiquei na Folha até 67, daí…
(16:30) P1 - A Folha foi fundada quando?
R1 - 01 de março de 1961.
(16:41) P1 - Então você ficou do início da Folha, até 67.
R1 - Até 67.
(16:48) P1 - E a Folha durou quanto tempo?
R1 - Até 67.
(16:52) P1 - Mas com a sua saída?
R1 - Não, eu acabei saindo, porque quebrou a última máquina. Eu fui passando um aperto desgraçado, porque o Luciano me perseguiu, né. O comércio não topava, veio o golpe militar em 64, daí os empresários se afastaram completamente de mim, eu começava a ser denunciado como comunista, como isso e tal e eu não tinha nada, já tinha passado a minha fase, né.
(17:23) P1 - Então a Folha, o período de vida da Folha foi com você?
R1 - Foi comigo
(17:29) P1 - Folha de Piracicaba?
R1 - Folha de Piracicaba. Inclusive está lá no colégio Piracicabano a coleção dela.
(17:35) P1 - É? No Martha Watts?
R1 - É, no Martha Watts.
(17:38) P1 - Junto com o Diário, né?
R1 - Junto com o Diário. Que o Celso deu para eles achando que era uma coisa e não era, tá lá. A folha foi uma experiência fantástica! Na minha opinião e na opinião de muitos, foi a maior experiência jornalística de Piracicaba depois da guerra.
(17:58) P1 - Por que?
R1 - Porque a Folha se tornou o centro de jovens intelectuais. Porque eu era moço, então ficou os antigos, os velhos e o jornal Diário, jornal Diário e os jovens vieram. Então veio o Zé Maria de Almeida, o João Maffei, o Galdino, certo, todo mundo começou comigo lá, eu fui arrebanhando todo mundo, o padre Zé Maria, foi. E as campanhas da Folha, nós enfrentávamos tudo, absolutamente tudo, inclusive a ditadura. Eu me lembro que o primeiro artigo que eu escrevi foi logo no dia 30 de março, acho que eu escrevi no dia 02 0u 03 de abril, “Os Caminhos da Frustração”. Falei: “Isso daí vai durar 20 anos, está escrito isso. Inclusive teve uma aposta que eu não cobrei nunca, com o pessoal que falava: “Ah, não. Isso daí dura três, quatro anos”. Eu falei: “Vai durar 20 anos esse troço”. Porque eu acompanhava e estudava. E foi, foi uma luta! A Folha foi perseguida, foi boicotada, nós não tínhamos dinheiro para pagar os empregados, sabe? Inclusive eu e sua mãe passamos um aperto danado. Eu me lembro que eu chegava… passamos a morar em cima da Folha, ali na rua (19:46) de Almeida, com (19:51) e eu saía de madrugada e ia para casa, né. Você nasceu em 65. Eu me lembro que um dia de manhã, sua mãe pôs a mesa de café da manhã, só café, eu olhei para ela e ela fez “assim”, não tinha. Eu falei: “Meu Deus, e agora o que eu vou fazer?”.
(20:23) P1 - Eu já tinha nascido?
R1 - Já.
(20:24) P1 - Nessa casa em cima da Folha?
R1- Nessa casa em cima da Folha. “O que eu vou fazer?”. Sabe o que eu fazia? Eu ia jogar buraco à noite na casa de sua avó, eu era bom no buraco, eu jogava buraco para ganhar algum dinheiro lá, porque a Folha não dava, não dava nada. E eu já advogava e não tinha condição de manter escritório, e o que eu advogava só vinha pobreza, só vinha pobreza atrás de mim, eu recebia galinha, eu recebia ovos, eu recebia frutas, entende? Porque era o período da ditadura, sabe? Uma coisa fantástica assim, duro, mas fantástico, né. E foi. E ela quebrava, mas quebrava, máquinas velhas, aquele negócio todo. Eu me lembro que uma noite quebrou a última máquina, eu me recordo que eu sentei na sarjeta e ao invés de chorar, eu dava graças a Deus, “Graças a Deus! Agora acabou, acabou! Não tenho mais que lutar com isso, que não tem saída”. Foi quando eu criei a Piracema.
(21:46) P1 - A Revista?
R1 - A Revista. Criei a Piracema, fechou a Folha e acabou, acabou a Folha.
(21:56) P1 - E daí o que foi feito do maquinário? Como foi esse desfecho da Folha?
R1 - Ah, nós fomos vendendo aos poucos. Eu me lembro inclusive, você lembra do Mariano e da Cecília?
(22:05) P1 - Sim, lembro.
R1 - Eu conheci o Mariano, porque ele foi comprar um desses maquinários antigos nossos.
(22:12) P1 - Um casal bem amigo de vocês.
R1 - É muito amigo. Eu era Cecílio e Mariana, ele era Mariano e Cecília. Daí aconteceu que, surgiu a informação de que os (22:48), queriam mandar (22:52), no Diário.
(22:55) P1 - Sim.
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