A grande maioria das pessoas conta suas histórias de família falando de pai, mãe, irmãos e também de avós, tios, primos de toda sorte e graus. Eu, no entanto, tive uma família diferente, responsável pelo que sou hoje, motivo pelo qual quero que minha primeira história neste “Museu da Pessoa” fale da minha verdadeira família.
Nasci em 1979, na cidade de Blumenau, em Santa Catarina. Mas minha história começa mesmo antes de meu nascimento, com um casal “todo errado”, como diziam à época. Ela, então com 24 anos, era mais velha do que o rapaz, com 20 anos. Ele, um rapaz fanfarrão, com sérios problemas com a bebida. Contra todas as possibilidades, casaram-se.
Pouco se sabe da história de como se conheceram. Não era costume resgatar tais “contos” em casa. O que sei é que se uniram numa cerimônia e festas simples, mas repletos de amigos. Minha mãe sempre trabalhou em grandes empresas têxteis, com grandes equipes na produção.E meu pai, bem, o que dizer de alguém que conhecia tantos bares? Também tinha seu grande grupo de amigos para todas as horas. Parentes forma poucos na celebração.
Foram morar na rua onde meu bisavô havia sido laçado para casar. Sim, laçado, porém, esta é uma outra história. O fato é que meu bisavô havia tomado para si todo um morro, por onde a prefeitura da cidade havia decidido passar uma rua ligando o bairro do Garcia ao do Progresso. Como única retribuição por partir suas terras ao meio, foi dada à rua seu nome, “Antônio Paulo Leite”. Meu endereço até meus nove anos, mas estou me antecipando.
A rua ficava, na minha memória de criança, muito longe de todos nossos parentes. Talvez para uma criança parecesse mesmo muito mais longe do que de fato era, mas a ideia era reforçada pela ausência de visitas. Mas isso não significava que nossa casa permanecesse vazia, pelo contrário, sempre havia muitas pessoas.
Lembra-se de 1979!? Então, quando cheguei minha irmã...
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A grande maioria das pessoas conta suas histórias de família falando de pai, mãe, irmãos e também de avós, tios, primos de toda sorte e graus. Eu, no entanto, tive uma família diferente, responsável pelo que sou hoje, motivo pelo qual quero que minha primeira história neste “Museu da Pessoa” fale da minha verdadeira família.
Nasci em 1979, na cidade de Blumenau, em Santa Catarina. Mas minha história começa mesmo antes de meu nascimento, com um casal “todo errado”, como diziam à época. Ela, então com 24 anos, era mais velha do que o rapaz, com 20 anos. Ele, um rapaz fanfarrão, com sérios problemas com a bebida. Contra todas as possibilidades, casaram-se.
Pouco se sabe da história de como se conheceram. Não era costume resgatar tais “contos” em casa. O que sei é que se uniram numa cerimônia e festas simples, mas repletos de amigos. Minha mãe sempre trabalhou em grandes empresas têxteis, com grandes equipes na produção.E meu pai, bem, o que dizer de alguém que conhecia tantos bares? Também tinha seu grande grupo de amigos para todas as horas. Parentes forma poucos na celebração.
Foram morar na rua onde meu bisavô havia sido laçado para casar. Sim, laçado, porém, esta é uma outra história. O fato é que meu bisavô havia tomado para si todo um morro, por onde a prefeitura da cidade havia decidido passar uma rua ligando o bairro do Garcia ao do Progresso. Como única retribuição por partir suas terras ao meio, foi dada à rua seu nome, “Antônio Paulo Leite”. Meu endereço até meus nove anos, mas estou me antecipando.
A rua ficava, na minha memória de criança, muito longe de todos nossos parentes. Talvez para uma criança parecesse mesmo muito mais longe do que de fato era, mas a ideia era reforçada pela ausência de visitas. Mas isso não significava que nossa casa permanecesse vazia, pelo contrário, sempre havia muitas pessoas.
Lembra-se de 1979!? Então, quando cheguei minha irmã já tinha cinco anos e já estava bem habituada à nossa “família”, diferente e extensa. Para se ter uma ideia, contra todas as tradições da época, ela havia sido batizada por uma das melhores amigas de minha mãe, com quem trabalhava na indústria. Já eu, o segundo filho, fui batizado pela irmã mais velha de minha mãe.
Éramos cuidados pela Tia Téia. “Tia”! Portanto, na minha imaginação, irmã de meu pai ou minha mãe, apesar da visível diferença de idade, o que não me incomodava, pois me enchia de felicidade saber que tinha treze primos (filhos da Dona Dorotéia), todos já adultos, brincalhões e que passam o dia brigando entre si e falando palavrões em italiano. Achava que eu mesmo tivesse, então, origem italiana.
Nos finais de semana, lembro da casa sempre cheia, com a mesa farta ou não, havia sempre muita gente dividindo o que tínhamos e o que era trazido por alguns. Todos nos eram apresentados como tios e tias. De novo, na minha imaginação, mais irmãos e irmãs de meus pais. Eu ficava exultante em ver como minha família era grande, calorosa.
Para se ter uma ideia, por volta dos meus quatro anos, no final de uma manhã de sábado, estava na casa da Tia Téia, brincando no jardim, vendo um grande volume de pessoas que começam a surgir na rua, subindo o morro. Achei graça em ver tantas crianças, com seus pais, então decidi segui-los.
Uma duas horas dois, duas das minhas “tias” me encontraram no Campo do Horizonte, uma espécie de associação do bairro com canchas de bocha e campos de futebol. Quando perceberam que eu estava sozinho decidiram me levar de volta para casa, morro abaixo. Chegando na casa de meus pais, encontram a tia Téia em desespero, junto com meus pais, que me procuravam desde que haviam chego do trabalho naquela tarde. Para mim, tudo havia sido uma grande e inocente aventura, afinal de contas, sentia-me seguro, cercado por “minha família”.
Quando cheguei a idade de ir para o jardim de infância, descobri ter ainda mais familiares ao longo de toda a rua Belo Horizonte. Todos nos cumprimentavam. Minha mãe saía muito cedo para o trabalho, então, era meu pai que nos levava pela manhã.
Partíamos na bicicleta. Eu sentado na cadeirinha que vinha à frente e minha irmã no bagageiro. Sempre sonolento, dormia parte do caminho encostado os braços de meu pai.
Havia uma parada antes do jardim. Era um bar, o Bar o Alemão, do tio Alemão, outro diferente irmão de meu pai. Lembro de como ele rio quando, pela primeira vez, perguntei se eles tinham o mesmo pai, pois um era moreno e o outro muito loiro.
Ali meu pai preparava nosso lanche, depositado em nossas lancheiras. Era sempre um bolinho de carne, que o tio Alemão fazia questão em dizer que era fresco, e uma garrafinha de Chocoleite, que era despejada na garrafa da própria lancheira.
Como minha irmã era mais velha, ela estudada numa escola diferente da minha. Enquanto meu pai a levava para lá, eu ficava com o tio Alemão, assistindo aos desenhos na televisão, ou conversando com um e outro tio que também aparecia logo cedo no bar. Tudo era muito tranquilo. Todos e conheciam, eram uma mesma família e cuidavam de mim.
Cresci chamando cada vizinho de tio e tia, mesmo depois de saber que não havia vínculo parental algum. Mas eles eram minha família.
Meu irmão mais novo, o terceiro filho, nasceu com um grave problema de saúde que fez com que os parentes da parte de meu pai se reaproximassem. Tudo era muito estranho. Havia agora outras pessoas, todas com laços sanguíneos, mas ainda assim estranhos. Eu os respeitava como toda criança respeita ao mais velhos, porém, não tinha a admiração que cultivava pela minha “família do bairro”.
Entre idas e vindas, meu irmão se curou de sua doença quando completou três anos. Como parte das promessas feitas para que sua vida fosse poupada, adotamos outra criança, meu irmão mais jovem, o quarto filho.
Em 1991 partimos de Blumenau. Meu pais haviam decidido morar em Penha, uma pequena cidade no litoral catarinense. Nossa casa ficada num bairro que à época lotava nos períodos de festas e feriados, mas que ainda era apenas uma vila de pescadores fora das temporadas.
Ali descobri toda uma nova família. Ainda mantínhamos o contato com nossos amigos em Blumenau. Apenas acrescentávamos novos membros à nossa já grande família. Aprendi a me desprender… Descobri que as pessoas precisam ser livres para se realizar no seu próprio caminho e que este nem sempre é compartilhado por todos.
Cresci com este desprendimento,aprendendo também a me conectar às pessoas, pois experienciei isso desde muito jovem. Foi assim que, quando deixei a casa de meus pais em 1997 para viver em Itajaí, outra cidade muito próxima à Penha, porém, maior e com mais oportunidades, formei minha própria família lá.
Estudei, trabalhei, amei, amigos vieram, outros partiram, e a família, ainda que sempre flexível, sempre cresceu e prosperou.
Há treze anos, troquei o litoral catarinense pelo ar mais frio de Curitiba. Gosto sempre de dizer que nunca “deixo um lugar”, apenas sigo para um outro. Quando vim para cá, com apenas uma mala de roupas e outra de livros, e no bolso a soma de cento e cinquenta reais, encontrei aqui outras tantas pessoas extraordinárias.
Hoje, graças ao que aprendi com meu pai e minha mãe, não sinto a falta de ninguém, pois sei que aqueles que me cercam, com quem convivo, toda pessoa que se senta à mesa comigo, estas são minha família.
Casado há três anos, sonhamos por muito tempo em ser pais. Agora, iniciaremos o processo e adoção. E desejo poder ensinar ao nosso filho o prazer de formar novas famílias, sem precisar “prender as pessoas”, apenas cultivando seu amor.
Tenho muito pouco contato, ou mesmo notícias, dos meus parentes. Aquelas pessoas com quem divido uma grande parte de minha carga genética. Entretanto, não me sinto sozinho, pois tenho tanto minha própria família, quanto ainda faço parte da família de outras pessoa que sabem que podem contar comigo.
Minha verdadeira família é aquela com quem compartilho meus sonhos, que contribuem com minhas realizações e que estão do meu lado, pelo tempo que nos for proposital.
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