Entrevista de Pedro Leite Barros Júnior
Entrevistado por Ana Paula e Elias Melo
Maceió, 15 de julho de 2025
Projeto Memórias que não afundam
NOS_HV013
00:32 P/1 - Professor, muito obrigado por ter aceito o nosso convite. E para começar, gostaria que o senhor se apresentasse dizendo seu nome, local e data de nascimento?
R - Muito obrigado! Boa tarde a todos vocês. Era uma satisfação quando recebi o convite na terça-feira, de uma ex-aluna, a Samara. E a Ana Paula de imediato entrou em contato comigo. Eu fiquei lisonjeado até de fazer parte desse… vou dizer assim, desse evento. Meu nome é Pedro Leite de Barros Júnior, sou natural aqui de Maceió, nasci na antiga Casa de Saúde Sampaio Marques, que hoje é a Santa Casa de Misericórdia. Aí, sou, como diz a história, alagoano da gema. Morava no bairro do Prado.
P/1 - Qual sua data de nascimento?
R - 17 de julho de 1964.
1:27 P/1 - Professor, qual o nome dos seus pais?
R - Pedro Leite de Barros e Liége Pujol de Barros. Falecidos.
P/1 - Seus pais trabalhavam com quem?
R - Meu pai era telegrafista, correios. E minha mãe, até uma época da vida dela, foi comerciante e depois foi da Assembléia Legislativa de Alagoas.
1:51 P/1 - Pedro, como você descreve seu pai e sua mãe?
R - Ah, não dá para descrever numa simples entrevista. Tudo o que é de bom que eu tive… Claro que dos 100% que eu sou hoje, e o que eu tenho hoje, não dependeu totalmente deles, mas uma grande parte dos dois. Eu agradeço muito aos pais que tive. Meu pai foi primeiro, há 15 anos e minha mãe foi a 2 anos, 3 anos melhor dizendo, em 2022. Inclusive, contribuído uma certa parte pelo tal evento que a gente vai comentar daqui a pouco. Mas foram pessoas que para mim foram fantásticas. Inclusive como avós, porque eu tenho duas filhas, e eles foram excelentes avós também, então não tem muita coisa… Não dá nem para dizer quem foram os dois, mas tudo de bom que eu tive, partiram dos meus pais, a educação que eu tenho, a minha formação profissional que eu sempre quis, eles me deram apoio. Então, não tenho nada para dizer assim, eles fizeram uma coisa que eu não gostei, não gostava disso, não gostava daquilo. Pai para mim e mãe, é sagrado, são sagrados.
3:14 P/1 - E sabe dizer como eles se conheceram?
R - Eu acho que não, não me lembro se foi… Sei que foi na Bica da Pedra. Não sei se vocês conhecem a Bica da Pedra? Ali na Ilha Santa Rita. Minha mãe contava que foi lá. Não sei se foi num banho de piscina, se foi numa festa de Natal, se foi no carnaval. Por incrível que pareça, eu nunca entrei nessa particularidade. Mas ela disse que conheceu ele na Bica da Pedra. E a Bica da Pedra é um ambiente, hoje de turismo, mas naquela época era de visitação, na casa de um amigo e tal, piscinas. Tinha a piscina conhecida, a piscina do Broma, Banho de Lagoa, tinha a Bica, outra lá que dá o nome de Bica da Pedra, que é uma bica natural que existe até hoje. E a única coisa que eu sei, não sei se foi numa festa. Sei que se conheceram por lá, na Bica da Pedra, local que eu gosto demais também.
4:17 P/1 - Professor, você tem irmãos?
R - Não, nunca tive.
4:22 P/1 - Como era a relação com os seus pais?
R - Morei com os meus pais até me casar. Eu me casei com 25 anos. Eu morava com eles, nunca tive uma necessidade de precisar sair, nunca tive esse gosto de quero morar só, quero morar fora. Apenas me afastei alguns meses, em torno de 6 a 8 meses, que quando eu me formei em Engenharia, eu fui morar em Fortaleza. Então, eu trabalhava numa empresa aqui que a sede era lá, e aí o diretor da empresa disse: “Você vai para Fortaleza fazer uma capacitação para depois vim tocar a empresa aqui”. O que eu posso dizer assim que me afastei deles. Mas mesmo assim eu viajava muito. Eu vim três vezes aqui, quatro vezes, nesses seis, oito meses, que eu passei por lá. E quando me casei saí. Depois de dois anos, um ano e meio, eu vim morar perto deles, aqui na… Não sei se vocês conhecem, a Rua Estatística Teixeira de Freitas, a Rua do Sacolão, sem propaganda, a Rua do Sacolão. Morei dois anos, um ano e meio, dois anos. Deu tempo da minha mais velha nascer. E aí, eu como engenheiro civil, fiz o primeiro andar na casa dos meus pais. “Pai, posso construir o primeiro andar?” Ele disse: “Se vire! Você é o engenheiro.” Então, eu fiz o primeiro andar. Então, praticamente a gente morou junto dos meus 27, 28 anos, até o falecimento dele. Meus pais residiam no térreo e eu fiz o primeiro andar. Então, tinha um negócio assim, muito ligado. Inclusive minha mãe era muito ligada a minha esposa, as minhas filhas, sem comentários, adoravam os avós que tinham. A gente viveu junto praticamente o tempo todo, só não dormiam no mesmo, como é que eu digo assim? No mesmo quarto. Mas a casa basicamente era a mesma coisa, até a data que meu pai saiu. E quando a gente se mudou daqui do Pinheiro, minha mãe foi conosco, foi morar comigo lá onde a gente reside até hoje. E veio falecer depois. Mas ela sempre esteve ligada a gente. Então, sempre tive um bom relacionamento, nada de um dia querer me afastar de pai e mãe. Nunca passou pela cabeça da gente, tanto a esposa quanto as filhas sempre bem ligadas aos meus pais.
6:49 P/1 - Professor, você conhece a história dos seus avós?
R - Posso falar assim, mais ou menos. O avô materno, ele era comerciante em Atalaia e depois em Viçosa. Aí, quando eu já era, vamos dizer assim, pivetão, os meus 12, 10 anos, ele morava aqui em Maceió, ele tinha uma loja de tecidos no Parque Rio Branco, hoje no falido Parque Rio Branco, que ali não serve mais para nada, infelizmente. Mas era um negócio bem bacana e ele tinha uma loja de tecidos. E minha avó, eu sempre conheci, desde criancinha, que ela era, como é que a gente chama? Do lar, né? Do lar, eu não sei se ela tinha profissão fora isso. Meu avô era comerciante. O pai do meu pai, não sei o que é que ele era, era de Marechal Deodoro, eu não alcancei. Quando eu nasci, o meu avô paterno já era falecido. E a minha avó, ela chegou a morar com a gente lá em casa. Ela era do lar também. Então, acho que o pessoal lá do começo do século passado, tinha mais aquele negócio do homem trabalhar, a mulher era mais de ficar em casa, do lar, fazer os afazeres domésticos. Então, ela era do lar. E a minha avó materna também. Mas os dois trabalhavam um, esse último, Marechal Deodoro, não sei se em Marechal Deodoro era músico, se ele era alguma coisa, não sei. Meu pai se foi e eu não sei qual foi a profissão do pai dele.
8:36 P/1 - Professor, quais eram os principais costumes da sua família?
R - Em termos de que?
P/1 - Quando o senhor era criança, assim, a questão de o que vocês costumavam fazer no final de semana ou até durante a semana mesmo?
R - Você quer saber no dia a dia e também fora dia a dia. Bom, eu morava no Prado, então eu nasci no Prado, na Rua São Francisco, eu fiquei lá até seis anos de idade. Não dá para falar muita coisa, porque seis anos a gente não tem aquela lembrança toda. Mas uma coisa que me chama atenção, é que naquela época eu comecei a gostar de música. Não toco, não conheço nota musical, não toco instrumento, mas eu adoro ouvir música. Então, eu gostava muito de sair para a praça da faculdade, para ver Pastoril, para ver e ouvir conjuntos musicais. Aí, a gente era muito de sair. Não existia Ponta Verde, Jatiúca, nada dessas praias tinha na década de 70. Aí, quando eu vim para aqui, para o Farol… O que você começou a fazer? Eu sempre fui apaixonado por música e por futebol. Teatro não é tanto a minha praia, mas eu gostava de teatro para ouvir música. Mas é basicamente isso aí, ir para shows de música, praia e futebol. Gostava muito disso aí. E bater bola com a pirralhada do bairro.
10:07 P/1 - Professor, sabe como o seu nome foi escolhido?
R - Posso responder com três letras. Não (risos). Nunca perguntei. Não tem como perguntar mais. Não tem como. Eu não sei. Eu acho que foi porque alguém quis que fosse o nome do meu pai. Meu pai era Pedro Leite de Barros, e o meu foi acrescentado o Júnior. Agora, por que foi, mínima ideia. Foi ele que quis? Foi a minha mãe que quis? “Vamos botar o seu nome.” Ou ele disse: Vamos botar o meu nome. Não sei! Os dois se foram e eu não sei porquê. Agora, é o mesmo nome do meu pai, mas por que? Não sei dar essa explicação.
10:56 P/1 - É porque antigamente era uma tradição, o pai colocar o mesmo nome do pai no filho, sempre no primogênito. Você é o único, né?
R - Único.
P/1 - Então, talvez tenha sido isso.
R - Inclusive, eu conheço tanto homem quanto a mulher, dos dois sexos, que tem o sobrenome Neta. E eu tenho um amigo também que é Neto. Ou seja, não foi só o filho, passou para o neto. Não conheço, mas deve ter caso também de fulano, fulano de tal, Bisneto. Não sei se existe, não sei. Mas eu tenho um colega homem e uma amiga, que são com o nome Neta e Neto no final. Preservaram o nome do pai. No caso ela da mãe e ele do pai.
11:43 P/1 - Professor, ainda falando aqui da infância, essa próxima pergunta aqui, se o senhor lembra… O senhor falou que mora no Prado, não é isso? O senhor lembra como era essa casa da sua infância?
R - Eu lembro como se fosse vivenciando hoje, na Rua São Francisco. E me lembro de vários vizinhos, vários. Quem era o vizinho da esquerda, quem era o meu vizinho da direita, quem morava em frente, quem que não morava. Só que eu acho que os pais, não sei se são vivos, provavelmente não. Vários deles que eu conheço já faleceram, talvez não tem mais ninguém vivo da idade, se fossem vivos são pessoas de 90, 95 anos, 100 anos, talvez, não sei. Agora, os meus colegas de infância, quando eu saí de lá, saí com seis anos, então eu não tenho ideia para onde eles foram. Mas o que eu vivi lá eu me lembro perfeitamente. Me lembro que tinha um jardim na casa, que tinha um chamado de avarandado, que hoje ninguém chama. Era um avarandado, minha mãe chamava de área. Aí, tinha um quarto, dois quartos, o terceiro quarto que a minha avó, mãe do meu pai, vivia, dormia, ela morava conosco. Banheiro, banheiro externo, um quintalzinho com areia de praia, que era próximo a praia. Não era areia comum, era de praia. E eu gostava muito de brincar na rua com a pirralhada. Me lembro da primeira Copa do Mundo transmitida pela TV, em 1970. 1970 foi a primeira copa transmitida ao vivo para o Brasil, e eu tinha o que? Em junho, a Copa foi transmitida, em julho eu estava fazendo seis anos, cinco para seis anos. Me lembro que uma galerinha lá da rua, amigos dos meus pais, foram lá para casa assistir aos jogos da seleção brasileira. Me lembro de vários colegas, algumas amigas minhas que até hoje a gente mantém contato. Então, eu me lembro de muita coisa de lá. Embora cinco, seis anos, quatro, seis, mas eu me lembro.
13:46 P/1 - Então, já que o Senhor lembra de muita coisa, o Senhor lembra das brincadeiras? Poderia falar quais eram as brincadeiras?
R - Lembro uma que me chamou a atenção, e eu vou fazer a pergunta para vocês. Vocês já brincaram de furão? Talvez não saibam o que é. Era um ferrinho desse tamanho assim, que a gente fincava no chão e traçava um risco na areia, para ir formando um caminho. E tinha uma passagem, que dois colegas… um desses que eu fui meter no chão, ele entrou na perna. Ele bateu no chão, que tinha uma parte de barro, bateu na perna e entrou na pele. Isso eu me lembro perfeitamente. E eu não tirei. Era um ferro de uns 15 centímetros, pontiagudo, e eu fui com ele para dentro de casa. “Pai, mãe, mãe, pai.” Sei lá o que eu chamei. Tiraram lá, botaram um remédio. Uma das brincadeiras que a gente brincava. E como a rua era uma rua que passavam poucos carros, nos anos 70, 68, 1970, não tinha tantos carros como hoje, brincava na rua, jogando bola. Praia, que era a praia de Sobral, não ia tanto, até porque aquela praia nunca foi apta para criança sem o auxílio dos pais. Mas íamos pouco à praia lá. Mas era mais brincadeira de rua, gostava muito. E ir na casa dos vizinhos, evidentemente, a casa dos colegas para para brincar de pião, gostava de jogar pião. Chimbra, para quem conhece com bola de gude. Eram as brincadeiras que a gente tinha na época.
15:19 P/1 - O Senhor quando criança brincava, mas tinha outra coisa que o senhor gostava de fazer além de brincar?
R - Por incrível que pareça, estudar. Eu como professor… Eu sou engenheiro e sou professor, e é muito difícil hoje você colocar na cabeça de um adolescente de 13, 14, 15, 16, 17 anos, 18, ficando adulto, que o estudo ainda é, na minha opinião, ainda é a principal coisa do ser humano. “Ah, Professor, mas tem gente que enriquece sem estudo.” Tem, tem muitos. Você quer ser um deles? Arrisque sua vida. Então, se há uma coisa que eu gostava, era de estudar. E eu digo para os meninos, que hoje eu estudo mais do que eu estudava antes. Parece um contraditório. “Você está formado, com a idade que você tem, você vai dizer um negócio desses.” É! Eu não paro de estudar, eu gosto de estar lendo, eu gosto de estar vendo coisas novas, discutindo com as pessoas, perguntando: “Por que isso? Por que acontece isso? Por que acontece isso?” Então, gosto da brincadeira e gosto muito de estudar. “Então, era assim que você fazia também, quando tinha 6, 7, 8 anos?” Era. Hoje uma criança de 6, 7, 8 anos, se você perguntar um negócio desses, talvez ela nem saiba o que é estudar. Vai para o colégio porque, sei lá, porque é obrigada, ou porque tem que ir seguir a sequência dos níveis estudantis. Mas eu sempre gostei. Por incrível que pareça.
17:01 P/1 - Assim, sem ter uma referência? Foi o Senhor mesmo que adquiriu esse gosto pelo estudo, não teve um tio, um pai, alguma coisa?
R - Não, não. Minha mãe dava aquele incentivo comum, que precisava, mas eu não tive ninguém. Você está falando de um espelho, né? Não, eu gostava, gostava. Achava bonito, tanto que, o primeiro dia que eu entrei para ser professor, eu atuava como engenheiro, atuava como engenheiro. Hoje eu voltei a atuar, mas não tanto, só quando chegar na aposentadoria, que está faltando pouquinho tempo. E o que me chamou a atenção, minha mãe estava no médico, um médico que ela ia, e eu na porta do consultório, olhando aqueles meninos passarem, aquelas meninas passarem de saia, aquelas fardas. E aquilo ali eu achava bonito. Não vamos falar a idade não, mas lá para trás, uns aninhos atrás aí. Achava bonito. E eu dizia para minha: “Mãe, você conhece alguma dona de colégio?” “Conheço.” Ela me levou em um determinado colégio, e a proprietária foi quem nos atendeu, que era amiga de minha mãe. “O que ele é?” “É engenheiro, faz aulas particulares.” Estou até hoje. Então, eu gosto também de lecionar, acho bacana. Mas já estou perto aí…. final de carreira, chegando já no limite. E a área de engenharia, eu vou voltar a atuar com mais intensidade quando vier a aposentadoria da área da educação.
18:39 P/1 - Mas durante esse tempo que o senhor estudava, o senhor já tinha algo em mente assim, do que queria ser quando crescesse?
R - Sim, sim. Eu tinha cinco anos de idade e ganhei um brinquedo, eu acho que vocês já viram esse brinquedo, chamado o Pequeno Engenheiro, uma caixinha de madeira com vários bloquinhos dentro dela. Bloquinhos que eram tijolos, era uma ponte, sei lá, vários… uma torre, um negocinho assim. E eu perguntava para mim, uma criança de cinco anos, o que é ser engenheiro? Sabe? Você não sabe o que é ser engenheiro. Mas eu achava bonito aquilo ali. E o Pequeno Engenheiro. Eu pensava que o engenheiro era o pedreiro. Depois que eu cresci eu pensava que o pedreiro que era o engenheiro. Pegar massa, botar bloco, eu achava bonito fazer aquele negocinho. Então, quando eu queria, com cinco anos de idade, queria ser engenheiro. Me formei em Engenharia. Foi a minha primeira formatura. E eu queria ser engenheiro desde pivete. Não é você chegar hoje com 17, 18 anos, perguntar para um jovem, o que é que você pensa? Aí, fica esperando aquele “delin, delin” no cérebro. Mas eu sempre quis. E a educação, é isso que eu acabei de dizer, foi quando lá em 1994, quando deu o estalo de querer fazer aulas. São duas coisas que eu gosto de fazer.
20:08 P/1 - Professor, ainda sobre educação, você poderia falar quais escolas o senhor estudou?
R - Eu estudei, comecei no Sagrada Família. Acho que um ano, um ano e pouquinho, pirralhada, ainda me lembro do curso, chamado pré pré, nem existe mais hoje. Hoje, se não me engano, é Jardim Infantil, alguma coisa dessa natureza. E do pré pré, aí eu subi para o CEPA (Centro Educacional de Pesquisa Aplicada). Aí, vim para o Vitorino, que hoje não existe mais no local, aí do CEPA, está em outro ambiente físico. Depois fui para o Prenem, que é o que eu estou hoje, que é o Silveira Camerino. E depois fui fazer o ensino, a gente chamava naquela época de científico. Eu fui para o Amaurez (?) Silva. Então, são quatro colégios que eu passei na minha vida escolar, de cinco, seis anos, depois o que chamava-se de grupo, grupo experimental, que era, esqueci o nome, como é que se chama? Fundamental, fundamental menor, fundamental maior é o ensino médio, que era chamado de científico. Quando aí fui para o curso de Engenharia na UFAL (Universidade Federal de Alagoas).
21:23 - Então, o senhor classifica a sua experiência escolar como boa, o senhor se sentiu acolhido?
R - Não, boa não. Excelente, excelente. Eu amava estudar. Você pergunta. Mudou? Mudou. Não é o caso de entrar em detalhes o que mudou, porque envolve uma série de fatores, envolve política educacional, envolve muita coisa. Mas sempre gostei, eu achava o ensino público muito bom. Tanto é que eu passei no meu primeiro vestibular, depois passei em mais 14 vestibulares. Você vai perguntar, para quê tanto isso? Eu gostava. Quando eu fazia aula com o pessoal do terceiro ano, eu brincava muito com eles. “Vou fazer também, vamos fazer juntos.” Tinha ocasião até da gente se inscrever e fazer prova na mesma sala, com alguns alunos. Gostava, achava que preparava bastante para o vestibular.
22:22 P/1 - Professor, a estrutura das escolas antigamente, era inclusiva, ao seu entendimento?
R - Vamos lá. O primeiro colégio que eu falei para você, o Sagrada Família, que foi um ano mais ou menos de colégio. Não existe mais. Era ali na chamada Rua das Árvores, a Rua Augusta, Ladislau Neto, era uma casa, não era um colégio, uma escola construída, era uma casa, que o Sagrada Família tinha lá uma parte, a outra parte era ali no Prado, na Quatro de Julho. E depois, aqui no CEPA, as escolas que eram lá nos anos 70, permanecem até hoje. O grupo experimental, Vitorina Rocha, parou. Parou pelo evento sinistro da Braskem, não está mais lá. Aí, eu fui para Camerino, que é o Premem, chamado de Premem. Ele tem estrutura física quase igual, mas aí foi mudado algumas coisas, tipo, foram colocados pisos novos. Eu passei pela direção do colégio em 2016, 2017, 2018, fui diretor da escola, a gente conseguiu uma reforma bem bacana, onde foi criada uma nova sala de aula. Mas agora mudar a estrutura do colégio no global, permanece a mesma. Agora, foi “ceramicado”, foram trocados todas as cobertas, foram trocados os forros, as salas são com ar condicionado, todas elas climatizadas, foram criados novos banheiros, vestiários. Coisas dessa natureza. E no Moreira e Silva, é a mesma escolinha que era lá em 1978, até hoje. Claro, que com essas mudanças, cerâmica, ar condicionado. Mas a mesma estrutura, desde que o Moreira foi feito até hoje, não teve assim, uma coisa que… Era térreo, foram feitos dois andares, eram 15 salas, passaram para 30 salas. Não teve essa mudança, não. Mas a estrutura física no global, permanece a mesma.
24:34 P/1 - Professor, pessoas marcantes durante a trajetória escolar e por que?
R - Tem que fazer um livro. Tem muitas, tem várias, não dá para dizer 1, 2, 3.
P/1 - A mais impactante, assim?
R - Não dá para dizer uma não.
24:51 P/2 - Pode ser um professor.
R - Tem vários, vários, vários. Professores, colegas com professores. Mas tem uma que me chamou a atenção, não é a que mais me chamou a atenção, mas me chamou bastante atenção. Eu não me lembro o ano, o meu pai ainda era vivo nisso, ele já tem mais de 15 anos de falecido. Eu estava em Massagueira, num determinado restaurante lá com a família, e tinha uma uma senhora, uma jovem senhora numa outra mesa, ela olhava para mim, eu olhava pra ela, ela olhava pra mim, eu olhava para ela. Eu fui ao banheiro, quando eu fui ao banheiro, passei perto dela. Aí, ela olhou para mim e disse: “Venha cá. Rapaz, você é o Pedro Leite de Barros Junior?” Eu digo: “Sou! A senhora é a professora Salete, né?” “Sou!” Quer dizer, 30 anos depois ela sabia meu nome completo. E aí, eu disse: “Professora, eu sou professor também. Quando a gente sabe o nome completo do aluno é porque ele foi muito bom ou foi muito ruim. E eu era o que?” “Não vamos tocar nesse assunto não.” Então, me chamou a atenção, 30 anos, você lembrar o nome completo de uma pessoa. Mas não era mau aluno, não. Se ela dissesse que era mau eu ia ficar com raiva dela naquele momento. Mas teve muitas coisas depois. Já tive professores falecidos, teve professores que fui encontrar 42 anos depois. A nossa turma da quinta série, até hoje mantém um grupo no WhatsApp. Da quinta série. E a gente se reúne, em média, a cada dois anos, ou no São João, ou um Natal para tomar um vinho, um bate papo, aí levamos as esposas. Aí, a gente fez um em 2016. Quantos anos, meu Deus? 40 e poucos anos depois… É 40 anos, 41 anos depois da quinta série. E a gente conseguiu reunir ainda 12 professores, 12, assim, “curiando”, um liga para um, outro liga para outro, liga para um, liga para outro. Tinha os falecidos. Mas conseguimos. Então, tem coisas marcantes que não dá para enumerar não. Muita coisa boa aconteceu na nossa vida. Inclusive com alguns apelidos que não devem ser tocados na entrevista, mas muita coisa bacana. Nunca tive problema com professor, nunca fui de ter, “vou chamar seu pai, vou chamar sua mãe.” Nunca, nunca, nunca. A maioria dos professores eram pessoas que eu sempre me dei bem. Nunca tive esse problema não. Agora, essa da pessoa lembrar o meu nome completo, 30 anos depois, foi o que me chamou a atenção. Não foi o fato mais importante, mas chamou a atenção.
27:34 P/1 - Professor, e durante a trajetória escolar, tem uma história marcante que o senhor poderia contar? Que aconteceu durante o período escolar.
R - Várias, várias. Mas eu vou citar uma, sem dizer o nome da pessoa. Essa pessoa era tratada como sendo a melhor pessoa da turma, em termos de nota. Ele é vivo hoje, é vivo. E todo mundo queria sentar junto desse rapaz. Vai ter uma prova de ciências, naquela época, eu não sei se vocês alcançaram, o sentar em dupla. Não sei se vocês estudaram assim. Hoje é tudo separado. Mas a gente sentava em dupla. Por exemplo, na quinta série, formava a dupla do número um com o número dois, depois o três e o quatro. Eu me lembro que o meu era 36 e a pessoa 35. Eu 36 e a pessoa 37. Ia ter a prova de ciências, e a prova de ciências era aquela dupla. Esse cara que era o baluarte do colégio, disse: “Estou lascado, estou ferrado, não sei de nada.” E eu, modéstia a parte, estava por dentro do conteúdo. Digo: “Não cara, vamos lá, é em dupla.” Aquela história, o que é meu é seu, o que é seu é meu. Vamos fazer. Quem fez a prova? Basicamente eu. Beleza! Dia do resultado. “Pedro e fulano, dez.” Sabe o que eu ouvi bastante? “Também, sentando junto de fulano…” Me magoou muito aquilo ali, porque eu nunca fui de externar nada, nunca fui dizer sou bom nisso, sou bom naquilo. Se você achar que eu sou bom (palmas), parabéns pra você, porque está achando que eu sou bom. Mas eu ouvi, sabe? “Junto do fulano é lógico que tinha que tirar dez.” E o fulano não tinha feito absolutamente nada. Um dos fatos marcantes, negativo. Mas teve muita coisa boa, muita coisa bacana. Brincadeira de criança, brincar de pega, aquela época, de coisas fantásticas. Eu já fui monitor. O professor, às vezes, não existia celular, telefone, você tinha que ligar para a secretaria, mas chegava recado. “Pedro, o professor tal não vai poder vir hoje, faz um exercício com eles lá, de matemática.” Sempre gostei. Então, tinha mais coisas boas do que coisas que não eram boas. Esse aí foi a decepção da vida, mas como eu fazia a sétima série, passou. Depois passou despercebido. E o cara, o dito cujo, nunca soube disso. Eu conto assim, para os amigos que me conhecem, que conheceu a pessoa, mas ele mesmo nunca falei. Mas deixa pra lá, que só é um fato a mais na vida da gente. Mas tem essas nuances que você se lembra, mesmo sendo negativo, mas você se lembra.
30:41 P/1 - Professor, durante a trajetória escolar você sofreu algum preconceito?
R - Se eu sofri? Não, não. Teve uma… Eu não vou dizer que era preconceito, mas me chateou um pouquinho. Eu sempre fiz atletismo, eu fazia 100 metros rasos, salto em distância e 400 com revezamento. Gostava de participar das competições do CEPA, nas competições intercolegiais na cidade de Maceió. E tinha um camarada na minha sala, que era maior que eu, e eu era doido pra ganhar desse cara correndo. E eu nunca consegui. Depois eu vim começar… Ele era mais alto que eu, apesar que nem sempre o mais alto corre mais. Mas ele era mais alto que eu, e a gente treinava juntos. E eu estava muito empolgado, isso aí com os meus 15 anos já, 16, doido para crescer no atletismo. Eu tive um professor que ele olhou pra mim e disse: “Cara, você com o tamanho da perna que você tem, saia dessa!” Foi talvez a… Não sei se você pode chamar isso de preconceito? Não sei! Isso não é preconceito. Foi mais um, sabe? Não estou vendo futuro em você. E aquilo ali me decepcionou. Sabe de uma coisa? Acabou o atletismo. Hoje eu sou apaixonado pelo atletismo, eu gosto de ver na TV. Não posso mais correr, por causa dos dois joelhos, que eu tenho duas cirurgias de menisco, aí não dá mais para praticar o atletismo. Mas eu continuo sendo apaixonado. Mas fora isso, nada, nada, assim, que venha dizer que foi questão de preconceito. Foi mais uma facada que ele deu em mim, mas por causa do tamanho das pernas. “Você tem a perna pequena, cara, não vai pra frente não, que não vai adiantar.” E a gente vê hoje que tem muitos corredores que tem uma perninha pequena. Era só questão de adaptar ao momento.
32:42 P/1 - No tempo de escola, tem alguma amizade importante que ficou, ou que era da época?
R - Que eu mantenho até hoje? Tem! Tem vários colegas, inclusive da quinta série, como eu falei, tem o nosso grupo, que deve ter hoje uns 35, 40, tem uma galera aí muito bacana. Inclusive primos, que estudamos juntos. Tem pessoas que são coronéis da polícia, vários que passaram pela política, deputados, governador. Então, tem tudo que a gente… Tem em todo canto. Engenheiros também, professores, comerciantes, fabricantes, joalheiros, que a gente tem amizade, que mantemos a amizade até hoje. Vários, várias, várias. Claro, a maioria evidente que não, porque eu tenho colegas que moram no exterior, muitos moram aqui na América do Sul, em outros países. Outros saíram aqui para o Brasil, mas moravam no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, Paraná. Mas até hoje a gente mantém, tem vários aqui que a gente mantém uma grande amizade, um bom relacionamento.
33:59 P/1 - Professor, a sua juventude o senhor passou aqui em Maceió.
R - Toda.
P/1 - Toda, né?
R - Toda, toda aqui. Saia para passear, né? A família… Por exemplo, eu adorava, até hoje gosto, Marechal Deodoro, que é pertinho daqui, passar o final de semana lá na Massagueira. Meu tio e o meu pai tinham uma casa lá na Massagueira. Para mim, Maceió, meus 13, 14, 15, 16 anos, pra mim Maceió não existia, eu era apaixonado por aquilo ali. “Vamos para Massagueira.” Ficava lá sexta, sábado e domingo. Quando terminava os estudos aqui da semana. Mas assim, para sair de Maceió distante mais do que Marechal, basicamente não.
34:42 P/1 - Então, essa era a sua diversão?
R - Adorava aquilo ali. Até hoje. Quando aperta a fomizinha aqui, “Vamos para Massagueira comer, sentir o barulhinho da água ali na lagoa.” Eu adoro aquilo ali. Mas claro, tinham as viagens para Aracaju, conheci alguns assim, para Salvador. Mas era com parentes. Viagem, nada de passar tempo não. Era mais viagem de estudante.
35:13 P/1 - Nessa época, ainda, professor, na juventude, como eram as relações amorosas?
R - Não era como hoje. Hoje o menino tem 12 anos, 13 anos, está sentindo falta de menina, tá querendo namorar, tá querendo, sabe? Externar a sexualidade. Não, a gente não tinha essa preocupação. Eu vim ter a primeira namorada, que eu posso dizer que troquei uns amassos, troquei uns beijinhos, tal, com 18 anos. Namorei uma… Tinha uma garota aí que eu tinha o quê? 14 anos, ela tinha 14, mas era negócio de “oi”, “oi”, não passa disso, aqui na rua. Mas o namoro mesmo veio ali com 18, 19 anos. E quando eu fiz 20, aí comecei a namorar com quem eu estou até hoje. Já são 35 anos. Não fui muito de sair assim, para namorar, querer namorar. Não precisava, não tinha isso não. Era um negócio mais sério. Na época minha lá, era mais sério. Pegar menina pra namorar, não existia eu ficar. Nem conhecia essa palavra, ficar, passar a noite. Não existia isso. Então, a parte relativa ao que você chamou de amoroso, posso falar em duas, três namoradas aí, e uma delas ficou comigo.
36:43 P/1 - E como foi que vocês conheceram? Essa sua namorada, que é sua atual esposa?
R - Interessante. Conheci quando estava apaixonado por outra. Estava na casa de uns primos lá em Salvadoria, e louquinho por uma garota. Isso ela sabe da história, minhas filhas sabem da história. É bastante interessante. Eu estava meio doidinho por uma garota lá, só que meus primos diziam: “você não vai conseguir nada porque os pais dela não deixava ele ir…” Tinha um parque de diversão lá na Salvadoria, na época. Eu estava com 18, 19, 19 anos, 19, 20 anos. E realmente não consegui falar com a menina. E fui lá passar um dia de véspera de São João acho 22, 24, 23, se não me engano era um dia de sábado. Aí, fui passar um dia lá para ver a menina, que eu estava querendo conversar. E a tarde foi passando, vi a menina dentro da casa dela, mas os meus primos continuavam dizendo: “Você não vai conseguir, os pais dela não vai deixar sair”. E tinha um parque de diversão lá armado, e aí eu dizia para uma colega dela, colega do meu primo. “Dá uma “picotada” lá na menina, vê se ela vai ali no carrossel.” Não consegui nada, fui embora pra casa. Ao chegar aqui, aqui na Rua São Jorge, a rua da antiga qualificação Lima Rocha, estava tendo aqueles São Joãos que fazem no meio da rua. Lembra? Que faz aqueles palhoções, tal. E ali, eu em pé lá, chateado porque não tinha conseguido a piveta que eu queria. E aí, comecei a conversar com um amigo meu do bairro. Nisso, uma bomba de São João estourou, e a gente deu um pulo assim, pra trás. E bati em quem? Na atual esposa. Isso foi dia 22 de junho de 1984. Estou até hoje. E aí, bati nela assim. “Que foi isso? Tomei um susto.” Na outra semana a gente começou a namorar. Um negócio que não tinha nada a ver, eu estava apaixonado por uma menina, quando conheci a outra e me apaixonei. A outra eu não sei o que foi que aconteceu com ela, se ela vive em Maceió, não me interessava mais. Mas surgiu mais ou menos daí, de uma mera coincidência. Não sei se foi o destino, que eu não acredito muito em destino. Acredito no que você faz pra acontecer. Mas por causa de uma bomba que explodiu naquele dia, eu fui para trás e bati na minha namorada. Se a bomba não explodisse, talvez eu não teria saído do canto. Não sei se acontece… Eu acho que nada acontece por acaso. Foi assim que eu conheci minha esposa, a namorada da época.
39:48 P/1 - Professor, falar sobre faculdade agora. Queria que você falasse qual foi a faculdade que o senhor fez? O senhor já falou já os motivos o qual escolheu Engenharia, mas o senhor poderia falar mais um pouco de como foi seu ingresso na faculdade?
R - Quando eu saí do Moreira e Silva, em 1980, e aí, como eu disse pra vocês, eu já queria fazer Engenharia. Não sabia o que era, mas queria. Então, quando eu fiquei adolescente, aí eu vim ver mais ou menos o que era Engenharia. Então, quando eu entrei em Engenharia, eu queria Engenharia. E eu adoro Matemática, eu gosto de Matemática, eu gosto de Física, muito. Então, isso é o incremento principal pra quem vai fazer a área de Engenharia. Para quem não é muito chegado aos números, não… Aí, você vai dizer: “Professor, eu não gosto muito de números. Eu faço engenharia?” Não sei, você que sabe. Agora, você vai ter que gostar. Não tem como você entrar e dizer que não gosta. Você não vai conseguir desenvolver o que você pretende. Então, a Engenharia foi basicamente por isso. Eu sou muito ligado nessa parte numérica, gosto de Ciências, gosto de Física. Depois, quando eu comecei a fazer aula… Aí, o MEC (Ministério da Educação) exigiu… Tinha um prazo, a partir de 2000 e alguma coisa, que eu não me recordo, foi 2005, 2006, não me lembro. Vai exigir o diploma de quem leciona. E eu lecionava, mas com apenas Engenharia. Inclusive, o estado, quando eu fui aprovado no estado, ele não exigia o diploma de Física, nem de Matemática, exigia uma coisa que fosse da área, que no meu caso era a Engenharia. Mas aí, eu fiz o curso de Física, aproveitei umas matérias do curso de Engenharia, fiz de Física e concluí Física, e depois Matemática. Mas não me chamem de doido, tá? Porque pra fazer Física, Matemática, Engenharia, é meio aloprado, meio doido. Mas não conseguia ficar doido não. Então, agora outros vestibulares eu fiz, fiz vestibular de Medicina e fui aprovado. Inclusive, tem uma garota aqui que morava aqui perto da gente, que passou no mesmo vestibular meu. Fiz Arquitetura, fiz Ciências Contábeis. Fazia mais por um hobby. Mas foi na Engenharia, na Matemática e na Física, que eu me encontrei.
24:24 P/1 - Professor, alguns momentos marcantes no período da graduação?
R - O que é marcante? É coisa boa? Porque tem coisa boa e coisa… Tem vários, tem vários. Se eu for falar muita coisa me marcou… Teve um dia que eu lavei o rosto no esgoto. E aí? Estranho, né? Nós vínhamos de um racha, bate-bola, e rosto todo molhado de suor, cabelo, tudo. E a galera limpando o rosto aqui, todo mundo fazendo assim. E eu vi uma água saindo do chão, imaginei que era um cano quebrado. Passei a mão aqui, meti no rosto, camarada. Quando eu botei no rosto. Aí, veio aquele cheirinho maravilhoso. Era uma tubulação de dejeto. “Rapaz, onde foi que você lavou o rosto?” Agora é tarde meu amigo. Corri no caso… Acho que vocês conheceram, o CHLA (Centro de Humanidades e Letras), o departamento lá. Cheguei na pia, meti… “Tia, tem água sanitária aí?” “Pra quê, menino?” “Para botar no rosto aqui, que eu lavei o rosto no cocô.” Aquela água de urina, aquilo misturado. Quer dizer, isso foi uma coisa que ocorreu durante o curso. Aí, teve umas outras… “Nunca filou?” “Não, sou Santo.” Todo mundo filou. Mas tinha uma fila nossa, que nós fazíamos no primeiro andar do departamento de Matemática, que não era eu que provocava, mas estava no meio, e aceitava. E o cara que ia fazer a questão para a gente, ficava lá no térreo. Como é que ele mandava a questão pra cima? Estranho, né? Não pode entrar na sala. Normalmente a fila vem de quem está na sala, né? “Você passa aí e passa pra mim.” Segundo, terceiro, não. Aí, pega um pregador de roupa, num cordãozinho, pela janela. E o professor, claro que ia ver. E o pregador de roupa lá para baixo. Agora o pregador ficava encostando no braço de alguém, que não era o meu. Aqui assim. E aí, quando o cara terminava de fazer a questão, aí dava uma cutucada. E a gente, o meu colega, puxava o cordãozinho, e subia com o pregador de roupa, aí vinha a questão, e passava para o outro. Mas não era toda vez. Você vai dizer: que exemplo que o Pedro está dando. Não. São coisas na vida da gente que a gente faz e depois, “Pô, que besteira eu fiz.” Mas o cara estava ali, “Quer?” “Quero.” Então, teve um monte de coisas, um monte de coisas. Teve coisas boas. Eu tive um professor que eu pedi uma explicação para ele, ele era gaúcho. Física dois. Eu fui pedir uma explicação pra ele em pé, ele disse: “Deite aí que eu explico.” “Deitar?” “Vamos deitar.” E nós dois nos deitamos no departamento de física, os dois de bruços, ele respondendo a questão no chão, e eu deitado feito um meninão. Porque eu me sentei e ele deitou-se. “Não, deite aí que é para poder a gente fazer junto.” Tinha de tudo. Foi uma coisa assim, bacana. Aí, depois que você sai, pô, eu me deitei com o professor no chão, um de frente para o outro, para ele responder a minha questão, me explicando como é que fazia. Eu tive professores fantásticos. Tive um professor que… Eu não estou citando nomes, porque de repente não é legal, tem coisas boas… E tem um professor que já faleceu, inclusive a filha dele foi minha aluna, posteriormente. E eu não tinha carro nessa época, e pegávamos carona com um colega. Esse colega hoje é coronel da polícia, eu acho que ele já deve estar perto da aposentadoria ou se aposentou. E aí, alguém pediu uma explicação a esse professor, de uma questão de estatística. E ele usava manga comprida. Ele pegou a caneta e foi explicar, pegou a manga, levantou aqui um pouquinho, e começou a escrever na mão, e subiu aqui, explicando a questão. E levantou mais, levantou mais, começou a escrever no braço. E ele disse que sabia escrever com a mão esquerda também, era ambidestro. E fez a outra camisa. Pena que não era como hoje, que você tem um celular, qualquer coisa. “Para aí que eu vou tirar aqui a foto.” Não existia isso. Na época, era de máquina fotográfica, que você ia deixar mais dez dias para revelar, aquele negócio todo. Custava dinheiro. Hoje você tira uma foto sem custar dinheiro, que está no celular. E foi interessante que ele escreveu esse braço todo e esse braço todo, para explicar uma questão. Isso dentro do carro. Tinha uns professores, meio assim, meio aloprado, que a gente fica, como é que o cara é capaz de fazer isso? Mas gente boa. Tinha professor que deixava a gente fazer prova e saia, viajou, deixou a gente fazendo prova. Acredita nisso? Viajou, ele viajou, foi embora. E na outra semana, foi explicar, disse que isso é seu, que está aplicando prova. Pegou o carro, foi lá embaixo no departamento de Matemática, desceu, pegou o carro, e foi embora pra casa. E a gente ficou feito uns trouxas. Ia entregar para quem as provas? Aí, a turma se reuniu e entregou no departamento. Disse: “esqueci que estava aplicando prova”. Pegou a mulher, pegou os filho e viajou. Tem coisas assim, que marcam, que se você fizer hoje. Isso é coisa de louco. Mas aconteceu. E a universidade, eu passei cinco anos e meio, se for fazer… Eu comecei a fazer um livro, comecei, mas depois eu desisti. Desisti porque no livro ia entrar nome de pessoas que eu não queria que entrasse. Houve uma situação assim, não era bem legal, aí terminei desistindo. Mas ia fazer um livro, com o título que seria, “As minhas peripécias universitárias.” Então, ele já estava mais ou menos ali, 45% a 50%. Já tinha um professor pra corrigir, para montar o script, fazer tudo bonitinho, o layout do livro, o português do livro. Depois eu desisti. Mas tem muita coisa bacana.
48:42 P/1 - Professor, durante a graduação, o senhor estagiou?
R - Estagiei. Eu me formei num determinado ano, estagiei no último ano do curso, em torno de 6 a 8 meses. Era um estágio não remunerado, mas eu queria, porque para mim o dinheiro ali não estava sendo importante. Aí, eu fui trabalhar numa construtora. De uma construtora que eu estagiei, uma outra pessoa, disse assim: “Ó, lá no CETEC…” Que era o departamento lá da Engenharia, tem um aviso lá. E tinha um papelzinho, desse tamanho assim, acho que cinco por dez. “Precisamos de estagiário, tal, tal, tal.” E eu queria ir para essa construtora outra, que é essa de Fortaleza, que eu falei para vocês. Aí, fui para lá. Pronto! Aí fiquei. Aí, trabalhei um ano, dois, três. Depois foi que eu me envolvi com outra empresa, dentro da Braskem. Que eu trabalhei dentro da antiga, Trikem. Nas não pela Trikem, era serviço prestado. E essa construtora, que não era daqui, quem me levou para lá foi o estágio. E aí, o dono desse: “não, vou lhe admitir”. Passei a ser engenheiro dessa empresa. Depois fui eu que pedi para sair. Não teve nada mais. Que eu queria ser professor, pô! Eu queria ser professor, queria estar com os alunos em sala de aula. “Veja aí o que você vai fazer.” Mas nada demais. Mas tinha que fazer um estágio. Gostava de… Até hoje gosto da Engenharia. Hoje eu sou perito na Justiça, faço perícia para Justiça, tanto estadual, quanto federal. Não é um trabalho fácil, mas é gostoso de fazer. E não é todo dia, né? Depende do que você está sendo convocado para fazer. E se Deus quiser, quando tiver, a aposentadoria chegando, vou incrementar na área de construção civil novamente, que é o que eu gosto também.
50:52 P/1 - Professor, e como foi seu primeiro dia de trabalho como professor?
R - Interessante. Hoje eu respondi essa pergunta para uma pessoa. Será que você teve contato com essa pessoa? Eu não sei. A gente estava conversando lá no colégio, antes do almoço, e tinha umas seis pessoas. Exatamente isso aí. Como foi o primeiro dia. O primeiro dia, Colégio Santa Teresinha, que não existe mais, ali próximo a Embratel. E foi o meu pontapé inicial. Eu conversei com o supervisor, mais ou menos aí, meio dia, a aula seria às 13h00. E eu disse “Paulo”. Por sinal, Paulo Madeiro. Pessoa muito bacana, tem alguns anos que eu não vejo, não sei nem se ele ainda está trabalhando na área de educação. Eu disse: “Paulo, tu vai me apresentar aos meninos lá na sala?” Era uma turma de oitava série. Ele disse: “Vou, fique tranquilo.” Aí, você fica mais relaxado. Vai me apresentar. Quando chegou na porta da sala, ele olhando pra mim, eu olhando pra ele. Ele olhando para mim, eu olhando pra ele. “Sim Paulo, e aí?” “A sala é essa, se vire.” “Você não vai me apresentar não?” “Se vire! Entre.” Foi assim que começou o meu primeiro dia de aula. Entrei, “boa tarde!” E estou até hoje. Não houve aquele negócio de, “Pessoal, esse aqui é o professor Pedro, vai trabalhar com vocês Ciências, está chegando no colégio.” Não teve isso, não, camarada. Foi, no linguajar popular, “Te vira, cara!” E foi assim que a gente começa a conviver e viver e vivenciar o que é uma sala de aula. Até hoje, são quase 30 anos, 1994, 31 anos, basicamente. 30 anos, 31 anos de sala de aula.
52:50 P/1 - Professor, o senhor falou que estagiou na área de Engenharia, também trabalha como professor até hoje. Mas o senhor já trabalhou com outra coisa, em outra área, durante a sua trajetória?
R - Eu posso dizer que não. Mas trabalhei com projetos. A minha vida inicial foi na obra, mas depois eu parei para fazer projetos de Engenharia. E quando eu estava fazendo o projeto de Engenharia, tem vários prédios aqui que tem, no linguajar popular, tem uma meia dúzia de 6 a 8 aí, que eu fiz projeto mesmo. Eu fazia projeto elétrico, telefônico, hidráulico, sanitário e contra incêndio. Nunca fiz de estrutural, nem de alta tensão. Aí, sempre contratava outra pessoa para fazer, trabalhar comigo. Então, eu tive empresa de Fortaleza, empresa de Natal. Tem aqui na Vila Jatiúca, que tem dois prédios. Na Abdala Rochela, tem um prédio lá também, que é um edifício que é um por andar, que é projeto nosso. Trabalhei assim. Sem ser na obra e sem ser com educação. Fazendo projetos. Aí, depois do projeto, foi que veio o outro trabalho, que eu falei para vocês que eu trabalhei dentro da Trikem. Mas foi a única coisa que não foi obra, nem foi a educação. Foi fazer projeto de Engenharia.
54:13 P/1 - Professor, o senhor tem projetos profissionais futuros?
R - Sim.
P/1 - Quais são?
R - Estou nas proximidades aí da aposentadoria, da educação. Creio eu que mais ou menos um ano, aí voltar de vez para a Engenharia. E atuar somente. Hoje eu atuo, mas não atuo com tanta intensidade. Até porque o tempo não permite. Mas voltar. O meu projeto de Engenharia e cheirar cimento e cheirar a água, é melar a bota de concreto e por aí vai. Adoro! Inclusive, no momento também estou fazendo uma construção, mas tem outra pessoa que está trabalhando comigo, aí não precisa eu estar tão no local. Mas o meu projeto é esse, aposentar da Educação e voltar de vez para Engenharia.
55:03 P/1 - Professor Pedro, agora esse assunto é mais atual. Qual o seu lazer atualmente?
R - Depois das duas cirurgias de joelho, aí eu posso dizer que é trotar, trotar e você fazer aquele, correr sem tirar muito o pé do chão. Não posso tirar muito o pé do chão. Eu amava correr na areia da praia, Doutor me tirou desse tempo. “Não corra mais.” Perto da praia você tem que fazer esse movimento aqui, então tinha que correr mais assim, do que assim. Mas eu sou apaixonado, apaixonado, louco, fissurado, se existe essa palavra, em correr. E jogo de futebol, minhas duas paixões. Claro, a paixão da família, que essa daí eu nem toco no assunto, porque é a primeira situação, é a família. Mas se for para praticar alguma coisa, gostar, é correr, trotar, no meu caso, agora, atualmente, e futebol. Até jogar, não dá mais para jogar, que aí machuca o joelhinho velho aqui, não vai fazer mais nada.
56:14 P/1 - Professor, você tem filhos?
R - Duas meninas.
P/1 - Como foi se tornar pai?
R - De primeira qualidade. E está sendo, não vou dizer que melhor, mas está sendo fantástico também, é ser avô. Minha neta, a primeira neta fez agora, mês passado, sete meses, mora no exterior, ela passou 21 dias conosco aqui em Maceió, mora na Inglaterra, é inglesa, a pirralhinha. Então, está sendo bacana ser avô. Passei 21 dias pegando nela, e os outros dias através de telefone, e esperando as férias, para dar uma chegada por lá. Como pai, meu amigo, não tem…. Você é pai? Quem é pai, sabe, não tem sensação melhor. Uma filha já está casada, tal. E a outra ainda mora comigo. Foi o que Deus colocou assim, não de melhor, mas tudo de melhor, fora os pais, a esposa, mas a esposa não é sangue, é uma coisa que você adquire, mas filho, não, filho é da gente, é da gema, então fantástico as duas filhas.
57:36 P/1 - Professor, onde o senhor morava aqui no Pinheiro? O senhor poderia falar como era a rua e o endereço?
R - Posso. Morava aqui pertinho de onde nós estamos, em linha reta aqui dá 300 metros. Na antiga rua Natal, depois passou a ser Ricardo César de Melo, na Rua do Posto Saúde. Posto de Saúde do… Esqueci o nome do posto meu Deus. São Vicente de Paula, se eu não me engano. Alguma coisa assim. Do Posto de Saúde, fala Posto de Saúde do Pinheiro, todo mundo sabia. A minha infância foi aí, cheguei aí com seis anos, quando eu vim do Prado para cá. E fiquei até 2020. Então, são 50 anos, praticamente 50 anos. Eu vou dizer que saí um ano e meio, quando eu casei eu saí, mas voltei logo. Não chegou nem a um ano e meio. Mas eu não perdi a convivência, porque eu praticamente, duas vezes por semana eu estava na casa dos meus pais. Posso dizer que nesse período, eu saí um ano, vamos dizer assim. Mas sempre aqui no Pinheiro. Então, aqui eu conheço tudo e mais alguma coisa. Tem gente que eu não sei o nome, mas eu sei quem é. Ruas, de dar explicações para pessoas que procuravam sobre fulano. Tem um rapaz que mora lá no prédio que eu moro, que tem dez dias, doze, que eu soube que ele morava a cem metros da minha casa. Nunca tinha visto ele. A igreja Nossa Senhora de Nazaré, ele morava em frente a essa igreja. Aí, conversando comigo: “Que é você?” “Eu morava em frente a igreja.” “Nunca lhe vi, cara!” Eu ia em festinha ali na frente da igreja, brincar com os meninos, tal. Aí, você vê, uma pessoa que morava perto mas a gente não tinha relacionamento. Mas a amizade que eu formei aqui no Pinheiro é muito grande. 50 anos você conhece muita gente, desde ali onde é o administrativo da Unimed, até aqui o muro do CEPA, era uma brincadeira só. Nos anos 70, amava isso aí. Pinheirense de coração.
59:50 - O senhor lembra a vegetação da sua rua, a espécie das plantas, das árvores?
R - Lembro, lembro! Como a nossa rua tinha basicamente todas as casas que tem hoje, quando eu cheguei, em 1970. Vamos dizer que da rua que eu morava, talvez 20% aqui não era casa, era um sítio, onde hoje é o Edifício José Tavares, era um sítio que tinha uma casa, um casebre, que a gente chamava de morador, que era para tomar conta do sítio. Depois foi feita uma casa, muito boa, que futuramente foi destruída para fazer o edifício. E duas vegetações básicas tinham lá, que era a mangueira e o aveloz. Não sei se vocês sabem o que é Aveloz? Que chamava também de labirinto. É um vegetal que não cresce muito, ele fica na faixa de um metro e meio, dois, e ele é cheio de, não é espinhos, mas uns caninhos verdes. Ele tinha um leite branco e tal, que até diziam que aquele leite no olho cegava e tal, aquele negócio todo. Então, eram as vegetações do local, mangueira e o aveloz. E o resto das casas aquele mato rasteiro, capim. Agora, aquela região do lado, não existia Jardim Acácia, não existia… Não existe nada pra lá, quando eu cheguei. Nada, nada, nada. Tinha um lugar mais pra cima, que era chamado Mata do Leão. Olha o nome, Mata do Leão, não era a Mata da Formiga, nem Mata Capivara, era a Mata do Leão. Então não tinha nada, nada, nada, nada. Depois foram construindo os negócios, o Jardim Acácia, depois o Divaldo Suruagy, casas e mais casas ali. Eu vi o bairro crescer, e vi ser destruído. Vi as duas coisas, o nascer e o falecer.
1:01:58 P/2 - Professor, a gente escutou alguns comentários de que o Jardim Acácia, ali, essa parte que o Senhor viu se estruturar, que ele foi pensado e tinha algumas facilidades para professores, porque alguns professores já ensinavam no CEPA, então criaram esses conjuntos e facilitaram para que professores quisessem exibir ali por perto. O Senhor que disse que viu isso acontecer, essa estrutura. O senhor tem alguma informação sobre isso?
R - Essa informação que você está me passando não. Mas que tinham muitos professores, tinha, inclusive meus professores, muitos. Posso dizer que do Premem, que eu era estudante, se nós tínhamos 15 professores, eu acho que 12 moravam ali. Aliás, eu vou até falar diferente. Eu não me lembro de quem não morava ali, eu não me lembro agora. Agora, que foi construído pensando nisso aí, eu não tenho a mínima ideia. Mas muitos professores moravam ali. Muitos, não eram poucos.
1:03:10 P/1 - Professor, o senhor tinha ligação com a Lagoa Mundaú?
R - Não. A única coisa que… Não, Não. Se fosse Manguaba já dizia, porque quando a gente ia para Marechal, nós tínhamos uma casa lá na Massagueira, eu fui… alcancei uma coisa que eu acho que vocês não alcançaram, que era a lancha. Tinha uma lancha que saía ali do Trapiche, quem vai pela Siqueira Campos, no final do Trapiche não tem aquele cruzamento ali do Dique Estrada que vai bater lá no final da Sal Gema, na Braskem. Não existia aquela rua, ali era a Lagoa. Logo depois Trapiche era a Lagoa, logo depois, uns 150, 200 metros. E a gente pegava a lancha para ir para Marechal. Mas a Lagoa Mundaú, nada, nada, nada. Eu acho que eu nunca pisei ali, nunca entrei ali na Lagoa.
1:04:05 P/1 - Professor, quando morava aqui no Pinheiro, o senhor lembra de algum cheiro, barulhos, vozes, alguma lembrança assim da sua antiga rua? Vizinhança?
R - Como assim, você está falando em termos de que, cheiro em termos de que?
P/1 - Assim, o senhor poderia ter algum costume, um exemplo, está na rua escutar, sei lá, tipo… Pronto, era muito comum o pessoal que morava perto do trem escutava o barulho do trem, da buzina do trem passar. Mas no caso do Pinheiro, já era um pouco mais distante, mas o senhor poderia ter outro costume que acontecia só lá.
R - Não, não. O que tinha muitos ali, devido a não ter o Jardim Acácia, a não ter o Divaldo Suruagy, muitas casas, eram os pássaros. Inclusive, na parte de trás da casa da gente, tinha uma jaqueira que era do vizinho dos fundos, e tinha uma sinfonia de pardais que era um espetáculo. Não sei nem quantizar os pardais. Mas era uma coisa assim fenomenal. E os pardais, pra quem não sabe, cantam no começo da manhã e no final da tarde. Eles praticamente não cantam durante o dia. Então, começo da manhã, final da tarde, era o canto dos pardais, que era o nascer do sol, e o pôr do sol. Então, não me lembro assim, do barulho, eu gostava muito. E o quartel que de manhã tocava a alvorada, tinha banda de música. Como não tinha esse trânsito todo, esse barulho todo de hoje, eu escutava daqui de casa. A música que tocava lá no quartel, no ensaio, 05h30, 06h00 da manhã, eu escutava daqui do Pinheiro. Hoje eu acho que é impossível vocês ouvirem isso aí, só com o trânsito e com as pessoas, não dá mais para ouvir esse som da banda de música do Exército.
1:05:51 P/1 - Professor, você poderia descrever como era sua casa aqui no Pinheiro?
R - Sim. Quando o meu pai construiu a casa em 1969, e ele veio morar em 1970, ela constava de 4 quartos no térreo, um banheiro, duas salas amplas, a cozinha, evidentemente, e o avarandado, uma área bem grande, um jardim. Então, isso dava o que, uma faixa de 120 metros quadrados de construção. E tinha um quintal bacana, que parecia um sítio, um quintal 12 por 13, 12 por 14, alguma coisa dessa natureza, não me recordo. Tinha muitas coisas, capim santo, essa vermelhinha que diz que tem muita vitamina C, acerola, pimenta do reino, tinha um monte… Banana. Mangueira não tinha não, porque tinha na casa do vizinho. Casa do vizinho, a grade dava pra lá. Mas tinha um monte de coisinhas assim. E depois, quando eu me casei, aí foi que eu vim fazer o primeiro andar. Aí, a casa passou a ficar com oito quartos, passou a ficar com três banheiros, uma dependência completa de empregada, um jardim. Um local bom para quem queria viver fora, que não fosse apartamento, uma casa.
1:07:24 P/1 - Nesta casa ainda, professor, alguns momentos marcantes quando o senhor viveu lá com a sua família?
R - Ah, não dá pra enumerar, não, teve tantos. Tantos, tantos, que não dá pra enumerar. Não tem um que diga assim, esse foi melhor, esse foi ruim. Não, tem tantos. Eu não vou nem me arriscar a dizer um, são muitos, muitos, 50 anos é muita coisa.
P/1 - Aquele mais marcante, qual o senhor escolheria se fosse para escolher um desses?
R - Vários, vários, não sei. Não sei, talvez o meu primeiro telefonema, talvez. Que eu peguei em um telefone com vergonha do pai e da mãe. O telefone chegou, instalou… Tem N coisas, mas eu estou falando assim… Eu estava no colégio, quando eu fui pro colégio e… Aliás, minto, ele foi instalado num dia, no outro dia eu fui ao colégio, dei meu número a um colega, “Liga pra mim, cara.” Ele disse: “Posso ligar?” “Pode ligar.” Cheguei do colégio, meio dia e pouco. Ele tinha telefone, nós não tínhamos. E ele ligou, quando eu atendi, meu pai e minha mãe estavam pertinho, eu estava aqui, envergonhado. Foi um momento assim, que me chamou a atenção. “Ó, recebendo ligação.” Porque foi o primeiro dia que eu atendi um telefonema. Me marcou porque foi… Eu acho que isso aí foi 1976, eu acho, 1976, 1975, não me lembro bem, não, mas foi por aí. Agora, coisas que vieram de bem, tem N coisas, não dá para descrever não.
1:09:04 P/1 - Professor, como era sua rotina antes do afundamento? Os dias normais antes de vir essa tragédia.
R - Eu lecionava, como leciono até hoje. Saía de manhã, voltando para almoçar, às vezes saía novamente, voltava à noite. Tinha dias que eu tinha aula à noite, chegava a noite. Mas uma rotina de trabalho. E evidentemente que no final de semana eu saía com a… Eu gosto muito de dizer lá em casa, com a turma para passear, um jantar, um almoço, uma pequena viagem aqui por perto. Mas a rotina era basicamente essa, era trabalho e o lar. Até o evento. Inclusive, depois do evento, só que começou o afastamento das pessoas. Tinha um colega que morava lá no Zé Tavares, e a mãe dele faleceu ano passado, mas na época, eu não quis deixar ele sair de lá. Um amigão meu, até hoje nós somos muito amigos. Aí, ele disse: “A mamãe quer sair.” “Não saia, não saia, porque essa região aqui não tem nada pra comprometer, não”. E
realmente não tem, onde eu morava. Mas infelizmente nós fomos expulsos, a palavra é essa mesmo, nós tivemos que sair. Mas a… Como é que se diz, o ambiente nossa ali de morada, para mim era um dos melhores possíveis.
1:10:32 P/1 - Professor, o senhor poderia citar o nome de alguns vizinhos de quando o senhor morava aqui no Pinheiro?
R - Posso. Nós tínhamos aqui, do lado esquerdo, um colega, que inclusive é professor do Senac, o Beraldo. Tinha um amigo nosso em frente, um falecido, da minha idade, falecido.
O pai dele também faleceu, a mãe, a dona Emiliana, que era comerciante, tinha uma butique, tinha o Robson, que era outro colega, também falecido. Olha só, quanta gente já faleceu. Aí tinha o outro, mais adiante, Severino, falecido. Você só fala em nome de falecido? Mas eram as pessoas que moravam ali nas redondezas. Agora, no Pinheiro, que a gente chamava de Pinheiro, não era o bairro Pinheiro, chamava de Pinheiro aquela parte ali central, ali perto da Igreja Batista, a outra Igreja, evangélica, a Igreja Católica. Nós chamávamos de Pinheiro aquilo ali. Aí tinha um monte de gente conhecida, tinha gente que eu sabia quem era, mas eu não sabia o nome. Mas a vizinhança, mais ou menos assim, uns seis, oito colegas, que nós íamos para a rua jogar bola, jogar pião, jogar chimbra, que não passava carros, basicamente lá, depois que veio a linha de ônibus, que era a minha São Brás. Depois virou o que, meu Deus? Virou Real Alagoas, a São Brás. Aí, tudo mudou. Asfalto, muda tudo, muda toda a rotina da gente.
1:11:59 P/1 - Quais lugares aqui do Pinheiro que mais marcaram o Senhor?
R - A venda do seu Orlando. A venda do seu Orlando. Vou situar, Igreja Batista do Pinheiro, você subindo a esquina. Ali era uma vendinha que chamava, Venda do Seu Orlando. Eu ia pra lá trocar bala, bala é a figurinha. E tomar picolé, chupar picolé com os meus pais, eu era pivetão, sete, oito anos, nove anos, não andava só no bairro, meus pais iam lá, ia trocar figurinha, batia lá. Aí, fazia aquele passado de figurinhas, “tenho, tenho, tenho, tenho não, tenho, tenho não”. Então, era o divertimento, era chegar os álbuns, eu ficava louco, quando vinha do colégio, passar pelo fundo do CEPA ali, e dizia: “Seu Orlando, chegou álbum?” “Não, meu “fiu”!” Aí, quando chegava, já sabia, a noite era a diversão. Era o local do Pinheiro que mais chamava a atenção. E um outro lugar também, que não podia deixar de ir, era a panificação da Dona Helena, que era ali na Rocha. Todo santo dia você tinha que ir lá, que era para comprar o pão. Mas assim, dois lugares marcantes. A venda do seu Orlando era… Até hoje eu me dou muito bem com o filho dele, com o Fernando. Mas o gostoso era trocar figurinha à noite.
1:13:23 P/1 - Professor, que festas e celebrações, tradições culturais, marcaram você e sua comunidade?
R - A festa na frente da igreja Nossa Senhora de Nazaré, que armava uns parquinhos, uns minis parques, e tinha um brinquedo que eu gostava muito, que a juventude hoje nem sabe o que é. Que eram aqueles barcos que a gente sentava um de frente para o outro, e puxavam uma corda, puxava uma corda, o barco ia lá e voltava. Aquilo ali era minha loucura. Termina o café, já estava, “Mãe, quero ir para o parque.” E não tinha outro parque, pra mim um parque na Pajuçara, um parque sei lá onde for, mas ali que chamava a atenção. E jogar argola, gostava demais. Às vezes, era cigarro, eu não fumava não, mas gostava de jogar. Então, o parquinho na frente da igreja, era a festividade que mais chamava atenção da gente.
1:14:23 P/1 - Professor, agora a Ana Paula vai fazer uma pergunta ao senhor.
P/2 - Professor, agora você já falou muito da sua vida anterior a tudo que aconteceu, e teve um grande marco, que foi o tremor, em relação ao que aconteceu lá no Pinheiro. O senhor estava no bairro? Como que foi afetado a sua vida de família, de trabalho, desde esse dia?
R - 18 de fevereiro de março 2018. Estava. Não vi e nem ouvi. Estava dormindo. Eu acho que foi alguma coisa em torno de 14h30, 15h00. Eu não costumava dormir, mas aquele dia que você almoça e fica meio sonolento, e eu fui pra cama. Fui pra cama, cochilei, levantei perto das 16h, 17h, e fui comprar o pão. Ao chegar na padaria, alguém me perguntou: “E o terremoto?” “Terremoto? Que terremoto, homem?” Conversando com os colegas. “Você não sentiu, não? O bairro balançar?” “Que bairro meu amigo? Que bairro balançou?” “Esse aqui, o Pinheiro.” “Eu não sei, não estou sabendo de nada.” Eu não sabia de nada. Terminou que eu não procurei saber mais nada. Que terromoto? Eu vou saber lá de terremoto. Voltei pra casa, e fui contar a história para a minha esposa e minhas filhas. “Você estava dormindo, estremecendo tudo aqui.” Eu cochilando, não percebi. Naquele 18 de março, elas sentiram, eu estava no primeiro andar, Meu Deus, não me recordo, acho que estava no primeiro andar. Eu não senti o bairro tremer, não senti. Se eu disser que senti, é mentira. Mas elas três sentiram. Aliás, quatro, que a minha mãe também. Meu pai tinha saído no momento, não sentiu. E aí, foi quando despertou para saber o que foi aquilo ali, que no momento ninguém sabia. Um conversando com o outro. À noite eu fui pra rua, para conversar com fulano, conversar com o sicrano, o que foi que houve, alguém sentiu? E a gente percebeu que foi aquele sinistro que causou todo esse trauma que a gente vive até hoje. Mas eu não vi e nem ouvi. Exatamente porque eu estava deitado, dando a minha sesta, dando um cochilozinho. Mas que foi triste, foi, que teve gente que estava… Inclusive, tem um amigo nosso, que estava bem próximo, estava na igreja Menino Jesus de Praga, que foi acho que 25, 30 metros do epicentro, que foi o local onde depois se constatou que foi ali que foi o foco, vamos dizer assim, o centro de tudo. Mas ele disse que sentiu, estava lá em pé e o corpo deu uma balançada. Mas não sabia o que era. Que nem isso aqui, que está balançando. Ouvir o barulho, ele disse, não, mas viu a terra tremer. Então, basicamente isso aí, soube, mas eu não sentei na hora, que eu estava dormindo.
1:17:40 P/1 - Professor, como foi os dias desde o tremor até a sua mudança? Como é que foram esses dias, a convivência no local e toda essa expectativa, sem saber o que estava acontecendo? Essa dúvida, incerteza.
R - O começo foi só incertezas, ninguém sabia o que era. Aquele começo de uma semana, duas, três, quatro, cinco. O que foi? E aí começaram a entrar os geólogos, se apresentar na TV e tal. Eu não sabia o que era, apesar de eu ser engenheiro civil, não sou engenheiro de solos, mas eu entendo alguma coisa, pouca coisa, mas entendo de solos, alguma coisa. E foi quando eu comecei a ver ali. Agora, aquela parte no início, não me afetou tanto, pra mim não ia passar daquilo ali. Eu coloquei pra mim, para os meus colegas mais próximos, que não ia passar daquilo ali. “Que não sei o que…” “Não vai passar disso. Foi alguma acomodação de terra e tal.” Que ali, no Jardim Acácia, tem uma fissura antiga, muito antiga. Agora, não sei se ela foi acrescentada devido esse problema da Braskem, não sei, não pesquisei. Então, no comecinho não me abalou em nada, sabe? Três meses ali, pra mim foi como se não tivesse ocorrido nada. E aí, o que foi que começou a ocorrer? Algumas pessoas se mudando. Aí sim, aí começou a ter problema. “A minha casa rachou, a calçada perdeu uma cerâmica, saiu uma cerâmica”. Então, foi o que, isso a mais ou menos uns 6 a 7 meses. E foi quando veio a, vamos dizer assim, a doideira, todo mundo querer…. Se assustar e querer sair do bairro. A gente não saiu de início, a nossa família ficou lá. Morávamos minha mãe, eu, minha esposa e minhas duas filhas. Não, ninguém vai sair daqui agora, não. Sair para onde? Não é assim não! Tenha calma. E aí, começou aquele programa da Braskem, esqueci até o nome. A compensação financeira. Eu fui me inteirar do que era a compensação financeira. Inclusive, quando o evento, houve o sinistro, a nossa casa estava à venda, que a gente queria sair pra outro canto e tal. Estava vendo. Mas o corretor disse que tinha dado uma pausa, porque a área dele não era bem aquela. Ele trabalhava mais com o Tabuleiro. Eu digo, tá, tudo bem! Então, veio aquilo ali, aí foi quando a gente viu a necessidade de saber o que ocorreu, o que ia correr. Então, não sei como, eles conseguiram… Não sei se a palavra é essa, fechar o cerco para a gente entrar em contato com eles. Todo mundo teve que entrar em contato com eles. Teve gente que saiu de lá deixando, abandonando as casas. Eu conheci pessoas que saíram, simplesmente fecharam aqui, mexeram aqui, foram embora. Sem receber nada. Até hoje tem gente que não recebeu a tal compensação financeira. Nós recebemos. E foi quando a gente começou, a família começou a dizer, porra, agora tem que saber o que vai ocorrer. O edifício Zé Tavares, são 60 apartamentos, com seis meses, eu acho que ele já tinha a metade evacuada. Evacuado não, a palavra não é evacuado, tinha gente que tinha ido embora. Inclusive, essa mãe desse amigo meu, “Não vá Dona Fofinha.” Que eu chamava ela de Dona Fofinha, que ela era de idade, bem fofinha, cabelo bem lisinho. “Dona fofinha, não vá.” “Não, meu filho o bairro tá caindo, o bairro está afundando, estou vendo na TV.” Isso atingiu, pessoa de 80 e tantos anos, 90 anos. Aí, começou a haver isso aí. Eu, como engenheiro civil, achava que não era nada de outro mundo não. Mas aí, a gente viu que o negócio foi se alastrando. Desceu ali para o lado do Mutange, atingiu o Bebedouro, uma série de lugares, a gente teve que sair. Mas não saí gostando não. “Que massa, eu queria vender a casa, estou recebendo o dinheiro, vou para outro canto.” Não é bem assim não. Uma vida de 50 anos, você ser obrigado a sair. E a gente estava, em tese, em um terror, porque as pessoas foram saindo da rua, saindo, saindo. E eu ficando. Então, do posto, até a nossa esquina outra, nós éramos três pessoas, três famílias. Uma perto da igreja Católica, uma mais pra cá e a nossa casa. Minha mãe dizia assim: “Meu filho, quero ir ver a rua.” Sabe o que eu fazia? Abriu o portão eletrônico, botava a cabeça dela assim, e recolhia a cabeça. “Sim, mas eu não saí.” “Você falou que queria olhar a rua. Não vou botar você do lado de fora.” Aí, passava um veículo, uma moto, sei lá, ninguém sabia quem era. Aparecia uma pessoa ali. “Quem é?” NInguém sabe quem é. Então, estava um bairro assim, sem movimento. Está entendendo? Então, não tinha mais como protelar. E aí, foi quando entrou uma empresa. Não vamos citar nomes aqui. Que trabalhava para a Braskem, entrou em contato com a gente, e no período de um ano, um ano e cinco meses, um ano e seis meses, a gente conseguiu nos afastar. Aí, isso aí foi barra.
1:23:37 P/1 - Professor, como foi o seu processo de mudança, e como ficou sua casa depois da saída?
R - A casa que você fala….
P/1 - Do Pinheiro.
R - A que está lá. Está em pé até hoje. E eu vou dizer mais uma coisa, sem nenhuma fissura, uma rachadura ela não tem. Inclusive, já tive a curiosidade, agora mas não, que já está fechada, e tem mato ali dentro que acho que não tem na floresta. Mas eu tive curiosidade de entrar, um ano e meio, dois depois, que eu fui fazer uma coisa lá que eu nem sabia quem tinha, que era o Capim Santo, a gente tinha um pé de Capim Santo. E aí, estava em casa, minha esposa: “Capim Santo”. “Tem lá na casa da gente que morou.” E quando fizeram os muros, as pessoas começaram a quebrar pra entrar, pra tirar coisas. Tinha lá um buraco, eu fui lá dentro, peguei Capim Santo. Está lá do mesmo jeitinho. Agora, o processo de mudança, chato, é muito chato. É muito chato, porque primeiro, não é um uma empresa contratada pela gente. Se eu for me mudar, eu vou procurar as pessoas que eu conheço. Você conhece alguma empresa de mudança? Mas eu vou ver assim, se o meu vizinho sabe. Vou ver se você sabe. Vou ver se a Ana Paula sabe. Me ajuda Ana Paula, você conhece? Não foi assim. Eles mandaram a empresa, sem citar nomes. E marcaram um dia, só que esse dia não foi um dia assim simplesmente. Isso aí foi um saco, porque foi um ano e meio lutando com isso aí, um ano e meio. Até eu estava morando no apartamento que eu estou hoje, o apartamento na época novo, e eu quase que perdi de comprar esse apartamento, porque estava de aluguel, e a dona… Eu já estava com um ano e três meses mais ou menos, com esse processo de ligação com essa empresa que trabalhava pra Braskem, contato com a advogada, porque tinha aquele lance da… Me ajuda agora, daquela famigerada doença, aquela tristeza da Covid, e era tudo on-line, isso que a gente está fazendo aqui não existia. Não existia. Diabo daquela focinheira no meio da cara. E aí, com o advogado lá na TV, feito um besta quadrado aqui. “A senhora está onde?” “Estou em Minas Gerais.” “Eu tô em Maceió, nós estamos há quase 2000 km de distância, estamos discutindo uma coisa que está aqui a 2km de mim, e a senhora não conhece.” Então, foi um processo muito chato. Até que a proprietária do apartamento que eu morava, disse: “Pedro, quero vender o apartamento.” “Não faço isso não, espera aí.” Então, ela tinha sido acertado pelo meu advogado, que a Braskem poderia pagar dentro de um mês? E ela disse: “Eu estou precisando vender.” Ela estava se mudando para outro estado. E eu disse: “Eu estou querendo comprar, mas eu não tenho dinheiro agora. Agora tenho dinheiro de sobra para comprar, mas não está na minha conta.” Então, quando você pergunta mudança, mudança não é botar coisa no caminhão e sair, isso já faz parte da mudança, você levar coisas para um ambiente que já estava alugado, que você estava prestes a sair de novo. E para onde? Fui olhar algumas casas, alguns corretores que me ligaram, fui olhar casas boas. Mas eu digo, não quero, não quero morar longe, quero morar aqui nessa região. Está entendendo? Então, fiz um acordo com essa pessoa, proprietária do apartamento que eu moro hoje, nós chegamos a um valor, que aumentou o valor para ela, e aumentou para mim, mas também me ajudou. Aí, quando deram três meses, eu acho que três meses, aí recebi uma ligação. Disse: “Ó, Braskem está depositado X reais.” Só que lá em casa, como eram duas casas, dois núcleos familiares, Quando eu digo que minha mãe morava comigo, ela morava num ambiente, térreo e primeiro andar, são duas construções distintas. Foram duas matrículas distintas na prefeitura. Então, não tinha porque um só. Aí, recebemos a compensação, não lembro se foi de baixo ou de cima primeiro, não me recordo. Falei: “caramba, e a outra?” Uma só não dava para comprar apartamento, dava as duas, de sobra, mas uma não dava, porque uma era maior do que a outra. Aí, três dias depois, quatro, a Braskem depositou a outra parte. Então, a partir daí, eu posso dizer que foi moleza, foi moleza. Mas mesmo assim me chateei, porque a empresa que veio, eu não conhecia ninguém, cara. Muita gente dentro da minha casa, seis, sete, oito homens assim, pra pegar as coisas. Ficava perdido, só tinha eu de homem em casa. Aí, minhas filhas, a esposa. Tive que chamar um amigo meu. “Vem me fazer companhia aqui, porque está cheio de homem aqui em casa, pra tirar as coisas.” Isso é chato, você fazer a mudança. E não era uma vez só. Quem vai acompanhar o caminhão ao chegar onde eu vou? Quem vai ficar aqui? Não termina hoje não, só termina amanhã. Não termina amanhã não, a gente só termina depois de amanhã. Então, esse processo de mudança, e sacal, é um negócio assim, muito angustiante. Mas mesmo assim, quando chegou no último dia, deixamos o último objeto, eu fiquei mais tranquilo. Hoje eu estou bem, posso dizer que a minha família está bem, está num local bem mais seguro. Que ali já estava, eram vários ladrões, o Pinheiro, vários ladrões. Hoje não tem nem ladrão, porque não tem o que roubar. Roubar o que? Não tem nem tijolo pra roubar. Vai perder tempo de desmanchar uma casa, não vai. Mas eles roubavam teto, roubavam telha, tomada, fio, um monte de coisa que tinha dentro de casa. Mas esse processo que você perguntou da mudança, foi chato, muito chato. Demorou assim, uns três meses, nesse negócio de paga, não paga, para mudar. Mas é como eu digo, nada acontece por acaso, então, apesar de ter sido chato, não há mal que traga um bem.
1:30:00 P/1 - Professor, e quais foram os maiores desafios na adaptação do novo local que o senhor começou a morar?
R - O ambiente, só. Eu sai de uma casa de 333 metros quadrados, para um apartamento 145. E aí, menos da metade. Isso que foi… Não o ambiente, que eu digo, o ambiente externo, o ambiente que eu digo, o ambiente onde eu resido, foi o que mais apregoa a gente. Porque você não pode botar fora os objetos que você tem, pô! Depois você vai com calma, isso aqui não vai me servir mais não, vou doar, isso aqui não vai me servir, vamos doar a um conhecido, uma pessoa mais carente e tal. Isso foi o que chateou a gente. A nossa casa, teve uma época que andava de ponta de pé assim, não tinha onde botar coisa. Sair de 333 para 145, é complicado. Menos da metade. Até hoje a gente tem uns probleminhas, onde está tal coisa? Está ali, está acolá. Mas no mais, dá para levar.
1:31:14 P/1 - Professor, como sua rotina foi afetada após a mudança?
R - Não foi afetada. Não afetou não. Porque a distância que eu morava do trabalho, é a mesma de onde eu estou morando, então basicamente não afetou. Pelo contrário, eu vou até ser um pouquinho assim…. Acho que melhorou, porque eu me aproximei do centro da cidade, ali nas proximidades da Praça do Centenário, na região ali, é mais próximo ao centro da cidade, mais próximo de supermercados, açougues, cabeleireiros para a família, essas coisas todas. Melhorou em termos disso. Mas não afetou em nada, não.
1:31:58 P/1 - Professor, você sentiu impactos ambientais por conta desse desastre?
R - Você está falando na minha vida ou no bairro?
P/1 - Não, na rua, assim…
R - Ah, claro, evidente que sim. Por exemplo, o trânsito, hoje a rua mais movimentada do Pinheiro, é a que eu morava. E a rua mais movimentada, hoje chama-se Ricardo César de Melo. Porque o bairro está todo fechado, praticamente, quem sai ali por trás do CEPA, passando por trás do CEPA não, por dentro do CEPA, sai em frente a igreja Batista, você tem a esquerda pra dobrar, pra fazer um contorno no Pinheiro e voltar para a Lima Rocha. E tem a Miguel Palmeira que dá acesso da Fernandes Lima pra dentro, queira ou não queira, vai passar pela rua do Zé Tavares, a do conjunto, do edifício, que é a que eu morava. Então, o Pinheiro está reduzido hoje a duas ou três ruas. Inclusive, há três semanas, quatro semanas, eu fui fazer uma coisa que eu não sabia. Eu não sei se vocês sabem onde é o de medicina, o Conselho Regional? Aí, eu saí, passei por onde eu morava, peguei a direita para sair no Belo Horizonte e entrei no Conselho Regional, eu e a minha esposa, minha filha, não me lembro bem. Quando cheguei lá adiante, que dobrei, fechado. Eu não sabia que a Belo Horizoente estava fechada. Aí, teve que passar por trás e ir até a Amorim Leal, rua da antiga Unimed, e o lado esquerdo está todo fechado. Isso é uma mudança radical no bairro. E outra coisa, eu faço um desafio até para quem mora por aqui e para quem morou. O que vai ser do bairro? Ninguém sabe. Um diz uma coisa, que vai ser isso, que vai ser aquilo, que vai construir isso, que não vai construir, que vai ser assim, que vai assado. Edifício com 10 andares, 12 andares, foram demolidos. Por quê tiraram edifícios? Antes, tinha até um amigo que tinha um contato direto com algumas pessoas. “Não, eles vão aproveitar os edifícios, eles vão fazer alguma coisa com os edifícios.” Eu, como engenheiro, achava estranho, porque o edifício, sol, água, chuva, sol, água, chuva. Aquilo danifica as lajes, danifica as ferragens, danifica tudo, pintura, tudo. E os edifícios foram todos praticamente pra baixo. Não tem mais nada no Jardim Acácia, não tem o Divaldo Suruagy, ali onde era o posto de gasolina, outro edifício, outro mais pra lá, outro mais pra lá. Que dizer, está tirando tudo, então mudou completamente a rotina do bairro. O bairro hoje se resume a duas ou três ruas. É uma coisa que eu não entendo, na minha área de engenharia, como que a Belo Horizonte, a Avenida Belo Horizonte, ela é o limite. Não entendo. Não cabe na minha cabeça. Isso aqui foi danificado do lado de lá Belo Horizonte, do lado de cá não foi danificado. Por que isso aí? A natureza fez assim? Não sei! Então, está totalmente afetado o bairro com aquilo ali, ficou muito apertado o trânsito. Tem hora que dá vontade de você andar de bicicleta, porque o carro embanana em duas ou três ruas. Por onde você anda, é desvio, você anda mais um pouquinho, é desvio, desvio. O que vai ser no bairro? Não tenho a mínima ideia. Queria saber de alguém que conhece pra saber o que vai ser ali. Eu não tenho a mínima ideia.
1:35:29 P1 - Professor, a Ana Paula vai fazer uma pergunta agora.
P1 - Professor, o senhor falou da questão da sua moradia. Mas como professor do CEPA também, e o CEPA sendo uma região afetada. Como é que foi esse processo? Viver esse processo, ainda que não na escola que você trabalha, mas ver toda repercussão no seu ambiente de trabalho também, desde das emoções em algumas escolas, até o impacto nos seus colegas de trabalho?
R - Nas escolas que eu trabalho, afeta zero. Nada, nada, nada vezes nada. Mas o emocional de muita gente foi atingido, porque como eu morava aqui no bairro, e eu sei o que estava ocorrendo nessa região do CEPA. Aí, tem gente que trabalha conosco e mora na região de Jacarecica, por exemplo. Não sabe de nada. O que é isso aqui? Porque está assim? Ah, eu ouvi falar, saiu na Record, saiu na Globo, saiu no SBT. Mas e daí, você vivenciou aqui? Lá no CEPA tiveram dois colégios que já saíram, que é o Vitorino, que eu gosto de dizer que é o da pirralhada, é o Titara, que é o antigo instituto, saíram. Ali, segundo quem fez as perícias, que eu não participei, tiveram que sair. O Colégio que eu leciono, que é o Premem, que é o Camerino e o Moreira e Silva, intactos. Você pergunta pra mim: Pedro, houve alguma coisa física? Não! Não tenho pra que dizer que sim. Ficar dizendo o que não é verdade. Não tem problema nenhum. Nosso problema estrutural, dos meus colegas de trabalho, nenhum. Agora, tem gente que fica assim. “Eita, estão construindo um colégio no Benedito e é pra lá que a gente vai.” “Quem falou pra você?” “Não, mas eu já ouvi que está sendo construído no Benedito Bentes. Eu já ouvi falar que está 40% construído.” Isso até hoje existe. Você pode ir num colégio desses perguntar que existe essa suposição, essa conjectura, que alguém vai sair de lá. Mas até agora nada. Eu espero não sair. Espero me aposentar antes de sair. Se o CEPA sair depois, saia sem mim. Mas eu…
1:37:49 P/2 - Os impactos foram mais emocionais do que na estrutura física?
R - Isso. Até porque o Titara tinha o magistério. O magistério, apesar de ser relacionado a pedagogia, mas não era aquilo que me atraía, por exemplo, “Vou fazer o magistério.” Então eu conhecia pouca gente, conhecia o diretor, um supervisor, uma coordenadora, assim. Mas conhecer colegas de profissão… Então, eu não posso nem entrar no mérito de dizer que colega foi atingido, sei lá, por algum evento que teve lá dentro. Mais emocionalmente, pode ter certeza, até hoje existe. O outro colégio, mais atrás, o Afrânio Lages, tem mais ou menos uns 50, 60 dias que eu tive lá batendo papo com alguns colegas, eles estavam com esse negócio na cabeça, “Vão tirar a gente daqui.”
1:38:34 P/2 - E seus alunos, em relação a estudar ali, no local que quem é de fora não entende muito, procura se informar?
R - Não, não. Posso dizer categoricamente, não. Ninguém fala. Até porque não interessa para eles, interessa estudar, terminou o estudo, vai pra sua casa, faz seu lanche, toma banho, estuda, amanhã toma banho, vem. Não tem esse… Como o colégio, como estou dizendo pra você, o Moreira e Silva, não tem problema de estrutura, até agora. Não sei se vai ocorrer amanhã, não sei. O outro colégio também não tem. Então, os alunos nem tocam no assunto. Resumindo, nem falam no assunto. E problema mental pra eles, também acho que não tem, são adolescentes. O bairro não tem mais estudantes, quando o CEPA foi feito, foi feito pra quem morava aqui. Eu acho que dos 100% dos alunos do CEPA, 90%, 90 não, acho que 95% talvez, era gente daqui. Hoje não tem mais ninguém. Você vai ter gente aqui do Pitanguinha, quem mais, meu Deus? Gruta. Pouquíssimas pessoas. Bolão. Pouquíssimas, pouquíssimas, porque está tudo destruído também. Então, praticamente o CEPA hoje virou um colégio para alunos de outros bairros. Não estão muito preocupados com isso, não.
1:40:02 P/1 - Professor Pedro, o senhor percebeu algum impacto durante o desastre com os animais domésticos e silvestres?
R - Não. Eu percebi, não. Mas relacionada a pássaros, com certeza que houve. Com certeza que houve. Não que eu dissesse, “Pedro, você percebeu?” Não. Não porque eu... Como eu disse a você, eu passei um ano e meio em conversação com a Braskem, até que me retirei. O evento já tem quantos anos? Sete. Sete. Então, está com 5 e pouquinho que eu saí. Então, não dá nem para dizer que eu percebi alguma coisa. Agora, com certeza ocorreu, né? Como eu falei pra vocês, não sei se vocês se recordam. Que eu disse que atrás lá de casa tinha uma sinfonia de pardais. Não existe mais. Aí, você diz, vai afetar. Mas você vai dizer o quê? O que é que pode ter afetado mais. Gatos, cachorros, não sei, lagartos, ou coisas assim. Mas pássaros, com certeza foram afetados.
1:41:18 P/1 - Professor, durante essa situação, o senhor sente que houve justiça durante esse processo de retirada?
R - Então, depende do que você interpreta de justiça. Nós tivemos algumas reuniões, inclusive com o Sampaio, que era o comandante da equipe aqui do Pinheiro e tal. Eu, como engenheiro avaliador, eu fiz algumas avaliações no bairro de pessoas, não vou citar nomes, nem vou citar valores. Porque se citar valores, você vai dizer assim: “Caramba, existiu isso? Onde foi?” Não, não vou falar. “Foi no Jardim Acácia? Foi no edificio tal?” Não vou dizer. Mas foi dentro do bairro. Tinha casa que valia X, o cara recebeu dois X. Bom, ótimo. Sabe quando foi isso? Logo no comecinho. Logo no começo, seis meses, quatro meses. Por que? Porque tinha pouca gente. Como que eles chamam? Mapa de... Mapa de risco era pequeno. Então, um amigo meu falava na avaliação, “Que massa, cara, ele falou o que você botou, eu recebi quase o dobro.” (palmas) Digo: “Parabéns, cara, sua casa valia aquilo, se você recebeu mais, parabéns pra você e para o seu advogado que conseguiu isso aí, o direito.” Então, você diz assim, se houve justiça ou não. Não sei, eu não entrei em detalhes para saber quanto cada um recebeu. Eu fiz avaliações ali de valores perto de 8 milhões. Você acredita nisso? Eu fiz avaliação lá de residência de 6 milhões. Quanto recebeu? Não sei, eu não entro em contato com aquelas pessoas. Isso aí foi um colega meu que saía comigo, a gente costumava bater uma bolinha. Disse: “Ó, recebi tanto.” Mas não sei, não posso nem falar pra você. Posso falar da minha. Da minha eu posso falar. Houve justiça no pagamento da edificação. Pra mim houve. Dentro mais ou menos do que eu esperava. Mas a justiça não é só isso, não. A justiça envolve uma série de fatores, principalmente o emocional, principalmente, porque o físico amanhã eu consigo outro. Se você perde uma coisa hoje, amanhã você consegue, mas emocional você não recupera, não. Então, essa daí eu acho que talvez seja a maior injustiça, foi essa aí, a parte emocional. E você pegar pessoa de idade… Sei lá, um pivete de 15 anos, não tá nem aí, mete ele pra outro bairro aí, ele vai fazer novos amigos. Você pegar uma pessoa… O caso da minha mãe, por exemplo, sair com 88 anos. É, 88 anos sair de lá. Você readaptar a pessoa em um novo local… Ela morou há 50 anos. É complicado, tá? Então, quando eu falo em justiça, tem a justiça financeira, que pode ter sido boa, ou não pode, eu não sei, não entro nesse mérito. Mas a justiça psicológica, muita gente ficou deteriorada, mentalmente ficou abalada, abalada demais. A minha família também.
1:44:37 P/1 - Professor, o senhor participou de alguma atividade para preservar a memória do bairro?
R - Não exatamente, assim, como vocês estão fazendo esse sistema de entrevistar algumas pessoas que passaram por lá. O que eu participei foram de reuniões antes dos pagamentos. Reuniões para saber o que é que estava ocorrendo, o que não estava ocorrendo, porque estava… Mas, pra ser sincero, em termos de o que o bairro vai ter, o que teve, o que vai ter, vai ser revitalizado. Não, não participei de nenhuma.
1:45:17 P/1 - Professor, houve danos morais, patrimoniais e extras materiais da Braskem?
R - Como assim? O que você chama de danos materiais?
P/2 - É como se fosse uma reparação além da compensação financeira. Porque houve a compensação, o senhor foi devidamente indenizado, patrimonialmente. Fora isso, não houve nenhum tipo… Como o senhor falou, do emocional…
R - Teve os danos morais, que é um valor, que na minha opinião, não condiz com a verdade. Também não vou entrar em valores, que não vem ao caso. Mas que não condiz com a verdade. Não é aquilo que se deveria ter. Até porque no começo, lá em 2018 para 2019, o Ministério Público propôs um valor, propôs um valor. E depois de muito tempo, de um ano, sei lá o que, esse valor foi lá para baixo, foi coisa de 6 a 7% do valor inicial proposto pelo Ministério Público. E aí, você pergunta, por que ficou? Não sei, não fiz parte, eu não faço parte dessa turma que participa. Mas eles tiraram uma parte e pagaram para a gente os danos morais, não foi o que nós esperávamos, mas teve uma pequena parte sim.
1:46:50 - Quais as marcas que ficaram em você e sua família depois desse processo?
R - Maculou o coração de todo mundo, de todo mundo. Se você andar no bairro hoje… Agora você não vê mais não, porque está tudo tapumado, está tudo fechado. O que mais tinha era escrito nos muros, as frases, tipo, “você matou a gente, você assaltou a gente, você acabou com a minha família, acabou com os nossos corações, acabou com tudo que eu tinha no bairro”. Essa marca ninguém vai apagar. Você pode apagar outras coisas, mas essa daí ninguém tira não. A minha filha mesmo, que mora no exterior, que passou comigo um mês. Passou pela porta, caiu aos prantos. Eu passo pela porta da minha casa, pra mim, eu já assimilei. Ela caiu aos prantos dentro do carro. Então, de onde surgiu esse choro dela? Veio do nada? Ela passou 20 tantos anos da vida dela ali dentro. Então, não tem como você não dizer que aquilo afetou. A marca, ela existe e vai ficar. Não vai apagar nunca, eu vou embora daqui e vou carregar pelo resto da vida.
1:48:03 P/1 - Qual o sentimento que o senhor carrega ao relembrar a sua casa e vida antes da mudança?
R - Chateado. Chateado. A vida que eu levo hoje fora de lá, posso seguir melhor do que depois do evento. Melhor, porque antes do evento, eu não sei, porque tem coisas que não dá pra dizer, mas melhor do que depois do evento. Então, não tem como descrever isso aí. O evento veio pra mudar. Do jeito que a pandemia veio para mudar a vida da gente. Hoje, quando eu lhe faço uma pergunta, o que você fez? Aí, você vai dizer: Espera aí, a pandemia foi quando? Divisor de águas. A mesma coisa é o evento do Pinheiro. Ele veio pra atrapalhar a vida de todo mundo.
1:48:56 P/1 - Professor Pedro, diante dessa situação que o senhor passou, o que mudou para sempre?
R - De início o visual. O visual de início é… Não tem como voltar mais. Não tem como olhar para o Pinheiro e dizer como que era? A não ser, em fotografia. Quem tem fotografia aérea da região, que a gente… Se você for para a internet, você vai encontrar, fotografias de como era antes, como é o depois. Mas que mudou pra sempre, pra mim, o visual. E se você for para um global, as vidas das pessoas. Não tem ninguém que você vá conversar, que vai dizer, “maravilha! Não mudou nada para mim!” Não é verdade. Mudou tudo. Agora, o que mais me impressiona, é o visual. Quem olha para o ambiente de sete, oito anos atrás, e vê hoje, é um negócio assim, fenomenal a mudança. Embora o íntimo de cada pessoa, lógico que mudou também.
1:50:06 P1 - Como o senhor vê o futuro das regiões afetadas?
R - Se você chamar as regiões afetadas, as partes que foram atingidas…
P/1 - Desocupadas…
R - E tem os que moram no entorno. Eu tenho um primo que mora numa determinada casa, que botou a venda e não vendeu. E aí, a casa dele custa tanto, não vendeu. E eu avaliei a casa. A casa valia esse tanto. Não vendeu. Porque está no entorno. Então, tem o que foi afetado e tem o que não foi afetado, mas está afetado. Não entrou na área de risco, mas está lá afetado. Pessoas que moram em residências, que não tem como vender, o bairro perdeu a liquidez. A liquidez financeira do valor dos imóveis, foi lá pra baixo. Quem tem hoje, tem. Tem colegas que até hoje lutam por valores, que não querem receber. Estão discutindo 10, 12, 13, 14 vezes com os advogados, que não querem receber aquele valor, que acham que não deve ser aquele valor. Tudo foi afetado. Tudo, tudo, tudo. Tanto a região que existe, que está, como eu falei, tapumada, que ninguém entra. Se você quiser entrar agora, você não vai entrar. Pode chegar e dizer que é o dono… Sou o dono de Maceió, você não vai entrar. Porque está sob o comando de alguém. E o entorno está meio atrapalhado, as pessoas estão mais pensativas, sem saber o que fazer.
1:51:52 P/1 - Como é que o Senhor vê o futuro do meio ambiente dessas regiões que foram desocupadas?
R - Foi o que eu estava falando há poucos instantes. Ninguém sabe o que vai ser ali. Ninguém sabe. A gente ouviu falar que vão ser edificações, ouvimos falar que vão ser parques, ouvimos falar que vai ser um suposto novo parque municipal em termos de arborização, tal, tal. Não dá para dizer. Até porque você plantar uma árvore centenária, nem a sua geração, nem a minha, nem a dos meus filhos vão alcançar. Plantar uma árvore aí que ela vai estar frutífera daqui 45 anos. Tá, e daí? Aonde é que eu vou estar? Então, ninguém sabe o que vai ocorrer ali. Você pode falar com qualquer pessoa, se você sair daqui agora, pegar uma pessoa aí na rua, o que é que vai ser ali no Pinheiro? Ninguém sabe. Alguém sabe. Alguém sabe, esse alguém não sou eu. E ne são os moradores. Alguém que comanda que deve saber. Como você sabe o que é que você vai fazer na sua casa mais tarde. O que você vai comer amanhã. Você tem planejamento. Mas eu não sei o que vai estar dentro da sua casa. A mesma coisa. Então, as pessoas não sabem o que vai ocorrer aí no bairro. Por enquanto é só descampado. Tudo descampado. Não sei.
1:53:18 P/1 - Professor, o que você gostaria que as pessoas soubessem de toda essa experiência?
R - Soubesse em termos de clareza de fatos?
P/1- Do que senhor passou, do que realmente aconteceu com as pessoas em entorno?
R - Então, as pessoas… Eu conheço gente que foi morar a 12 quilômetros daqui. E aí? Conheço pessoas que foram morar perto… 12, não, até mais, perto do aeroporto. Como é que você sai daqui a 20 minutos do centro, se você for andando da 25 minutos, meia hora. Se for de carro, dá cinco minutos. Para morar 13, 14, 15 quilômetros de distância. É complicado você saber o que ocorreu. A vida das pessoas que moravam no bairro do Pinheiro, mudou completamente, mudou. Quem muito perto mora, está morando na Pitangui, Gruta. Começo do Tabuleiro. Mas afetou todo mundo. Até porque o bairro aqui nessa região, ele é comprido, ele é limitado pela lagoa e pelo Canal do Reginaldo. Então, ele é comprimido, não tem uma lateralidade muito grande. Pra cá, não vai mais, não tem mais pra onde ir para a Lagoa, então vem para cá, aí só vai até a Pitanguinha. Da Pitanguinha, você pula para o Feitosa, Feitosa, Barro duro, por ali. Então, essa região aqui comprida, que vai até o Tabuleiro, Tabuleiro velho, Tabuleiro ali depois do Parque das Flores, por ali. Mudou tudo, tudo, tudo está mudado.
1:55:07 P/1 - Professor, gostaria de acrescentar algo mais? Contar mais alguma história que não pôde ser contada durante essa nossa entrevista?
R - Na questão de que não pôde ser contada, ou esquecida e que… Até porque não é tão legal a gente lembrar… Claro, que eu aceitei participar, que se eu quisesse não participar, eu diria a Ana Paula antes, não vou, não quero, não gosto. Mas é uma coisa que eu já assimilei. Não tenho mais detalhes para falar, não. Eu acho que foi bem explícito assim, o que eu pretendia. Claro, que não envolve nome de pessoas, não vem ao caso, a gente não está citando empresas, nada disso. Mas citando uma situação geral pela qual o bairro está passando e passou. É mais ou menos por aí.
56:05:05 P/1 - Professor diante dessa situação, qual o legado que o senhor quer ver para as próximas gerações?
R - Você está falando em relação ao Pinheiro ou não?
P1 - Essa situação assim, que a gente… Que os moradores passaram.
R - Não sei, talvez… Sei lá, poder amar mais a cidade, planejar mais a cidade. Porque quando o bairro perdeu em torno de 25.000 moradias, foi um boom, por aí afora. Em outros bairros deu um boom assim, de pá…. Faltou casa de aluguel, faltou construção, faltou tudo. Então, que é o futuro? Preservar aonde você vai morar. Ah, vai acontecer isso em outros bairros. Não sei! Suponho que não, porque a Braskem está localizada aqui nessa região baixa, suponho que não vai atingir mais bairros. Mas o principal que a gente tem que fazer, não é só uma pessoa que vai morar, mas tudo, político, geográfico, tudo. É manutenção do meio ambiente onde você vai morar, manter aquilo ali, ou aprimorar. Porque essa região aí não tem mais, não tem mais como voltar.
1:57:26 P/2- E o seu legado professor, como você gostaria de deixar o seu legado? Não em relação só a isso, no geral?
R - Ah, não sei. Não sei explicar. É complicado, é complicado. Na realidade eu queria que não tivesse ocorrido. Você falar de uma coisa.. O que você pretendia que fosse? Não dá para dizer. Um evento que ninguém nunca esperava acontecer. Então, o bom seria o que nunca aconteceu. Esse seria… Eu não estaria aqui, nem vocês estariam fazendo isso também. Não é? Que nunca tivesse ocorrido. Então, você fala o legado, não tem, não dá para dizer, não dá para dizer, infelizmente eu vou responder dessa maneira, não dá para dizer.
1:58:10 P/1 - Professor, como foi contar a sua história, um pouco da sua história?
R - Bacana, bacana, gostei! Eu já tinha participado de outras entrevistas. Como eu falei para vocês, não participei de grupos de discutir aquilo ali. Mas participei de outras que eram mais curtas, eram mais mais sucintas, isso, aquilo, aquilo lá. Mas foi bem bacana, bem bacana. Procurei externar o que eu senti, o que a minha família passou e até hoje passa ainda. Graças ao Todo Poderoso, estamos todos com saúde. Mas muita gente se foi também. Eu conheço pessoas que se foram, pessoas que andavam lá pela rua, pra cima e pra baixo o tempo todo. “Fulano faleceu.” “Hã? Fulano faleceu?” “Faleceu.” “O que ele tinha?” Não sei. Mas aí envolve uma série de fatores, também acusada por isso aí.
1:59:19 P/1 - Ana Paula, você tem mais alguma pergunta a fazer?
P/2 - Não, e gostaria de encerrar agradecendo a sua contribuição aqui para o nosso projeto. Em nome do Museu da Pessoa e da nossa equipe, professor. Muito Obrigada!
R - Eu que agradeço. Gostei muito quando Samara entrou em contato comigo. Eu não conhecia nenhum de vocês, aí: Quem é Ana Paula? Não sei quem é Ana Paula, que mais? Não sei quem é. Aí, eu achei interessante quando a Ana Paula falou: estou num estúdio, vai ter iluminação, vai ter os câmeras mam. Eu digo: poxa, então o negócio é mais aprimorado, não é uma simples entrevista. Porque ela chegou até falar em colégio. Olha, eu preferia não. Porque colégio você sabe como é, está em silêncio, daqui a pouco começa a gritaria. Não tem uma sala para você dizer, é agora está em silêncio? Tá! Daqui a pouco abre a porta, alguém dá um grito, tem a campainha, tem tudo. Mas eu gostei, achei bacana. Foi ótimo passar um pouquinho, não dá para contar tudo, porque é muita coisa, mas participar com vocês… Espero também ter contribuído para a finalidade do que o projeto pretende. Então, basicamente é isso. Obrigado em participar.
P/1 - Mais uma vez, muito obrigado, Professor.
R - Obrigado.
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